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Violência psicológica reconhecida em sentença de medida protetiva de urgência

O objetivo desse artigo consiste em uma análise das diversas correntes quanto à natureza jurídica das Medidas Protetivas de Urgência, discutindo a adoção de sentenças de mérito das referidas ações. Para tanto estudou-se caso emblemático de Parecer do MPMA (PROCESSO 478-52.2014.8.10.0005).

INTRODUÇÃO

Segundo aponta o Conselho Nacional de Justiça – CNJ (2010, p. 116), no ano de 2010 as Medidas Protetivas de Urgência - MPUs trazidas pelo texto da Lei Maria da Penha representavam uma média de 60% de todas as demandas nas varas especializadas em violência doméstica no país.

Em São Luís-MA, locus do presente estudo, segundo dados de 2015 (VARA ESPECIAL DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER, 2015, p. 34), 99,5 % das solicitações de demandas à Vara Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher são de MPUs.

Ocorre, porém, que a indefinição da natureza jurídica de tais medidas passa a refletir em uma série de posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais diversos e, por vezes conflitantes, redundando em uma heterogeneidade no uso do presente instrumento de proteção, na atribuição de competência e, mesmo, na percepção dos magistrados quanto ao uso de qual modalidade de sentença quando da ultrapassagem do decurso da urgência na solicitação da proteção (ANDRADE SILVA, 2013, p. 24).

É diante disso que se intenta, perpassando a análise das diversas correntes quanto à natureza jurídica das Medidas Protetivas de Urgência, e diante dos pilares hermenêuticos que sustentam a Lei Maria da Penha, analisar a adoção de sentenças de mérito neste instrumento legislativo, abordando-se os casos inéditos de reconhecimento de violência psicológica em sentenças que julgaram com resolução de mérito medidas protetivas de urgência.

 

1 MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA NA LEI Nº 11.340/2006

    

As Medidas Protetivas de Urgência estão previstas no Capítulo II da Lei Maria da Penha, distribuindo-se expressamente entre os artigos 18 a 24 do diploma legal e dividindo-se entre aquelas que obrigam o agressor e as voltadas às ofendidas.

Conforme aduz Amom Albernaz Pires (2011, p. 125), são tais medidas as mais acessadas pelas mulheres que buscam a intervenção estatal, uma vez que, para além da agilidade no deferimento – encaminhadas ao Judiciário no expediente das delegacias. Do mesmo modo, há ainda a segurança à mulher agredida – muitas vezes envolvida em quadros de dependência financeira, ou mesmo emocional, como na Síndrome da Mulher Agredida (SAUÁIA; ALVES, 2016, p.92-93) – de que seu agressor apenas será encarcerado em caso de desobediência à determinação judicial. (PIRES, 2011, p. 125)

As Medidas Protetivas de Urgência estão previstas no Capítulo II da Lei Maria da Penha, distribuindo-se expressamente entre os artigos 18 a 24 do diploma legal e dividindo-se entre aquelas que obrigam o agressor e as voltadas às ofendidas.

 

2 DA NATUREZA JURÍDICA DAS MPUS

É uníssono, tanto na doutrina quanto nas jurisprudências pátrias, a ausência de um consenso quanto à natureza jurídica das MPUs (PIRES, 2011, p. 128-129). Os defensores da natureza penal das MPUs trazem seu contexto enquanto esforço retórico. É com a alteração dada pela Lei nº 10.455/02, modificando a redação do artigo 69, parágrafo único, da Lei nº 9.099/95, Lei dos Juizados Especiais – onde eram processadas as demandas referentes à violência doméstica de crimes de menor potencial ofensivo – que se via a expressa menção ao afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência, em casos de violência doméstica enquanto medida cautelar (BASTOS, 2007, p. 12).

Há, ainda, aqueles que concebem natureza mista às Medidas Protetivas de Urgência. Tal grupo converge na categorização das medidas relativas ao agressor (artigo 22) em natureza penal para os incisos I, II e III (suspensão de porte ou posse de arma; afastamento do lar, domicílio ou local de convivência; e proibição de determinadas condutas) e natureza cível para os incisos IV e V (restrição de visitas aos dependentes; e prestação de alimentos provisionais ou provisórios), uma vez que os mesmos tratam de temática referente ao Direito de Família, nomeadamente cível. (CRAIDY, 2008, p. 36)

Há, por fim, aqueles que, acompanhando entendimento de Freddie Didier Jr. e Rafael Oliveira (DIDIER JR.; OLIVEIRA, 2010, p. 2), compreendam as Medidas Protetivas de Urgência enquanto de natureza puramente cível, separando-as da punição do agressor e das consequências civis do ato praticado.

