Uma série de atos internacionais são realizados, sendo que muitos não se enquadram na conceituação do que venha a ser tratados, ou seja, como norma obrigacional internacional impositiva aos sujeitos parte.
Os tratados são definidos pelo Ministério das Relações Exteriores Brasileiro, no seu Manual de Procedimento de Atos Internacionais e Prática Diplomática Brasileira, como sendo:
Atos bilaterais e multilaterais aos quais a prática brasileira deseja atribuir especial relevância e solenidade. Nessa categoria destacam-se, por exemplo, os Tratados de Paz e Amizade, Tratados de Amizade e Cooperação e Tratados de Extradição, bem como tratados de singular importância regional, como o Tratado de Assunção (Mercosul) o Tratado de Cooperação Amazônica, o Tratado de Itaipu e o Tratado de Brasília, Constitutivo da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL).
Já Rezek (2002, p. 12) assevera que “tratado é o acordo formal, concluído entre sujeitos de direito internacional público, e destinado a produzir efeitos jurídicos.”
Já a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, define tratado, no seu artigo 2º, número 1, letra a, como “um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica”.
Pode-se ver, com estes conceitos, que tratados são normas internacionais que objetivam proceder a normatização das relações internacionais dos sujeitos internacionais envolvidos, a partir da criação de obrigações normativas que vinculam aqueles que promovem tais normas, impondo a necessidade de seu cumprimento entre os seus realizadores.
E estes conceitos acabam por encerrar a ideia que são acordos firmados por escrito e que estipulam normas para a regulação das relações existentes entre as partes contratantes do Tratado, que dele consentem e se comprometem ao cumprimento.
Então, estes atos acabam por normatizar uma relação internacional entre as partes contratantes, podendo os tratados serem bilaterais, quando promovidos entre dois sujeitos de Direito Internacional, ou multilaterais, quando promovidos por mais de dois sujeitos internacionais.
Mas esta designação específica de tratado tem apenas interesse relativo, posto que não há obrigatoriedade em se seguir nomes predeterminados, posto que estes nomes acabam representando o mesmo elemento que é o tratado e ainda mais por não existir entre as normas internacionais, o que demonstra a ineficácia de diversificar ou nominar de forma distinta os tratados.
A existência de distinção nas nomenclaturas dos tratados deve se dar por norma internacional sobre o tema, o que não se deu na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, que exatamente permitiu o uso de distintas nomenclaturas para a designação deste ato específico, importando mais o seu conteúdo do que o seu próprio nome.
O importante, no entanto, é que um tratado, seja ele bilateral ou multilateral, estabeleça obrigações legais para os Estados signatários e os demais sujeitos internacionais que são legitimados à assinatura de tratados.
Resek (2002, p. 15) ensina que:
a adjetivação serve justamente para especificar a natureza do texto convencional, quebrando a neutralidade do substantivo base. Assim, as expressões acordo e compromisso são alternativas – ou, para quem prefira dizê-lo, são juridicamente sinônimas – da expressão tratado, e se prestam, como esta última, à livre designação de qualquer avença formal, concluída entre sujeitos de direito das gentes e destinada a produzir efeitos jurídicos.
Assim, fica patente a demonstração das razões para a norma internacional deixar de exigir denominação específica para os tratados, sendo o principal a inexistência de um centro de unificação de poder e a organização horizontal dos membros que compõe a Sociedade Internacional, o que impede a distinção entre as normas produzidas, já que, para isso, importaria na existência de hierarquia entre normas, o que vai de encontro a como está Sociedade se estabelece.
A existência de um tratado, baseando as relações promovidas entre sujeitos internacionais, previne a existência de conflitos entre os sujeitos, mas pode permitir a ocorrência de uma disputa entre Estados, a respeito de questões de interpretação e aplicação de certo tratado específico, as disposições daquela norma – com relação aos direitos e deveres dos Estados signatários – servem de fonte primária de direito para a solução da controvérsia.
A elaboração de um tratado acaba por fortalecer as relações entre Estados, sendo que é frequentemente usada para condução de relações internacionais de vários tipos, mas também para impor normas vinculantes, com precisão e detalhe, em várias áreas do direito internacional (por exemplo, direitos humanos, meio ambiente, direito internacional humanitário), ao estabelecer obrigações mútuas entre suas partes.
Outra característica de muitos tratados é que estes podem ser vistos como uma clarificação, codificação ou suplementação do direito internacional consuetudinário, permitindo que os demais países não aplicantes de algum tratado acabe por reconhecer a existência e aplicação de suas obrigações de forma costumeiras.
O direito internacional, com relação aos próprios tratados e os demais de usos deste instituto, estabeleceu a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (Convenção de Viena, 1969), que apresenta, dentre outras coias, a codificação de como são realizadas estas normas do direito internacional e como esta se relaciona com o direito consuetudinário, que se conecta com certos tratados e os respeita.
