INTRODUÇÃO
A grande questão sobre o tema adoção é a controvertida natureza jurídica. Parte da doutrina entende que sua natureza é de ato jurídico em sentido estrito, como se observa nas palavras do autor Antunes Varela:
[...] É muito controvertida entre os autores a natureza jurídica da adoção. Enquanto adopção constitui assunto de foro particular das pessoas interessadas, a doutrina inclinou-se abertamente para o carácter negocial do pacto. A adopção tinha como elemento fundamental a declaração de vontade do adoptante, sendo os seus efeitos determinados por lei de acordo com o fim essencial que o declarante se propunha alcançar (...) Logo, porém, que os sistemas jurídicos modernos passaram a exigir a intervenção dos tribunais, não para homologarem, mas para concederem a adopção, a requerimento do adoptante, quando entendessem, pela apreciação das circunstâncias concretas do caso que o vínculo requerido serviam capazmente o interesse da criação e educação do adoptando, a concepção dominante na doutrina quanto à natureza jurídica do acto mudou de sinal. Passou a ver-se de preferência na adopção um acto de natureza publicística (um acto judicial) ou um acto complexo, de natureza mista. (VARELA, 1999, apud GAGLIANO, p.675).
Como se sabe, o ato jurídico em sentido estrito ou não negocial caracteriza-se por ser um comportamento humano cujos efeitos estão legalmente previstos. Vale dizer, não existe, aqui, liberdade na escolha das consequências jurídicas pretendidas.
Ora, a partir do momento em que a adoção passou a ser oficializada e disciplinada por meio de normas de natureza cogente e de ordem pública, concluímos que a subsunção do conceito de adoção à categoria de ato em sentido estrito seria mais adequada do que à do negócio jurídico.
Evolução histórica
O instituto da adoção é um dos mais antigos de que se tem notícia.
Afinal, sempre existiram filhos não desejados, que os pais não querem ou não podem assumir. Também há crianças que são afastadas do convívio com os pais. Há legiões de crianças abandonadas, jogadas no lixo, maltratadas, violadas e violentadas, que escancaram essa realidade. A sorte é que milhões de pessoas desejam realizar o sonho de ter filhos.
O Código Civil de 1916 chamava de simples a adoção tanto de maiores como de menores de idade. Só podia adotar quem não tivesse filhos. A adoção era levada a efeito por escritura pública e o vínculo de parentesco estabelecia-se somente entre o adotante e ao adotado (DIAS, 2015, p.480).
Segundo a professora Maria Berenice Dias:
[...] A Lei n. 4.655/65 admitiu a chamada legitimação adotiva. Dependia de decisão judicial, era irrevogável e fazia cessar o vínculo de parentesco com a família natural. O Código de Menores (Lei n. 6.697/79), posteriormente revogado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, substitui a legitimação adotiva pela adoção plena, mas manteve o mesmo espírito. O vínculo de parentesco foi estendido à família dos adotantes, de modo que o nome dos avós passou a constar no registro de nascimento do adotado, independentemente de consentimento expresso dos ascendentes. A Constituição Federal (227 § 6°), ao consagrar o princípio da proteção integral, deferindo idênticos direitos e qualificações aos filhos e proibindo quaisquer designações discriminatórias, eliminou qualquer distinção entre adoção e filiação. Buscando dar efetividade a este comando o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA passou a regular a adoção dos menores de 18 anos, assegurando-lhes todos os direitos, inclusive sucessórios. Permaneceu o Código Civil de 1916 regulamentando a adoção dos maiores de idade. Podia ser levada a efeito por escritura pública. O adotado só tinha direito à herança se o adotante não tivesse prole biológica. Advindo filhos depois da adoção, perceberia o adotado somente a metade do quinhão a que fazia jus a filiação "legítima”. Esses dispositivos, entretanto, foram considerados inconstitucionais pela jurisprudência a partir da vigência da Constituição Federal. Quando do advento do Código Civil de 2002, grande polêmica instaurou-se em sede doutrinária. O Estatuto da Criança e do Adolescente regulava de forma exclusiva a adoção de crianças e adolescentes, mas a lei civil trazia dispositivos que faziam referência à adoção de menores de idade. Esta superposição foi corrigida pela chamada Lei Nacional da Adoção (Lei n. 12.010/09,2°) que, modo expresso, atribui ao Estatuto da Criança e do Adolescente a adoção de crianças e adolescentes, mas manda aplicar seus princípios à adoção dos maiores de idade (Código Civil, artigo1.619). Dois tratados internacionais estão incorporados à legislação brasileira: a Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, mais conhecida como Convenção da Haia, e a Convenção sobre os diretos da criança. (DIAS, 2015, p.481).
Desde o advento da Constituição Federal, estão assegurados os mesmos direitos e qualificações aos filhos havidos ou não da relação do casamento ou adoção. Não cabe mais falar em “filho adotivo”, mas em “filho por adoção”, como bem lembra Paulo Lôbo:
[...] A origem da filiação é única e se apaga quando da adoção. A partir do momento em que é constituída pela sentença judicial e é retificado o registro de nascimento, o adotado é filho, sem qualquer adjetivação. O adotado adquire os mesmos direitos e obrigações como qualquer filho. Di ao nome, parentesco, alimentos e sucessão. Na contramão, também correspondem ao adotado os deveres de respeito e de obediência. Os pais, por sua vez, têm deveres de guarda, criação, educação e fiscalização. (LOBO, 2010, apud DIAS, 2015, p.482).
