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A positivação de princípios no direito comercial brasileiro

Agenda 16/08/2017 às 15:00

Discute-se a positivação de princípios como caminho para o reforço à defesa dos interesses do direito comercial brasileiro.

INTRODUÇÃO

O direito comercial, em sentido contrário ao do civil e, mais ainda, ao do consumidor e ao do trabalho, sempre aparenta caminhar para longe da apreciação de princípios nas relações em que atua, eis que o que importa é a pouca interferência externa e a liberdade em prol da busca do lucro.

Essa aparência, contudo, é superficial. Ainda que se fale em liberdade, ausência de controle externo e na existência de condutas lucrativas, é notória a utilização de princípios que ajudam o intérprete das normas comerciais a procurar os melhores significados para os contextos da atuação empresarial no próprio ordenamento.

A necessidade de verificação da situação do assunto no direito comercial brasileiro é aqui, portanto, tema e objetivo da análise, primeiro passo para apontamento da necessidade de alterações na atual legislação.

Para tanto, o objeto de análise passa, inicialmente, pelo rol disponibilizado pela doutrina comercialista brasileira, para, depois, adentrar-se na questão dos princípios comerciais como alvos de positivação.


1 A PREDOMINÂNCIA DE PRINCÍPIOS IMPLÍCITOS NO DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO

Apesar de o assunto ter ficado adormecido na doutrina comercialista por décadas, os princípios ganharam grande relevância em obras recentes no Brasil. O Direito Empresarial, contudo, demonstra dar sinais de que se levanta em favor da construção de novos rumos a partir do enfrentamento dos próprios fantasmas.

É o que se destaca quando se observa a realização dos Congressos de Direito Comercial, organizados pela Associação dos Advogados de São Paulo – AASP, que se mostram deveras importantes diante da proximidade de um novo Código Comercial. Igualmente, é dado o mesmo relevo às chamadas Jornadas de Direito Comercial, promovidas pelo Conselho de Justiça Federal, que teve sua primeira edição em Brasília, no mês de outubro de 2012. Destas últimas, são extraídos enunciados de cunho doutrinário, com indescritível serventia tanto ao meio acadêmico, como ao profissional.

Fábio Ulhôa Coelho, com participações diretas nos eventos acima mencionados, se posiciona, nesse contexto, com trabalhos bem interessantes a respeito da argumentação principiológica no Direito Comercial. Segundo ele (2013, p. 109), é possível classificar os princípios em três frentes. Pela primeira, de acordo com a abrangência, os princípios podem ser constitucionais, ou legais, caso sejam previstos, respectivamente, pela Constituição Federal, ou por normas hierarquicamente inferiores. Além disso, de acordo com a abrangência, podem ser gerais, aplicáveis a todos os negócios jurídicos empresariais, ou especiais, restritos a apenas uma subárea da disciplina mercantil. Por fim, em função da positivação, podem ser explícitos, expostos na letra da lei, ou implícitos, indiretos.

Coelho discorre ainda sobre princípios por ele considerados existentes no Direito Comercial brasileiro, o que possibilita uma análise breve a respeito de todos, principalmente, a partir daqueles classificados como constitucionais, para, a partir daí, chegar-se aos legais. Para fins de direcionamento, porém, começam-se os comentários pelos últimos. Em termos infraconstitucionais, a redação expressa os princípios da preservação da empresa, da autonomia patrimonial da sociedade empresária, da subsidiariedade da responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais. Também menciona a limitação da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais, a maioria nas deliberações sociais, da proteção ao sócio minoritário, da autonomia da vontade, da vinculação dos contratantes ao contrato. Ressalta ainda a proteção ao contratante mais fraco, da eficácia dos usos e costumes, os pertencentes ao direito cambiário, da inerência do risco, do impacto social da crise da empresa, da transparência nos processos falimentares e, por fim, o tratamento paritário dos credores.

