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ALCA. Processo da Área de Livre Comércio das Américas.

Controvérsias, riscos e oportunidades

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RESUMO: Esta pesquisa tem por escopo analisar o processo atual para a formação da ALCA, Área de Livre Comércio das Américas, de forma intensiva e constante, buscando apontar as vantagens e as desvantagens da formação deste bloco econômico para o Brasil, bem como os impactos econômicos, comerciais, sociais, políticos e jurídicos que dele poderão derivar. Dessa forma, a análise funda-se, prioritariamente, em uma abordagem pluralista das relações internacionais contemporâneas.

Palavras-chaves: ALCA – Controvérsias – Riscos – Oportunidades – Atualidades.


1. INTRODUÇÃO

Hodiernamente, o cenário das relações internacionais econômicas encontra-se pautado pelos processos de globalização e regionalização, sendo que este último intenta contrapor-se à força comercial nefasta causada às economias menores pelo primeiro. Desta feita, os processos de regionalização, ou mesmo os processos de preferências comerciais, justificam uma abordagem profunda de seus impactos nos Estados que se encontram contextualizados por processos internacionais desta natureza, tal qual é o intento deste estudo. Focando principalmente as atuais tendências do desenrolar dos acordos econômicos, o projeto propõe estudar e acompanhar as negociações que visam à formação da ALCA, bem como sua repercussão para o Brasil e o MERCOSUL.

O projeto de integração das Américas, principalmente a latina, não é recente, ao contrário. O século XIX já pautava-se por diversas tentativas de integração política, sendo que a mais notável foi o Congresso do Panamá, em 1826, que encontrava-se embasado pelos ideais de Simon Bolívar. O conjunto de idéias "bolivarianas", consubstanciado inicialmente na Carta da Jamaica, de 1815, ensejava a possibilidade do estabelecimento de um agrupamento regional de Estados latino-americanos, através do fomento político entre os mesmos, visando buscar a melhoria das economias. Não se tratava, entretanto, de uma espécie de regionalismo econômico, uma vez que as propostas não incorporavam a idéia de integração econômica, mas uma união política, que não se consolidou. Muito embora o fracasso aparente, o substrato ideológico – tido como antecedente remoto do regionalismo econômico hemisférico –, foi resgatado seguidas vezes para justificar posteriores iniciativas de integração, tal qual é o caso ALALC, na década de 1970, a ALADI, na década seguinte, a ALCA, cujas negociações iniciaram em 1994 [1].

Muito embora o ensejo inicial das negociações para a formação da ALCA remeta, para justificar a sua formação, ao ideário "bolivariano" de libertação econômica para um desenvolvimento igualitário dos Estados, é patente no histórico deste processo atual que o bloco não tem esse objetivo, mas que sua formação implica tão somente em um corredor de livre circulação de alguns produtos e acesso razoavelmente aberto a mercados. A propositura dessa nova tentativa de integração hemisferial teve iniciativa estadunidense, que, à época, após o término da Guerra Fria, encontrava-se em um cenário internacional unimultipolar, segundo a denominação atribuída por Samuel Huntigton [2], e tentava aplicar os planos da doutrina Monroe, almejando alinhavar sua hegemonia comercial no continente. Atualmente, com o vigor tomado pelos blocos regionais e pelos acordos preferenciais de comércio entre as mais distintas economias, a hegemonia americana encontra-se incitada a abrir mão de certos dogmas de sua política internacional e a rever sua postura imperialista, ao menos no que tange as questões econômico-comerciais.

Doutrinariamente, a integração que se intenta com a ALCA é aquela que busca meramente o imediatismo das relações econômico-comerciais, denominada de integração em si, pois não abrange uma visão multidimensional de integração, delimitando seu objeto na movimentação comercial e no aquecimento da economia. Por outro lado, a título de fundamentação, temos a integração cooperativa, que visa o desenvolvimento sadio dos membros como base de sua política de integração, o que possibilita ao bloco constituído deste caráter uma comunidade regional, como é o caso da União Européia e objetivo final do MERCOSUL [3].

