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Uma história, dos primórdios aos nossos dias, da Justiça de Paz em questão

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Agenda 09/12/2004 às 00:00

Sumário: I – Introdução; II – Direito e Justiça através dos Tempos; III – O Brasil e as Minas Gerais; 3.1 - A Justiça de Paz; IV - Realidade Processual em Minas Gerais; 4.1 - Justiça Comum; 4.2 - Juizados Especiais; 4.3 - Juizados de Conciliação; V - Realidade Processual em São Paulo, apenas um exemplo; VI – Conclusão; VII – Notas; VIII – Bibliografia.


1 - Introdução

A Justiça Brasileira vive um momento único. Soluções devem ser apresentadas. Neste sentido o Egrégio Tribunal de Minas Gerais, com o advento da Lei 9.099/95, implantou na totalidade das comarcas mineiras o chamado Juizado Especial (mesmo que cumulativamente às varas não especializadas), que visa uma celeridade processual, posto que a lentidão da Justiça comum por vezes reluz.

Nos mesmos moldes implantaram-se ainda, em território Mineiro, os Juizados de Conciliação. Desta forma, alternativas à qualidade da prestação jurisdicional foram acrescidas. Todavia, lei de iniciativa do Executivo Mineiro, por ato do Exmo. Dr. Itamar Cautieiro Franco, então no uso das atribuições de Governador do Estado de Minas Gerais, trouxe-nos a novel Lei Estadual de Minas Gerais n° 13.454, de 12 de Janeiro de 2000, que dispõe sobre a Justiça de Paz Mineira, a qual ainda não foi implantada em definitivo.

O Pretório Mineiro inova com o Juizado de Conciliação. A Justiça comum sofre os percalços da reforma da previdência, pois magistrados e servidores deixam as fileiras do Tribunal reluzente à voracidade legislativa: leis surgem a todos os instantes. Urgem medidas que implantem em definitivo a prestação jurisdicional com qualidade e nos moldes determinados pela Carta Magna, bem como pela várias codificações processuais pátrias.


2 – Direito e Justiça através dos Tempos

Para entendermos o conceito de direito e justiça, se faz necessário uma viagem histórica.

De início, o Direito Brasileiro sobremaneira recebeu por força latina e usual influência do Direito Romano, nem mesmo outras codificações como o Código de Hamurabi (1) ou ainda o Código de Manu (2) reluzem historicamente de forma tão explicita em nosso Direito Positivo, como o Direito dos descendentes de Rômulo e Remo, o Direito Romano que, enquanto ciência jurídica, deve preferencialmente ser abordado histórica e geograficamente.

Em um primeiro momento para compreender o Direito Romano, é necessário antes o estudo dos reinados do Império Romano (suas conquistas, batalhas e sobremaneira, o grau de intelectualidade refletido nas artes, cultura, ciências, arquitetura, etc), ainda há o recurso da geografia, qual seja: a partir da identificação "tempo histórico", é necessária e preponderante a identificação do "espaço físico", e a geografia nos permite, com elevado potencial de realidade, a delimitação do "lugar" objeto do estudo. Podemos então sintetizar, que em uma prima facie (3) o estudo do Direito Romano é, e pode ser auxiliado sobremaneira pelas ciências História e Geografia.

Para Tércio Sampaio Ferraz Jr. (4), a palavra Direito tem suas origens nas palavras latinas directum (inicialmente rectum). Significando dizer, que da palavra indoeuropéia reh-to, derivou recht, right. E da palavra derectum, originou-se direito, derecho, diritto, droit.(5)

Sobre as origens clássicas do Direito, remetemo-nos à Grécia e à Roma antigas, ao mundo Greco-Romano da Antiguidade.

O povo grego antigo simbolizava a justiça, através da Deusa Diké, filha de Zeus e de Themis, em cuja mão direita estava a espada, segurando em sua mão esquerda uma balança, possuindo os olhos bem abertos, dizia-se existir o justo quando os pratos estavam em equilíbrio (ison(6)). Assim para os gregos o justo (o direito) significava o mesmo que igual (igualdade).

