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Princípio da insignificância: origem, natureza jurídica, critérios de reconhecimento e críticas

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Agenda 20/08/2019 às 17:50

3. NATUREZA JURÍDICO-PENAL DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Primeiramente cumpre ressaltar que há divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da natureza jurídico-penal do Princípio da Insignificância, contrapondo-se principalmente três correntes distintas:

  1. Excludente de tipicidade;

  2. Excludente de antijuridicidade; e

  3. Excludente de culpabilidade38.

A seguir serão explanados os principais argumentos de cada um dos posicionamentos.

3.1 Excludente de Tipicidade

Os adeptos dessa tese defendem que as condutas que importam num dano insignificante ao bem jurídico tutelado são consideradas atípicas.

Para seus defensores, a fim de evitar um alcance maior do que o desejado dos tipos penais – que são conceitos abstratos – faz-se mister atribuir um caráter material ao tipo penal, que vai além do formal. Ou seja, não basta a conduta ajustar-se formalmente a um tipo penal, mas também ser materialmente lesiva a bens jurídicos, ou ética e socialmente reprováveis39. Nas palavras de VICO MAÑAS40:

Para dar validade sistemática à irrefutável conclusão político-criminal de que o direito penal só deve ir até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico, não se ocupando de bagatelas, é preciso considerar materialmente atípicas as condutas lesivas de inequívoca insignificância para a vida em sociedade.

A concepção material do tipo, em conseqüência, é o caminho cientificamente correto para que se possa obter a necessária descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não mais são objeto de reprovação social, nem produzem danos significativos aos bens jurídicos protegidos no direito penal.

Ainda para Carlos Vico MAÑAS, o processo de tipificação feito pelo legislador é defeituoso e acaba alcançando casos “anormais” em razão da impossibilidade de reduzir a grande variedade de atos humanos a fórmulas fechadas. E justamente para resolver esse problema é que surge o Princípio da Insignificância, que atua como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, revelando a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal41.

A respeito do tema, Edilson Mougenot BONFIM e Fernando CAPEZ42 ressaltam a localização do crime de bagatela na conveniência da política criminal, uma vez que sendo a lesão ínfima, não há correspondência ao tipo legal abstrato:

Na verdade, o princípio da bagatela ou da insignificância [...] não tem previsão legal no direito brasileiro [...], sendo considerado, contudo, princípio auxiliar de determinação da tipicidade, sob a ótica da objetividade jurídica. Funda-se no brocardo civil minimis non curat praetor e na conveniência da política criminal. Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico quando a lesão, de tão insignificante, torna-se imperceptível, não será possível proceder a seu enquadramento típico, por absoluta falta de correspondência entre o fato narrado na lei e o comportamento iníquo realizado. É que, no tipo, somente estão descritos os comportamentos capazes de ofender o interesse tutelado pela norma. Por essa razão, os danos de nenhuma monta devem ser considerados atípicos. A tipicidade penal está a reclamar ofensa de certa gravidade exercida sobre os bens jurídicos, pois nem sempre ofensa mínima a um bem ou interesse juridicamente protegido é capaz de se incluir no requerimento reclamado pela tipicidade penal, o qual exige ofensa de alguma magnitude a esse mesmo bem jurídico.

Numa análise mais apurada da questão, para se entender o fundamento para o reconhecimento do princípio da insignificância, é necessário partir do conceito de crime adotado pelo sistema penal brasileiro: crime é toda conduta típica, antijurídica e culpável. Para o objeto da análise, interessa mais especificamente o conceito de fato típico, que é representado por uma conduta ligada ao resultado pelo nexo causal, ou seja, quando um fato da vida real adequa-se a um modelo abstratamente descrito em lei43. Isso é o que se costuma denominar de tipicidade formal44.

É preciso compreender, entretanto, que a doutrina entende que a tipicidade penal divide-se em: formal e conglobante. A tipicidade formal, conforme já dito, ocorre com a perfeita adequação da conduta de um agente ao modelo previsto na lei penal. A tipicidade conglobante, por sua vez, exige a verificação de 2 (dois) aspectos45:

  1. Se a conduta do agente é antinormativa;

  2. se o fato é materialmente típico.

