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A lei nº 13.303/2016 e o (velho) compliance das empresas estatais

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Agenda 24/10/2017 às 12:00

Análise do instrumento de compliance trazido pela Lei das Estatais que, embora seja uma legislação recente de combate à corrupção, não inova em relação ao tema.

RESUMO: As empresas estatais são controladas por um sistema composto por bases controladoras diversas, visando abranger a maior quantidade de atos praticados e, embora existam numerosos meios de fiscalização e rígido controle dirigido a estas, editou-se a Lei n.º 13.303/16, datada de 30 de junho de 2016, para que, cumprindo o que determina o artigo 173, parágrafo primeiro da Constituição Federal, sirva como mais um instrumento de monitoramento e combate à improbidade administrativa e corrupção. O controle administrativo das estatais é matéria atual e que ainda apresenta desafios a superar no Estado de Direito, especialmente os atrelados aos recentes casos de corrupção, buscando-se soluções contemporâneas para fiscalizar os atos e a gestão das empresas estatais, objetivando garantir a eficiente prestação dos serviços. Especificamente, o presente trabalho busca analisar o instrumento de compliance trazido pela Lei das Estatais pois, embora seja uma legislação recente de combate à corrupção, não inova em relação ao tema.

Palavras-chave: Direito Administrativo. Compliance. Lei n.º 13.303/2016.


CONTROLE ADMINISTRATIVO

Após o fim da época das monarquias absolutas em que a atividade do Estado era concentrada apenas nas mãos do monarca, sem submissão à lei e ao controle judicial, o Estado de Direito surge ancorado na ideia de separação dos poderes, buscando garantir a liberdade dos cidadãos e proteger os direitos individuais, tanto na relação pessoa-pessoa, quanto na relação pessoa-Estado.

Era, portanto, um Estado de não fazer, pois não devia intervir nos direitos individuais, tampouco na ordem econômica e social. E foi dentro dessa acepção negativa de Estado que se incorporou a doutrina de Montesquieu da separação dos poderes, baseada na existência de três funções distintas, porém complementares: o Poder Legislativo, que através da vontade popular cria as leis; o Poder Executivo, que dentro de suas funções estatais, submete-se à lei e, uma vez em caso de inobservância, sujeita-se à apreciação e controle do Poder Judiciário. Portanto, desde a sua gênese, o Estado de Direito traz consigo a percepção de controle, tendo em conta que controle e legalidade são faces de uma mesma moeda.

É impossível, a partir desse momento, dissociar Estado de Direito e princípio da legalidade, pois, nas palavras de Celso de Mello (apud CHAIB, 2008, p. 18)

O princípio da legalidade é o específico do Estado de Direito; é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá a identidade própria. Por isso mesmo é o princípio basilar do regime jurídico-administrativo, já que o direito administrativo (pelo menos aquilo que como tal se concebe) nasce com o Estado de Direito; é uma consequência dele. É o fruto da submissão do Estado à lei.

Nos termos postos, o Estado de Direito, nascido com as revoluções liberais e inspirado na teoria da separação dos poderes, precisa apresentar mecanismos de contenção do poder estatal absoluto, e esse papel cabe, preponderantemente, ao Direito Administrativo, nascido das revoluções sociais e com função histórica de conter o Estado frente aos particulares, e o principal instrumento para exercer esse poder de controle foi o princípio da legalidade (FURTADO, 2016, p. 13-14).

Com a compreensão de que o controle é decorrente da evolução do próprio Estado de Direito, passou a ser objeto de fiscalização todos os Poderes enquanto exerçam funções administrativas, abrangendo a Administração Pública em sentido amplo.

É através do controle que a Administração Pública se submente à lei, respeitando os direitos individuais e coletivos, tendo como finalidade,

[...] garantir que a Administração atue em consonância com os princípios que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico, como os da legalidade, moralidade, interesse público, publicidade, motivação, impessoalidade, economicidade, razoabilidade, segurança jurídica, atualmente com fundamento na própria Constituição, seja porque previstos expressamente, seja porque implícitos na própria concepção de Estado de Direito (DI PIETRO, 2013b).