O povo romano da antiguidade, simbolizava a justiça através da Deusa Iustitia, a qual distribuía a Justiça por meio da balança (com dois pratos e o fiel no meio), que ela segurava com as duas mãos. Ficava de pé e tinha os olhos vendados e dizia o direito (jus), quando o fiel estava completamente vertical, direito (directum(7)). Os romanos vislumbravam a prudentia, qual seja o equilíbrio entre o abstrato e o concreto.

No que tange ao uso da espada, as Deusas Grega e Romana distinguiam-se; enquanto os gregos aliavam o conhecer o direito à força, o iudicare, os romanos importavam no jus-dicere, atitude firme em que o jurista segurava a balança com as duas mãos, sem espada; sendo o iudex (juiz – romano) um particular, nos primórdios não necessariamente versado em direito.

Com efeito noticia o Magistrado Júlio César Ballerini Silva, em seu artigo "Considerações a respeito do Conceito de Justiça na Antiguidade Greco-Romana(8)".

(...) a Themis seria uma espécie de termo intermediário entre a concepção divina de Justiça (uma Justiça ditada por Zeus) e a Diké, de inspiração aberta ou zetética (ou melhor, menos dogmática) que se orientava no sentido de se preocupar com os interesses de seus destinatários. (sic).

Em seus primórdios, o Direito Romano, é privado(9) e surge em 465 a.C.(10)

Evidente, é que estamos falando especificamente do Direito codificado, ou ainda próximo à codificação. É reluzente que, anterior a data supra, havia, em Roma, aplicação do Direito Romano Arcaico(11), Direito Romano este que foi aplicado ao Messias, Jesus Cristo, isto por volta de 30 d.C. Ora o Direito daqueles dias não era ainda codificado, havia a supremacia dos atos e decretos postos pelo Estado (Roma). Ilustrativamente, o julgamento de Cristo é, até aos nossos dias, questionado e estudado por cientistas jurídicos de nossa contemporaneidade, com efeito, Pôncio Pilatos era o Governador romano, no ato jurídico perfeito daquele período, ele sentencia em nome de César. Ainda estava previsto no Direito Romano Arcaico, o plebiscito, e este foi utilizado, por ocasião do julgamento de Cristo. Há uma possibilidade de troca de sentenciados, Cristo e Barrabás a serem executados. No entanto, a população clama em alto e bom som, para crucificar Jesus Cristo, o Messias. E assim foi, prolatado a sentença de pena capital, e no Golgotá, como muito bem narra José Saramago(12), escritor português e Prêmio Nobel de Literatura no ano de 1998, foi consumado e aplicado o Direito na época vigente. O filho de Deus, na crença Cristã, foi então sentenciado a morte de cruz, assim é a narrativa cristã, no Evangelho de Matheus:

Ora, chegada a manhã, todos os principais sacerdotes e os anciãos do povo entraram em conselho contra Jesus, para o matarem; e, maniatando-o, levaram-no e o entregaram a Pilatos, o governador. (...) Portanto, estando o povo reunido, perguntou-lhe Pilatos: Qual quereis que vos solte? Barrabás, ou Jesus, chamado o Cristo?(grifo, nosso) Pois sabia que por inveja o haviam entregado. E estando ele assentado no tribunal, sua mulher mandou dizer-lhe: Não te envolvas na questão desse justo, porque muito sofri hoje em sonho por causa dele. Disseram todos: Seja crucificado.(grifei) (...) Puseram-lhe por cima da cabeça a sua acusação escrita: ESTE É JESUS, O REI DOS JUDEUS (13). (grifos nossos).

Então foram crucificados com ele dois salteadores, um à direita, e outro à esquerda.

Uma alma menos sábia indagaria o porque da transcrição bíblica literal, como se verá os fatos entrelaçaram-se no decorrer deste, e com a devida vênia, ouso citar parte do artigo assinado por Walter Ceneviva (14):

(...) O clamor da multidão, inspirada nas pressões dos fariseus e dos sacerdotes, derrubou a resistência de Pilatos para livrar Barrabás e levar Jesus à morte, na cruz. Desde então, sempre se soube que as convicções populares, com suas pressões, não significam necessariamente a realização da Justiça. (sic).

