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Equiparação salarial por estabelecimento

Agenda 06/11/2017 às 11:35

O artigo analisa a restrição da equiparação salarial após a reforma trabalhista ao mesmo estabelecimento de autor e paradigma.

Uma das alterações mais significativas promovidas pela lei 13467/17 diz respeito ao instituto da equiparação salarial, previsto no art. 461, da CLT. A Reforma não apenas alterou o caput do artigo, como seus três primeiros parágrafos e ainda acrescentou os §§ 5º e 6º ao artigo na CLT.

Das diversas alterações produzidas, uma das mais significativas diz respeito ao dimensionamento físico do espaço dentro do qual se pode verificar a infração ao direito à isonomia salarial. Conquanto a norma tenha mantido a exigência de mesma função, valor do trabalho e mesmo empregador, alterou a previsão contida no caput de aferição do direito à equiparação com paradigmas da “mesma localidade” para “mesmo estabelecimento empresarial”.

A origem do problema que a alteração normativa visa enfrentar é facilmente identificável, mas nem por isso a solução é menos criticável.

O caput anterior não estabelecia qualquer distinção a respeito do estabelecimento, fazendo mera alusão ao conceito de “mesma localidade”.

Neste aspecto, a doutrina divergia a respeito da interpretação mais adequada, havendo quem entendesse que a localidade se referia ao local em que o trabalhador prestasse serviços, outros que poderia se tratar de zonas caracterizadas por um determinado custo de vida, e ainda outros fixando o conceito por critérios político-administrativos, como os limites de uma cidade.

Inclusive havia autores que defendiam a possibilidade de equiparação mesmo em localidades distintas. Nesse sentido, por exemplo, o entendimento de Eduardo Gabriel Saad:

Se a empresa – constituída de vários estabelecimentos – adotar a norma de pagar salários iguais, independentemente da localidade em que os empregados prestarem serviços, a alegação do reclamante tem fundamento legal; se, porém, para cada localidade existe uma tabela salarial distinta, então parece-nos que o princípio da isonomia salarial não pode ser invocado[1].

O TST acabou firmando entendimento no sentido de que “mesma localidade”, a princípio, coincidiria com o conceito de Município, ou ainda, dependendo do caso, sua região metropolitana conforme entendimento atualmente cristalizado na Súmula 6, X:

X - O conceito de "mesma localidade" de que trata o art. 461 da CLT refere-se, em princípio, ao mesmo município, ou a municípios distintos que, comprovadamente, pertençam à mesma região metropolitana. 

Esse entendimento nunca foi recebido de forma pacífica.

Amauri Mascaro Nascimento divergia do critério de município, argumentando que dentro de uma mesma unidade política poderia haver mais de uma cidade com importância diversa, ensejando diferenças salariais em razão dessa diferenciação. Embora defendesse a aplicação do critério geográfico pela cidade, também compreendia que seria possível que sucursais, filiais e agências dentro de uma grande cidade provida de muitos subúrbios (e.g. São Paulo) pudessem ser consideradas autônomas, ainda que destacando considerar um extremo indesejável a restrição por estabelecimento[2].

Fernando Damasceno também critica este viés, ao apontar:

por parte do empregador, cumpre lembrar que pode possuir, até mesmo num núcleo populacional, dois ou mais estabelecimentos distintos, visando finalidades produtivas diferentes. Ou então, que um dos estabelecimentos esteja em plena fase de produção, gerando maiores lucros, e o outro, ainda em fase de implementação ou desenvolvimento, com produção restrita, não podendo sustentar o mesmo nível salarial do primeiro. É o caso de um empregador possuir dois estabelecimentos mineradores, numa mesma localidade, mas destinados à mineração de substâncias diferentes; em ambos mantém motoristas encarregados do transporte do minério, dirigindo veículos iguais e, portanto, exercendo as mesmas funções, com valores objetivamente idênticos. Se uma das substâncias minerais exploradas permitir rentabilidade superior à do outro, não seria estranhável que os empregados desse estabelecimento percebessem salário mais elevado[3].

Ainda assim, bastante razoável a defesa de Vólia Bomfim Cassar quanto ao critério municipal, à vista da redação anterior, ao apontar que “o município é a menor base territorial de um sindicato e que cada entidade sindical pode estabelecer pisos salariais diversos para a categoria, conclui-se que correto está o entendimento da jurisprudência, porque a diferença salarial teria sua origem na norma coletiva”[4].

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A alteração legislativa promovida restringe o conceito ainda mais, para limitar a um estabelecimento em particular.

Observe-se que, a despeito do TST estabelecer o entendimento de que mesma localidade referia-se a um mesmo município, ainda assim a noção de “mesma localidade” como sinônimo de estabelecimento permanecia incrustrada, havendo, por exemplo, expressa referência a ele na mesma Súmula 6, em seu item IV:

IV - É desnecessário que, ao tempo da reclamação sobre equiparação salarial, reclamante e paradigma estejam a serviço do estabelecimento, desde que o pedido se relacione com situação pretérita.