Em razão de seu objetivo difuso, foram instituídos vários tipos de controle, tais como o controle interno (autocontrole, tutela administrativa, auditoria, ouvidoria, comissão de ética, etc.), controle externo (Tribunal de Contas da União, Poder Legislativo, Ministério Público), além do controle jurisdicional, exercido pelo Poder Judiciário, e todos buscam, de certa maneira, atingir o mesmo objetivo: acompanhar, fiscalizar, verificar a conformidade dos atos praticados e atividades realizadas, tanto no que diz respeito aos critérios de oportunidade e conveniência quanto aos limites impostos pela legalidade, além do controle exercido pelo administrado, através dos mecanismos de controle popular oferecido pela Constituição Federal.

Diante de sua larga abrangência, a maior dificuldade em se fixar a noção de controle da administração pública é justamente seu caráter multifário (MEDAUAR, 2014, p. 24). Assim, sua definição apresenta conceito amplo, sendo um poder-dever dos órgãos a que a lei atribui essa função corretiva, não podendo ser renunciado ou postergado, sob pena de responsabilidade de quem não agiu conforme determinado pela norma. Abrange não apenas a fiscalização e correção dos atos ilegais, mas também dos inoportunos ou inconvenientes, tendo em vista que atualmente o mérito dos atos administrativos também é objeto de controle, conforme enfoque da moderna doutrina dos controle dos atos administrativos (DI PIETRO, 2013a, p. 797).


DESAFIOS DO CONTROLE ADMINISTRATIVO DAS EMPRESAS ESTATAIS

A Constituição Federal de 1988 criou vários mecanismos de controle, para as estatais, inclusive, abarcando desde o controle político-administrativo a cargo do Congresso Nacional[1], o controle de natureza eminentemente administrativa, a cargo dos Tribunais de Contas[2], o controle de caráter judicial, a cargo do Ministério Público e do Poder Judiciário, culminando com a previsão de controle social, através da possibilidade dos cidadãos realizarem denúncias e participarem dos conselhos de gestão e fiscalização.

Há, ainda, o controle interno, com previsão constitucional no artigo 74[3], realizado pelos meios existentes dentro de cada estatal, que tem como escopo não apenas a lisura e correção dos atos, mas também garantir o efetivo cumprimento de sua missão institucional.

Embora haja tantos meios para se realizar o controle das empresas públicas e sociedades de economia mista, este ainda apresenta desafios a serem superados.

Conforme leciona a melhor doutrina sobre o tema, dois grandes desafios podem ser atrelados à ideia de controle: o primeiro reflete necessidade de um sistema de controle e o segundo concerne em fazer com o que o controle se concentre nos resultados das ações das estatais, não se prendendo a meios e formas (SCHIRATO, 2016, p. 145).

A necessidade de um sistema de controle é imperiosa pois, atualmente, o controle é um fim em si mesmo, posto que seu objeto é incerto e o método de realização do trabalho indefinido, gerando conflito de funções e atribuições, somados à falta de clareza acerca do que deve ser realmente controlado e fiscalizado.

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Apesar dos entraves serem complementares, compreendemos que a segunda contenda é mais impreterível, pois é de se afirmar que o formalismo e o apreço aos meios de controle não podem se sobrepor aos resultados que as ações das empresas estatais devem atingir.

Por tais dificuldades, Marques Neto (2010) entende que mais do que buscar regras e controle em excesso, o objetivo a ser alcançado é um sistema de controle eficiente, sem que isso corresponda a um engessamento do bom funcionamento da Administração, à medida que estruturas duplicadas, superdimensionadas, ou desperdício de recursos públicos em procedimentos de controle inócuos também configuram desvios que devem ser coibidos.

Em outras palavras, o controle das empresas estatais deve voltar-se não exclusivamente para a verificação da legalidade do ato, é imprescindível que foque também para os resultados obtidos com a ação administrativa, notadamente no que concerne à eficácia, eficiência e, principalmente, boa destinação de recursos públicos.