A Conferência de Miami, de 1994, abriu em definitivo o processo negociador para a formação do bloco das Américas, que estimou para o início de 2005 a conclusão dos trabalhos pelos diferentes comitês que o compõe e que tem como objetivo negociar os temas que lhes são pertinentes, levando em conta uma proposta detalhista e minuciosa de abertura comercial, tangenciando pontos vitais para as economias maiores, como é o caso dos Estados Unidos e do Brasil. Destarte, desde novembro de 2003, praticamente toda negociação elaborada desde a referida conferência foi substancialmente alterada no que concerne ao teor dos temas negociais, bem como a forma de negociação e de elaboração do futuro acordo.

Em 1998, na Reunião Ministerial de Belo Horizonte, por proposição estadunidense, as negociações passaram a ter caráter universalizador, isto é, orientadas pelo Princípio do Consenso ou do Compromisso Único. A partir de 2003, as delegações, guiadas pelo novo contexto internacional, que possibilitava maior atuação das nações na busca de seus interesses ou dos blocos de integração cooperativa no qual estavam inseridos, chegaram à conclusão de que a postura até então adotada não era mais suportada, inclusive pelos Estados Unidos, gerando com isso o que se denominou de ALCA LIGHT.

Neste contexto negociador de fomento da ALCA é que implementamos a discussão disposta a seguir. A problemática figura-se entre a análise do histórico de intentonas de configuração geo-política e geo-econômica de integração hemisférica anteriores para as Américas, e, fundamentalmente, no processo atual no qual encontramo-nos envolvidos, isso tudo levando-se em consideração a amplitude da esfera negocial da ALCA, os fluxos comerciais/econômicos envolvidos, e a possibilidade substancial de perdas sociais – inclusive no que tange a esfera de desenvolvimento humano sustentável. Essas questões afiguram-se justificativas demasiado relevantes para atualidade, pois seus impactos serão sentidos em todas as escalas sociais.

Embora tudo até aqui exposto, sinalizamos no sentido de que em termos de negociações internacionais, principalmente quando envolvem interesses econômicos particulares de cada Estado, historicamente disputados, e tendo como fundo um cenário mundial tão articulado, a afirmação de certeza dos resultados pode ser perigosa, principalmente em um estudo de caráter científico.


2. OBJETIVOS

A pesquisa tem como designo genérico acompanhar e avaliar as negociações do processo de formação da ALCA, pelo qual almeja-se a eliminação das barreiras ao comércio e aos investimentos, de forma progressiva, destacando as controvérsias em torno da sua criação, além dos riscos e as oportunidades que envolvem sua constituição.

Para alcançar o intento genérico, havemos de lançar mão de objetivos específicos, alcançados ao longo da construção da pesquisa. Como tratamos anteriormente, o processo negociador do bloco econômico hemisferial americano vem passando por profundas transformações no seu eixo central, o que tornou nossa pesquisa flagrantemente rica do ponto de vista da atualidade, sendo a busca pela contemporaneidade do processo um de nossos objetivos primordiais. Assim, temos que o acompanhamento constante e intensivo das negociações foi um dos nossos objetivos, fato que torna esta pesquisa útil e atual. Essa celeridade na coleta de informações sobre o desenrolar das negociações tem como escopo identificar os novos contornos do cenário internacional, bem como a luta de forças econômicas/comerciais e políticas no mundo.

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Buscamos também fazer uma revisão bibliográfica detalhada nos mais diversos bancos de dados, nas Universidades, nos periódicos científicos, etc, com o intuito de identificar o que os especialistas apontam como vantagens e desvantagens no aprimoramento da ALCA. Desta forma, acompanhar a produção científica nacional e estrangeira sobre as perspectivas dos resultados para a formação do bloco e seus apontamentos sobre os impactos aos Estados que encontram-se tendentes a tornarem-se signatários do futuro Acordo.


3. METODOLOGIA

Método científico é um conjunto de procedimentos adotados com o propósito de atingir um dado conhecimento. TRURJILLO FERRARI [4] ensina que "o método científico é um traço característico da ciência", constituindo-se em instrumento básico que ordena, inicialmente, o pensamento em sistemas e traça os procedimentos do cientista ao longo do caminho até atingir o objetivo científico pré-estabelecido. A conclusão pertinente é que não há ciência sem método científico.