Em aporte individual, o primeiro listado seria o princípio da preservação da empresa. Normalmente implícito, é fruto da necessidade de preservação da atividade econômica desenvolvida, em meio a conflitos de interesses, e está presente em institutos consagrados pelo Direito Comercial, como a desconsideração da personalidade jurídica, a dissolução parcial da sociedade empresária. Discorda-se de Coelho (2013, p. 10 e ss.) quando o mesmo assevera que em relação à recuperação judicial, o ideal preservacionista estaria oculto na Lei 11.101/2005, eis que o artigo 47 é claro no sentido de que o referido processo tem por fim “a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

A toda sorte, ele é geral e se aplica não a uma matéria específica, mas à matéria comercialista como um todo. Ao contrário, por exemplo, do princípio da autonomia patrimonial da sociedade empresária, que, apesar de também ser implícito, é especial.

Este último, por sinal, seria aquele destinado a ser técnica de segregação de riscos para atração de investimentos, ou melhor, era para ser.

A questão que se coloca é a ineficácia atual da técnica de segregação patrimonial em prol de outras áreas patrocinadas, justamente, pela Constituição Federal, como por exemplo, a proteção a trabalhadores e, supostamente, a consumidores. Com relação a estes, diga-se em termos supostos, eis que a função de atrair investimentos é interesse metaindividual da coletividade e importa em aumento da competitividade em mercados, o que para o consumidor é importante, na medida em que os preços de produtos e serviços tendem a diminuir de valor.

Da mesma maneira são observados os tão conhecidos princípios da subsidiariedade da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais e, principalmente, o da limitação de responsabilidade. A ideia é a de se permitir, respectivamente, que as dívidas da sociedade atinjam o patrimônio dos sócios somente após o exaurimento da pessoa jurídica e, em alguns casos, a autonomia patrimonial acima mencionada.

Com isso, a intenção é a de que se possa fazer com que os investidores estejam protegidos contra dívidas advindas da empresa desempenhada, em limitação da obrigação de ressarcir terceiro em adstringência ao capital investido, descrito nas cotas, que está cada vez mais em risco. Coelho (2013, passim) afirma que os princípios da subsidiariedade e o da limitação de responsabilidade são implícitos. Há, contudo, menções que os lembram no ordenamento em vigor. O artigo 1.024 do Código Civil, verbi gratia, preceitua que “os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais”, o que demonstra que a responsabilidade dos investidores é subsidiária a do ente societário. Por sua vez, é ciência comum que os artigos 1.052, da mesma Lei 10.406/2002, e 1º, da Lei 6.404/1976, estabelecem responsabilidade limitada aos sócios ou acionistas. Podem, assim, não estar expressos, mas, seguramente, estão bem caracterizados.

Em termos societários, ainda, há de se destacar o princípio majoritário nas deliberações sociais, explícito nos artigos 1.061, 1.063, §1°, e 1.076 do Código Civil, e nos artigos 110,115, 129 e 136 da Lei 6.404/1976.

Aliás, são quase imperceptíveis as hipóteses principiológicas explícitas, eis que elas terminam aqui. O que se vê a nível legal é a carência de outras menções a princípios comerciais expressas em regras. Até a proteção ao sócio minoritário é implícita, pois é decorrente dos direitos de fiscalização e recesso previstos, por exemplo, pelo artigo 1.029 do Código Civil, ou o do direito à informação, que está diretamente ligado ao direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais, conforme expõe Luiz Gastão Paes de Barros (1978. v. 2, p. 221). No que se extrai das palavras de Waldirio Bulgarelli (1977, p. 62), o conhecimento exato da situação da sociedade é elemento que só pode ser alcançado a partir da fiscalização pelo minoritário.

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Não obstante se saia da esfera societária, observa-se que a tendência ao caráter implícito continua em outras subáreas.

Em termos contratuais, não se salva de tal condição sequer o princípio da vinculação dos contratantes ao contrato, vertente da obrigatoriedade atribuída às partes nos contratos mercantis que, como enuncia Coelho (2013, p. 51), diferentemente dos negócios civis, ou de consumo, são menos suscetíveis à teoria da imprevisão, permissivo para a revisão contratual. Isto, porque os negócios entre empresários não são isolados, considerada a noção de mercado e respectivos efeitos. Essa ausência de isolamento permite ressaltar a existência do princípio da inerência do risco, eis que o sucesso da atividade empresarial é de caráter aleatório, o que permite afirmar que, em caso de recuperação judicial, toda a coletividade tenha que validar os esforços em prol da empresa recuperanda, quando esta seja viável, apesar da crise econômica. A mesma justificativa se aproveita quanto ao princípio do impacto social da crise da empresa e ao princípio da proteção do contratante mais fraco, que será comentado adiante.