Dentro deste cenário, o controle destinado às estatais necessitou de aprimoramento decorrente do incremento de suas atuações, da flexibilização de sua gestão e a importância em prol do atingimento de sua função social, pois nas palavras de Marques Neto (2010) este controle atrela-se à utilização por parte das estatais de recursos públicos somado ao fato de que muitas destas empresas, em algum momento, são envolvidas em casos de corrupção.


A LEI N.º 13.303/2016 E O (VELHO) COMPLIANCE DAS EMPRESAS ESTATAIS

Neste contexto de dificuldades para controlar as empresas estatais em sua moderna configuração e competência difusa, com fim precípuo de cumprir o que determina o artigo 173, parágrafo primeiro da Constituição Federal[4], mas também com vistas ao combate à corrupção, publicou-se Lei n.º 13.303, de 30 de junho de 2016, dispondo sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

A edição desta Lei realizou-se em momento apropriado, mormente quando se destinou à revisão dos paradigmas de responsabilidade da Administração Pública por atos de corrupção, desvios e abusos na condução da res publica, tendo a nova legislação uma função de renovação e aprimoramento no modelo de gestão e nos sistemas de controle das estatais (NESTER, 2016).

Reforçando a característica de que a empresa estatal é mecanismo de descentralização estatal para atingimento do interesse coletivo, a Lei n.º 13.303/2016 expressamente prevê que a função social da empresa estatal é a “realização do interesse coletivo ou de atendimento a imperativo da segurança nacional expressa no instrumento de autorização legal para a sua criação”[5], denotando, mais claramente, a necessidade de controlar os fins para os quais a estatal foi criada.

Além de inovar ao dispor sobre a função social das estatais, a Lei foi adiante e traçou as premissas que compõem o conceito de interesse público das estatais: “O interesse público da empresa pública e da sociedade de economia mista, respeitadas as razões que motivaram a autorização legislativa, manifesta-se por meio do alinhamento entre seus objetivos e aqueles de políticas públicas, na forma explicitada na carta anual”, nos dizeres do artigo 8º, parágrafo primeiro.

Resta assente, portanto, que para controlar e fiscalizar a atual modelagem das empresas estatais os métodos existentes mostraram-se ineficientes.

Nesse cenário, o controle que o Estado passa a suportar faz com que haja o surgimento da necessidade de efetivação de instrumentos de transparência e compliance, através de um sistema regulatório com poder sancionador e repressivo do Estado, especialmente voltado à prevenção e ao combate e à corrupção. São as duas faces da mesma moeda: maior participação de atores externos gera para o Estado a obrigação de transparência e controle de suas ações.

Quando se trata de políticas públicas regulatórias, o relacionamento dos elementos de liderança é instável, sendo o Congresso o centro de decisão, assim, a lei tem o condão de colocar o Estado como ator independente e sua ação volta-se exclusivamente para o fim almejado: regular, controlar, sancionar.

Não por outra razão, a Lei n.º 13.303/2016 contém significativo viés normativo direcionado ao controle, à integridade da gestão administrativa e à transparência, buscando produzir efeitos no plano da gestão, introduzindo uma pluralidade de mecanismos jurídicos que restringem severamente a autonomia dos governantes e, em especial, dos gestores na condução das atividades das empresas estatais, dispondo de mecanismos de prevenção que se deseja suficientemente satisfatórios para impor limites aos desvios verificados até sua edição.

De maneira compulsória, a Lei criou a área de compliance[6], conceito que engloba a área de responsável pela verificação de cumprimento de obrigações e de gestão de riscos, devendo se reportar diretamente ao Conselho de Administração em situações em que se suspeite do envolvimento do diretor-presidente em irregularidades ou quando este se furtar à obrigação de adotar medidas necessárias em relação à situação a ele relatada. 