A pesquisa científica é a atividade humana que tem como objetivo primordial o conhecimento e a explicação dos fenômenos inerente às percepções humanas, fornecendo respostas às questões significativas para a compreensão da natureza dessas. Para tanto, o pesquisador deverá dispor de duas ferramentas, que são o conhecimento anteriormente acumulado e a manipulação cuidadosa de métodos e técnicas para obter resultados pertinentes a sua indagação.

Esses conhecimentos a que nos referimos anteriormente são, obviamente, aqueles de cunho científico, isto é, fundado na delimitação de um objeto e na observação fenomenológica deste objeto de acordo com critérios pré-definidos. Segundo GALLIANO [5], ao analisar um fato, o conhecimento científico não apenas trata de explicá-lo, mas também busca descobrir e explicar suas relações com outros fatos, conhecendo a realidade além de suas aparências. Esta pesquisa está fundamentalmente comprometida com o processo científico de inquisição da temática posta a baila de acordo com os parâmetros abordados acima, pois entendemos que a pesquisa científica é um procedimento reflexivo sistemático, controlado e crítico, que permite descobrir novos fatos ou dados, relações e leis, em qualquer campo do conhecimento, como bem argumenta ANDER-EGG [6].

Para a realização deste trabalho, do tipo teórico, utilizamo-nos das técnicas orientadas por LAKATOS e MARCONI [7], no que tange a coleta do material de documentação indireta, implicando no levantamento de variadas fontes, e de documentação direta, com pesquisa em textos legais de negociações internacionais, com orientação crítica e analítica. Dentre os procedimentos adotados para alçar um objetivo científico, isto é, a orientação seguida para a análise do material coletado, podemos citar a utilização o método elaborado por Popper, isto é, o hipotético-dedutivo, e, também, a dialética, dentre os métodos científicos gerais. Dentre os específicos utilizamo-nos da hermenêutica jurídica, quando esta se mostrou necessária, a estatística e a comparação.

Para o salutar desenvolvimento do estudo proposto foi necessário percorrer o seguinte caminho: (a) levantar as bibliografias relacionadas ao tema, pesquisando em diversas bibliotecas do país; (b) elaborar a revisão bibliográfica do material levantado, sendo devidamente fichado podendo ser consultado por qualquer pesquisador que assim requeira; (c) realização de seminários de discussão internos com o objetivo de expandir o universo de conhecimento entre orientador e bolsista; e (d) seminários de discussão externos, para disseminar os resultados parciais pesquisados.


4. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

4.1. Síntese Inicial da Situação Negocial

Como proferimos anteriormente, a partir da Reunião Ministerial de Miami, de novembro de 2003, após quase dez anos de especulações e da elaboração de duas minutas vastamente caracterizadas por incertezas de todo gênero, as delegações acordaram pela viabilidade de tornar o esquema ALCA mais simplificado possível, o que denominou-se vulgarmente de ALCA LIGHT, ou ALCA Flexivel. Da Reunião supracitada restou resolvido que o Acordo será divido em dois níveis, isto é, um Acordo Geral, que será compartilhado por todos os Membros de igual forma, pois tentará ao máximo não ferir as economias menores por ser estritamente simples nas propostas; e subseqüentes Acordos Temáticos ou Compromissos Suplementares de caráter mais profundo a serem negociados de acordo com os interesses dos países que deles serão signatários, em forma bi ou plurilateral.

No que se refere ao conteúdo e ao nível de ambição do Acordo Geral estes ainda serão definidos, sendo que caberá, conforme delimitou-se na Reunião, ao Comitê de Negociações Comerciais, CNC, elaborar essas delimitações. Perdura indefinição nas negociações com relação a acesso a mercados na fase inicial de atuação da ALCA, sendo que distingui-se dois grupos distintos: o G-14, que liderado pelos Estados Unidos, que defende que o Acordo Geral limite-se a pautar o substancial do comércio; e, por outro lado, um grupo encabeçado pelo MERCOSUL, que defende a abrangência de todos os produtos comerciáveis pelos trinta e quatro membros.

