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A problemática do transexualismo

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Agenda 17/12/2004 às 00:00

INTRODUÇÃO

Talvez seja o transexualismo um dos temas mais polêmicos na atualidade, quando envolve a possibilidade de mudança de sexo no registro civil. Além do que o tema é encoberto pelo monstro do preconceito, sem falarmos na esfera religiosa que alguns se embasam para continuarem a excluir da sociedade pessoas que não apresentam os padrões sociais exigidos.

O presente artigo visa contribuir e esclarecer acerca do tema, inicialmente situando o leitor no conceito de transexual, diferenciando de homossexual e travesti. Após, aborda-se a legislação brasileira, ainda muito tímida, e a legislação de alguns países que já evoluíram no assunto. É também tratado do aspecto constitucional e do direito da personalidade inerente ao transexual.

O estudo envolve vários setores da Ciência, como por exemplo a Antropologia, a Medicina, a Psicanálise e principalmente o Direito. O estudo pautado na questão interdisciplinar analisa o fenômeno do transexualismo à luz do Direito.


1. O TRANSEXUALISMO NOS DIVERSOS PAÍSES.

1.1.O transexual no Brasil

1.1.1.Transexual, homossexual e travesti

Existe diferença entre o transexualismo de homossexualidade e transvestismo/travestismo.

O transexualismo significa que há uma transposição na correlação do sexo anatômico e psicológico, ou seja, a pessoa tem a convicção de pertencer a um sexo e possuir genitais opostos ao sexo que psicologicamente se pertence.

No homossexualismo, a pessoa se sente adequada quanto à determinação de seu sexo, veste-se conforme o sexo, tem corpo adequado ao sexo e não admite ser confundido com sexo oposto, porém tem atração afetiva e erótica por outra pessoa do mesmo sexo que ela.

Já no transvestismo a pessoa não sente que sua identidade de gênero está trocada, mas usa roupas do sexo oposto com objetivo de ter prazer, por exemplo, homem com corpo de homem sentindo-se homem, vestido com roupas femininas.

1.1.2 Legislação no Brasil

Não existe no Brasil uma legislação segura regularizando o problema. O Conselho Federal de Medicina tenta minimizar o problema e o projeto de Lei nº 70-B, se aprovado, será a primeira Lei brasileira a tratar do assunto.

O Conselho Federal de Medicina regularizou a cirurgia no Brasil sobre trangenitalismo. Em novembro de 2002 divulgou sua nova diretriz [1] que autoriza aos médicos realizar o tratamento cirúrgico de transexuais, segundo as normas internacionalmente reconhecidas, que incluem um mínimo de dois anos de acompanhamento terapêutico por uma equipe multidisciplinar antes de ser autorizada a cirurgia, caso o diagnóstico de transexualismo se confirme.

O projeto de lei nº 70, B, de autoria do Deputado Federal José Coimbra limita-se a incluir um novo parágrafo ao art. 129 do Código Penal (Decreto –lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940) [2] e atribuir nova redação ao art. 58 da Lei nº 6.015 de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos) [3].

A inclusão do parágrafo 9º ao art. 129 do Código Penal visa possibilitar a realização da cirurgia, já que hoje é ela considerada lesão corporal. O médico que venha a operar um transexual no Brasil incide no crime de lesão corporal, mesmo a Resolução nº 1.652 de 06 de novembro de 2002 permitindo tal cirurgia, o tema é polêmico e poderia, eventualmente, ensejar uma noticia criminis e posterior processo judicial.

Como a alteração da lei penal passa a conduta do médico ser lícita e jurídica.

A nova redação atribuída pelo projeto ao art. 58 da Lei de Registros Públicos traz três parágrafos: o primeiro é reprodução do primitivo parágrafo único, sem modificação de conteúdo; o segundo trata da possibilidade de alteração do prenome quando a pessoa houver se submetido a cirurgia de alteração de sexo e mediante autorização judicial; e o terceiro, trata da alteração do documento de identidade e do registro de nascimento, devendo ser averbado nestes documentos tratar-se de pessoa transexual.

É o parágrafo terceiro flagrantemente inconstitucional, viola o direito à intimidade e expõe ao ridículo a pessoa, vindo assim a ferir o princípio da dignidade da pessoa humana.