Até mesmo na seara falimentar, em que são destacáveis o princípio da transparência nos processos falimentares e o do tratamento paritário dos credores, e na cambiária, quando das tradicionais literalidade, cartularidade e autonomia, nada está explícito.

Da relação de Coelho não se observa o princípio do tratamento paritário entre os sócios de mesma classe, nem o da integridade do capital social. Na observância do Projeto de Lei 1.572/2011, de iniciativa da Câmara dos Deputados e que foi o primeiro a ser proposto para a criação de um novo Código Comercial, é destacável a ausência destes últimos, o que foi motivo de críticas por parte de Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França, (2012). O Projeto de Lei expõe, contudo, os anteriormente mencionados nos artigos 113 e 303. Na discussão se o rol apresentado seria taxativo, ou exemplificativo, não é por acaso que a própria codificação projetada expressa no artigo 8° a tentativa de se evitar o exagero interpretativo ao mencionar que “nenhum princípio, expresso ou implícito, pode ser invocado para afastar a aplicação de qualquer disposição deste Código ou da lei”. No Projeto de Lei do Senado, o de número 487/2013, a matéria é tratada no parágrafo único do artigo 4º.

O problema estaria nos limites impostos pelas características das normas. Outra vez vale dizer que a invocação da teoria dos princípios, eis que estes preponderam sobre regras, o que, na lição de Alexy, exposta anteriormente, ocorreria pela necessidade de se evitarem os arroubos da referida argumentação. A questão viria sobre o fato de haver a necessidade de positivarem-se princípios já enraizados, ainda que implicitamente, na Carta Magna. Afinal, deve-se ter em mente que muitos deles estão direcionados ao direito comercial.

Um exemplo conhecido seria o da liberdade de iniciativa, previsto pela Constituição Federal, de forma explícita, no artigo 170, caput. Segundo se coloca, este teria como funções, pela vertente do Direito Público, a anteposição de mecanismos de frenagem da intervenção do Estado na economia e, pelo lado do Direito Comercial, a coibição de determinadas práticas empresariais. Aliás, como curiosidade, tanto o Projeto de Lei 1.572/2011, no artigo 5º, como o Projeto de Lei 487/2013 do Senado Federal, no artigo 6º, preveem que, ao fazer isto, da liberdade de iniciativa faz decorrer a imprescindibilidade da empresa privada para o atendimento das necessidades e carências, a motivação para que a iniciativa privada a partir do lucro da exploração regular e lícita da empresa e a importância da proteção jurídica ao investimento privado.

Outro digno de nota seria o princípio da liberdade de competição, explícito na Constituição Federal no artigo 170, inciso IV, e o da liberdade de associação, previsto pela Carta Magna no artigo 5°, incisos XVII a XXI. Aqui, o termo associação é usado em sentido amplo, tanto que em obras como a de constitucionalistas, como José Afonso da Silva (1998, pp. 269-270), não se dá tratamento explícito direcionado ao direito societário como microssistema do direito comercial.

Deriva-se dele, no entanto, o direito de se tornar sócio e o de sair da sociedade que, por seu turno, teria a possibilidade de existir, permanecer, desenvolve-se e expandir-se livremente.

Há, por fim, no que merece maior destaque, o princípio da função social da empresa, que estaria atrelado à geração de empregos, tributos e riqueza, fatores que permitiriam a contribuição para o desenvolvimento econômico, social e cultural da comunidade em que se insere a atividade desenvolvida, respeitados os elementos legais, entre outros, de proteção ao meio ambiente e ao direito do consumidor. Ele está implícito na Constituição Federal, vindo a ser derivada da leitura do artigo 5º, inciso XXIII, que trata da propriedade. Atinge, no entanto, a todo o microssistema do Direito Comercial.