O fundamento do princípio da insignificância reside no segundo tópido da tipicidade conglobante, na chamada tipicidade material, que fundamenta que quando “o legislador chamou a si a responsabilidade de tutelar determinados bens – por exemplo, a integridade corporal e o patrimônio -, não quis abarcar toda e qualquer lesão sofrida pela vítima ou mesmo todo e qualquer tipo de patrimônio, não importando o seu valor”. Ou seja, quando a lesão ao bem jurídico protegido pelo direito penal não é significativa, considera-se afastada a tipicidade material, excluindo-se, portanto, a tipicidade conglobante e, por consequência, a tipicidade penal46.

Para ZAFFARONI47 a insignificância da lesão exclui a tipicidade, e como tal é estabelecida por uma consideração conglobada da norma, que busca a finalidade da norma:

[...] toda a ordem normativa persegue uma finalidade, tem um sentido, que é a garantia jurídica para possibilitar uma coexistência que evite a guerra civil (a guerra de todos contra todos). A insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa, e, portanto, à norma em particular, e que nos indica que essas hipóteses estão excluídas de seu âmbito de proibição, o que não pode ser estabelecido à simples luz de sua consideração isolada.

E ainda:

“A insignificância da afetação exclui a tipicidade, mas só pode ser estabelecida através da consideração conglobada da norma: toda a ordem normativa persegue uma finalidade, tem um sentido, que é a garantia jurídica para possibilitar uma coexistência que evite a guerra vivil (a guerra de todos contra todos). A insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa, e, portanto, à norma em particular, e que nos indica que essas hipóteses estão excluídas de seu âmbito de proibição, o que não pode ser estabelecido à simples luz de sua consideração isolada”.

O Princípio da Insignificância, portanto, seria corretor da aparência de tipicidade de certas condutas ao indagar acerca da tipicidade da conduta conglobada na ordem normativa (tipicidade legal + tipicidade conglobante = tipicidade penal)48.

No sentido de que a Princípio da Insignificância afasta a tipicidade, também se manifesta Luiz Regis PRADO:

A partir do princípio da insignificância como “máxima de interpretação típica”, defende-se um exame de cada caso concreto “mediante uma interpretação restritiva orientada ao bem jurídico e que atenda ao respectivo tipo (espécie) de injusto deixa claro por que uma parte das ações insignificantes são atípicas e frequentemente já estão excluídas pela própria dicção legal, mas por outro lado, como v.g. furtos de bagatela, encaixam indubitavelmente no tipo: a propriedade e a posse também se veem vulneradas pelo furto de objetos insignificantes, enquanto em outros casos o bem jurídico só é menosacabado se ocorre certa intensidade da lesão”.49

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Essa é a corrente majoritária no direito pátrio, representada inclusive por pioneiros na abordagem do tema no Brasil como Francisco de Assis Toledo, Odone Sanguiné, Carlo Vico Mañas e Lycurgo de Castro Santos50.

3.2 Excludente de Antijuridicidade

A tese dessa corrente é de que o Princípio da Insignificância é uma excludente de antijuridicidade.

Assim como a doutrina majoritária acerca do tema, entende que a lesão ao bem jurídico deve ser significativa para provocar a persecução, porém sustenta que a insignificância se manifesta na antijuridicidade material, não se podendo violentar a natureza descritiva do tipo penal preenchendo-lhe desnecessariamente com condicionamentos valorativos.

A seguir lições de Abel CORNEJO51 sobre o tema:

[...] logo que tipificar formalmente uma conduta – porquanto se trata de um dever inafastável – o julgador deve realizar um juízo axiológico, e estimar se o proceder que levou a cabo o autor é antijurídico, e só então poderá examinar se efetivamente se trata de um fato relevante que mereça que se dinamize a jurisdição atrás de seu julgamento; ou em seu caso considere que se trata de um fato irrelevante, cuja gravidade considere que se trata de um fato irrelevante, cuja gravidade não resulta suficiente para lesionar ou afetar um bem jurídico.

Dentre seus defensores estão Alberto Silva Franco, Carlos Frederico Pereira, Juarez Tavares e Guzmán Dalbora52.

