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A construção de beach clubs em áreas de preservação ambiental

Agenda 25/10/2017 às 18:29

O artigo discute a existência de empreendimentos construídos em áreas de terreno de marinha e em espaço de preservação ambiental.

1. DUNAS, FALÉSIAS E RESTINGAS 

O que dizer de empreendimentos realizados em áreas que são consideradas como de dunas? A duna é uma formação arenosa produzida pela ação dos ventos, no todo ou em parte, estabilizada ou fixada pela vegetação. É o que se vê da Resolução do CONAMA nº 4, de 18 de setembro de 1985, artigo 2º. Distingo tal conceito das chamadas dunas litorais, que são formas de acumulação eólica cujo material de origem são areias marinhas.

Os corpos dunares, ao se formarem, ganham contornos distintos, os quais se definem através de diferenciações estreitamente relacionadas à direção do vento dominante, à conformação da superfície percorrida pelos sedimentos desde sua disponibilização, à ação dos ventos na faixa de praia e à localização dessas dunas dentro do segmento costeiro (PINHEIRO, 2009). As grandes famílias de formas dunares caracterizam-se quanto à sua morfologia em: dunas móveis, dunas semifixas, dunas fixas, os eolianitos (ou dunas cimentadas) e as formas de deflação.

Especificamente, as dunas móveis caracterizam-se por um transporte permanente dos grãos de areia, resultando em uma permanente migração das formas dunares. As dunas móveis são formadas a partir da acumulação de sedimentos, sobremaneira grãos de areia, os quais são removidos da face de praia e depositados costa adentro por conta da ação dos agentes eólicos (ventos predominantes). Além disso, vale informar que as dunas móveis caracterizam-se pela ausência de vegetação ou pela fixação de um revestimento pioneiro (Figuras 01 e 02), o qual detém ou atenua os efeitos da dinâmica eólica, responsável pela migração (PINHEIRO, 2009; MOURA-FÉ, 2008).

Segundo Pinheiro (2009), em relação à morfologia das dunas, por fim, no tocante às dunas fixas, essas feições são caracterizadas pela imobilidade atual dos sedimentos que as compõem, a partir da colonização por vegetação costeira, a qual, por sua vez, pode alcançar até um porte arbóreo. De maneira geral, pode-se dizer que todas as dunas costeiras estabilizadas atualmente indicam terem tido algum tipo de mobilidade no passado, provavelmente sob regime climático diferente do atual (TSOAR; ARENS, 2003, Mobilização e Estabilização de Dunas em Climas Úmidos e Secos).

Ainda de acordo com Pinheiro (2009), as dunas, sejam elas móveis ou fixas, se comportam como ambientes propícios ao acúmulo de águas pluviais, alimentando um dos principais aquíferos dentro do ambiente de zona costeira, corroborando sua importância hidrogeológica. Essa característica torna-se ainda mais relevante ao considerarmos ambientes com tendência à semiaridez (como zonas costeiras) ou em franco quadro climático de semiaridez, como é o caso do Nordeste brasileiro, de constituição litológica essencialmente cristalina, portanto, pobre quanto à disponibilidade de águas superficiais (decorrente dos elevados índices de evaporação e evapotranspiração) e subterrâneas (derivada das características cristalinas do substrato geológico presentes na maior parte do território cearense) (PINHEIRO, Evolução Geoambiental e Geohistórica das Dunas Costeiras de Fortaleza, Ceará. Dissertação (Mestrado em Geografia). Universidade Federal do Ceará, 2009. Fortaleza, 2009.2009).

Os campos de dunas têm ainda uma importância fundamental no equilíbrio das zonas costeiras, ao fornecer sedimentos para rios e/ou praias, alimentando, assim, direta ou indiretamente, a deriva litorânea presente ao longo da costa cearense, direcionada, grosso modo, no sentido: leste-oeste, que, por sua vez, alimenta de sedimentos as praias. Assim, em seu processo de migração ao longo da costa, as dunas controlam e regulam o balanço sedimentar de todo o ambiente costeiro (PINHEIRO, Evolução Geoambiental e Geohistórica das Dunas Costeiras de Fortaleza, Ceará. Dissertação (Mestrado em Geografia). Universidade Federal do Ceará, 2009. Fortaleza, 2009.2009).