A primeira dúvida que surge nesse caso é a própria extensão do significado que se procure atribuir a “estabelecimento”.

Sob o prisma do direito positivo, na forma do art. 1142, do Código Civil, estabelecimento é “todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”.

Destaca Délio Maranhão que:

a empresa, conceitualmente, distingue-se do estabelecimento, embora o uso identifique, na prática, tais expressões. A empresa é a unidade econômica, e o estabelecimento, a unidade técnica de produção. Aquela traduz, antes, a atividade profissional do empresário, considerada no seu aspecto funcional mais do que no instrumental. Por isso, a rigor, não cabe nem na categoria de sujeito nem de objeto do direito”[5]. E prossegue, mencionando lição de Ferrara, que “o que importa firmara é o conceito unitário do estabelecimento, como um bem jurídico distinto daqueles que o compõem. O estabelecimento é um bem incorpóreo, objeto de um direito de propriedade[6].             

Para Fábio Ulhoa Coelho, o estabelecimento é o complexo de bens reunidos para o desenvolvimento da atividade empresarial, mas destaca que:

o estabelecimento empresarial pode ser descentralizado, ou seja, o empresário pode manter filiais, sucursais ou agências, depósitos em prédios isolados, unidades de sua organização administrativas lotadas em locais próprios, etc. Cada parcela descentralizada do estabelecimento empresarial pode, ou não, ter um valor independente, em razão de inúmeros condicionantes de fato[7].

Do ponto de vista de sua acepção pelo direito do trabalho, efetivamente o uso por vezes é equivocado, ou ambíguo, como pode se notar das diversas conotações contidas nos arts. 160, 429, 71, § 3º, 168, § 4º e 355, da CLT.

Ainda assim, é precisa a observação de Volia Bomfim, ao versar sobre a noção de estabelecimento do art. 74, § 2º, da CLT, por exemplo, ao apontar que o mesmo deixa muito claro que o conceito se refere a uma unidade patrimonial autônoma, entendendo inclusive que até mesmo postos de atendimento, ainda que vinculados a determinadas filiais ou agências, podem ser considerados como estabelecimentos autônomos[8]. Pode-se acrescentar também vários outros dispositivos neste mesmo diapasão, como o art. 355, da CLT.

Conforme mencionado anteriormente, é compreensível o alvo do legislador ao limitar a estabelecimento em razão das diversas demandas trabalhistas envolvendo pedidos de equiparação salarial nas quais trabalhadores prestam serviços para o mesmo empregador, no mesmo município, porém, em estabelecimentos diferentes, procurando os empregadores justificar a diferença salarial pelo fato de haver diferença de dimensões dos estabelecimentos, ou de movimentação financeira dos mesmos, ou de clientes atendidos, entre outros.

Esse argumento, na prática, enfrentava algumas dificuldades. A primeira delas, porque a prova dessas diferenças não é muito simples. Um estabelecimento pode ter maior movimentação financeira, porém um volume menor de vendas, dependendo do padrão de produto vendido. Pode ter maior espaço físico porém menos empregados, dependendo do fluxo de clientes. Pode ter maior ou menor rentabilidade pela posição geográfica que ocupe dentro da cidade. E todas essas variantes e o efeito objetivo que produzem sobre a política salarial dos empregados daquele estabelecimento sempre foi uma prova muito difícil de ser produzida.

Se isso não fosse suficiente, a verdade é que mesmo que tais diferenciações fossem devidamente comprovadas no processo, tais circunstâncias não impediriam a equiparação salarial, eis que os fatos obstativos da mesma permaneceriam a maior produtividade e qualidade do trabalhador no desempenho de suas funções, sendo evidente que o simples fato de haver distinções entre os estabelecimentos não leva à presunção de que os trabalhadores de um estabelecimento desempenham atividade de maior qualidade que o de outros, e nem mesmo que a produtividade, aferida individualmente, fosse diferente entre eles (sendo certo que a prova de diferença de produtividade para trabalhadores que auferem remuneração por unidade de tempo sempre é uma tarefa inglória também).

Todavia, ao tentar sanar essa dificuldade, a reforma trabalhista pula para o extremo oposto, no sentido de estabelecer como condição necessária que o trabalho seja desenvolvido no mesmo estabelecimento.

Primeiro porque, na prática, trata do estabelecimento como uma unidade absolutamente autônoma, dissociada da empresa da qual é mera manifestação física, como se cada um dos estabelecimentos de um mesmo empregador, num mesmo município, por exemplo, não estivessem sujeitos às mesmas normas internas da empresa, ou não se sujeitassem aos mesmos acordos coletivos firmados pela empresa, ou não se sujeitasse às mesmas políticas salariais da empresa ou seus empregados não compartilhassem com os demais empregados da empresa os mesmos direitos.

