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CLIENTELISMO POLÍTICO NO SUS: UM DESAFIO AO ACESSO PLENO À SAUDE

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CLIENTELISMO NO SUS

 

O clientelismo político chega a alcançar o direito ao acesso à saúde, ao mediar a relação entre o usuário e o serviço público de saúde em contraposição à Universalidade, um dos princípios que regem o Sistema Único de Saúde. O clientelismo político atinge principalmente situações de doenças que, em geral, fragilizam as pessoas emocional e fisicamente.

 

Assim, o clientelismo baseia-se nas trocas generalizadas, contrastando com o universalismo de procedimentos das sociedades capitalistas industrializadas, que usam as trocas específicas que não supõem a expectativa de relações pessoais futuras e não depende de relações anteriores entre os envolvidos. (VIERA, p. 4)

 

 

Os políticos adeptos ao clientelismo buscam adquirir votos para o período eleitoral valendo-se da articulação e ‘comercialização” do direito à saúde; paralelamente aos serviços públicos e conveniados, ofertam serviços ambulatórias e medicamentos, bem como o transporte de pessoas doentes. Além disso, também utilizam-se de sua posição para nomear pessoas de seu interesse, muitas vezes inaptas a exercer a gerência, aos cargos disponíveis relacionados aos SUS.

 


TRATAMENTO AMBULATORIAL E A OFERTA DE MEDICAMENTOS E TRANSPORTE NO CLIENTELISMO

 

Na oferta de transporte ocorre a disponibilização de carros e ambulâncias aos doentes para que esses possam realizar tratamentos em clínicas e hospitais com um devido atendimento. Além disso, há disponibilização de consultas médicas e/ou odontológicas em que esses possibilitam um atendimento paralelo ao que o município presta. As áreas médicas mais procuradas são a clínica geral, ginecologia, pediatria e oftalmologia por se tratarem de especialidades que possuem grande demanda.

Apesar desses serviços serem de grande valia, com o clientelismo político tornam-se vantagens de poucos. O transporte e as consultas, que deveriam ser a todos destinados, transformam-se em moedas políticas ao serem, por alguns políticos, destinados ao seu grupo eleitoral ou possível eleitores.

Além disso, essa destinação conforme interesses particulares acontece também no próprio âmbito de atendimento. Desde a uma pulseira de cor mais urgente, em um privilégio indireto, até a realização de consultas a qualquer momento; desvinculados de filas ou ordem, seguem, em verdade, a uma ordem especial organizada por aqueles que se aproveitam de seus postos para privilegiar amigos e familiares.

Já a oferta de medicamentos pode ocorrer de forma direta através de doações, como o pagamento de contas de farmácia ou utilização de amostra grátis, uma vez que diversas pessoas são dependentes de remédios de uso contínuo e de difícil aquisição, ou mesmo, de forma indireta. Nesta última hipótese, transmitem-se medicamentos aos postos de saúde conforme interesses políticos em cada localidade, como se não fossem coisa pública, apresentam-se como vantagens de alguns.

O SUS deveria garantir medicação básica e especial àqueles que dele necessitam, entretanto isso nem sempre ocorre. Ao ficar desamparada, a própria população recorre aos políticos, buscando um privilégio em troca de apoio político, isso enseja o clientelismo e uma articulação para que se transforme em um ciclo vicioso. “Aqueles que costumam atender a solicitações, de certa forma, ganham o agradecimento de pessoas que podem transformar-se em futuros eleitores”. (VIERA, p. 13)

 


CONSELHOS DE SAÚDE: INSTRUMENTO DEMÓCRATICO OU PRIVADO

 

O Conselho de Saúde, criado por lei em âmbito federal, estadual e municipal, é um órgão colegiado permanente e deliberativo que formula, supervisiona, controla e propõem políticas públicas relacionadas ao sistema de saúde, obedecendo a Lei nº 8.142/90. Por meio desse conselho, a população, os representantes políticos e os agentes do sistema de atendimento participam conjuntamente na gestão pública.

A Resolução nº 453 de 10 de Maio de 2012 define o que é o Conselho de Saúde como:

Primeira Diretriz: o Conselho de Saúde é uma instância colegiada, deliberativa e permanente do Sistema Único de Saúde (SUS) em cada esfera de Governo, integrante da estrutura organizacional do Ministério da Saúde, da Secretaria de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com composição, organização e competência fixadas na Lei no 8.142/90. O processo bem-sucedido de descentralização da saúde promoveu o surgimento de Conselhos Regionais, Conselhos Locais, Conselhos Distritais de Saúde, incluindo os Conselhos dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, sob a coordenação dos Conselhos de Saúde da esfera correspondente. Assim, os Conselhos de Saúde são espaços instituídos de participação da comunidade nas políticas públicas e na administração da saúde.