3.3 Excludente de Culpabilidade

A terceira corrente sustenta que o Princípio de Insignificância é causa excludente de culpabilidade e, como tal, causa eximente de pena.

Tal entendimento seria mais plausível que o da excludente de antijuridicidade por surgir como um limite à ingerência do Estado e também uma justificação ética à imposição de sanção penal, vez que a falta de proporção entre a conduta e o castigo tornaria conveniente a não aplicação de pena.

Aqui é atribuição do juiz verificar no caso concreto se a conduta é penalmente significante: “Para delimitar o âmbito de aplicação da insignificância, o juiz deverá ponderar o conjunto de circunstâncias que rodeiam a ação, a fim de estabelecer se a finalidade abarca a produção de perigos ou lesões relevantes para o bem jurídico ou só afetações ínfimas.”53

Essa corrente é que a possui menos adeptos, dentre eles estando o argentino Abel Cornejo.

3.4 CORRENTES MISTAS

Faz-se necessário esclarecer que há também quem entenda que o Princípio da Insignificância na verdade pode apresentar-se como excludente de tipicidade (insignificância própria) ou como excludente de antijuridicidade (insignificância imprópria), a ser auferida no caso concreto.

Para eles a natureza jurídica do Princípio em debate dependerá do caso concreto, sopesando-se a maior preponderância do desvalor da ação ou do desvalor do resultado.

Melhor explicando, a natureza jurídica somente poderá ser identificada após a análise se se trata de insignificância própria, que decorre da supremacia do desvalor da ação e afasta a tipicidade, ou de insignificância imprópria, que decorre da supremacia do desvalor do resultado e aponta a existência de um fato típico, porém com esvaziamento de seu conteúdo antijurídico.

Ivan Luiz da SILVA afirma ainda que o Princípio da Insignificância não se insere no âmbito da culpabilidade, vez que se refere à ínfima lesividade do fato praticado, ou seja, afeta os elementos estruturais do delito, e não sobre a reprovabilidade jurídica do autor do fato54.

Tal posicionamento é defendido por Ivan Luiz da Silva, Diomar Ackel Filho e Ricardo Freitas de Brito.


4. CRITÉRIOS DE RECONHECIMENTO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

A insignificância, como princípio jurídico, necessita passar por um processo de concretização - preenchimento do espaço normativo constitucional - a fim de viabilizar a sua aplicação ao caso concreto, tornando possível a solução dos problemas de um caso jurídico específico55.

4.1 CONCRETIZAÇÃO LEGISLATIVA

Apesar de não possuir previsão expressa no ordenamento pátrio, defende-se que o Princípio da Insignificância foi concretizado pelo legislador penal, na medida que inseriu na legislação normas e tipos privilegiados que permitem afastar totalmente ou então abrandar o rigor da sanção penal.

Segundo Ivan Luiz da SILVA, o Princípio da Insignificância é concretizado no art. 59 do Código Penal56, que dispõe que o juiz estabelecerá a pena: “[...] conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”. Pelo mesmo raciocínio, defende que se a conduta formalmente típica não for reprovável, a pena não deve ser aplicada no caso concreto. Ou seja, nas ações típicas insignificantes não há crime a reprovar e prevenir.

E, continua, ao afimar que o art. 155, §2º, ao prever que se o réu é primário e de pequeno valor a coisa furtada o juiz poderá substituir a pena de reclusão por pena de detenção, diminui-la de um a dois terços ou aplicar somente a pena de multa, afirma que tal prerrogativa – aplicável também a outros delitos como apropriação indébita, estelionato privilegiado e receptação culposa ou dolosa – dá embasamento à invocação do Princípio da Insignificância.

Segundo o mesmo autor, tais normatizações aparecem inclusive na legislação portuguesa, alemã, austríaca, argentina, entre outras, de tal forma que se admite a sua utilização no caso concreto57.

4.2 CONCRETIZAÇÃO ADMINISTRATIVA

Para o sistema penal, a concretização administrativa é realizada pelo Ministério Público, na medida em que é o titular da ação penal, podendo abster-se de propô-la quando entender que inexiste crime a ser denunciado, levando com isso ao arquivamento do inquérito policial, conforme previsto no art. 28, do Código de Processo Penal58.