Rui Barbosa(15), sabiamente disse: "Não há tribunais, que bastem, para abrigar o direito, quando o dever se ausenta da consciência dos magistrados".

Cristo passou por seis julgamentos, três nas mãos dos judeus, e três às dos romanos, e em nenhum teve juiz. Desde sua prisão na quinta-feira a noite, até a sexta-feira de manhã, foi tumultuário, extrajudicial, atentatório dos preceitos hebraicos. É a terceira fase, a inquirição perante o sinedrim, o primeiro simulacro de formação judicial, o primeiro ato judicatório, que apresentou alguma aparência de legalidade, porque ao menos se praticou de dia. Anás desorientado remete o preso a Caifás (sumo sacerdote). O sinedrim não tinha o jus sanguinis. Não podia pronunciar a morte. Era uma espécie de júri, cujo veredctum, porém, antes opinião jurídica do que julgado, não obrigava os juízes romanos. de blasfemador Jesus é elevado a conspirador, que se coroa rei da Judéia. Pilatos que estava de relações cortadas com Herodes, leva a presença do tetrarca da Galiléia, Herodes Antipas, ocasião em que reatam os laços(16). Herodes não vê porque condenar o filho do homem.

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E a terceira vez que a magistratura romana proclama, em texto citado por Rui Barbosa em sua obra o Justo e a Justiça Política "Nullam causam inveni in homine isto ex is, in quibus eum accusatis."

Então no seio do governador da província romana surge o espectro de Tibério, o monstro de Cáprea, "traído, consumido pela febre, crivado de úlceras, gafado da lepra."

E assim sentenciou Herodes Antipas: "sou inocente do sangue deste justo."

Rui(17), finalmente conclui: "De Anás a Herodes o julgamento de Cristo é o espelho de todas as deserções da justiça, corrompida pela facções, pelos demagogos e pelos governos."

Feita a ilustração do Direito Romano Arcaico, cumpre-nos, dar ênfase ao Direito Romano propriamente dito.

Fato é, que no tempo de Augustus, um dos Césares, havia a prática do Direito ainda não codificado.

Aproximadamente em 468 a.C., Tribuciano, auxiliado por jurisconsultos da época, edita a Lei das XII Tábuas (18).

Lei das XII Tábuas baseava-se nos éditos (19). O fato ocorrido era levado aos Pretores(20) Romanos, onde estes analisavam o "caso em evidência", posteriormente editavam o ius honorarum(21). O édito era então remetido a um Arbitro(22), que determinava através de uma decisão, com base no édito, proferido pelo Pretor, o que entendia de direito.

Porém, é em 533 d.C., que o Direito Romano alcança sua plenitude, e auge. Isto posto, que, no referido ano, Justiniano, edita o Corpus Iuris Civilis(23).

O Corpus Iuris Civilis foi amplamente difundido pelas várias nações, pelos fatores que passo a tratar.

É sabido que Roma detinha o domínio governamental de grande extensão, domínio este, que pode ser entendido, como bélico (militar), econômico e cultural. Imperioso e natural é a imposição, do Direito Romano, aos países por Roma dominados. É evidente que Roma influencia, os países circunvizinhos e limítrofes.

Então, o Direito Romano, em prática através do Corpus Iuris Civilis, promoveu um novo conceito da Jurídica prática, o qual conhecemos hoje, isto em face de que, no século XI, no período medieval, haviam determinadas questões (conflitos e litígios), que não se solucionavam no feudo. Então, o caso em evidência era remetido as Universidades para um parecer jurídico. Ocorre que os pareceres das Universidades eram, em sua maioria, emitidos pelos versados em gramáticas (estudiosos de literatura, direito e latim), os chamados romanistas(24), ou ainda glosadores(25).

Fixe-se bem que, o "caso em evidência", levado à Universidade, era então submetido a um romanista (glosador), que com base no Corpus Iuris Civilis, emitia um comentário(26).