Doutrinariamente, a Reunião de Miami, de 2003, recebeu a significativa expressão de ALCA de geografia variável, isso pelo fato de que, como dispomos anteriormente, o Acordo final tratará os compromissos a serem adquiridos de forma bifásica para a constituição do bloco. De fato, por essa característica impar, a ALCA apresenta agora não ter um único viés, mas aponta para vários "micro-blocos" em temas específicos e de abordagens distintas, desde que sejam respeitados os princípios do Acordo Geral e as normas da Organização Mundial do Comércio, OMC, sobre negociações suplementares.

Segundo TORRENT [8], o projeto ALCA teve início de fato na Reunião Ministerial de Miami, e está sendo organizado desde a XVII Reunião do CNC, realizado em Puebla, México, entre 02 a 06 de fevereiro de 2004. Seguindo nesta mesma senda, o Chanceler Celso Amorim externou que "a ALCA nunca esteve tão perto de ser criada. Antes, o ambiente conduzia a um impasse de última hora" [9]. Ainda, salientou em outra oportunidade que "o que acontecia antes era uma falsa negociação" [10]. O embaixador brasileiro Adhemar Bahadian, Co-Presidente do CNC, por sua vez, caracterizou a atual formatação do Acordo Geral como objetivo, flexível, pragmático e criativo [11], mostrando, com isso, maior viabilidade para a sua consecução.

4.2. A Quem Interessa a ALCA LIGHT?

A priori, pode sugestionar obscuro e até indefinido à quem interessou uma mudança tão drástica nos rumos de tal processo negociador que perdurou por quase uma década. Porém, uma análise aprofundada do cenário internacional atual, embasada por uma base histórica forte sobre relações internacionais pode facilmente sugestionar os interessados.

Primeiramente, é evidente a constatação de que o cenário econômico-comercial internacional hodierno encontra-se caracterizado por múltiplas nuances, inviabilizando qualquer acordo que vise apenas o fomento econômico, em detrimento das diversas articulações de uma nação. Essa negativa de engessamento é válida para a maior potência comercial – produtora e consumidora –, como para a menor das economias do bloco em questão. Fundamentalmente, a ALCA LIGHT agrada aos Estados Unidos e ao Brasil, por motivos diversos, tenha-se claro.

4.2.1. Os Motivos dos Estados Unidos

Pelo lado do atual governo estadunidense, a proposta da ALCA como está sendo discutida agora é, a curto e médio prazo, excelente, pois de outra forma haveria o inconveniente de causar maiores discussões internas tanto com a sociedade civil como com o Congresso, que desaprovavam o formato anterior por tocar em temas protegidos pelo país em um ano eleitoral, desfavorecendo o atual Presidente americano, principalmente pelo fato de que o seu adversário eleitoral, John Forbes Kerry, do partido democrata, deixa claro sua posição pelo protecionismo comercial internacional.

O descontentamento do empresariado de setores protegidos por medidas protecionistas ou subsidiados pelo governo dos EUA com relação à negociação de temas protegidos para aquela sociedade, como medidas compensatórias, antidumping e subsídios, agricultura, siderurgia, etc, refletiram nas constantes negativas do Congresso Norte Americano em permitir ao Executivo assinar o Acordo da ALCA na forma em que se encontrava. O jornal Valor Econômico [12] salientou sobre esse particular, reafirmando tal idéia, dizendo que

"Além das restrições legais internas (o mandato para negociação de acordos, Trade Promotion Authority, aprovado pelo Congresso dos EUA, limita os negociadores em vários aspectos), será muito difícil que se aceite num ano eleitoral a retirada de proteções sobre algumas indústrias agrícolas americanas. ‘Mas pelo menos agora não estamos num jogo de faz de conta. Há seis anos os negociadores não consequiram chegar a um acordo mas agora os motivos estão colocados sobre a mesa’, afirmou o embaixador brasileiro (Embaixador Adhemar Bahadian)".