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Quanto à organização desses conselhos, a legislação estabelece ainda a composição partidária dos usuários em relação ao conjunto dos demais segmentos representados. É composto por representantes de entidades, instituições e movimentos representativos de usuários, do governo e de entidades representativas de prestadores de serviços de saúde, de entidades representativas de trabalhadores da área da saúde, sendo o seu presidente eleito entre os membros do Conselho, em reunião plenária.

As vagas disponíveis no conselho deverão ser distribuídas na seguinte proporção estabelecida na resolução:

 

II - Mantendo o que propôs as Resoluções nos 33/92 e 333/03 do CNS e consoante com as Recomendações da 10a e 11a Conferências Nacionais de Saúde, as vagas deverão ser distribuídas da seguinte forma:

 

a)50% de entidades e movimentos representativos de usuários;

 

b)25% de entidades representativas dos trabalhadores da área de saúde;

 

c)25% de representação de governo e prestadores de serviços privados conveniados, ou sem fins lucrativos.

 

 

O conselho de saúde detém autonomia administrativa garantida pela atuação das três esferas que devem resguardar o funcionamento do conselho bem como sua dotação orçamentária, autonomia financeira e organização da secretaria-executiva com a necessária infraestrutura e apoio técnico.

A Resolução nº 453/2012 dispõe, ainda, de forma clara e assertiva acerca das competências e funções deste órgão colegiado.

 

Quinta Diretriz: aos Conselhos de Saúde Nacional, Estaduais, Municipais e do Distrito Federal, que têm competências definidas nas leis federais, bem como em indicações advindas das Conferências de Saúde, compete:

I - fortalecer a participação e o Controle Social no SUS, mobilizar e articular a sociedade de forma permanente na defesa dos princípios constitucionais que fundamentam o SUS;

[..]

III - discutir, elaborar e aprovar propostas de operacionalização das diretrizes aprovadas pelas Conferências de Saúde;

IV - atuar na formulação e no controle da execução da política de saúde, incluindo os seus aspectos econômicos e financeiros, e propor estratégias para a sua aplicação aos setores público e privado;

V - definir diretrizes para elaboração dos planos de saúde e deliberar sobre o seu conteúdo, conforme as diversas situações epidemiológicas e a capacidade organizacional dos serviços;

VI - anualmente deliberar sobre a aprovação ou não do relatório de gestão;

[..]

IX - deliberar sobre os programas de saúde e aprovar projetos a serem encaminhados ao Poder Legislativo, propor a adoção de critérios definidores de qualidade e resolutividade, atualizando-os face ao processo de incorporação dos avanços científicos e tecnológicos na área da Saúde;

[...]

XIII - aprovar a proposta orçamentária anual da saúde, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias, observado o princípio do processo de planejamento e orçamento ascendentes, conforme legislação vigente;

XIV - propor critérios para programação e execução financeira e orçamentária dos Fundos de Saúde e acompanhar a movimentação e destino dos recursos;

XV - fiscalizar e controlar gastos e deliberar sobre critérios de movimentação de recursos da Saúde, incluindo o Fundo de Saúdee os recursos transferidos e próprios do Município, Estado, Distrito Federal e da União, com base no que a lei disciplina;

XVI - analisar, discutir e aprovar o relatório de gestão, com a prestação de contas e informações financeiras, repassadas em tempo hábil aos conselheiros, e garantia do devido assessoramento;

 

A Lei nº 8.689 de 1993 e o Decreto Federal Nº 1651 de 1995 estabelecem que o gestor do SUS em todas as esferas de governo deverá enviar a cada trimestre um relatório detalhado ao conselho de saúde. Neste documento, constarão dados sobre o montante e a fonte dos recursos aplicados, além das auditorias e outras informações importantes acerca da gestão do SUS.

Como se pode depreender, os conselhos de saúde são instrumentos democráticos que incluem a população em todo o processo administrativo e organização do sistema de saúde, reforçando a transparência orçamentária. Essa transparência possui a publicidade como princípio norteador da Administração Pública, permitindo a fiscalização das receitas e despesas públicas. O cidadão pode, assim, conhecer a destinação da coisa pública, contribuindo nessa e impendido a apropriação pelo representante eleito.