A propósito o insigne Magistrado Julio Ballerini, assim evidencia o direito de Roma, em seu artigo(27):

"E muito embora em Roma, já se fizesse alusão ao caráter de atribuição do que é seu a cada um, como um dos pilares nos quais se fundaria a idéia de Justiça (com sua noção própria da deusa Justitia, sendo corrente a definição do jurisconsulto Ulpiano, no sentido de que Justiça seria: "Honeste vivere, non leadere alter et suum cuique tribuere" – Digesto I, 1, 1.(28)"

Há aqui uma importante e notável visão de início do ato processual(29) qual seja, o Feudo, inicia o processo (poderíamos em uma comparação contemporânea, assinalar, que a decisão, ou ainda, o ato do Feudo, é de primeiro grau); após o "caso em evidência" é remetido a uma Universidade (aos romanistas, ou ainda estudiosos do Direito, pode-se dizer, que a decisão proferida, então será de grau imediatamente superior).

Atualmente é reluzente aos nossos olhos, a contribuição do Direito Romano para a nossa legislação brasileira. Vários são os exemplos, da legislação Romana, que adentrou em nossa sociedade, e hoje é Direito Codificado em nosso país:

I - O direito a ampla defesa ao acusado;

II - O direito a propriedade;

III - O direito ao domicilio, o lar é inviolável;

IV - O ônus da prova pertence a quem alega o fato.

Notadamente, o conceito de Direito(30), é muito complexo.

Fato é que, modernamente aplica-se ao Direito, o conceito de legalidade (31), quando segunda nossa opinião, dever-se-ia observar, no Direito, a Justiça (32), isto posto, que o legislador nas muitas das vezes, delimita nas leis, algumas lacunas, que não são expressão autêntica da verdadeira Justiça ainda que legais.

No que tange à Idade Média, limito-me, dada passagem ilustrativa do Juízo de época, aos nomeados "Juízos de Deus", às provas de fogo, e da água fervente, e à incerta sorte de armas (33). Nos remetendo ao Período Medieval , ano de 1764, o Marquês de Beccaria, Cesar Bonesana, (nascido em Florença, em 1738), filosofo imbuído dos princípios pregados por Rousseau e Montesquieu, fez publicar em Milão, a obra Dei Delitti e Delle Pene. É no decorrer do Iluminismo que se inicia o denominado Período Humanitário do Direito (inclusive a existência do movimento que pregou a reforma das leis e da administração da justiça penal no fim do século XVIII).


3 – O Brasil e as Minas Gerais

Assim passamos en passan a historicidade jurídica, e adentramos as portas do Direito vigente em nossa Pátria pelos idos de 1600 d.C., ainda Colônia de Portugal.

No Estado de Minas Gerais, em que pese o contraditório, o maior nome no registro da história da Justiça Mineira, é o do Prof. Dr. Augusto de Lima Júnior em seu clássico "Tribunal da Relação – 1874-1897" de 1965 (34), lecionando:

"As palavras com que El-Rei Dom João VI, determinou o revigoramento desses códigos de experiência ibérica, no trato das sociedades humanas, revelam o espírito que dominou a monarquia portuguesa, no fascínio do culto do Direito e da Justiça, culto que só feneceu, quando o poder caiu nas mãos do cruel absolutista Marquês de Pombal, Ministro desse abúlico e devasso Dom José I de Portugual".

O emérito professor, continua...

"As palavras de Dom João IV são as seguintes e merecem estar sempre diante dos autoritários e corruptos, que se esquecem de que um dia poderão ser vitimas dos seus próprios processos".