Um segundo motivo, dentre os três mais aparentes, é o desinteresse do atual governo em se utilizar das estratégias comerciais para buscar uma hegemonia global; o plano estratégico atual é a atuação hegemônica pela ideologia do terror mundial. Essa motivação é bastante patente se analisarmos as estratégias de inserção internacional através do processo elaborado por NYE [13], sobre o jogo de xadrez tridimensional, jogado simultaneamente. Na teoria deste cientista-político, que encontra respaldo do ex-chanceler Celso Lafer, as relações internacionais são pautadas em três níveis: o militar, o econômico-comercial e o diplomático.

É de conhecimento que a diplomacia estadunidense é insuficiente em seus desígnios, conforme restou comprovado no episódio do desrespeito a Resolução do Conselho de Segurança da ONU de número 1441, de 2002, e as demais a ela ligadas, que resultou na tomada do poder soberano do Iraque pelos EUA, através de sua hegemonia militar impar. Neste caso didático, a diplomacia americana não só foi ineficaz como também aleivosa ao levantar hipóteses infundadas e acobertadas por documentação falsa para justificar interesse difuso do qual proclamava.

Com relação às questões de comércio e economia, reafirmamos o que já dispomos anteriormente que o mundo contemporâneo está pautado pelo pluralismo nesta esfera, despontando diversas potencias, como é o caso do Japão, da Alemanha, da China, da Índia, e da própria América Latina. Resta ao EUA busca a hegemonia mundial que tanto primam pela força militar, através de justificativas de combate ao terrorismo e ao narco-terrorismo.

PINHEIRO [14] aponta que "a noção de hegemonia, de Antonio Gramsci, vai na direção de que a reprodução da dominação é baseada em mecanismos de sistemas culturais que persuadem os dominados de estarem obedecendo ‘espontaneamente’, sem intervenção de força externa por parte daqueles mecanismos exceto nos momentos de crise de autoridade". De fato, a hegemonia, qualquer que seja seu objeto, seja comercial, militar, etc, leva em consideração, sempre, em primeiro plano, a dominação ideológica. No particular belicoso, é o fazer com que se faça o que aparentemente vai resultar em maior proteção ao bairro no qual se vive, à cidade na qual se estruturam as famílias, ao Estado ou ao mundo todo. A primeira dominação é impreterivelmente ideológica.

Aparentemente, há alguns anos está vem sendo a estratégia de inserção internacional prioritária para os EUA, pois seu poderio bélico é incontestável. Criar a idéia de que o mundo está vivendo em constante alarme em virtude do terrorismo está sendo uma excelente estratégia para manter-se presente em todos os continentes do globo. Mesmo internamente, as campanhas para presidência daquele país giram em torno do quesito segurança interna e internacional: qual dos dois candidatos conseguirá ser mais incisivo na sua coerção ideológica do medo? Bush já comprovou que é capaz de qualquer coisa para por a tropa no front de batalha, mesmo que o inimigo seja apenas sua fértil imaginação. Lembra PINHEIRO [15] ainda que "a violência simbólica somente atua pela presença permanente da violência bruta que ela simboliza".

Um último, porém relevante, motivo é o desinteresse dos EUA em criar atrito com o Brasil. Neste sentido, o periódico The New York Times, em matéria assinada por Christopher MARQUES [16], definiu os aliados latino americanos, sublinhando-se principalmente o Brasil, como não mais dóceis e confiáveis para os EUA, mostrando o desconforto estadunidense com relação às atuais posturas da diplomacia brasileira.

4.2.2. Os Motivos do Brasil

Para o Brasil, o Acordo tal qual estava sendo proposto pelos EUA e aceito pelas economias da América Central, por pressão estadunidense, não se mostrava vantajoso pelo fato de que o país não é uma potência comercial internacional no seu sentido lato, assim não interessando um acordo que só visasse a esfera comercial, mais ainda, o comércio pautado pelos interesses norte-americanos. Muito embora não seja uma superpotência comercial o The New York Times [17] traçou um esboço do país e concluiu que

"um país industrial de médio porte e uma superpotência agrícola, o Brasil não depende do comércio com os EUA na mesma proporção que a maioria dos países latino-americanos. Brasília está interessada em cimentar um bloco sul-americano bem estruturado do que comprar a idéia do arranjo hemisférico dominado por Washington".

