Resumo: O objetivo deste trabalho é a análise do presidencialismo brasileiro à base da tese do presidencialismo de coalizão desenvolvida por Sérgio Henrique Abranches em 1988. Por esta forma de presidencialismo o chefe do poder Executivo precisa manter uma base de apoio no Legislativo para que possa ter aprovados os seus projetos de governo. Para manter a base de sustento no Congresso, o Executivo negocia cargos e ministérios. Talvez esta forma de presidencialismo não seja exatamente a mais ética e eficiente. É necessário pensar novos caminhos para o presidencialismo brasileiro. Para construção do texto foi usada pesquisa bibliográfica sobre o assunto. Embora haja certo otimismo quanto ao presidencialismo, as obras estudadas demonstram o equívoco que vem a ser o presidencialismo de coalizão.
Palavras-chave: Presidencialismo. Coalizão. Executivo. Legislativo. Governabilidade.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu no seu art. 76 que o sistema de governo no Brasil seria o presidencialista. Assim, o Presidente seria o chefe do governo, bem como do Estado, ou seja, um presidencialismo monocrático.
Ao exercer a função de chefe de governo, o presidente da República tem a missão de realizar programas de assistência social, saúde, segurança, economia etc, e para tanto, precisa de lei, pois no Estado de Direito a atuação na Administração Pública é obediente ao princípio da legalidade. O chefe da administração pública só faz o que é previsto em lei.
Conforme Manoel Gonçalves o executivo federal desde as Constituições mais recentes assumiu papel primordial na garantia de uma melhor vida ao povo, senão vejamos,
(...) aumentaram as competências da União, para que esta possa realizar o intervencionismo econômico e social. Fica ela, portanto, incumbida de assegurar melhores condições de vida ao povo, em geral, o que envolve uma política de melhoria dessas condições, nas regiões menos desenvolvidas. (FILHO, p.176)
A lei que será executada deve ser votada e aprovada no Parlamento, composto por representantes de diversos entes federativos, com interesses diversos também, e para tanto precisa o Executivo de maioria dos votos, mesmo que a composição das bancadas sejam com legisladores da oposição ao seu partido. Não é de se estranhar, portanto, que será necessário um diálogo do Presidente com os parlamentares oposicionistas, que no Brasil se acostumaram a solicitar vantagens pessoais em troca do voto de aprovação das leis propostas pelo Executivo.
Nisso reside o problema crucial da política brasileira. A negociata escancarada que se tornou as casas legislativas em todos os recantos do país, em nome de uma governança.
O PRESIDENCIALISMO NO BRASIL PÓS 1988
Embora a Constituição Federal de 1988 tenha trazido o presidencialismo como sistema de governo, a ADCT (ato das disposições constitucionais transitórias) prevê no seu art. 2º que “no dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma - república ou monarquia constitucional - e o sistema de governo -parlamentarismo ou presidencialismo - que deve vigorar no País”.
Todavia, a consulta fora antecipada para o dia emblemático dia 21 de abril de 1993 por força Emenda Constitucional nº 2, de 25 de agosto de 1992. Esta emenda constitucional disciplinou ainda que a forma e o sistema de governo definidos pelo plebiscito teriam vigência em 1º de janeiro de 1995. O dia 21 de abril é data comemorativa do dia de Tiradentes, conforme art. 3º da lei 1.266 de 8 de dezembro de 1950, a posteriori revogada pela lei nº 10.607, em que o presidente Eurico Gaspar Dutra assevera “é feriado nacional o dia 21 de abril, consagrado à glorificação de Tiradentes e anseios de independência do País e liberdade individual”. O inconfidente mineiro lutou pela independência do Brasil. A nova data foi apropriada para o povo ir às urnas.
Na época eram 90.256.461, destes somente 66.209.385 (73,36%) compareceram às urnas. A forma de governo República obteve 43.881.747 (66,28%) votos, a Monarquia recebeu 6.790.751 (10,26%) dos votos. Votos em branco somaram-se 6.813.179 (10,29%) eleitores, e de forma expressiva 8.741.289 (13,20%) anularam o voto. Quanto ao sistema de governo 36.685.630 (55,41%) eleitores optaram pelo presidencialismo, e 16.415.585 (24,79%), pelo parlamentarista. Os votos em branco neste item foram 3.193.763 (4,82%) eleitores, e 9.712.913 (14,67%) nulos[2].