Na parte referente ao orçamento, a Constituição Federal determina, no art. 165, parágrafo 3°, que deverá o Poder Executivo publicar, até trinta dias após o encerramento de cada bimestre, relatório resumido da execução orçamentária. Além disso, mormente o art. 31, parágrafo 3°, obriga a divulgação e o acesso das contas municipais durante sessenta dias, anualmente, a qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar sua legitimidade. O art. 74, parágrafo 2° da Constituição Federal autoriza que qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato a, na forma de lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas.

Contudo, este instrumento democrático não é de conhecimento todos. A baixa representatividade dos conselheiros que participam em nome da sociedade, bem como a sua transformação em um colegiado fixo, formado sempre pelas mesmas pessoas, dificultando a pluralidade de ideias é um grande desafio na concretização das competências e princípios que norteiam o sistema de saúde.

 

Sobre a infraestrutura, ainda de acordo com a pesquisa Perfil de Conselhos de Saúde no Brasil (2007), dos 5.565 municípios, cerca de 81% não tinham sede, 34% não possuíam telefone, 62% não dispunham de computador e, dentre os que possuíam computadores, 31% não tinham acesso à internet. Em relação ao orçamento, 57% tinham receita própria, mas não apresentavam autonomia para gerenciar o orçamento (SOUZA, 2012, p. 15-16).

 

Além disso, a falta de regularidade em seu funcionamento propicia precárias condições operacionais e infraestrutura.

Apesar dos significativos avanços em sua ação, quanto ao processo de formulação e controle da política pública de saúde, os conselhos ainda enfrentam obstáculos importantes, como o não-exercício do seu caráter deliberativo na maior parte dos municípios e estados; precárias condições operacionais e de infraestrutura; falta de regularidade de funcionamento; ausência de outras formas de participação; falta de transparência nas informações da gestão pública; dificuldade e desmobilização para a formulação de estratégias e políticas para a construção do novo modelo de atenção à saúde; e baixa representatividade e legitimidade de conselheiros nas relações com seus representados(BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009, p. 17).

 

Essa dinâmica abre espaço a atuações ilegais no âmbito desses conselhos. A falta de conhecimento e representatividade possibilitam a atuação arbitrária dos gestores, aqueles que compõem o órgão podem utilizá-lo para o seu autobenefício ou mesmo estarem a margem das decisões e trâmites que simplesmente, sem análise ou investigação de veracidade, concordam. A educação política e o incentivo a um exercício ativo da cidadania impediriam o clientelismo político, na medida que interfeririam diretamente no planejamento e orçamento ligado à saúde.

Enquanto isso não ocorre os políticos adeptos do clientelismo podem articular da maneira como melhor lhes beneficiar os recursos da saúde pública, recursos e bens conexos, atuando à margem dos novos órgãos decisórios e escapando da real fiscalização da sociedade.

Existem, ainda, posicionamentos que desconsideram a autonomia e o poder decisório deste órgão, argumentando que esse sofre manipulação, sendo privativo dos segmentos ligados a prefeitura, como exemplifica Vieira. Isso ocorreria na medida em que a composição deste órgão não fosse regulamente renovada. Os representantes do povo que ali estão seriam pessoas indicadas pelo próprio político ou mesmo indivíduos que se deixaram corromper.

Em outros casos, há também a preponderância do interesse político partidário sobre o próprio interesse do gestor, que deve àquele se submeter para que consiga legitimidade no exercício de suas atribuições perante o poder legislativo.

 

A partir da Constituição de 1988, os governos municipais ampliaram sua ação no campo das políticas sociais, especificamente na área de saúde, de forma a garantir a universalidade do acesso aos serviços de saúde, a integralidade da atenção à saúde. Essa ampliação não se deu de forma idêntica em todos os municípios, variando em razão de fatores como o valor e importância dados pelo governo local a essa área, e a intensidade e qualidade da participação dos usuários, da sociedade civil organizada, através, principalmente, dos Órgãos de controle social, instituídos pela Constituição de 1988 e legislação complementar — os conselhos municipais de saúde. Foram transferidas dos governos federal e estadual, atribuições e competências, consolidando a descentralização, o que vem sendo possível, ainda que dentro de muitos limites, com o aumento da participação dos municípios na repartição dos recursos fiscais. Mas “o grau de descentralização e a forma como esta se dá também são afetados por uma dinâmica política e social interna em cada localidade, em que têm lugar relevante as pressões exercidas pela sociedade civil sobre o governo local e o próprio projeto político de cada gestão.” (FARAH, 2000. p. 334) Assim, a universalização do direito à saúde, apesar de garantida legalmente, nem sempre se concretiza na dimensão necessária e desejada pela sociedade, e nem sempre tem a visibilidade esperada. (VIERA, p. 26-27)