Ora, interpretando-se as Medidas Protetivas de Urgência pelas bases axiológicas de proteção aos bens jurídicos da mulher vítima de violência doméstica e familiar, assim também à luz de seu empoderamento e garantia de direitos humanos (PIRES, 2011, p. 124-125), perceptível é a não predileção pelo viés reducionista punitivista ao qual a concessão de natureza penal a tais medidas acaba por abarcar. Considere-se ainda que a Lei permite o encaminhamento do agressor a programas de reeducação desde o deferimento das medidas, uma vez que se trata de um tipo de violência tão naturalizada e enraizada que nem sempre vítima e/ou agressor a percebem como uma violação de direitos humanos.

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Adotando-se, portanto, o caráter civil das referidas medidas que, sob a vigência Código de Processo Civil de 1973 – substituído em 18 de março de 2016 –, Freddie Didier Jr. e Rafael Oliveira (2010, p. 3) afastam o conteúdo cautelar das Medidas Protetivas de Urgência, compreendendo-as enquanto espécie do gênero medida provisional.

Ocorre que, com a promulgação do Novo Código de Processo Civil (CPC) cria-se a tutela provisória, a qual se pode dividir entre tutela de evidência e de urgência, sendo espécies desta última a tutela provisória cautelar – que busca a assecuração de um direito a ser usufruído no fim do processo (artigo 301) – e a tutela antecipada – que busca a realização de um direito de imediato (artigo 303).

 Frente à ausência de produção doutrinária quanto à natureza jurídica das Medidas Protetivas de Urgência quando do advento do Novo CPC e da abolição das medidas cautelares pelo mesmo, propõe-se uma analogia ao entendimento outrora apregoado por Freddie Didier Jr. e Rafael Oliveira (2010, p. 3), os quais amoldaram-nas no bojo de um pedido de tutela antecipada, ou seja, em um pedido de uma tutela de urgência de cunho satisfativo.

Com a consideração da natureza provisória cautelar a autora – geralmente hipossuficiente técnica, postulando em varas ou juizados abarrotados de demandas de MPUs – deveria, impreterivelmente, apresentar o pedido principal em 30 (trinta) dias, conforme o artigo 308 do novo código. Tal fato, contudo, já era costumeiro quando do ajuizamento das MPUs frente ao antigo CPC e se tornou responsável pelo arquivamento de inúmeras lides, uma vez que muitas mulheres não conseguem o acompanhamento de um procurador a tempo ou estão pouco instruídas e não compreendem o decurso do prazo. A maioria entende equivocadamente, por absoluta falta de esclarecimento, ser a MPU uma ação penal e explicitam isto quando afirmam, após o prazo de vigência das medidas, que “o processo não deu em nada”.

3 DA SENTENÇA DE MÉRITO EM MPUS

 

É diante da ausência de dados quanto às sentenças no julgamento das MPUs na Vara Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de São Luís-MA que se buscou por meio de uma pesquisa documental (GIL, 1989, p.72) analisar a totalidade das edições do Diário de Justiça Eletrônico no ano de 2016. A escolha do ano se deu em virtude de ser o mesmo do caso escolhido para o presente estudo, havendo a consulta a 263 diários oficiais no sítio eletrônico Portal do Poder Judiciário do Maranhão.

A opção pela consulta ao Diário de Justiça Eletrônico se deveu em consideração ao fato que mesmo em processos sob o segredo de justiça – maioria dos casos de violência doméstica –, há a intimação aos respectivos advogados das partes com o conteúdo das sentenças e decisões interlocutórias, preservando-se apenas o nome dos envolvidos.

Através da referente pesquisa observou-se que dentre as 263 edições do Diário de Justiça Eletrônico do Maranhão, a ausência de julgamento dos processos de MPUs se faz predominante, uma vez que, nas decisões interlocutórias de concessão das medidas já há a recomendação no sentido de arquivar o processo caso não haja manifestação das partes ou decorrido o prazo.

Em apenas cinco processos houve efetiva sentença após exaurido o prazo das Medidas Protetivas de Urgência. Em três deles, de datas de publicação nos dias 31 de maio, 26 de setembro e 28 de agosto – todos de 2016 – , o magistrado decidiu pelo encerramento do feito sem julgamento de mérito. Nos outros dois casos, o segundo conexo ao primeiro por se tratar de descendente das partes contra o mesmo requerido, têm-se medida inaugural na vara analisada: sentença de mérito após exaurimento do prazo da MPU, sendo, portanto, objeto do presente estudo de caso.

Nesta sentença, a vítima requereu contra o marido Medidas Protetivas de Urgência, cuja decisão do magistrado GUSTAVO HENRIQUE SILVA MEDEIROS acabou por se mostrar concernente às bases axiológicas e à própria teleologia do diploma legal.