Para exemplificar, citam-se com mais ênfase as dunas móveis, as quais possuíam regulamentação expressa, na Resolução CONAMA nº 303/2002, como áreas de preservação permanente.  

Por outro lado, restinga, segundo a Resolução CONAMA 04, de 18 de setembro de 1985, artigo 2º, parágrafo quarto, é a acumulação arenosa litorânea, paralela à linha da costa, de forma geralmente alongada, produzida por sedimentos transportados pelo mar, onde se encontram associações vegetais mistas características, comumente conhecidas como “vegetação de restingas”.

Restinga é vegetação que recebe influência marinha, presente ao longo do litoral brasileiro, também considerada comunidade edáfica, por depender mais da natureza do solo do que do clima, como se lê da Resolução CONAMA 10, de 1º de outubro de 1993, artigo 5º, II. Ocorre em mosaico e encontra-se em praias, cordões arenosos, dunas e depressões, apresentando, de acordo com o estágio sucessional, estrato herbácio, arbustivo e arbóreo, este último mais interiorizado.

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Restinga é acumulação de areia ou calhaus que se apoiam na costa a partir da qual se desenvolvem.

Caso que merece, em sede de direito ambiental, especial atenção diz respeito à construção de empreendimentos localizados  em terrenos de marinha e área de falésias.

Terrenos de marinha são as faixas de terra fronteiras ao mar numa largura de 33 metros contados da linha do preamar médio de 1831 para o interior do continente, bem como as que se encontram à margem dos rios e lagoas que sofram a influência das marés, até onde esta se faça sentir, e mais as que contornam ilhas situadas em zonas sujeitas a esta influência. Considera-se influência das marés a oscilação periódica do nível médio das águas igual ou superior a 5 centímetros (artigo 2º e parágrafo único do Decreto-lei 9760, de 5 de setembro de 1946).

Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo, 17ª edição, São Paulo, Malheiros, pág. 813), tais bens pertencem à União Federal consoante o artigo 20, VII, da Constituição Federal e se constituem em bens púbicos dominicais e não devem ser confundidos com as praias, que são bens públicos federais de uso comum (artigo 20, IV, da Constituição).

Diversa é a praia que é um bem público, área de uso comum e titulada pela União Federal.  

Falésia é forma particular de vertente costeira abrupta com declive forte, em regra talhada em rochas coerentes pela ação conjunta de agentes morfológicos marinhos, continentais e biológicos.

Sabe-se que a fixação de empreendimentos nas bordas de falésias altera a topografia da região, o desmatamento acelera o processo de erosão pluvial e interfere na trajetória do recuo natural da linha de costa.

Os especialistas identificam um aumento no risco de destruição de tais empreendimentos devido ao processo de recuo de modo que há um aumento de risco de destruição com a construção de empreendimentos devido ao processo de recuo.

Nesses empreendimentos podem ser constatadas tubulações que lançam águas de chuva e da piscina, contribuindo para a erosão.

As falésias são consideradas áreas de preservação permanente objeto de leitura do artigo 225 da Constituição e ainda por conta da definição no sentido de que se trata de área coberta ou não de vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo, assegurando o bem-estar das populações. Lembre-se ainda os termos da Resolução nº 303/02 do Conselho Nacional do Meio Ambiente(CONAMA), que proíbe qualquer tipo de ocupação numa faixa de cem metros contados de sua borda.

Mas é certo que tais áreas se constituem um atrativo especial para os turistas, onde o mar é visto de cima. Daí o grande número de empreendimentos no litoral do nordeste. As falésias são consideradas Áreas de Preservação Permanente (APP) pela Resolução nº 303/02 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que proíbe qualquer tipo de ocupação numa faixa de cem metros, contados da sua borda.

Nas falésias, o processo erosivo atua em duas frentes: na base, pela ação das ondas e correntes marinhas; e no topo, pela ação das águas da chuva. As ondas escavam a base das falésias e provocam desmoronamentos. Isto, combinado com a ação das águas pluviais, faz com que as falésias recuem em direção ao continente.

 Falésias são naturalmente áreas de risco, pois estão constantemente submetidas ao processo erosivo que favorece desmoronamentos, tanto no topo, como na base da falésia.