 

 

Um outro viés do clientelismo político que merece destaque trata-se da nomeação, pelos políticos, de pessoas não capacitadas aos cargos ligados a gestão e administração do sistema de saúde único.

O favorecimento de certos indivíduos face a profissionais de inquestionável renome e aptidão provoca frustrações em todas as regiões do Brasil, principalmente nas de menor fiscalização.

O desvio de regulamentos e a parcialidade no momento da indicação ocorrem por vários motivos, dentre eles, há, indubitavelmente, o interesse eleitoral. Ocorre a preferência pelas figuras capazes de atrair votos nas demais eleições ou que já o fizeram, assim como por aqueles indicados pelo partido ou coligação ao qual o político eleito é filiado, demonstrando, mais uma vez, a interferência do interesse partidário neste cenário.

Enquanto essas circunstâncias são priorizadas em detrimento do profissionalismo e competência, o SUS desestabiliza-se. Tais ações refletem diretamente na organização e funcionamento do sistema de saúde, prejudicando ainda o seu desenvolvimento.

Profissionais competentes conseguem estruturar de maneira mais eficiente o atendimento, sendo mais sensíveis na identificação das condutas que prejudicam o acesso de qualidade à saúde.

O Sistema de Saúde deve ser visto como um grande e inovador “empreendimento” tendo como “clientes” os pacientes e todos aqueles que o procuram, mesmo para esclarecimentos de dúvidas. Uma comunicação efetiva e uma resposta de qualidade podem economizar tempo, recursos, melhorar e ampliar o atendimento.

A qualificação na área administrativa e médica facilita, ainda, o desenvolvimento do sistema. Esse conhecimento pode ser aplicado nas situações em que se deve decidir qual setor ou pesquisa priorizar ou na destinação dos recursos mais eficientes em crises epidemiológicas, de forma que a cada doença ou enfermidade lhe seja destinado a atenção necessária e suficiente, superando a existência das doenças negligenciadas.

O incentivo a pesquisas e campanhas é também melhor promovido, em todos os níveis federativos, por aqueles que possuem visão e sabem as áreas sociais e médicas que necessitam de maior atenção, de acordo com o grau de urgência e frequência e forma de tratamento e prevenção, bem como as particularidades da população.

Entretanto, todo esse futuro é colocado em risco quando pessoas incapacitadas são nomeadas para cargos de tal natureza. Essa forma de clientelismo político é empecilho ao bom funcionamento do sistema de saúde, é obstáculo na universalização ao direito à saúde e o seu desenvolvimento. Enfim, é lesão ao povo brasileiro.

Sobre os autores
Vitória Dreide Xavier Araújo Silva

Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros- UNIMONTES.

Gilson Silva Neto

Acadêmico de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros- UNIMONTES, cursando o quinto período.

Larissa Ramos Camargo

Acadêmica de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros- UNIMONTES, cursando o quarto período.

Herbert Alcântara Ferreira

Possui graduação em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros (2007). Atuou como consultor e advogado - Menezes consultores e advogados associados. Atualmente sócio proprietário do escritório de advocacia Herbert Alcântara-Sociedade Individual de Advocacia. Tem experiência na área de Direito Público Municipal, Pós-Graduado em Direito Ecônomico pela Universidade Estadual de Montes Claros, Pós-Graduado em Direito Eleitoral pela Universidade Estadual de Montes Claros, MBA na FGV em Direito Tributário, Mestrando na UFVJM,Professor Universitário na Universidade Estadual de Montes Claros, Conselheiro Estadual do Jovem Advogado-OAB/MG , Presidente da Comissão de Relações Institucionais da 11a subseção da OAB/MG 2010/2012.Tesoureiro Adjunto da 11a subseção da OAB/MG 2013/2015. Vice-Presidente da 11a subseção da OAB/MG 2016/2018.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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