Verçosa (2012) afirma que “as externalidades negativas e os efeitos de segunda ordem, originados da atividade empresarial já são objeto de tutela jurídica plenamente adequada”. Rachel Sztajn (2009), entretanto, enfatiza que “sem respeito às regras de economicidade e eficiência, que a organização da empresa terá, os efeitos externos que recairão sobre a coletividade são imprevisíveis”, poderão ser perversos. Ainda hoje, mais de uma década após a entrada em vigor do atual Código Civil, está-se muito longe dessa adequação.

Há que se elevar, contudo, as palavras do mesmo Verçosa quanto ao reconhecimento da necessidade de se voltar a valorizar o empresário diante dos riscos do empreendimento. Este, aliás, é justamente o problema dos princípios acima mencionados, porque é notório o fato de que eles tendem a não fornecer segurança jurídica aos que pretendem se arriscar em uma atividade lícita, isto, obviamente, se comparados com os princípios dos demais microssistemas existentes.

Daí ser imperioso mencionar que não só a discutível função social seja passível de necessária positivação, como também, os demais princípios ligados ao Direito Mercantil. A questão é saber em qual âmbito, se na esfera constitucional, ou na legal.


2 A NECESSIDADE DE POSITIVAÇÃO DE PRINCÍPIOS COMERCIAIS  

É atrativo discutir a respeito de quão superficiais podem ser os textos positivados e quão fugazes podem ser as interpretações. Aliás, é nisso em que se ampara a maior parte das celeumas do direito brasileiro, ou seja, entender que a utilidade dos princípios deveria ser expressão maior quanto à prática e menor quanto à abstração.

Carmen Lígia Nery (2014, p. 119-120) afirma que “o positivismo não consegue superar o problema da ausência de fundamento porque, calcado na metafísica, permanece alheio à finitude. Ambas as formas tomadas pelo positivismo apostam na possibilidade de conhecimento atemporal do direito, fundado na descoberta da vontade da lei ou do legislador. Quer por entender que o texto legal exprime com clareza e em sua literalidade a totalidade do sentido da norma, bastando que o juiz subsuma o caso concreto na vontade da lei (exegetismo), quer porque, na falta de clareza absoluta da lei, deve o juiz, via discricionariedade, descobrir no texto o sentido ‘oculto’ e ‘originário’ da norma para, então, novamente subsumir o caso na vontade ‘descoberta’ da lei ou do legislador (normativismo). Para ela, “a superação da metafísica pela filosofia é também a superação do positivismo pelo direito. Se a relação texto-norma não pode mais ser dual, fundada no esquema sujeito-objeto, mas sim circular (hermenêutica – hermeneutiche Zirkel), pautada na diferença (que não é distinção) ontológica entre eles, não há mais falar em positivismo”.

O positivismo é, entre outros conceitos, uma tradição, um fruto histórico de uma cultura em que se prepondera a necessidade de se observar o processo interpretativo como algo de natureza reprodutiva e não produtiva. O caráter reprodutivo é visto até em função de que o intérprete dos fatos e do direito nem sempre pode ser considerado confiável.

A questão, portanto, seria dizer se o caminho seria a fabricação de princípios para contrapor a existência de regras.

Lennio Luiz Streck (2006, p. 145) aponta para a importância dos princípios no sentido de que eles servem para que, através de discursos fundacionais sobre a interpretação jurídica, possam-se sustentar respostas corretas aos casos concretos. Segundo ele, “a resposta dada através dos princípios é um problema hermenêutico (compreensão), e não analítico-procedimental (fundamentação)”, o que evitaria a discricionariedade judicial.

Assim, entende-se aqui que os princípios seriam luzes sobre a realidade concreta nos casos específicos e, não, meramente, sobre as normas já existentes. A argumentação por intermédio deles deveria permitir o avanço do direito brasileiro a um patamar evolutivo bem interessante. Aliás, caminharia para um cenário provavelmente melhor por proporcionar evolução a um nível independente do que estaria previsto nos textos positivados, sejam eles leis ou verbetes jurisprudenciais.

