II - A CONFUSÃO DO PATRIMÕNIO DO DEFUNTO E DO HERDEIRO
Determina o artigo 1.792 do Código Civil:
Art. 1.792. O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados.
Destaco que Bruna M. Siena(Responsabilidade dos herdeiros pelas dividas) disse: "Conservando a noção do Principio da Responsabilidade Patrimonial de 428 a.C, que recaia a execução das obrigações sobre os bens do devedor e não em sua pessoa, o Código Civil dispõe em seu art. 391 “Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor”.
Sendo assim, respondem os bens pela divida do de cujus, porém, uma vez feita a partilha, essa responsabilidade passará aos herdeiros que responderão em proporção a parte que lhe coube, já que os credores não podem ter seus direitos frustrados por essa divisão.
Alem das dívidas, serão descontados outros encargos como despesas funerárias (art. 1998), vinteno testamenteiro (art. 1987 parágrafo único) e cumprimento dos legados. Missas ou outros cultos religiosos só farão parte das despesas quando obrigadas por testamento ou codicilo. Somente após essa dedução que serão partilhados os bens ou valores remanescentes."
De acordo com o principio da irresponsabilidade ultra vires hereditatis os herdeiros não responderão pelo excesso caso os débitos ultrapassem o valor da herança. O que não ocorre com os legados que podem ser atingidos pelo seu pagamento na proporção dos benefícios. Uma declaração de insolvência do espólio poderá ser requerida pelo inventariante caso ainda contenha débitos remanescentes.
Antes da partilha, toda a herança deixada responde pelas dívidas do falecido. Depois da partilha, a responsabilidade é dividida em partes proporcionais a todos os herdeiros, até o limite da cota que lhe couber. Ou seja, o herdeiro é responsável pela dívida do de cujus até o valor que recebeu a título de herança. Ainda, em outras palavras, o herdeiro não tem a obrigação de assumir dívida da pessoa falecida, em valor maior do que a parte da herança a que teve direito.
Sabe-se que a confusão do patrimônio do defunto com o do herdeiro é um dos mais importantes efeitos patrimoniais da sucessão hereditária - pode ser prejudicial tanto ao herdeiro como aos credores hereditários; ao herdeiro, porque tendo recebido uma herança passiva, será obrigado a satisfazer com os seus bens próprios as deficiências do acervo; aos credores da herança porque, encontrando-se em frente de um herdeiro criado de dívidas, verão ameaçada a integral satisfação dos seus créditos pelo concurso dos credores do herdeiro. Para eliminar estas consequências danosas há dois institutos especiais: o do benefício de inventário no primeiro caso, e a sepração do patrimõnio do defunto do patrimônio do herdeiro, no segundo.
O benefício de inventário foi introduzido no direito romano, na legislação justiniana.
O benefício de inventário é uma derrogação à norma de confusão dos patrimônios e da responsabilidade ilimitada do herdeiro e uma vantagem que a lei atribui a quem, tendo a certeza da passividade do acervo ou apenas dúvidas sobre a sua consistência efetiva, não queira, para além das forças do mesmo acervo, responder pelos encargos que sobre ele pesam; destina a remover o risco de uma série de renúncias sucessivas por parte dos vários chamados no que, além de irreverência pelo defunto, haveria um dano social pela incerteza em que seria colocada, talvez mesmo por longo tempo, a pertença de herdeiro e, com ela, a condição dos credores e dos legatários.
Assim, o instituto exerce uma função que vai mais além do interesse privado da pessoa chamada, cumprindo, como ensinou Roberto de Ruggiero(obra citada, pág. 439) uma missão de utilidade social .
A posição jurídica de quem é chamado antes e depois da aceitação é diversa daquela do herdeiro normal e caracteriza-se pelos mais restritos poderes que ele tem sobre bens hereditários:
a) antes da aceitação e durante os prazos para fazer o inventário e para deliberar, ainda não há um herdeiro nem se é obrigado a assumir tal qualidade;
b) depois da aceitação é verdaeiro herdeiro, titular de todos os direitos da herança, dos quais pode dispor como autorização do juiz, e devedor de todas as obrigações respectivas dentro dos limites das forças hereditárias.