Em havendo danos ou perigo de dano ao meio ambiente, caberá, se for o caso, o ajuizamento de ação civil pública no sentido de, liminarmente, fazer cessar tais intervenções nocivas ao meio ambiente, e, no pedido final,  numa ação inibitória (artigo 461 do Código de Processo Civil), solicitar que seja determinada  a devida demolição de obras indevidas ali feitas.

Sabe-se que a tutela inibitória, de caráter preventivo,  diz respeito à ação ilícita continuada, e não ao ilícito cujos efeitos perduram no tempo, objetivando a imposição de um fazer ou de um não-fazer.

Por outro lado, há de se pensar, em tais casos, numa tutela de remoção do ilícito, que se dirige a remover os efeitos de uma ação ilícita que já ocorreu. Se o infrator já cometeu a ação cujos efeitos ilícitos permanecem, basta a remoção da situação de ilicitude, pois o ilícito está no passado.

Assim como a tutela inibitória, a tutela reintegratória não se importa com o dano, mas com a eliminação do ilícito com nítido conteúdo executivo lato sensu. É o caso da demolição de obra irregular, da busca e apreensão e da interdição de fábrica ou estabelecimento nocivo ao meio ambiente e à saúde dos trabalhadores ou da população.

Para tanto, tem o Ministério Público Federal atribuição constitucional para o ajuizamento dessas demandas perante a Justiça Federal, possuindo  legitimidade disjuntiva para tal, por se tratar de terrenos de marinha.

Estamos diante de verdadeiras unidades de preservação.

O Novo Código Florestal, Lei nº 12.651/2012, determina o  que seria restinga. Neste sentido, convém destacarmos o artigo 3º, inciso XVI, desta lei:

“Art. 3º.  Para os efeitos desta Lei, entende-se por: 

(...)

XVI - restinga: depósito arenoso paralelo à linha da costa, de forma geralmente alongada, produzido por processos de sedimentação, onde se encontram diferentes comunidades que recebem influência marinha, com cobertura vegetal em mosaico, encontrada em praias, cordões arenosos, dunas e depressões, apresentando, de acordo com o estágio sucessional, estrato herbáceo, arbustivo e arbóreo, este último mais interiorizado;”.

As restingas foram destacadas como Área de Preservação Permanente (APP), ao teor do artigo 4º, inciso VI abaixo transcrito:

“Art. 4º.  Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:

(...)

VI - as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;”.

E, como Área de Preservação Permanente (APP), as restingas, em todo litoral brasileiro passaram a ser reguladas pelas disposições de restrições ao uso dispostas no Novo Código Florestal, sendo passível de supressão nos estritos casos (exceções) previstos neste diploma florestal.

Sobre essa possibilidade de supressão de Área de Preservação Permanente (APP), vejamos o teor do artigo 8º da referida Lei nº 12.651/2012:

“Art. 8º.  A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei.

§ 1º.  A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, dunas e restingas somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública.”.

Em que constituem muitos dos beach clubs hoje existentes?

São clubs de recreação em áreas próximas ao mar. 


2. OS BEACH CLUBS E AS CONSTRUÇÕES EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE 

Segundo o jornal Folha de S.Paulo, em sua edição de 26 de outubro de 2017, "Mistura de bar, balada e restaurante VIP, os "beach clubs" atraem ricos e famosos à capital catarinense há cerca de 15 anos.".

Que dizer dos beach clubs e de decisões judiciais?

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) decidiu, em julgamento no dia 24 de outubro do corrente ano, manter os beach clubs de Jurerê Internacional, em Florianópolis. Porém, mandou que anexos à estrutura feitos após 2005, quando foi feito Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) junto ao Ministério Público Federal (MPF), sejam demolidos. Da decisão cabe recurso.

De acordo com o tribunal, a relatora do processo, desembargadora federal Vânia Hack de Almeida, julgou que a área ocupada pelos beach clubs está sobre dunas e restinga, em Área de Preservação Permanente, e sobre terrenos de marinha.

Porém, afirmou que “as estruturas de alvenaria existentes à época do TAC podem e devem ser mantidas, no interesse da comunidade local, devendo, imperiosamente, dentre outros destinos, garantir apoio aos banhistas e ao turismo.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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