Como afirma Paulo Bonavides (2013, p. 265), a ideia de princípios derivaria da linguagem da geometria, sendo decorrente da designação das verdades primeiras, as premissas do sistema.

Não cabe aqui a extensão de maiores críticas filosóficas quanto à existência das normas positivadas, mas, sim, da reafirmação destas quanto à função dada aos princípios e a posição destes quanto às regras.

Asseverava Miguel Reale (2002, p. 59) que, por princípio, em termos de vocábulo, haveria duas acepções, sendo uma de natureza moral e outra de ordem lógica. A primeira mencionaria uma vertente ética, ligada à virtude do ser. A segunda corresponderia a “verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade”.

Pensa-se, aqui, que o ideal seria a junção dos dois conceitos. Quanto mais a coletividade à qual se destina a norma evolui quanto ao sincretismo entre as duas vertentes acima expostas, mais o resultado se aproxima daquilo que seria o correto. O desafio seria possibilitar a concretização de direitos e “ao mesmo tempo evitar decisionismos e arbitrariedades interpretativas” (2006, p. 09) a partir de princípios, o que, talvez, só fosse possível em nível evolutivo ideal da coletividade brasileira, onde os princípios de ordem moral talvez fossem, justamente, aqueles decorrentes de reflexos de ordem lógica. Assim, seriam evitadas “arbitrariedades interpretativas”, decorrentes de sentimentos pessoais.

No Brasil, a importância da argumentação por princípios pode, inicialmente, ser vista como advinda da obra de Geraldo Ataliba (2004, p. 15), na qual este, sobre o Direito Tributário, em período de transição democrática na década de 1980, expôs a necessidade de se adotarem os referidos mecanismos a nível constitucional para propiciar a invalidade de normas legais e infralegais. Conforme Fábio Ulhôa Coelho (2012, p. 15.) relembra, foi esse o modelo de argumentação jurídica que passou a ser utilizado por todos os ramos do Direito Público.

É bem verdade, como afirmam Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco (2010, p. 171), que os princípios não têm caráter normativo, não resultam em interpretações obrigatórias, mas, sim, valem “como simples tópicos ou pontos de vista interpretativos, que se manejam por argumentos – sem gradação ou limite – para a solução dos problemas de interpretação”.

Também é correto, como assegura Eros Roberto Grau (2002, p. 170), ao comentar sobre Hans Kelsen, que este afirmava que se existisse diferença entre princípio e norma, o primeiro não existiria, daí surgindo a conclusão de que aquele não necessitaria ser positivado, pois bastaria ser declarado.

José Afonso da Silva (1998, p. 96.), por sua vez, afirma que os princípios são a base de normas jurídicas, mas podem estar positivados naquilo que correspondem às normas-princípio e constituem preceitos básicos da organização constitucional.

Sobre a argumentação por princípios, aliás, Humberto Ávila (2012, p. 112-113) aduz que há a noção de que se houver colisão entre um princípio e uma regra não vencerá o primeiro, mas, sim, a concepção de que “é preciso verificar se há diferença hierárquica entre as normas: entre uma norma constitucional e uma norma infraconstitucional deve prevalecer a norma hierarquicamente superior, pouco importando a espécie normativa”, seja ela princípio ou regra. Só então, expressa ele, “se as normas forem do mesmo nível hierárquico, e ocorrer um autêntico conflito, deve ser dada primazia à regra”.

Certa, ou não, a visão positivista de Ávila é interessante por desenhar o instrumento determinante da defesa da segurança jurídica, alicerce desencadeador de embaraços acadêmicos entre os que estudam a matéria.

Tal caminho, contudo, não é novo. Fabio Ulhôa Coelho (2013, pp. 108-109) relata o caráter complementar das obras de Ronald Dworkin e de Robert Alexy, no que tange à caracterização das regras como normas que se aplicam segundo a lógica do tudo ou nada, e à repercussão em relação ao conflito e à dimensão do peso dos princípios. A visita à obra de Dworkin, contudo, revelaria um maior desapego à lei, enquanto que na de Alexy, um apego a àquela.