A Constituição Federal brasileira então estabelece que o presidente é eleito pelo povo em escrutínio, obrigatório e secreto, no primeiro domingo de outubro do último ano de mandato do presidente em exercício, sendo considerado eleito aquele candidato que, atendidas as regras para a elegibilidade (art. 14, CF/88), obtiver maioria dos votos válidos, ou seja, não computados os brancos e nulos, para um mandato de 4 anos, permitida, através da emenda constitucional nº 16 de 1997, uma única recondução consecutiva (art. 77, § 2º e 3ª, CF/88).
Com o presidente é eleito o vice, não comportando a legislação a possibilidade de chapas eleitorais distintas, ou seja, ao votar no presidente automaticamente se vota no vice registrado na chapa do presidente. Porém, o vice-presidente somente exerce a função de presidente nos casos de impossibilidade (férias, viagens ou doença) ou vacância do cargo (renúncia, morte, cassação ou ausência no país por mais de 15 dias sem autorização do Congresso) arguição do art. 77, §1º da CF/88. O que se pode notar é que os auxiliares do presidente são os ministros e não o vice.
O presidente que for eleito deve chefiar o Estado conforme atribuições previstas no art. 84, inc. VII, VIII, XIX, XX e XXII, embora existam diversas outras atribuições como chefe de Estado. Como chefe do governo a Constituição requer do presidente a organização e chefia da administração pública federal. Assim o faz conforme atribuições do art. 84 incisos I, II, IX, X, XI, XII, XII, XIV, XV, XVI, XVII, XVIII, XXI, XXIII, XXIV e XXV, criando cargos, nomeados ocupantes dos cargos, elaborando programas de governo nas diversas áreas de sua competência, elaborando leis orçamentarias, entre outras funções típicas de administração.
Ao presidente, poder executivo, fora dada a missão de também legislar iniciando o processo legislativo de leis de sua competência, exclusiva ou concorrente, e editando medidas provisórias e decretos, conforme o mesmo art. 84 incisos III, IV, VI e XXVI.
Como fora adotado pela Constituição Federal o sistema de freios e contrapesos, conforme seu art. 2º, o presidente pode fazer controle das leis elaboradas pelo Legislativo, e o faz através da sanção ou veto, previsão dos incisos IV e V do artigo 84. O presidente, conforme art. 76 da CF/88 não governa sozinho ele é auxiliado pelos ministros, nomeado e exonerados ad nutum.
Todas essas atribuições garantem ao presidente eleito a governabilidade do país. Embora não devesse, o presidente eleito do Brasil, desde que o povo optou pelo presidencialismo em 1993, resta impossibilitado de governar sem o apoio do legislativo, órgão que tem como principal atividade a legislatura. Aliás, é de bom alvitre ressaltar que o Legislativo é quem aprova ou não os projetos de governo a serem executados pelo Executivo. É nessa senda que nasce a mais duvidosa relação entre os poderes da República: o Presidente para governar precisa da aprovação de seus projetos no Congresso.
A GOVERNABILIDADE À MERCÊ DO PARLAMENTO
O constitucionalista Manoel Gonçalves Ferreira Filho[3] afirma que o exponencial papel do Executivo é reflexo das demandas do Welfare State, em termos de multiplicação de tarefas que o Estado contemporâneo foi chamado a desempenhar.
Ocorre que, para o presidente pôr em prática seus programas de governo para saúde, educação, segurança, previdência, assistência e etc, é necessária a aprovação pelo Congresso Nacional de tais projetos de leis. Portanto, a composição do Legislativo deve ser com políticos aliados do Presidente, para que possam aprovar os projetos governamentais.
Mister tecer maiores comentários nesse ponto.
A aprovação dos projetos do Executivo pelo Legislativo deve visar a construção de uma sociedade justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional e regional e, sobretudo, garantir o bem de todos, conforme objetivos fundamentais descritos no art. 3º da magna lex. Ora, se são objetivos da República a serem promovidas pelo Executivo, não cabe ao Congresso vetar lei que propõe a concretização de tais finalidades, sob pena de inconstitucionalidade.
O que é permitido é a incompatibilidade de ideologias partidárias, mas quando o projeto de lei for para o bem de todos, não se pode permitir que o Congresso Nacional rejeite apenas por desinteresse em contribuir com a gestão do presidente eleito. Este é o ponto chave da realidade brasileira.