A Comissão de Constituição e Justiça e de Redação - CCJR insurgiu-se contra a determinação de inclusão de pessoa transexual, com fundamento no art. 5º, X da Constituição da República de 1988 e propôs a seguinte alteração: "No caso do parágrafo anterior, deverá ser averbado no assento de nascimento o novo prenome, bem como o sexo, lavrando-se novo registro". Assim, no registro passa a figurar o novo nome e sexo do transexual operado. [4]

A CCJR da Câmara também apresentou uma emenda aditiva, acrescentando mais um parágrafo, com a seguinte redação "§ 4º É vedada a expedição de certidão, salvo a pedido do interessado ou mediante determinação judicial". É uma forma de proteger a intimidade do transexual. E um procedimento já adotado nos casos de adoção plena.

Por certo que as modificação trazidas pela CCJR, principalmente quanto ao § 3º, vem a regular de forma a suprir a atual necessidade da sociedade, pois a redação originária do projeto de lei traria um retrocesso ao ordenamento jurídico contrariando decisões já proferidos por nossos tribunais. [5]

1.2. O transexualismo nos demais países

Justifica-se a analise do tema no direito comparado por força do disposto no art. 17 da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, que preceitua:

"As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes."

A contrário senso, se as leis, atos, sentenças e quaisquer declarações de vontade de outros países não atentem contra a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes poderão ser aceitos no Brasil.

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A idéia de globalização no mundo moderno não é mais uma aspiração. Vivemos, hoje num mundo globalizado, no qual a Justiça a ser buscada é a aplicada a todos os Estados e não em uma localidade. Devemos buscar a tutela globalizada, onde todos os seres humanos fossem atingidos de forma digna, acabando, definitivamente, com os excluídos.

A tendência que se observa no mundo é a de alterar-se o registro adequando-se o sexo jurídico ao sexo aparente.

A Suécia a muito legislou sobre o tema, em 21 de abril de 1972 promulgou lei que permite a retificação do registro do transexual, desde que solteiro, com mais de dezoito anos e estéril.

Na Alemanha lei promulgada em 10 de setembro de 1980, acolhendo a jurisprudência daquele país promulga lei que dispõe sobre o transexualismo de a modificação do prenome e sexo no assento de nascimento.

Também na Itália, sob a influência da jurisprudência e doutrina, em 14 de abril de 1982 foi promulgada a Lei 164, permitindo a retificação do sexo e alteração do prenome no registro de nascimento dos transexuais.

Na França e na Bélgica, não foi o tema normatizado. Os tribunais desses países inadmitiam mudança de sexo e prenome da pessoa, tais incidentes fizeram com que a Convenção Européia dos Direitos do Homem, julgando reclamação contra esses países, fizesse cumprir o art. 8º da Convenção Européia dos Direitos do Homem. Hoje, apesar de ainda controvertido o tema, os tribunais vêem julgando no sentido de modificação para o novo estado sexual e do prenome no registro de nascimento. [6]


2. CASOS JURISPRUDENCIAIS

O caso de transexualismo mais divulgado e comentado pela imprensa, sem dúvida nenhuma foi o do transexual Luiz Roberto Gambine Moreira, conhecido pelo nome artístico de Roberta Close.

Em 10 de maio de 1994, tendo como presidente o Des. Carpena Amorim e relator o Des. Luiz Carlos Guimarães, a Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, reformou a sentença de 1º grau, julgando improcedente o pedido da inicial.

Luiz Roberto havia se submetido a uma cirurgia de transgenitalismo, de homem para mulher, em 1990, em Londres, após anos de sofrimento gerado pelo seu estado homem/mulher. O autor quando criança apanhava muito de seu pai, que não entendia a condição do filho, além da família havia discriminação e surras na escola e dos primos. Porém, como transexual, o autor não sentia-se homem e ficava constrangido em usar roupas e agir como homem. A solução era a cirurgia de mudança de sexo, não permitida no Brasil, na época, o que levou o autor a procurar o recurso no exterior.