A tese é no sentido de que não havendo tipicidade material, não há a própria tipicidade e, portanto, caberia ao Ministério Público requerer o arquivamento do inquérito policial. Caso o Ministério Público ofereça denúncia para condutas penalmente insignificantes, cabe então ao juiz rejeita-la com base no art. 43, inciso I, do Código de Processo Penal59.

Como a fase judicial somente inicia com o oferecimento da denúncia, o arquivamento do inquérito dá-se na fase do procedimento administrativo, daí tratar-se de concretização administrativa.

Tal prerrogativa, porém, cabe exclusivamente ao Ministério Público, vez que é o detentor do jus accusationis, é quem tem a titularidade da ação penal por expressa previsão constitucional60.

Para alguns autores essa discussão inclusive se encontra superada, por se tratar de uma contradição lógico-formal, vez que, se não há crime, não há que se falar em obrigatoriedade da ação penal: nullum indicio sine crimen.61

4.3 CONCRETIZAÇÃO JUDICIAL

A concretização judicial, por sua vez, dá-se pela atuação do Poder Judiciário que, partindo do norma não expressa textualmente no ordenamento jurídico até chegar à solução do caso concreto, densifica e dá contornos ao preceito constitucional62.

Sobre o assunto, Márcia Dometila CARVALHO assim leciona: “Admissível uma controlada criação do direito pela jurisprudência, com a finalidade de afastar as injustiças decorrentes de uma interpretação formal, quando esta se mostra inábil para fazer justiça na situação concreta, justiça prevista, constitucionalmente, através de valores e princípios consagrados”63.

No âmbito do Direito Penal, especialmente no que se refere à teoria principiológica da insignificância, a concretização judicial mostra à doutrina que é o Judiciário o órgão encarregado de identificar a insignificância penal de uma conduta típica e dai aplicar o Princípio da Insignificância, até porque intimamente ligada com o poder discricionário do juiz.

Os tribunais pátrios vinham há tempos aplicando o Princípio da Insignificância, porém o STF somente em 1988 proferiu a primeira decisão reconhecendo a existência e possibilidade de sua invocação no direito penal brasileiro.

A partir daí o princípio foi concretizado, passando a ter normatividade concreta, fazendo com que possa ser invocado como solução de casos concretos sempre que ocorra uma conduta considerada penalmente insignificante64.

4.3.1 Supremo Tribunal Federal (STF)

Segundo Jose Henrique Guaracy REBÊLO65, o primeiro caso a reconhecer expressamente o Princípio da Insignificância no STF foi o RHC 66.869/PR, de 06/12/1998. Nele a discussão referia-se à uma lesão corporal cosubstanciada em pequena equimose(*) decorrente de um acidente de trânsito em que implicitamente o STF admitiu tratar-se de bagatela ao concluir: “A lesão corporal leve pode justificar a ação penal, mas aquela que praticamente nada representa tem-se como não caracterizando delito penal”.

A segunda decisão no âmbito de nosso STF foi prolatada no HC 70.747/RS, de 07/12/1993, e também referia-se a lesões corporais - não especificadas - decorrente de acidente de trânsito. Aqui o relator afirmou que somente a análise individualizada dos fatos e suas circunstâncias é que poderia autorizar a tese da insignificância, porém a tese não foi acatada pela existência de condenações anteriores do autor dos fatos.

Depois dessas, muitos outros julgados vieram de forma a consolidar a aplicabilidade do Princípio da Insignificância no direito pátrio e, aos poucos, delimitar quais os critérios a serem observados para o seu reconhecimento no caso concreto.

Desde os primeiros julgados, a interpretação dos Tribunais Pátrios vem desenvolvendo-se, até chegar no atual entendimento de que o reconhecimento do Princípio da Insignificância fica sujeito à análise dos seguintes critérios:

a) a mínima ofensividade da conduta do agente;

b) a nenhuma periculosidade social da ação;

c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e

d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Neste sentido é a decisão recente do STF acerca do tema, cuja ementa segue transcrita:

HABEAS CORPUS. PENAL. RÁDIO COMUNITÁRIA. OPERAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO DO PODER PÚBLICO. IMPUTAÇÃO AO PACIENTE DA PRÁTICA DO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 183 DA LEI 9.472/1997. BEM JURÍDICO TUTELADO. LESÃO. INEXPRESSIVIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. CRITÉRIOS OBJETIVOS. PRESENÇA. APURAÇÃO NA ESFERA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.