Esta norma, em específico, traz para a comunidade internacional as formalidades para normatização do Direito Internacional, de forma que esta norma seja o instrumento para permitir o amplo conhecimento sobre tratados, a fim de impedir conflito entre os interesses políticos dos Estados. Mas a grande importância desta Convenção para o dia a dia das relações entre os Estados é o estabelecimento de normas rígidas na construção destas normas internacionais, ao estabelecer procedimentos a serem cumpridos para a sua criação.
Assim, todo Estado que possua a capacidade de firmar tratados, deve apresentar as próprias indicações de quem sejam os legitimados para o exercício dos poderes para a negociação e na elaboração de tratados em sua base normativa, embora os tratados sejam normalmente firmados na forma de acordos entre Estados, acordos entre Chefes de Estado, ou acordos intergovernamentais.
Há, portanto, a necessidade do Estado, no seu âmbito interno, estabelecer os legitimados para firmar os tratados, embora os artigos 7º e 8º da Convenção de Viena estipulem quais as pessoas, reconhecidas pela norma internacional, que podem representar um Estado com o propósito de negociar, adotar ou autenticar o texto de um tratado, bem como o de expressar o consentimento do Estado a se obrigar por um tratado.
Geralmente, essa competência pertence aos chefes de Estados e de Governo, mas outras pessoas podem representar o Estado ao apresentar seus plenos poderes (artigo 7.1.a), isto é, um documento originário da autoridade competente de um Estado, designando alguém para representá-lo em determinado ato relacionado ao tratado.
Neste sentido, vê-se que há importância dos tratados dentro das relações internacionais entre os Estados, mas estas não se dão somente por tratados, podendo se dar por via de outros instrumentos normativos que promovam normas de gerência da relação entre tais Estados, sendo que neste sentido são exemplos destas normas os acordos executivos, as notas reversais e as trocas de notas, entre outras formas descritas pelos Estados em relação ao tema.
As notas reversais são definidas pelo Ministério das Relações Exteriores brasileiro, no seu Manual de Procedimento de Atos Internacionais e Prática Diplomática Brasileira, como sendo documento que
Trata de assuntos de natureza administrativa, da rotina diplomática, podendo ainda precisar, alterar ou interpretar o alcance de cláusulas de atos já concluídos. Seu formato são Notas Diplomáticas reversais que podem assumir duas modalidades: Notas idênticas de mesmo teor e data; ou uma Nota de proposta e outra de aceitação. Uma de suas modalidades é o “Modus vivendi”, que se caracteriza por seu caráter provisório ou temporário.
Emprega-se a troca de notas reversais para assuntos de natureza administrativa, bem como para alterar ou interpretar cláusulas de atos já concluídos, onde um Estado promove uma concessão a outro Estado, recebendo outra concessão no mesmo ato. Essas notas podem ser: a) idênticas, com o mesmo teor e data; ou b) uma primeira nota, de proposta, e outra, de resposta e aceitação, que pode ter a mesma data ou data posterior.
Abordando o tema, Resek (2002) descreve que o documento que se propõe a realizar a interpretação, determinação de alcance ou regulamentação de cláusulas já descritas em tratado deve ser chamado de Acordo Executivo.
Para ele, acordo executivo é o “(...) subproduto evidente de acordo anterior aprovado pelo Congresso, escapa assim ao reclamo constitucional de uma análise do seu texto acabado, implícito na fórmula ad referendum”. Ainda, conceituando o que seja acordo executivo, Silva e Neves (2004) descrevem que:
Acordo Executivo é expressão criada nos Estados Unidos para designar aquele tratado que se conclui sob a autoridade do chefe do Poder Executivo, independentemente do parecer e consentimento do Senado. Um tratado de forma simples, concluído e posto em imediato vigor pela assinatura das partes no instrumento único, ou por troca de notas, não se confundirá com um acordo executivo se os governos pactuantes estiverem agindo com apoio em aprovação parlamentar prévia. Há uma subjetividade nesta relação.
Podem, portanto, os Estados promoverem tais atos como meio de proceder o estabelecimento de normas complementares a um tratado realizado, mas que não crie novas obrigações, condutas ou imposições, sendo somente realizado no estabelecimento da descrição de forma, modo, meio, sentido e o alcance que o tratado ao qual esta ligado possui, ou seja, norma regulamentar ou interpretativa do que anteriormente já havia se dado.
Segundo Rezek, três são as categorias de acordos executivos (2014, p.47): (...) os acordos que consignam simplesmente a interpretação de cláusulas de um tratado já vigente, os que decorrem, lógica e necessariamente, de algum tratado vigente e são como que o seu complemento, e os de modus vivendi, quando têm em vista apenas deixar as coisas no estado em que se encontram, ou estabelecer simples bases para negociações futuras.