Assim fala Vossa Majestade Dom João VI, referindo-se a Justiça:

"Considerando eu, quão necessária é em todo o tempo, a Justiça, assim na Paz como na Guerra, para governança e conservação da República e do Estado real, a qual ao Rei principalmente convém com virtude sobre todas as outras mais excelentes, em a qual como em verdadeiro espelho, se devem sempre rever e esmerar; porque assim como a Justiça consiste em igualdade e com justa balança, dar a cada um o seu, assim o bom Rei deve ser sempre um e igual a todos, em distribuir e a premiar cada um segundo seus merecimentos. E assim como a Justiça é virtude, não para si, mas para outrem, por aproveitar somente aqueles a que se faz, dando-se-lhes o seu, e fazendo-os bem viver, aos bons, com prêmios e aos maus com temor da pena, donde resulta a Paz e Concórdia na República, (porque o castigo dos maus é conservação dos bons) assim deve fazer o bom Rei, pois que por Deus foi dado, não para si, nem para seu particular proveito, mas para bem governar os seus povos e aproveitar seus súditos como a próprios filhos; e como quer que a República consista e se sustente em duas coisas principalmente, em as Armas e em as Leis, e uma haja mister a outra; porque assim como as Leis com a força das Armas se mantém, assim a Arte Militar com a ajuda das Reis é segura; portanto, ainda que nas Armas e guerras em defesa do Reino, e contra os inimigos dele e da nossa Santa Fé Católica; em diversas partes me acho ocupado, desejando manter e conservar meus súditos e bons vassalos em perpétua Paz, Amor e bons costumes, tanto que entrei na Sucessão e Restituição da Coroa destes meus Reinos de Portugual, houve por necessário entender sobre o Governo da Justiça que não menos que as Armas faz vencer pela concórdia e sossego que se delas segue; pelo que vendo que depois da Recopilação, (...).

Essa Lei assinada por D. João IV em 1643, ainda hoje deve suscitar os paladinos da Justiça. Dessas ordens retiramos nosso ordenamento jurídico contemporâneo, e podemos avaliar a conjectura em que nossos antepassados viveram.

Com fincas neste diploma Real, cada "Conselho" ou "Vila", possuía um "Juiz Ordinário" eleito anualmente dentre os "Homens bons", ou pessoas gratas da localidade, que soubessem ler, escrever e tivessem pleno conhecimentos das Leis e que fossem dotados de recursos de vida, pois que a função honorifica não comportava o recebimento de nenhuma propina a nenhum pretexto, dos cofres municipais e nem do erário Real. Eram os chamados "Juízes da Vara Vermelhas", por ser desta cor a vara (35) que traziam nas solenidades, emblema de suas funções, que além de presidirem a Câmara e executarem as deliberações coletivas desta, tinham ainda o exercício do que mais tarde passou aos Juízes de Paz. Sobre a matéria em epigrafe a propósito o Magistrado Paulo Antonio Begalli, hoje Juiz de Direito Aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, quando de minha nomeação para Juiz de Paz da Comarca de Caldas, disse-me, é preciso ser persona grada, e nunca persona non grada.

Desde o Brasil Império, o Poder Judiciário manteve-se independente, por dispositivo expresso inserto na Constituição de 1824, assim redigido (36): "Art. 151. O Poder Judicial é independente" (...) e "Art. 155. Só por sentença poderão estes juízes perder o lugar."

Os hoje conhecidos Juízes de Direito, Magistrados de carreira, eram os Juízes da Vara Branca, magistratura propriamente dita, isto é membros da "hierarquia judiciária", termo equivocadamente invocado pelo Prof. Augusto de Lima Júnior, visto que, a luz da Carta Magna Pátria, não existe hierarquia de subordinação entre os Magistrados, sendo-lhe delimitada competência judiciária, ao qual chamamos jurisdição no âmbito da Comarca, que pode ultrapassar os limites do próprio Município, nos dias atuais, por exemplo a Comarca de Santa Rita de Caldas/MG, compreende a extensão territorial do município de Santa Rita de Caldas/MG e de Ipuiuna/MG, ou seja, exemplificando dois municípios formam a citada Comarca. Assim, por jurisdição devemos entender o poder de dizer o direito e impor decisões do ponto de vista político; enquanto que Comarca é a delimitação territorial do exercício de jurisdição.

Dada a magistralidade do Juiz, que Calamandrei (37) prolatou em sua obra: "as sentenças dos juízes são sempre justas."

O Juiz da Vara Branca era encarregado nos primórdios, da resolução de conflitos e/ou litígios e aplicação do Direito (38). A nomeação dos Magistrados era régia, dentre os bacharéis formados em sua grande maioria por Coimbra (Portugal); gozavam de uma independência funcional, se contraposto aos dias atuais, muito maior.