Há que se destacar que a Lei Anticorrupção assegurou que violações ao patrimônio público ou contra os princípios da administração pública podem repercutir em responsabilização administrativa/judicial, de modo que as estatais já estavam orientadas a implementar boas práticas por ocasião da Lei n.º 12.846/2013 que previa em seu art. 7º, inciso VIII “a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica” como atenuante quando da aplicação de sanções.

Com efeito, a previsão de compliance atrelada às definições da Lei Anticorrupção, ainda em 2013, buscava, conforme afirma Hijaz (2016), incentivar as empresas a investir em políticas de controle interno para cumprimento de normas e regulamentos, a fim de mitigar riscos, evitando, assim, o envolvimento da instituição com condutas ilícitas, e fortalecer sua imagem diante da sociedade de modo geral.

Não se deve olvidar que a definição de compliance surge através do Decreto n.º 8.420/2016, editado para regular a Lei n.º 12.846/2013 – Lei Anticorrupção, que dispõe em seu artigo 41 que programa de integridade consiste em um conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

Percebe-se, então, que a inovação da Lei n.º 13.303/2016 foi apenas tornar o compliance compulsório, à medida que não houve a criação de um sistema de integridade especialmente moldado para as boas práticas das empresas estatais, o que deverá ser feito através do estatuto de cada organização, haja vista que as regras gerais estão postas desde a edição da Lei n.º 12.846/2013 e, mais objetivamente, após o Decreto n.º 8.420/2015.

Em outras palavras, o compliance já poderia estar implementado e surtindo efeitos concretos há muito, vez que que as empresas públicas e sociedades de economia mista submetem-se também à Lei 12.846/2013 e ao seu regulamento.

A função primordial do programa de integridade é a de “garantir que a própria pessoa jurídica atinja a sua função social, mantenha intactas a sua imagem e confiabilidade e garanta a própria sobrevida com a necessária honra e dignidade” (PLETI; DE FREITAS apud FERREIRA; BERTONCINI, 2016).

Portanto, para que a estatal atinja esse objetivo é necessário a existência do compliance, firmado em um sistema de controle interno, permeado por procedimentos de integridade, auditoria, voltado à aplicação de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica, não sendo apenas um simples dever de cumprir leis e regulamentos (ROCHA, 2015).

Com a instalação e funcionamento de um programa compliance, a gestão de riscos se torna mais eficiente, protegendo a reputação e imagem da empresa através da disseminação de uma cultura de integridade.

O artigo 9º da Lei das Estatais determina que a estatal adotará regras de estruturas e práticas de gestão de riscos e controle interno. O controle interno é o meio pelo qual o órgão fiscaliza sua própria atuação, visando confirmá-la ou desfazê-la e Lei determinou que, caso inexistente, o controle interno deve ser implementado e, uma vez já criado, aperfeiçoado mediante regulamento próprio.

Nestes termos, o controle interno deve ser concreto e eficiente, abrangendo não apenas edição de normas, mas a capacitação dos recursos humanos e a implementação de mecanismos efetivos de fiscalização e aferição da compatibilidade das ações administrativas com a legalidade e economicidade (GUIMARÃES E SANTOS, 2016, p. 284-285).

Para que atinja seu fim, o controle interno deve ser incorporado e disseminado entre todos os empregados da estatal, posto que há expressa e objetiva disciplina das regras e condições de controle que são esperadas e exigíveis, sob pena de responsabilidade tanto do gestor quanto do empregado, e sua aferição será realizada através da designação de uma área responsável para esta verificação, onde norma interna deve dispor sobre sua composição e competência, conforme artigo 9º[7].

Sob este prisma, não se trata de regras excepcionais ou específicas para situações peculiares, mas de regras a serem cumpridas permanentemente, tanto pela administração da estatal quanto por seus empregados (JUSTEN FILHO, 2016, p. 112) ou como argumenta Cardoso (2016) são “atividades eminentemente fiscalizatórias, tanto no tocante aos aspectos financeiros propriamente ditos, como no que se refere ao controle interno, gerenciamento de riscos e governança corporativa”.