Já Portela descreve que estas normas
“são chamados de acordos executivos (executive agreements) e normalmente requerem apenas a participação do Poder Executivo em seu processo de conclusão e prescindem da ratificação. É adequada a tratados que meramente dão execução a outro tratado de escopo mais amplo, como o ajuste complementar; ou que não impliquem a assunção de novos compromissos.” (2012, p. 104)
Como este é o pensamento esposado sobre o tema, é possível de se ver que uma série de importantes normas de nossa história foram realizadas por via da produção acordos executivos. Portanto, acordo executivo ou notas reversais, não importa a nomenclatura que se dê, são atos internacionais interpretativos em que os próprios Estados-parte descrevem a interpretação de um ou mais tratados anteriormente realizado entre eles, bem como promovem a apresentação de atos administrativos a serem realizados entre si para a execução das obrigações contidas nos respectivos tratados a que são vinculados.
Ou seja, os Estados-parte criam obrigações num tratado respectivo. O próprio instrumento não descreve os procedimentos ou atos para a execução deste tratado. Possível é que se estabeleça outro ato internacional entre eles com o objetivo de tratar destas questões administrativas de execução do tratado.
Este novo ato instrumental é diretamente ligado e vinculado ao conteúdo delimitado no tratado do qual é subproduto, estabelecendo os meios administrativos e procedimentais para a realização das obrigações contidas na norma originária.
Num análise histórica dos tratados brasileiros, os Estados-parte realizam outras normas para procedimentalizar os direitos descritos nos tratados, por exemplo, normas realizadas desta forma os Acordos de Roboré, realizados entre Brasil e Bolívia para a resolução de tratados anteriores (1958); o Acordo básico de cooperação técnica Brasil-Itália (Brasília, 1972); Acordo Brasil - FAO sobre estabelecimento de escritório da organização em Brasília (Roma, 1979); Acordo Argentina-Brasil sobre transportes marítimos, concluído por troca de notas, em Brasília, em 18 de junho de 1981; Ajuste complementar ao Acordo básico de cooperação técnica Brasil – R. F. da Alemanha, concluído por troca de notas, em 5 de maio de 1981. (REZEK, 2014)
Tais normas existem porque as discussões de questões administrativas e procedimentais para o encerramento dos tratados poderiam importar na demora do estabelecimento destas normas internacionais, vez que estas questões secundárias acabariam por tomar o tempo para o encerramento dos tratados.
Se os Tratados são a expressão da política externa dos Estados, que encerram em norma internacional como meio de redução formal de tais expressões, os acordos executivos ou notas reversais são expressão da vontade administrativa dos Estados como meio de conexão e procedimentalização de meios para que estes possam realizar os tratados, de forma que estes atos não importam diretamente na necessidade de discussão e facção de obrigações pelos membros dos respectivos governos que estão diretamente a estas rotinas respectivas formuladas nos tratados.
Nos Acordos de Roboré, houve as exatas ocorrências desta situação, posto que o Brasil promoveu uma série de tratados com a Bolívia, desde o Tratado de Petrópolis até os tratados sobre Ligação Ferroviária e o sobre a Saída e o Aproveitamento do Petróleo Boliviano, ambos datados de 25 de fevereiro de 1938, sendo que estes Acordos de 1958 resolveram as questões administrativas para permitir que os tratados antecedentes fossem cumpridos.
Os Acordos de Roboré promoveram uma série de questões administrativas, procedimentais, aduaneiras e financeiras das obrigações descritas entre Brasil e Bolívia em uma série de tratados, permitindo que as obrigações contidas nos tratados fossem efetivamente executadas pelos dois países, a fim de promover a execução da estipulação de seus limites, a descrição do uso das águas brasileiras para o transporte de produtos bolivianos, a construção de ferrovias entre locais determinados nestes acordos, entre outras normas.
Nota-se que estes acordos tornaram-se meios de complementar os tratados de Petrópolis, de Natal (sobre limites e comunicações férreas), sobre Ligação Ferroviária e o sobre a Saída e o Aproveitamento do Petróleo Boliviano, estabelecendo as condições para que os mesmos fossem implementados em sua totalidade.
Diante desta problemática, tem-se que o Brasil procede à aceitação do uso de “acordos executivos”, como forma de operacionalizar a atuação dinâmica nas suas relações internacionais, mas não para estabelecer novas condutas e obrigações relativas às normas internacionais e sim, para descrever mecanismos administrativos, interpretativos e regulatórios que possam permitir que outra norma anteriormente realizada pelo Estado seja cumprida devidamente, ou estabelecendo uma discussão com outro Estado para uma acomodação conjunta de interesses comuns, não obrigacionais.
Referências bibliográficas:
PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado, incluindo Noções de Direitos Humanos e de Direito Comunitário. 4ª ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2012.
REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: Curso elementar. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. 15 ed. Rev. E atual. São Paulo: Saraiva. 2014.
REZEK, José Francisco. Parlamento e Tratados Internacionais: o modelo constitucional do Brasil. Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 14, n. 14, p. 40-72, julho/dezembro de 2013.
SILVA, Charlene Ferreira da; NEVES, Mariana D'Eça. Tratados (Direito Internacional Público). Âmbito Jurídico, Rio Grande, VII, n. 18, ago 2004.