Ressalvada a fundamentação pautada no Código de Processo Civil de 1973, uma vez ser a sentença de 8 de março de 2016, o caso se mostra inovador e único na vara analisada em dois pontos. O primeiro se refere ao reconhecimento da satisfatividade da medida protetiva, a qual, possuindo caráter civil, não se apresenta enquanto acessório de um processo principal – o que redundaria na extinção da mesma caso o referido processo não fosse iniciado no prazo legal, 30 dias.

Nessa esteira, o segundo ponto a dar a excepcionalidade da sentença em estudo é, não a inibição de conduta futura, mas a confirmação da Medida Protetiva de Urgência concedida liminarmente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É nesse sentido que a busca dos magistrados e demais operadores do direito em  dar efetividade às sentenças de Medidas Protetivas de Urgência passa, sem dúvida, pela definição do fazer das mesmas quando ultrapassado o momento de urgência em que foram solicitadas, sob pena de se dar às sentenças sem resolução de mérito das MPUs, caráter meramente simbólico, o que acaba por deslegitimar socialmente a aplicação da lei, reafirmando a sensação de impunidade presente na sociedade como um todo, desacreditando o Sistema de Justiça.

Diante disso, percebe-se que a interpretação mais favorável do ordenamento jurídico à mulher vítima de violência doméstica e familiar – quando garantidos os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório – é dar-se uma sentença que se revista de substancialidade às Medidas Protetivas de Urgência.

REFERÊNCIAS

ANDRADE SILVA, Raissa. A natureza jurídica e o procedimento das medidas protetivas de urgência. Monografia – Universidade Estadual da Paraíba, 2013.

BASTOS,  Marcelo  Lessa.  Violência   doméstica   e   familiar   contra   a   mulher   –   Lei “Maria   da   Penha”   –   alguns   comentários.   In:   Anais   do   XV   Congresso   Nacional   do CONPEDI – Florianópolis: Fundação Boiteux, 2007.

CNJ. Relatório anual, 2010. Disponível em: < http://wwwh.cnj.jus.br/images/relatorios-anuais/

cnj/relatorio_anual_cnj_2010.pdf >. Acesso em: 10 de dez. de 2016.

CRAIDY, Mariana de Mello. Aspectos controvertidos na Lei Maria da Penha e sua eficácia. Monografia – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2008.

DIDIER JR., Fredie; OLIVEIRA, Rafael. Aspectos processuais civis da Lei Maria da Penha, 2010a. Disponível em: < http://www.frediedidier.com.br/artigos/aspectos-processuais-civis-da-lei-maria-da-penha-violencia-domestica-e-familiar-contra-a-mulher/>. Acesso em: 12 de dez., 2016.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar Projetos de Pesquisa. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2002.

PIRES, Amom Albernaz. A opção legislativa pela Política Criminal Extrapenal e a Natureza Jurídica das Medidas Protetivas da Lei Maria da Penha. Revista Ministério Público Distrito Federal e Território, Brasília, v.1, n.5, 2011, p. 121-168.

SAUÁIA, Artenira Silva; ALVES, José Márcio Maia. A tipificação da “lesão à saúde psicológica”: revisitando o artigo 129, do Código Penal à luz da Lei Maria da Penha. XXV Encontro Nacional do Conpedi, Brasília, 2016, p. 77-96.

Sobre os autores
Gabriella Sousa da Silva Barbosa

Advogada. Mestranda em Direito e Instituições do Sistema de Justiça da Universidade Federal do Maranhão - UFMA.

Edith Maria Barbosa Ramos

Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (1997). Mestrado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2002). Doutorado em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão (2012). Professora da Universidade Federal do Maranhão. Coordenadora do Núcleo de Estudos em Direito Sanitário (NEDISA/UFMA). Professora e Pesquisadora da Universidade CEUMA. Professora do IMEC. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Sociologia do Direito, Direito Constitucional e Direito Administrativo, atuando principalmente nos seguintes temas: direito sanitário, propriedade intelectual, inovação e políticas públicas. Professora do Mestrado em Direito e Instituições do Sistema de Justiça da Universidade Federal do Maranhão – UFMA.

Delmo Mattos

Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor colaborador no Programa de Pós-graduação em Direito e Instituições do Sistema de Justiça pela UFMA. Professor permanente do Programa de Pós-graduação em Mestrado em Meio Ambiente da Universidade CEUMA. Líder do grupo de pesquisa Justiça, poder e relações éticas na contemporaneidade (CNPq) Pesquisador FAPEMA/CNPq

Informações sobre o texto

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