I – Conforme perícia efetuada pela Anatel, o serviço de radiodifusão utilizado pela emissora não possuía capacidade de causar interferência prejudicial aos demais meios de comunicação, o que demonstra que o bem jurídico tutelado pela norma – segurança dos meios de telecomunicações – permaneceu incólume.

II – Rádio comunitária operada com os objetivos de evangelização e prestação de serviços sociais, denotando, assim, a ausência de periculosidade social da ação e o reduzido grau de reprovabilidade da conduta imputada ao paciente.

III - A aplicação do princípio da insignificância deve observar alguns vetores objetivos: (i) conduta minimamente ofensiva do agente; (ii) ausência de risco social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e (IV) inexpressividade da lesão jurídica.

IV – Critérios que se fazem presentes, excepcionalmente, na espécie, levando ao reconhecimento do denominado crime de bagatela.66 (Grifo nosso)

V – Ordem concedida, sem prejuízo da possível apuração dos fatos atribuídos ao paciente na esfera administrativa.

Nesse caso concreto especificamente, para o Tribunal a mínima ofensividade da conduta do agente foi verificada no fato de que se tratava de rádio comunitária operada em pequeno município, com baixo raio de cobertura do sinal e, portanto, remota possibilidade de causar prejuízo a outros meios de comunicação.

Já a nenhuma periculosidade social da ação e o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento estariam demonstrados por se tratar de rádio com objetivo de evangelização e prestação de serviços sociais, inclusive com pedido de outorga para execução do serviço de radiodifusão comprovadamente protocolado Ministério das Comunicações.

Por fim, a inexpressividade da lesão jurídica provocada teria sido demonstrada pelo laudo pericial que atestou que o funcionamento do transmissor utilizado não tinha o condão de causar problemas ou interferências prejudiciais em outros serviços de telecomunicações.

Em suma, não teria sido ofendido o bem jurídico tutelado pela norma, qual seja, a segurança dos meios de telecomunicações, com qualquer espécie de lesão, ou ameaça de lesão que mereça a intervenção do Direito Penal, não sendo reconhecida, por conseqüência, a tipicidade da conduta ante a incidência do princípio da insignificância.

O acórdão finaliza resgatando a argumentação que embasa a aplicação do Princípio da Insignifação, conforme adiante se pode observar:

[...], o Direito Penal deve ocupar-se apenas de lesões relevantes aos bens jurídicos que lhe são caros, devendo atuar sempre como última medida na prevenção e repressão de delitos, ou seja, de forma subsidiária a outros instrumentos repressivos. Isto significa que o bem jurídico deve receber a tutela da norma penal somente quando os demais ramos do Direito não forem suficientes para punir e reprimir determinada conduta.

Os critérios utilizados pelo STF para reconhecer o Princípio da Insignificância foram, inclusive, objeto de análise de Claus Roxin que em resposta a questionamento de Fernando Antonio C. Alves de SOUZA67, afirmou: “Uma definição quase oficial do princípio da ‘insignificância’ não existe no Direito alemão, porém os critérios elencados pelo STF na essência estão de acordo com o que se entende por ‘insignificância’. [...].”

4.3.2 Superior Tribunal de Justiça (STJ)

No âmbito do STJ, o autor Jose Henrique Guaracy REBÊLO68 identificou a Ação Penal 13 (89.0008646-4), de 13/12/1990, como sendo o primeiro julgado dessa corte que aplicou o Princípio da Insignificância.

O caso versou sobre uma lesão corporal cujo dano resumia-se a pequeno corte decorrente de acidente automobilístico, que contou inclusive com socorro do agente à vítima. Nessa julgado o relator ressaltou também que o Ministério Público deve submeter tais casos para análise do tribunal, visto que tem previsão penal.