Após a mudança de sexo, o autor ingressou com ação pleiteando a redesignação do assento de nascimento de Luiz Roberto Gambine Moreira para Roberta Gambine Moreira. Julgado procedente o pedido em 1º grau, reformado em 2º grau, o autor requereu recurso extraordinário ao STF. Negado seguimento ao referido recurso por falta de prequestionamento. Sendo hoje Roberta Close, legalmente Luiz Roberto. [7]

Anos depois encontramos acórdão do mesmo Tribunal de Justiça, Décima Sexta Câmara Cível, em que foi presidente e relator o Des. Ronald Valladares, aceitando o pedido da inicial e determinando que no Registro Civil conste o sexo feminino, averbando-se à margem a anotação quanto à retificação ter se dado em virtude de decisão judicial, pela condição de transexual submetido a cirurgia de mudança de sexo.

Recorreu ao referido Tribunal de Justiça o Apelante Carlos que em 1º grau pleiteava a alteração do prenome e do sexo no Registro Civil. Procedente em parte o pedido da inicial, deferido a alteração do nome para Carla deliberou o Juiz de 1º grau que constasse no Registro como transexual.

Preliminarmente discutiu-se a incompetência do Juízo do Registro Civil argüindo o Ministério Público que a competência é do Juízo de Família. Restou afastada a preliminar por entender o Tribunal que a matéria já havia sido amplamente discutida. E citando a Lei de Organização Judiciária do Estado, art. 90 fundamenta competir aos Juízes de Direito, especialmente em matéria de Registro Civil de Pessoas Naturais, onde existirem as Varas especializadas, "exercer todas as atribuições relativas ao registro civil, inclusive processar e julgar as ações de retificações dos respectivos assentos."

No mérito o acórdão trouxe fundamento em outros julgados e na legislação alienígena, baseando-se principalmente, no parecer do Ministério Público, para então decidir pela alteração do sexo no Registro Civil.

Merece destaque o aresto proferido pela Quinta Câmara da Seção de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em que foi Relator o Desembargador Boris Kauffmann, [8] ao julgar recurso em que o apelado, transexual, requereu a alteração do nome e sexo, quanto a este o pedido feito foi alternativo: supressão da indicação masculino, substituindo-se por feminino, ou então por transexual feminino. Em 1º grau o juiz desacolheu a pretensão apoiando-se na inexistência de erro na lavratura do assento de nascimento.

A Procuradoria Geral de Justiça, opinou pela alteração do nome e do sexo no assento de nascimento do autor.

O acórdão traz vultosas citações doutrinárias e jurisprudenciais para então decidir em 22 de março de 2001, pela alteração do nome e sexo no assento de nascimento do Cartório de Registro Civil.


3. PARADIGMAS SEXUAIS

3.1. Sexo jurídico e psicossocial

Sexo é uma daqueles palavras com múltiplo sentido, há os que entendam como a parte física da relação sexual [9] outros definem como o status sexual, masculino ou feminino [10].

A importância da determinação do sexo é flagrante, pois decorre direitos e deveres para com a sociedade.

O sexo jurídico também chamado de sexo legal, é definido pela simples observação externa do órgão genital do nascituro, por essa análise é feito o registro de nascimento, onde constará o sexo da pessoa (masculino ou feminino).

O sexo psicossocial sofre influência pré-natal, porém é após o nascimento, durante a aprendizagem que o sexo psicossocial será mais fortemente marcado. Nessa fase as influências recebidas são responsáveis pela estruturação do comportamento da pessoa e pela sua identificação sexual, podendo o ambiente psicossocial que a criança se desenvolve se encarregar de manter diferenças entre masculino e feminino ou estimulá-las. [11]

Ana Paula Peres complementa o estudo do sexo psicossocial dizendo que o produto final do sexo psicológico será a percepção do indivíduo de si mesmo, como homem ou mulher. [12]

O drama sofrido por pessoas que nasceram com genitália do sexo oposto ao sexo psicológico é contada em diversos livros e sites. A Revista Época na reportagem assinada por Cristiane Segatto, intitulada Nasce uma mulher, [13] narra entrevistas com transexuais operadas. As histórias se repetem. Desde criança repudiam os brinquedos de menino, preferem as roupas femininas. Apanham dos familiares e dos amigos na escola. Quando entram na adolescência iniciam a mudança, com a ingestão de hormônios femininos e cirurgias plásticas, como: silicone, lipoaspiração, correção do pomo-de-adão. Assim que adquirem possibilidade econômica realizam a cirurgia de mudança de sexo [14].