Ainda sobre o compliance, a Lei n.º 13.303/16 determinou a criação do Comitê de Auditoria Estatutário e a elaboração do Código de Conduta e Integridade.

A instituição do Comitê de Auditoria Estatutário confirma a intenção do legislador em, nas palavras de Justen Filho (2016, p. 114), “estabelecer estruturas sucessivas e superpostas de controle e fiscalização da atuação das empresas estatais e de seus dirigente e empregados” e, embora extenso o hall de competências previsto na Lei, o estatuto de cada estatal pode alargar suas atribuições.

É importante salientar que a disposição legal de inclusão do Comitê de Auditoria Estatuário vai ao encontro da orientação que já vinha sendo feita por parte do Tribunal de Contas da União, conforme Acórdão 2.322/2015 – Plenário e, mais recentemente, Acórdão 2.063/2016 também do Plenário que foi expresso ao determinar que a Eletrobrás “elabore, em conjunto com suas subsidiárias, plano de ação e oriente seus representantes nas SPE (conselheiros de administração) nas quais ainda não haja comitê de auditoria e que estejam enquadradas em critérios de materialidade, risco e relevância a solicitarem ao presidente do respectivo conselho de administração a convocação de assembleia geral para a instalação do comitê de auditoria, de forma permanente ou não, em linha com a recomendação contida no item 2.30 do Código das Melhores Práticas de Governança do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa”[8].

O Código de Conduta e Integridade insculpido no artigo 9º da Lei das Estais, parágrafo primeiro, deve também ser elaborado no prazo determinado pela Lei e compõe elemento do controle interno, devendo dispor sobre princípios, valores e missão da empresa pública e da sociedade de economia mista, bem como orientações sobre a prevenção de conflito de interesses e vedação de atos de corrupção e fraude; instâncias internas responsáveis pela sua atualização e aplicação; canal de denúncias que possibilite o recebimento de denúncias internas e externas relativas ao seu próprio descumprimento e das demais normas internas de ética e obrigações; mecanismos de proteção que impeçam qualquer espécie de retaliação a pessoa que utilize o canal de denúncias; sanções aplicáveis em caso de violação às regras por ele transcritas; previsão de treinamento periódico (no mínimo anual) sobre suas disposições, destinado a empregados e administradores, e sobre a política de gestão de riscos, direcionado aos administradores. 

Há que ser ressaltado que o espírito da norma é estimular as denúncias de descumprimentos das determinações éticas institucionais, porém é mister frisar que a proteção deve ser direcionada ao denunciante de boa-fé, sob pena de frustrar a efetividade da proteção prevista na Lei. Como cediço, a proteção ao denunciante é mister para o incentivo à realização de denúncias, pois “se o denunciante ficar sujeito a retaliações ou condutas que lhe prejudiquem em razão de ter relatado descumprimento do código de conduta e integridade, há um desestímulo a tal prática” (CARDOSO, 2016).

Faz-se aqui o cotejo das práticas de integridade trazidas pela Lei em comento com as recomendações do Decreto n.º 8.420/2015, já que os parâmetros de compliance insculpidos no artigo 9º da Lei n.º 13.303/2016 (adoção de regras de estruturas e práticas de gestão de riscos e controle interno abrangendo a ação dos administradores e empregados, por meio da implementação cotidiana de práticas de controle interno; área responsável pela verificação de cumprimento de obrigações e de gestão de riscos; auditoria interna e Comitê de Auditoria Estatutário; elaboração e divulgação do Código de Conduta e Integridade vinculação da auditoria interna ao Conselho de Administração, diretamente ou por meio do Comitê de Auditoria Estatutário, sendo responsável por aferir a adequação do controle interno, a efetividade do gerenciamento dos riscos e dos processos de governança) em grande monta revolvem as previsões do artigo 42[9] do Decreto n.º 8.420/2015, sendo novamente mitigada a inovação alegada nas previsões da Lei das Estatais, salvo a compulsoriedade após o transcurso da vacatio legis que finda em 30.06.2018.