Por oportuno, consigno que o uso da faixa verde e amarela, habitualmente usada pela Presidente da República, é de uso exclusivo deste, bem como do Juiz de Paz.

A Província de Minas Gerais, em 1872, era dividida em 47 Comarcas, 83 Municípios, 426 Freguesias, 574 Distritos. As 47 Comarcas: eram (Ouro Preto) 3 de 3ª. Entrância; 12 de 2ª.; 32 de 1ª; havendo 47 Varas de Direito. Em cada Termo ou Município, havia um Juiz Municipal que era também Juiz de órfãos.

No ano de 1874, para ser preciso, exato dia 3 de fevereiro, instala-se em Ouro Preto o Tribunal de Relação de Minas, mesmo instante em que se instala outro em São Paulo, sob presidência de Tristão de Alencar Araripe, autor da Consolidação do Processo Criminal do Império.

Por imperativo Constitucional denominou-se Corte de Apelação em 1937, e finalmente Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, de acordo com a Constituição de 1946; Pretório Mineiro este que chega vigoroso aos nossos dias, tendo no período moderno contribuído significativamente com a ciência jurídica. Nomes tais como Alfredo de Araújo Lopes da Costa, que iniciou a judicatura na Comarca de Caldas, passando por Alfenas, chegando a Varginha, onde é alçado ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, como Desembargador. Um dos únicos que, na carreira magistral, não passou pela entrância especial (Belo Horizonte); Hoje em uma justa homenagem os Fóruns de Caldas e Varginha têm grafado em suas fachadas o nome daquele que fez Justiça e produziu o Direito, nas referidas Comarcas, seu nome Des. Lopes da Costa, como ficou mais tarde conhecido.

Voltando ao Tribunal da Relação de Ouro Preto, em 1854, teve como apelante Francisco Baptista Ribeiro e outros, o primeiro vulgo "Caxico", tendo em vista sentença prolatada pelo Juiz da Comarca de Caldas, em sentença de pronúncia criminal, condenatória a execução da pena capital. Caxico, condenado que fora, como pelo crime de "mandante" em um assassinato seria então levado a forca em praça pública. Recebendo a apelação o Tribunal da Relação de Ouro Preto "conheceu, e negou provimento a apelação". Ouve apelação final, a chamada possibilidade de clemência, dirigida ao Tribunal do Império (com sede na cidade do Rio de Janeiro, capital do Império), naqueles dias instância máxima da Justiça; E por decisão unânime dos Ministros de Justiça, fora então confirmada a decisão do Tribunal da Relação, negada a clemência pelo Imperador D. Pedro II, e em 1857, foi procedida a execução de Francisco Baptista Ribeiro, é ultima execução da pena de morte, que os anais do Estado registram, contrário o que ensina Henny Goulart, na obra "Penologia I", narrando que: " em 1855, (...) um erro judiciário levou ao patíbulo o fazendeiro Manoel da Mota Coqueiro, pela suposta morte de um colono." Dada a insuficiência, ainda hoje verificada no que se refere ao intercâmbio de informações (sobretudo aquelas de ordem conflitante), é perfeitamente entendido o lapso ocorrido no pronunciamento do jurista.

3.1 - A Justiça de Paz

Finalmente, chegando ao nosso momento contemporâneo, a legislação vigente, contempla, a luz da Carta Magna, conforme prevê o artigo 98, II, da CF/88 (39):

"A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e nos Estados criarão: (...) II- justiça (40) de paz, remunerada, composta de cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto, com mandato de quatro anos e competência para, na forma da lei, celebrar casamentos, verificar, de oficio ou em face de impugnação apresentada, o processo de habilitação e exercer atribuições conciliatórias, sem caracter jurisdicional, além de outras previstas em legislação."