A adoção atribui ao adotado a condição de filho para todos os efeitos, desligando-o de qualquer vínculo com os pais biológicos (artigo 41 do Estatuto da Criança e do Adolescente), salvo quanto a impedimentos para o casamento. Do vínculo de consanguinidade não resulta qualquer outro efeito jurídico, pessoal ou patrimonial. A relação de parentesco estabelece-se entre o adotado e toda a família do adotante. Os seus parentes tornam-se parentes do adotado, tanto em linha reta, como em linha colateral.
[...] Como a adoção é irrevogável (artigo 39, § 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente), rompe todos os laços com a família biológica. Ainda assim, com certa frequência simplesmente os adotantes “devolvem” o filho que adotaram. Tal situação não está prevista na lei, mas infelizmente é algo que existe na atualidade, principalmente no tocante a adoção internacional. De qualquer forma, como pode ocorrer à destituição do poder familiar ao adotante (Código Civil, artigo 1.638) acaba sendo aceita a devolução, até por uma questão de praticidade. (DIAS, 2015, p.482).
A criança pode ser imediatamente adotada por outrem. Talvez esta seja a solução que melhor atende aos seus interesses, pois pode vir a ser adotada por quem de fato a queira.
Âmbito internacional
A possibilidade de crianças e adolescentes perderem a nacionalidade ao serem adotadas por estrangeiros é tema que sempre gera acesos debates. Há quem considere a adoção internacional de grande valia para amenizar os aflitivos problemas sociais.
Outros, no entanto, temem que se transforme em tráfico internacional ou, pior, que o objetivo seja a comercialização de órgãos. Mas a adoção tem como finalidade primordial atender ao aspecto da política social de proteção da infância, independentemente da nacionalidade dos sujeitos, porquanto o que interessa é construir uma família com todas as características psicossociais da família natural.
Trata-se de adoção admitida constitucionalmente (Constituição Federal artigo 227, § 5°), sendo delegada à lei o estabelecimento dos casos e das condições de sua efetivação por estrangeiros. O Estatuto da Criança e do Adolescente não regulamentava o instituto e limitava-se a impor o cumprimento do estágio de convivência no território nacional.
Foi a Lei da Adoção que regulamentou a adoção internacional, de forma exaustiva e altamente burocratizada (Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 51 a 52-D). Impôs tantos entraves e exigências que dificilmente um estrangeiro consegue adotar. Até parece que a intenção é vetar que a adoção ocorra.
[...] Os labirintos impostos transformaram-se em barreira intransponível rara que desafortunados brasileirinhos tenham a chance de encontrar um futuro melhor fora de sua terra natal. Basta atentar que somente se dá a adoção internacional depois de esgotadas todas as possibilidades de colocação em família substituta brasileira (Estatuto da Criança e do Adolescente artigo 51 § l.° II), havendo ainda a preferência de brasileiros residem no exterior (BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente artigo 51 § 2°).
Para definir a adoção internacional, o Estatuto da Criança e do Adolescente socorre-se de tratados intencionais (Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 51): “aquela na qual a pessoa ou casal postulante é residente e domiciliado fora do Brasil, conforme previsto no artigo 2° da Convenção da Haia, de 29/05/93, Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria Adoção Internacional”.
[...] É chamado de país de acolhida aquele em que o adotante tem sua residência habitual (Estatuto da Criança e do Adolescente artigo 52 I). A adoção pressupõe a intervenção das Autoridades Centrais Estaduais e Federal (Estatuto da Criança e do Adolescente artigo 51 § 3°), sendo admitida a intermediação de organismos nacionais e estrangeiros, sem fins lucrativos, devidamente credenciados (BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 52 § l°). O credenciamento tem validade de dois anos (Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 52 § 6°) e, semestralmente, os organismos devem apresentar relatórios pós-adotivos (ECA artigo 52 § 4° V), bem como, a cada ano, relatórios sobre o acompanhamento das adoções internacionais (Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 52 § 4° IV). O pedido de adoção de brasileiro deve ser requerido à Autoridade Central do país de acolhida, que encaminha relatório à Autoridade Central Estadual de onde reside a criança (Estatuto da Criança e do Adolescente artigo 52 I, II, III). A habilitação do postulante estrangeiro ou residente fora do Brasil tem validade por um ano, podendo ser renovada (Estatuto da Criança e do Adolescente artigo 51, 13). Tratando-se de adolescente, este deve ser consultado (o Estatuto da Criança e do Adolescente considera adolescentes os maiores de 12 anos e menores de 18 anos). O parecer elaborado da equipe interprofissional precisa demonstrar que ele se encontra preparado para ser adotado e levado a um país estrangeiro (Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 51 § l.° III). (DIAS, 2015, p.491).
O Conselho Nacional de Justiça expediu Resolução possibilitando a inclusão de pretendentes estrangeiros no Cadastro Nacional de Adoção, para eventual início da adoção internacional. A habilitação é feita em um subcadastro, e só pode ocorrer quando esgotadas as possibilidades de inserção em família substituta nacional.
CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, pode-se concluir que o instituto da adoção, no Brasil, encontra-se devidamente protegido principalmente pela Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, já que são inúmeros os entraves para se adotar uma criança ou adolescente.
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