Acrescente-se, ainda, as previsões do Guia de Implantação de Programa de Integridade nas Empresas Estatais[10] editado em Dezembro de 2015 pela, à época, Controladoria Geral da União, com finalidade auxiliar na elaboração e manutenção de um padrão mínimo de compliance dirigido às estatais federais e que já orientava a estruturação e implantação de padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de integridade aplicáveis a todos os empregados e administradores, independente de cargo ou função exercido, canais de denúncias adequados e suficientes e política de incentivo às denúncias e proteção aos denunciante, monitoramento contínuo do Programa de Integridade visando seu aperfeiçoamento na prevenção, detecção e combate à ocorrência de atos lesivo, à semelhança do que a Lei das Estatais previu, conforme alhures detalhado.

Sem embargo, a Lei das Estatais apresentou um robusto sistema integridade, com determinações exatas e expressas de competência, buscando, evidentemente, uma gestão proba, alinhando aos princípios éticos da Administração Pública com a eficiente prestação dos serviços públicos, a despeito de não haver inovação em compliance para as empresas estatais, à medida que já havia previsões similares de forma esparsa no arcabouço normativo brasileiro nos termos expostos acima, o que reforça, sobremaneira, o argumento de ausência de relevante inovação normativa.

Sob esse aspecto, importante registrar que atrelados a grandes escândalos de corrupção, surge a necessidade da classe política dar respostas rápidas aos anseios da sociedade, onde leis são sancionadas buscando acalmar os ânimos. Nesse sentido, há grande tendência de assuntos atingirem a agenda como a existência simultânea de “problemas”, “solução” e “política”, ou seja, uma questão ingressa na agenda quando há o reconhecimento de um problema aliado à existência de solução, ambos harmonizados com um clima político favorável à mudança (MUCCIARONI, 1992, p. 320-321).

Quando há esta coexistência, criam-se as “janelas de oportunidades” para ação, onde, no caso em tela, tínhamos os escândalos de corrupção envolvendo as estatais (Mensalão/CPI dos Correios e Lava-jato/Petrobrás) como “problemas”, a previsão de compliance no arcabouço normativo como “solução” e a necessidade de respostas à população como “política”, culminando para que, de maneira assoberbada, houvesse a edição Lei n.º 13.303/2016.

Destarte, se desde a edição da Lei Anticorrupção em 2013 havia a orientação, tanto da legislação quanto pelo TCU e pela CGU, para adoção e prática diuturna de mecanismos de compliance, terá a Lei das Estatais condão de disseminando a obrigatoriedade causar os efeitos práticos desejados? A ver.

Deve ser registrado, em vias de conclusão que, muito embora as regras de compliance tenham sido entabuladas prevendo observância compulsória por parte das estatais, a Lei é silente em, uma vez findado o prazo para as adequações necessárias e não tendo as empresas efetivado seu programa de integridade, prever sanções ou quaisquer penalidades as que não observarem as normas cogentes.

Fica evidente, portanto, que gera mais efeitos concretos a certeza de que casos de desvios que importem em corrupção serão exemplarmente punidos do que disposições e imposições de programas de integridade e compliance advindos da edição de Lei que traz regulação já existente, ainda que seja festejada e bem-vinda na sociedade.

Sobre a autora
Renila Bragagnoli

Advogada da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba – Codevasf. Chefe do Consultivo da Assessoria Jurídica da entidade. Mestranda em Direito Administrativo e Administração Pública pela Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires - UBA. Pós-graduação em Políticas Públicas, Gestão e Controle da Administração no Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP. Mantém o perfil @advocaciaestatal no Instagram, onde publica assuntos relacionados a Licitações, Contratos e, especialmente, conteúdo envolvendo a Lei das Estatais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGAGNOLI, Renila. A lei nº 13.303/2016 e o (velho) compliance das empresas estatais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5228, 24 out. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61227. Acesso em: 24 nov. 2024.

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