Há, ainda, a separação de patrimônio do defunto daquele do herdeiro. Ela tem origens romanas e mais antigas do que o instituto do benefício de inventário, uma vez que a separatio bonorum foi introduzida naquele direito pelo pretor, como revelam Oertemann, Euler, Melucci(Trattado della separ. del patr. del defunto da quello dell'erede), dentre outros.
E esta uma segunda derrogação ao princípio da confusão, mas aproveita só aos credores e aos legatários, e não produz, assim, modificação alguma na condição jurídica do herdeiro, que continua a ficar exposto com todos os seus bens para com os credores da herança e os legatários.
É, pois, um motivo de preferência concedida aos legatários e aos credores hereditários em confronto com os credores do herdeiro, com efeitos pessoais para aqueles que a pediram.
A separação se introduz para proteger os credores do defunto e os legatários, contra um concurso de credores do herdeiro, de forma que estes não devem tirar qualquer vantagem da separação pedida por aqueles.
O próprio herdeiro, por outro lado, não pode tirar vantagem e pretender limitada a ação dos credores hereditários e dos legatários ao acervo hereditário, pois a limitação de sua responsabilidade não é dada pelo instituto da separação, mas só ao beneficiário do inventário e a este devia o herdeiro recorrer para repelir a ação dos credores do defunto sobre os seus bens pessoais.
Determina ela um vínculo objetivo dos vários bens hereditários, destinando-os em primeiro lugar e com exclusão de quaisquer outros à satisfação dos credores do defunto e dos legatários, que mais apressados a tenham pedido, e é por isso uma forma de garantia com eficácia real, que limita a hipóteca e o privilégio, mas que pode ter uma eficácia maior.
III – DIREITO DE REPRESENTAÇÃO DOS NETOS E OS DÉBITOS DEIXADOS PELO PAI QUE VEIO ANTES A FALECER
No direito sucessório brasileiro, a herança dos avós é transmitida diretamente aos netos nos casos em que o pai dos herdeiros tenha falecido antes da sucessão (pai pré-morto). Nessas hipóteses, os bens herdados por representação não chegam a integrar o patrimônio do genitor falecido e, por esse motivo, também não podem ser alcançados por eventuais dívidas deixadas por ele.
O entendimento foi fixado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao acolher recurso especial e julgar extinta ação monitória que, na ausência de bens deixados pelo pai falecido, buscava satisfazer o débito contraído por ele com a herança recebida por seus filhos diretamente da avó.
“Esse patrimônio herdado por representação jamais integrou o patrimônio do devedor, de modo que o que se pretende é imputar aos filhos do devedor pré-morto e inadimplente a responsabilização patrimonial por seus débitos, o que absolutamente é inviável no direito brasileiro”, apontou o relator do recurso especial dos herdeiros, ministro Marco Aurélio Bellizze.
O julgamento ocorreu quando do REsp 1.627.110.
Do que se colhe do voto do ministro Marco Aurélio Bellizze, naquele recurso especial, consoante site do STJ, a herança por representação tem a finalidade de reparar os danos sofridos pelos filhos em razão da morte de seus pais, viabilizando a convocação legal dos netos, em linha descendente, ou dos sobrinhos, em linha transversal, para participação da herança dos avós ou dos tios.
“O patrimônio herdado por representação, contudo, não se perfaz em nome do herdeiro pré-morto, como pode sugerir a literalidade da denominação do instituto. Ao contrário, o herdeiro por representação, embora sujeito à proporcionalidade diversa da participação no acervo hereditário, participa do inventário em nome próprio e, como já acentuado, por expressa convocação legal”, explicou o relator.
Por esse motivo, o ministro Bellizze concluiu que não seria possível o credor pretender o pagamento da dívida mediante o alcance do patrimônio transmitido diretamente aos filhos do falecido, sob pena de violação ao artigo 1.792 do Código Civil.