O Congresso Nacional quando não é composto pela maioria de governistas o presidente fica impossibilitado de governar por falta de apoio, daí a importância do voto coerente no executivo e legislativo, para que o projeto de governo do Presidente seja viabilizado pelo Legislativo.
O PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO
Para rebater essa incongruência é que surgiu o chamado Presidencialismo de Coalização, inicialmente proposto por Sérgio Henrique Abranches em artigo[4] que publicou na Revista de Ciências Sociais em 1988.
Por esse modelo de sistema de governo o poder executivo é forçado a montar uma frente de apoio no parlamento para que seus projetos de governo sejam aprovados e possa governar. Como o legislativo no Brasil é multipartidário, o trabalho do presidente em manter os apoios no Parlamento é ainda maior, tendo em vista a complexidade de interesses dos legisladores distribuídos em dezenas de partidos políticos. A pauta de acordo é instável havendo, inclusive, ajustes periódicos para se amoldar aos novos interesses dos parlamentares. Disso decorre a instabilidade do sistema presidencial de coalizão. O presidente que se isola e não negocia a formação da maioria no parlamento não governa.
É impensável alternativa a esta forma de “governança” no atual instante jurídico e político. O presidente que perde o apoio da maioria no Congresso acaba por sofrer pressões, tanto do parlamentares que querem negociar a formação da coalizão impondo seus interesses, muitas das vezes de cunho pessoal, como pressão da população acostumada com líderes carismáticos e que demonstrem resultados visíveis na administração, o que não ocorre se o presidente não aprovar seus projetos no Congresso.
A mídia costuma reforçar a “impopularidade” presidencial ao noticiar o enfraquecimento do executivo no parlamento. Até porque os grandes sistema de comunicação no Brasil tem estreitos laços com alguns grandes partidos políticos, sendo usados como veículo de comunicação desses partidos.
A crise do legislativo e do executivo leva a uma instabilidade institucional de natureza grave, podendo inclusive ter como consequência a deposição do presidente. O que não deveria acontecer, tendo em vista que o Brasil é presidencialista, e não parlamentarista, sistema cujo o chefe do governo pode ser deposto por deixar de possuir a maioria no parlamento.
A NEGOCIAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS E MINISTÉRIOS COMO FORMA DE MANTER A GOVERNABILIDADE
Para que seja mantida a maioria necessária no Congresso à coalizão de que necessita o presidente é mister a negociação dos cargos públicos, notadamente os ministérios. Mendes 2014, em sua obra de direito constitucional afirma que,
Essa maioria é conquistada por meio da distribuição de cargos públicos aos partidos que compõem a coalização (especialmente da formação do gabinete de ministros), da liberação de emendas parlamentares ao orçamento da União, da centralização das atividades legislativa no Poder Executivo mediante a utilização de medidas provisórias, o que tem o condão de entregar o poder de agenda ao Presidente da República, tudo isso reforçado pelo controle que a coalizão governamental exerce sobre os trabalhos legislativos, centralizados na atuação dos líderes partidários. (MENDES, p. 921)
No Brasil, o presidente ao tomar posse do cargo nomeia seus auxiliares, os ministros, conforme distribuição de ministério entre os congressistas previamente estabelecida nas campanhas e composição das chapas eleitorais, de maneira que mantenham o apoio ao governo. Os cargos e órgãos públicos são negociados pelo executivo e legislativo. Inclusive é salutar mencionar que o direito brasileiro assegura que parlamentares possam assumir cargos no governo (inclusive ministérios) sem perda do mandato legislativo, devendo apenas optar por uma das remunerações. Uma clara demonstração da institucionalização do presidencialismo de coalizão.
Um sintoma desta dúbia prática foi o notório caso da AP 470, denominada de “mensalão”. O “Mensalão mineiro e do partido dos trabalhos”, assim denominados pelos meios de comunicação, nada mais eram que mesadas pagas pelo governo aos parlamentares para que os mesmos permanecessem na sua base de apoio no congresso aprovando seus projetos de governo. Para muitos esta prática ainda continua a existir em todos os entes federativos.
Outro exemplo que podemos trazer à baila foi o caso do processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff. O processo contra um presidente da República somente pode ser aberto, no senado ou STF, se admitido pela Câmara (art. 51, I, CF/88). Ao vencer as eleições, contra a presidenta Dilma fora proposto processo de impeachment que fora encaminhado à Câmara.