Existe outro tipo de transexual, aqueles que buscam se adequar a sociedade, casam-se por diversas vezes, buscam incessantemente parceiras, pois acreditam que o problema está no outro, por fim se descobrem e se aceitam transexuais. Esta busca em se adequar a um sexo psicológico que não é o seu, se dá pela falta de coragem em enfrentar a discriminação que ao transexual é conferido.


4. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS INERENTES

A Constituição de 1988, no Título I, ao tratar dos princípios fundamentais que norteiam a República Federativa do Brasil, destaca, no art. 1º, inc. II e III, a valorização da cidadania e da dignidade da pessoa humana, elegendo, desta forma, valores humanistas como alguns dos princípios objetivos do Estado e da Sociedade. A obrigação de garantir o bem-estar do cidadão, de zelar por sua dignidade e pelo livre desenvolvimento de sua personalidade, são amparados constitucionalmente.

Desses princípios fundamentais extraem-se outros, como as garantias e os direitos individuais e coletivos, arrolados no art. 5º, as garantias e direitos sociais do indivíduo, constantes do art. 6º, e o direito à saúde, física e psíquica, promovido no art. 196.

O princípio da dignidade humana é a base para sociedade desenvolvida. E como bem expõe a professora Maria Celina Bodin de Moraes, o fundamento jurídico da dignidade humana manifesta-se, em primeiro lugar, no princípio da igualdade. [15]

O princípio igualdade não sustenta o tratamento igual aos cidadãos, ao contrário, busca tratamento equilibrado mantendo o respeito aos grupos minoritários.

Esclarece Maria Celina Bondin de Moraes:

"A forma de violação por excelência do direito à igualdade, ensejadora de dano moral, traduz-se na prática de tratamento discriminatórios, isto é, em proceder a diferenciações sem fundamentação jurídica (ratio), sejam elas baseadas em sexo, raça, credo, orientação sexual, nacionalidade, classe social, idade, doença, dentre outras." [16]

Ao explicar o princípio da igualdade Celso Ribeiro Bastos indaga o que significa igualdade e responde dizendo que se "traduz numa relação entre dois entes quando estes apresentam as mesmas características, a mesma estrutura, a mesma forma, quando, enfim, não apresentem desigualdade que se nos afigurem relevantes." [17]

A complexidade do princípio ora em estudo, fez com que a doutrina melhor explicasse denominando igualdade substancial e formal.

Aquela é o tratamento igual e uniforme a todos os homens, é a busca pela paridade dos homens quanto a seus direitos e deveres. Pelo princípio da igualdade substancial todo ser humano deve ser tratado da mesma forma, a regra deve ser a mesma para todos, independente da situação concreta que encontra-se o homem.

Explica Celso Ribeiro Bastos que este princípio nunca foi aplicado em nenhuma sociedade humana, face o desrespeito da carga humanitária e idealista que esta agregado. [18]

A igualdade formal ou material é mais conhecida e aplicada. Esta presente nas Constituições sob a forma de normas programáticas, com o objetivo de projetar as desigualdades mais acentuadas na fruição dos bens, quer materiais, quer imateriais. [19]- [20]

Relata José Afonso da Silva que tentou-se introduzir uma norma que vedasse claramente a discriminação dos homossexuais, porém não se encontrou uma expressão nítida que não gerasse extrapolações inconvenientes. Optou-se, portanto, em uma vedação ampla, que abrangesse qualquer forma de discriminação. [21]


5. DIREITOS INERENTES DA PERSONALIDADE

5.1. Possibilidade de alteração do nome

O estudo da possibilidade de alteração do nome transporta-se inicialmente para o significado da palavra NOME. No dicionário Aurélio encontra-se as seguintes acepções:

[Do lat. nomen.] S. m. 1. Palavra(s) com que se designa pessoa, animal ou coisa. 2. V. prenome: "Seu nome é Joana". 3. Palavra(s) que exprime(m) uma qualidade característica ou descritiva de pessoa ou coisa; epíteto, cognome, alcunha, apelido. 4. Fama, reputação, nomeada, renome. 5. Boa reputação: "É uma firma de nome" 6. Família, linhagem: "D. João, o sexto do nome (D. João VI)". 7. Pessoa que se notabiliza por sua atuação em determinado campo de atividade: "Goya é um nome na pintura". 8. Título (4): "Só é chefe de nome". 9. V. nome feio: "É um imoral: vive dizendo nomes" 10. Designação patronímica da pessoa; nome de família; sobrenome, apelido.