A diplomacia brasileira vem enfrentando com firme disposição as negociações no entorno da formação da ALCA, não esquecendo-se de alinhavar entendimentos com os países do MERCOSUL para fortificar interesses dos Estados em desenvolvimento. Essa demonstração de fortalecimento do bloco do Cone Sul foi sentido em fevereiro em Puebla, onde os quatro países negociaram juntos, sem nenhuma dissensão. Visualizando um cenário global e multifacetado, o grupo formado pelos Estados do Sul, fortes no setor agrícola, liderados pelo Brasil, Índia e China, está agregando força neste nicho negocial contra os Estados do Norte que subsidiam seus os produtores. Isso refletiu-se com grande força na OMC, e respingou nas negociações para a formação da ALCA. A posição brasileira [18] até o presente momento é de que o país optou por transferir para a OMC o debate o tema, bem como investimentos, propriedade intelectual, serviços e compras governamentais.

Desta forma, é evidente as múltiplas possibilidades de acesso a grande mercados para o Brasil no G-22, bem como o interessante estágio do MERCOSUL e sua possibilidade de integração, caso a ALCA se mostre muito nefasta aos seus interesses de desenvolvimento sustentável. O embaixador Graça Lima [19] sublinha que

"interessa-nos negociar um programa de liberalização comercial em âmbito continental na medida em que sejam contemplados os interesses dos 34 países do hemisfério, se alcance o equilíbrio de ganhos e concessões e contribua para promover a prosperidade entre os povos".

4.3. Agricultura: O Tema que Pode Travar as Negociações Mesmo Com a ALCA LIGHT.

As diferenças substanciais entre os países do MERCOSUL e os EUA sobre o tratamento dado a questão agrícola são um enorme entrave a formação da ALCA. Tanto que o Brasil já se posicionou no sentido de remeter as discussões na OMC a temática, pela incongruência de tratamento entre eles. O fato é que, como bem salientou o Embaixador Bahadian [20], "no hay hipótesis alguna de hacer um acuerdo sobre las reglas básicas – del ALCA – si no hay um esfuerzo por solucionar el problema mayor, que es el algricola".

Assim, resta concluso que a problemática gerada pela questão agrícola pode, ainda, travar as negociações e atrasar a data prevista para a entrada em vigor da ALCA, mesmo ela já tendo sido simplificada ao máximo.

4.5. Esforço de Síntese Final

Essa modificação radical das negociações responde a interesses múltiplos no cenário internacional, tanto de ordem política quanto econômica. Obviamente, da forma atual, a ALCA mostra-se menos impactante aos olhos da economia interna, mas devemos buscar uma análise de todos os atores e situações internacionais envolvidos direta ou indiretamente, o que nos leva a concluir que, futuramente, os impactos podem não ser apenas de ordem econômica, mas também social. É interessante salientar que um acordo dessa amplitude pode por em risco fatores sociais imprescindíveis para o desenvolvimento do Brasil, como é o caso dos impactos econômicos sentidos na agricultura, caso o Acordo celebrado desfavoreça a entrada dos produtos desta cadeia de produção, o que ocorre também com a siderurgia. Isso, conseqüentemente abalaria a economia doméstica, causando impacto no desenvolvimento social.

Sobre as autoras
Vivian Cristina Müller

acadêmica do curso de direito pela Universidade metodista de Piracicaba –UNIMEP

Regina Célia Faria Simões

Doutora em Economia Aplicada pela Universidade de São Paulo, USP, Docente da Faculdade de Gestão e Negócios Internacionais da Universidade Metodista de Piracicaba, UNIMEP, Orientadora pelo FAPIC/UNIMEP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MÜLLER, Vivian Cristina; SIMÕES, Regina Célia Faria. ALCA. Processo da Área de Livre Comércio das Américas.: Controvérsias, riscos e oportunidades. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 509, 28 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5986. Acesso em: 8 nov. 2024.

Mais informações

Extrato dos resultados da pesquisa homônima, financiada pelo Fundo de Apoio à Pesquisa de Iniciação Científica da Universidade Metodista de Piracicaba, FAPIC/UNIMEP, no período de agosto de 2003 a julho de 2004.

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