O então presidente da casa, Eduardo Cunha, segurou a abertura do processo em troca do apoio do governo para que o partido da Presidenta votasse contra o pedido de cassação do citado Eduardo Cunha. A presidente hesitou e não indicou a sua bancada a votar em favor do parlamentar. O resultado não poderia ser outro, o presidente da Câmara aceitou um dos pedidos de impeachment, que após passar pela comissão especial da casa, seguiu para instrução e votação nas duas casas, consumando o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff em 2016. O grande argumento usado à época fora de que a presidente além de ter praticado operações financeiras não autorizadas pelo Congresso como determina a Constituição Federal, era de que a presidenta havia perdido o apoio no Congresso, o que se tornou evidente, posto que não conseguiu em nenhuma casa a maioria para barrar seu impeachment.
Outra forma do governo garantir seu apoio no parlamente é a coincidência do processo eleitoral do legislativo e executivo, onde no mesmo período de eleição são feitas as alianças que podem garantir a governabilidade.
Levando-se em conta que o congresso nacional é composto por 513 deputados e 81 senadores a articulação política do presidente para manter a maioria dos congressistas deve funcionar muito bem, sob pena de perder a governabilidade.
Precisa ser mencionado que o país acaba perdendo muito com esse balcão de negócio que se tornou a relação entre o executivo e legislativo, pois os projetos que garantiriam desenvolvimento da nação, as assistências estatais e a manutenção dos sistema de serviços, são frustrados quando o governo não detêm parlamentares suficientes no congresso para aprovar.
O preceito constitucional de que os poderes da União são independentes, porém harmônicos, sofre abalo com a prática do presidencialismo de coalizão, tendo em vista que práticas espúrias são cotidianamente realizadas em prol da governabilidade do executivo eleito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O sistema presidencial de coalização talvez não seja a melhor resposta para um país que tenta se livrar do mal da corrupção, pois a negociação de cargos e ministérios do executivo com o legislativo denunciam que os interesses pessoais dos eleitos estão acima dos interesses do povo e da nação. É preciso traçar um novo horizonte, pois só assim, poderemos verificar uma representatividade efetiva do interesse popular.
O presidencialismo de coalizão foi uma ponte de um regime estatal pré-constituição de 1988 para um regime estatal pós-constituição. Todavia, pelas experiências vivenciadas no Brasil não se vislumbra como o mais ético e eficiente meio de governar.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Biblioteca Digital da Câmara. Breves anotações sobre o presidencialismo de coalizão no Brasil. Disponível em: https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/2261. Acessado em: 12 de outubro de 2017.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. TSE. Plebiscito sobre forma e sistema de governo completa 20 anos. Disponível em: https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2013/Abril/plebiscito-sobre-forma-e-sistema-de-governo-completa-20-anos. Acessado em 19 de outubro de 2017.
FILHO, Eliardo Teles. Presidencialismo de coalizão" vive improviso há quase 30 anos. Conjur. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-jul-01/observatorio-presidencialismo-coalizao-improviso-30-anos. Acessado em 10 de outubro de 2017.
FILHO, Eliardo Teles. O "presidencialismo de coalizão" revisitado na obra de Sérgio Abranches. Conjur. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-jul-01/observatorio-presidencialismo-coalizao-improviso-30-anos. Acessado em 10 de outubro de 2017.
FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Aspectos do Direito Constitucional Contemporâneo. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Do processo legislativo. 5º ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
HOLTHE, Leo Van. Direito Constitucional. 5º ed. rev., amp. e atual. Rio de Janeiro: Editora Juspodivm, 2009.
MARTUSCELLI, Danilo Enrico. A ideologia do “presidencialismo de coalizão”. Disponível em https://www4.pucsp.br/neils/downloads/05-Danilo%20Enrico%20Martuscelli.pdf. Acessado em: 19 de outubro de 2017.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 9. Ed. rev. e atul. São Paulo: Saraiva, 2014.
Notas
[2] TSE. Plebiscito sobre forma e sistema de governo completa 20 anos. 22 de abril de 2013.
[3] FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Do processo legislativo. 5º ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 124.
[4] Sérgio Henrique Abranches, Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Revista de Ciências Sociais, 1988.