Como iria se justificar numa situação como essa, então, o exercício do ius variandi  do empregador para determinar a transferência de um empregado de um estabelecimento para outro se as situações fáticas entre um e outro não se comunicam para fins de política salarial?

E mais, levando em consideração que permanece mesmo após a reforma a unicidade sindical a nível municipal, como entender que esses trabalhadores estariam prestando serviços em realidades isoladas e sem comunicação entre elas pelo fato de estarem em estabelecimentos distintos se os efeitos das normas convencionais, inclusive sob o aspecto das normas convencionais que disciplinam reajustes, pisos salariais, entre outras, deveriam ser observadas no mínimo de forma igualitária dentro do espaço territorial de um município?

Se entendermos que os limites da equiparação salarial estão restritos a um estabelecimento, e que os dispositivos contidos nos parágrafos sujeitam-se aos limites do caput, então a diferença de dois anos de tempo de exercício da função também deveria ser apurada apenas quando exercida dentro de um mesmo estabelecimento?

Porque, aparentemente, se o simples fato de um trabalhador exercer o cargo em estabelecimentos diferentes justificaria a discrepância salarial, é difícil fugir da conclusão de que a lógica subjacente é a que de a prestação de labor em diferentes estabelecimentos presume, de forma absoluta, em caráter iuris et de iure, que as atribuições não são as mesmas, e, nesse caso, a diferença de tempo de serviço na mesma função, porém em estabelecimento diferente, não poderia ser oposta como impeditiva à equiparação salarial.

Como se isso não bastasse, a regra ainda potencializa outros problemas. Tome-se como exemplo a situação de vendedores externos que atendam diferentes localidades, ainda que vinculados formalmente ao mesmo estabelecimento. Pela sistemática anterior, não era difícil justificar que uma empresa com sede em São Paulo tivesse vendedores externos em Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre, cada um deles atendendo seus respectivos estados e recebendo salários diferentes em razão das distintas localidades atendidas. Pelo critério adotado no caput, como todos estão vinculados ao mesmo estabelecimento (é muito comum que nem sequer haja um estabelecimento da empresa na localidade de atuação de cada um desses vendedores), então todos teriam direito à equiparação salarial mesmo trabalhando em regiões diferentes.

A aplicação da norma na redação conferida pela Reforma é de fácil visualização quando se enfrenta situações nas quais os estabelecimentos se dedicam a aspectos do processo produtivo ou da atividade econômica que se diferenciam entre si, tais como um centro de distribuição frente a uma loja de uma rede de supermercado, para fins ilustrativos.

Mas, nas ocasiões em que diferentes estabelecimentos realizam rigorosamente a mesma atividade, e que os empregados de um estabelecimento transitam naturalmente entre outros estabelecimentos similares do empregador, desempenhando a mesma atividade, a questão torna-se mais complexa. Até mesmo porque, em algumas atividades, tais como os serviços bancários ou em grandes redes varejistas, é extremamente comum a transferência e prestação de labor pelo empregado em diversos estabelecimentos diferentes.

Nesse caso, a cada passagem do trabalhador por um deles haveria um período distinto para fins de equiparação, não apenas do trabalhador transferido com relação aos outros, mas também daqueles que laboraram em um estabelecimento determinado em face do trabalhador que por lá passou? O período de exercício na função, nesse caso, deverá ser examinado em face do trabalho em cada estabelecimento diferente? Ou, ainda que não seja possível a equiparação entre trabalhadores de estabelecimentos distintos, o tempo de serviço de cada um em outro estabelecimento poderia ser computado para fins de obstar o direito à isonomia salarial?

São apenas alguns exemplos de situações e problematizações que exigirão a integração da norma pela interpretação jurisprudencial, abrindo margem, precisamente, para o tipo de normatização jurisprudencial que a própria Reforma manifestamente visou coibir em mais de uma ocasião.


Notas

[1] SAAD, Eduardo Gabriel. CLT Comentada. 35a ed. São Paulo: LTr, 2002. P. 303

[2] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Teoria jurídica do salário. São Paulo: LTr, 1994. P. 41-43

[3] DAMASCENO, Fernando Américo Veiga. Igualdade de tratamento no trabalho. Barueri: Manole, 2004. P. 76-77

[4] CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 12a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. P. 939

[5] SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; et ali. Instituições de direito do trabalho. Vol. 1. 21ª ed. São Paulo: LTr, 2003. p. 287

[6] SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; et ali. Instituições de direito do trabalho. Vol. 1. 21ª ed. São Paulo: LTr, 2003 . p. 292

[7] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 14a ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 59

[8] CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 12a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. P. 689

Sobre o autor
Roberto Dala Barba Filho

Juiz do Trabalho no TRT da 9a Região Bacharel em direito pela UFPR Mestre em direito pela PUC-PR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBA FILHO, Roberto Dala. Equiparação salarial por estabelecimento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5241, 6 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61518. Acesso em: 2 nov. 2024.

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