Nome civil. 1. Nome de pessoa tal como figura no registro civil: "O Visconde de Chateaubriand – François René Chateaubriand, como era seu nome civil – nasceu em Saint-Malo, na França, a 4 de setembro de 1768" (Múcio Leão, Emoções e Harmonia, p. 102). [22]

Ao se falar em nome civil aflora características da pessoa e presume-se tratar da denominação constante no registro civil. Assim é que ao pronunciar o nome "Julia" vem a mente uma pessoa do sexo feminino. E como bem expõe Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, o que deve reger a disciplina legal do nome é que este é marca indelegável do indivíduo, assim como um atributo de sua personalidade. [23]Entretanto, o nome não é exclusivo, existem diversas Júlias, Joãos e Marias.

O Código Civil no art. 16 dispõe que toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.

A Lei de Registros Públicos, no art. 58, em sua redação original tratava da imutabilidade do nome. [24] A alteração do artigo flexibilizou a terminologia sem se afastar totalmente do primórdio da antiga redação. [25]

A possibilidade de alteração do nome esbarra no princípio, ainda vigente, da imutabilidade. Tal princípio sofreu mitigação como bem explica a profª Maria Celina Bodin de Moraes:

"As regras gerais que regem o direito ao nome civil delineiam-se, como não poderia deixar de ser, à luz dos valores constitucionais, dentre os quais, o maior deles, a dignidade da pessoa humana. A mitigação da regra da imutabilidade do prenome encontra sua justificativa principal nesta dignidade. Assim é que, na prática, a jurisprudência tem garantido que o direito da personalidade à real e adequada individualização da pessoa suplante a tradicional proibição de alteração do prenome, principalmente através do alargamento da exceção da "exposição ao ridículo", podendo-se bem entender esta expressão – expor ao ridículo seu portador – em sentido ainda mais amplo, como representativa do que não é condigno à individualização da personalidade humana." (26)

A relativização do princípio da imutabilidade esta presente também quando ocorre casamento ou união estável, nesta ocasião é possível excluir e/ou incluir apelidos de família. Na adoção onde é possível modificar além do apelido de família, também o prenome do adotado. E no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, oportunidade concedida pela lei de alteração do prenome, sem prejuízo dos apelidos de família. [27]

Hoje já se fala em direitos clássicos e novos direitos da personalidade. Os direitos clássicos da personalidade são tidos como a estrutura, são eles a dignidade, a igualdade, a solidariedade, a liberdade, a cidadania e a justiça.

Os novos direitos da personalidade outorgam maior proteção jurídica, ainda, ao ser humano, complementando os direitos clássicos. Enrique Varsi Rospigliosi enumera alguns novos direitos da personalidade:

"Derecho a la existencia, busca proteger los elementos biológicos del ser humano que tienen um contenido vital.

Derecho a conocer el próprio origen biológico, a efectos de resguardar legal derecho a la identidad de la persona, permitiendo el ejercicio de averiguarquienes son sus progenitores información que, por distintas causas, puede ser desconocida, estar em discusión o ser debatible.

Derecho a la investigación de la paternidad, para cautelar el legítimo interés, facultando a todo sujeto a iniciar las acciones legales a fin de averiguar su nexo filial.

Derecho a la intimidad genética, fundamentado em la protección de la información más personal del hombre, la genética.

Derecho a saber e no saber, sustentado em la faculdad de conocer/ignorar los resultados obtenidos de um biotest.

Derecho a la individualidad biológica, a efectos de proteger la unicidad y la unidad del ser humano.

Derecho a sobrevivir, el cual es uma proyección al derecho a la vida." [28]

O certo é que os novos direitos vieram para complementar e fortalecer os direitos da personalidade.

Sobre a autora
Inajara Silva de Assis

advogada no Estado do Rio de Janeiro, professora de Direito Civil da UFRJ e UniverCidade, mestranda em Direito da Universidade Iguaçu (UNIG), especialista em Direito Civil pela UNESA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ASSIS, Inajara Silva. A problemática do transexualismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 528, 17 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6055. Acesso em: 24 nov. 2024.

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