Para Dworkin (2010, p. 39.), “as regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada”, eis que verificados os fatos estipulados, elas seriam válidas ou não, conforme as respostas por elas fornecidas, o que justificaria a necessidade de enunciação das exceções pela exata medida de que quanto mais estas forem arroladas, maior será a completude do enunciado da regra. Além disso, assegura que mesmo os princípios que mais se assemelham às regras não trazem consigo consequências jurídicas como resultados das condições delas exaradas, razão pela qual não seriam normas. As regras, ainda que em conflito, não podem ser suplantadas umas pelas outras, mas os princípios possuem a dimensão do peso ou da importância, o que faz com que, em caso conflituoso, exponha-se a força relativa de cada um deles. Revela que quando duas regras conflitem, verificam-se questões de validade em razão da anterioridade, generalidade e peso, mas que, quando dois princípios colidem, verifica-se o de maior peso, remanescendo válido o preterido.

Alexy (2008, p. 104) discorda, inicialmente, de Dworkin com relação às exceções, asseverando que não é possível enumerá-las, em termos técnicos, eis que “nunca é possível ter certeza que, em um novo caso, não será necessária a introdução de uma nova cláusula de exceção”. Entende, ainda, que princípios são espécies de norma jurídica, são comandos de otimização, são normas não sujeitas à lógica do tudo ou nada. Um princípio deve ser aplicado enquanto não encontrar barreiras fáticas ou jurídicas e, havendo regra específica aplicável a determinado fato, barra-se a aplicação dos princípios. Se certa norma é factualmente pertinente e válida, deve ser aplicada; do contrário não tem cabimento sua incidência. Para ele, quem argumenta com apego à lei encontra os elementos para controlar alguns arroubos e excessos veiculados por meio da argumentação por princípios.

Neste ponto, Coelho (2013, p. 109) segue Alexy para justificar o apego à lei como cerne de segurança jurídica, porém com centralidade deferida aos princípios, agora paradigmas.

Assim é que as leis em vigência, ou um novo Código Comercial, verbi gratia, poderiam, no que tange ao Direito Mercantil, ter princípios e regras tanto como a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor, nos quais os elementos principiológicos ocupam posição paradigmática. Segundo ele, no entanto, “quanto maior for a margem para argumentos de desapego à lei, menor será a previsibilidade das decisões judiciais e, consequentemente, a segurança jurídica”, o que faria com que fosse necessária uma adequada disciplina das relações sociais e econômicas.

Como visto no item anterior, diversos são os princípios no direito comercial brasileiro, mas ter inúmeros exemplos sem que, com isso, haja uma valorização dos institutos que buscam proteger, de nada serve. É necessário que a aplicação de cada um deles seja efetiva para justificar a respectiva subsistência, não só em trabalhos acadêmicos, como na própria legislação.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Viu-se que há a predominância de princípios implícitos na esfera jurídica mercantil, o que não impede o apontamento de diversos deles, principalmente em sede doutrinária.

Ainda assim, a partir da diferenciação realizada sobre princípios e regras, entendeu-se que os princípios positivados deveriam possuir centralidade também no Direito Comercial. Desta maneira, até no pensamento de um possível novo Código Comercial, verbi gratia, é primordial existirem princípios e regras, nos quais os primeiros ocupam posição paradigmática.

Saber se tal positivação realmente acontecerá depende, exclusivamente, de respostas a perguntas relacionadas à aprovação do Projeto de Lei 1.572/2011 da Câmara dos Deputados, ou do Projeto de Lei 487/2013 do Senado Federal, ainda pendentes. O resultado, contudo, envolve outros temas, como o aumento do nível de segurança jurídica nas relações comerciais a partir do conhecimento das variáveis interpretativas dos institutos.


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Sobre o autor
Eduardo Silva Bitti

Doutor em Direito pela pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Mestre em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito Milton Campos, Especialista em Direito Civil pelo Centro Universitário do Espírito Santo (UNESC), Graduado em Direito pelo Centro Universitário do Espírito Santo (UNESC). Professor da Graduação da Fundação São João Batista - Faculdades Integradas de Aracruz (FAACZ). Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BITTI, Eduardo Silva. A positivação de princípios no direito comercial brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5159, 16 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59775. Acesso em: 23 nov. 2024.

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