Carolina Scagliusa Silva, advogada da Ozi, Venturini & Advogados Associados
No dia a dia a maior parte das pessoas faz uso de estacionamento para guarda de veículo, seja mediante o pagamento do preço respectivo, seja a título gratuito, como ocorre em supermercado, dentre outros estabelecimentos.
Contudo, dúvida pode surgir quanto ao limite da responsabilidade do estacionamento/estabelecimento comercial: apenas pela guarda do veículo ou pela guarda do veículo e dos bens deixados em seu interior?
O condutor do veículo, ao estacioná-lo, recebe um “ticket”, no qual consta a identificação do veículo, a data e o horário de entrada (estacionamentos particulares, onerosos) ou até mesmo um “ticket” simples, sem identificação, o qual deverá ser validado no estabelecimento, para retirada do veículo, o que usualmente ocorre nos estacionamentos gratuitos, por trazer-lhes retorno financeiro indireto.
Até então, situação corriqueira e regular. Contudo, o problema poderá surgir quando o condutor do veículo, ao retirá-lo do estacionamento, sentir falta de pertence deixado em seu interior.
Neste cenário, importante delimitar a responsabilidade do estacionamento/estabelecimento e a responsabilidade do condutor do veículo. Explica-se.
O estacionamento/estabelecimento é responsável pela guarda e vigilância do veículo e, no ponto, equipara-se a um depositário, nos termos do artigo 629, do Código Civil: “O depositário é obrigado a ter na guarda e conservação da coisa depositada o cuidado e diligência que costuma com o que lhe pertence, bem como a restituí-la, com todos os frutos e acrescidos, quando o exija o depositante” (g.n), considerando, ademais, os princípios de proteção ao consumidor.
Tem-se, portanto, que é objetiva sua responsabilidade e, se danos ocorrem em suas dependências, são inerentes ao risco do negócio, passíveis de indenização.
Neste sentido:
“APELAÇÃO. CONTRATO DE DEPÓSITO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAL E MORAL. COMPROVADO FURTO DE BENS (EQUIPAMENTO DE SOM) DEIXADOS EM INTERIOR DE VEÍCULO COMETIDO EM ESTACIONAMENTO. FATO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL. ARTIGO 629 DO CÓDIGO CIVIL E 14, “CAPUT” E INCISO II DO §1º, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. FORTUITO INTERNO. RESPONSABILIDADE DO RÉU. DANO MATERIAL EVIDENCIADO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. COMPENSAÇÃO MORAL INDEVIDA. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. RECURSOS NÃO PROVIDOS” (TJ-SP, Apelação nº 0023613-32.2011.8.26.0562, j. 14/09/2017, rel. Alfredo Attié)
“INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. Furto de objetos existentes no interior de veículo, ocorrido em estacionamento. Evidenciado o dever de indenizar pelos danos materiais sofridos, ante a responsabilidade objetiva do réu, nos termos do artigo 14 do CDC. Dano moral não configurado. Ausência de ofensa a direitos da personalidade. Sentença reformada em parte. Sucumbência recíproca. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO” (TJ-SP, Apelação Cível nº 1035437-15.2015.8.26.0114, j. 12/09/2017, Rel. Paulo Alcides)
Contudo, a questão é controvertida e há os defensores da excludente da responsabilidade, ao argumento de que cabe ao condutor do veículo zelar pela guarda de seus bens pessoais, em especial quando se tratar de bens valiosos, exceção feita aos casos em que há declaração prévia dos pertences, o que usualmente não ocorre, por conta da informalidade.
Portanto, dada a complexidade, deve-se analisar caso a caso, em especial as provas apresentadas, como cópia do boletim de ocorrência, comprovação da propriedade dos pertences, do valor atribuído aos bens, do relato da ocorrência, da existência (ou não) de câmeras; sinais de arrombamento do veículo, prova testemunhal, dentre outros.
Ante o conjunto probatório, caberá ao magistrado analisar se houve (ou não) falha no serviço prestado, passível de reparação/indenização, a justificar eventual responsabilização com base na atividade empresarial, nos termos da Súmula 130, do Colendo Superior Tribunal de Justiça: “A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorrido em seu estabelecimento”. (g.n.)