Acerca do aspecto filológico jurídico da palavra justiça grafada em maiúsculo e em minúsculo, assiste razão o Magistrado Paulo Antonio Begalli, que comenta em sua obra, no que tange a terminologia Justiça e justiça, respectivamente em maiúsculo e minúsculo; assim lecionando:

"justiça , como vem escrito, isto é, em letra minúscula, refere-se ao direito como "justo" e não ao Poder Estatal. (...) Valendo observar que o constituinte refere-se aos órgãos judiciários (substantivo próprio), gravou-os em caracteres maiúsculos (vg. Arts. 106,11,118 e outros da CF/88). Aqui, no entretanto, o legislador constituinte preferiu o uso de letras minúsculas". Justiça distingui-se de justiça. " Enquanto o sentido daquela (letra maiúscula) circunscreve ao gerenciamento do órgão ou Poder Judiciário, o sentido da última (letras minúsculas) é bem mais liberal e abrangente, atingindo, nessa ordem de idéias, todas as manifestações positivas do direito. (...) Por outras palavras o profissional referido passou, com a promulgação da novel Constituição, a elemento integrante e responsável pela eficiência do termo justiça no sentido de "direito". (sic)

De sorte que a Constituição do Estado de Minas Gerais, torna reluzente:

" A lei disporá sobre a Justiça de Paz, remunerada, composta de cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto, com mandato de quatro anos e competência para celebrar casamento, verificar, de oficio ou face de impugnação apresentada, o processo de habilitação e exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras previstas na legislação. Parágrafo único – A eleição do Juiz de Paz, observado o sistema majoritário e a coincidência com as eleições municipais, será disciplinada na lei." (Art. 117, CE - MG)

Sobre a Justiça de Paz, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas, pronunciou-se pelo menos por significativas vezes: a) Acerca do provimento dos cargos, Portaria no. 560/89, e Resolução no. 226/91 e b) Acerca da Investidura, o mesmo pretório, disciplinou através da resolução n.s 357/83.

Dada a importância do tema, sua participação no cenário Mineiro, que o Executivo Mineiro, por ato do Exmo. Sr. Dr. Itamar Franco, então no uso das atribuições de Governador do Estado de Minas Gerais, trouxe-nos a novel Lei Estadual/MG no. 13.454 de 12 de Janeiro de 2000, que dispõe sobre a Justiça de Paz, em todo o território mineiro (destaquei); visando assim disciplinar a Constituição Estadual, no pertinente a Justiça de Paz.

Ainda sobre a Lei in quaestio, o Procurador – Geral da República Cláudio Fonteles, propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade contra dispositivos da Lei Estadual Mineira 13.454/00, que trata da regulamentação das eleições e estruturação da carreira de Juiz de Paz, Fonteles entende que a norma contrariou os artigos 22, inciso I e 121, da Constituição da República Federativa do Brasil.

A Lei Mineira estabelece que compete aos Juízes de Paz "celebrar casamentos, verificar, de ofício ou em face de impugnação apresentada, o processo de habilitação e exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras previstas na legislação". O procurador-geral não concordou com as expressões "na forma da lei" e "além de outras previstas na legislação", pois o legislador estadual não pode, sob o pretexto de dar efetividade a normas com nítido caráter de Direito Processual ou Trabalhista.

Segundo o procurador-Geral, outro erro da lei é que invadiu outro domínio exclusivo da União, quando legisla sobre Direito Processual Civil. É que o texto prevê que o Juiz de Paz é competente para arrecadar bens de ausentes ou vagos, até que intervenha a autoridade é que a norma atribuiu ao Juiz de Paz competência para "processar auto de corpo de delito, de oficio ou a requerimento da parte, e lavrar auto de prisão, em caso de ausência, omissão ou recusa da autoridade policial", sendo que os legisladores estaduais também não possuem condão de legislar sobre matéria eminentemente da União, como o é o Direito Processual Penal.

Sobre o autor
Edson Alexandre da Silva

Membro do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos e Sociais - IBRAJS, Assessor de Juiz de Direito, Pós Graduado em Direito Público e em Direito Processual

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Edson Alexandre. Uma história, dos primórdios aos nossos dias, da Justiça de Paz em questão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 520, 9 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6006. Acesso em: 5 nov. 2024.

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