No HC 2.119-0/RS, de 15/03/1993, referente a um furto tentado de bens no valor de Cr$22.000,00, o relator comparando o valor do dano com o salário mínimo da época era favorável à aplicação do Princípio da Insignificância, ressaltando, entretanto, que o conceito de subtração insignificante não se confunde com o valor econômico ou afetivo. A tese não foi acatada pela dissidência de ministro que entendeu que os documentos da vítima, que igualmente foram objeto da ação delitiva, eram mais valiosos que a bolsa e os demais bens, que inclusive gerariam prejuízo patrimonial à vítima a obtenção de segunda vias.

Já no julgamento do HC 3.725-3/SP, de 15/06/1994, que versava sobre fato típico decorrente de briga doméstica, o STJ reconheceu a insignificância penal entre familiares harmonizados, determinando o trancamento do inquérito policial.

A partir dessas decisões o STJ iniciou a construção dos critérios a serem observados para o reconhecimento da insignificação e, - embora não de forma tão sistematizada quanto a posição do STF -, porém devidamente consolidada a sua aceitação, conforme se pode verificar na decisão abaixo colacionada:

CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. PEQUENO VALOR DA COISA FURTADA. IRRELEVÂNCIA. RECURSO DESPROVIDO.

I. A aplicação do princípio da insignificância requer o exame das circunstâncias do fato e daquelas concernentes à pessoa do agente, sob pena de restar estimulada a prática reiterada de furtos de pequeno valor.

II. A verificação da lesividade mínima da conduta, apta a torná-la atípica, deve levar em consideração a importância do objeto material subtraído, a condição econômica do sujeito passivo, assim como as circunstâncias e o resultado do crime, a fim de se determinar, subjetivamente, se houve ou não relevante lesão ao bem jurídico tutelado.

III. Hipótese em que o bem subtraído possui importância reduzida, devendo ser ressaltado que o sujeito passivo recuperou o bem furtado, inexistindo, portanto, percussão social ou econômica.

IV. Não obstante o valor da res furtiva não ser parâmetro único à aplicação do princípio da insignificância, as circunstâncias e o resultado do crime em questão demonstram a ausência de relevância penal da conduta, razão pela qual deve se considerar a hipótese de delito de bagatela.

V. Orientação da Quinta Turma desta Corte que fixou patamar para a aferição da insignificância do delito, que pode levar a conclusões iníquas, porque dissociadas de todo um contexto fático.

VI. Se o reconhecimento da irrelevância penal observa os critérios de índole subjetiva, a fixação de um valor máximo para a incidência do princípio da bagatela se apresenta, no mínimo, contraditória.

VII. Ausência de razoabilidade na fixação de valor para a averiguação da inexpressividade da conduta e ausência de lesividade penal, dissociado de outras variáveis ligadas às circunstâncias fáticas.

VIII. Recurso desprovido, nos termos do voto do Relator. (Grifo nosso)

No corpo do acórdão, o relator afirma que “a verificação da lesividade mínima da conduta, apta a torná-la atípica, deve levar em consideração a importância do objeto material subtraído, a condição econômica do sujeito passivo, assim como as circunstâncias e o resultado do crime, a fim de se determinar, subjetivamente, se houve ou não relevante lesão ao bem jurídico tutelado”69.

Para embasar a decisão sustentou o baixo valor do bem subtraído considerado também o fato de que foi restituído à vitima, o que demonstraria a ausência de percussão social ou econômica. Além disso, afirmando que o valor do dano não é o único fator a ser considerado para a aplicação da insignificância penal, sustenta que as circunstâncias e o resultado do caso em questão também demonstram a ausência de relevância penal da conduta.

Aplicou com isso o Princípio da Insignificância a um fato envolvendo R$120,00 (cento e vinte reais), independentemente das circunstâncias pessoas do agente, por se firmar em entendimento atual do STJ no sentido de que reincidência e maus antecedentes não impedem a aplicação do referido Princípio.

Em suma, reconhece o STJ o Princípio da Insignificância como instituto válido para a identificação dos crimes considerados de bagatela.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Carla Bianca Olinger. Princípio da insignificância: origem, natureza jurídica, critérios de reconhecimento e críticas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5893, 20 ago. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61408. Acesso em: 22 dez. 2024.

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Trabalho de Conclusão de Curso de Pós-Graduação em Direito Público.

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