Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

A imunidade tributária religiosa como extensão do direito fundamental à liberdade de consciência e crença

Exibindo página 2 de 2
Agenda 30/10/2017 às 23:36

5. Aspecto jurídico de templo

Inexiste, no diploma constitucional, um conjunto racional e articulado de normas que discipline, em todas as suas manifestações o fenômeno dos cultos religiosos. Por outro lado, também não se contesta que a palavra “culto” possui vários significados, designando o conjunto de atitudes, ritos e cerimônias desenvolvidas por uma Igreja e até mesmo pela confissão religiosa (CARRAZZA, 2015, p. 65).

    Cumpre descrever as palavras do mesmo Autor, ao esclarecer a noção jurídica de “culto”:

No primeiro sentido, laico, o culto não passa de uma reverência respeitosa a Deus ou a entes sobrenaturais. Nosso ordenamento jurídico inadmite que tal conduta seja perturbada ou escarnecida, quer quando realizada no interior dos templos, quer quando se dá em público, vale dizer, em cerimônias e festividades religiosas. Como consequência, nosso Direito não tolera que os objetos consagrados ao culto sejam profanados ou dolosamente destruídos. Tanto é assim, que o Código Penal, em seu art. 208, sanciona quem, de qualquer modo, atenta contra o sentimento religioso (Ibidem, p. 66).[4]

Entende-se que, pela análise da Constituição, que “culto”, no contexto da alínea b, do inciso VI, art. 150, tem o sentido de confissão religiosa, na qual consiste em:

Uma entidade dotada de estrutura orgânica hierarquizada, instituída com o objetivo fundamental de agrupar, de modo permanente, pessoas que partilham das mesmas crenças transcendentais, vale dizer, que nutrem a mesma fé numa dada divindade. Nesse sentido, são confissões religiosas não só a Igreja Católica e as nascidas da Reforma Protestante, como as que adotam fórmulas mais elementares e variadas de organização (sinodal, congregacionais etc.). Também merecem esta qualificação as comunidades judaicas e muçulmanas, que, embora se caracterizem pela dispersão e multiplicidade e se relacionem mais por vínculos religiosos do que jurídicos, possuem uma fé comum (Ibidem, p. 66).

    É nesse contexto que todas as confissões religiosas regularmente constituídas têm jus à imunidade tributária, ora apresentada. Daí a importância de observar a característica do Estado brasileiro de proteger os direitos e as liberdades fundamentais da pessoa humana e sua dignidade.

Por tais razões, não somente Carrazza, como também outros doutrinadores, defendem a interpretação ampliativa: “(...) até porque existem muitos outros direitos, menos antigos ou nobres, do que o de estar ligado à Deus, que desfrutam, no Brasil, de especial proteção tributária (Ibidem, p. 68).

Em que pese a evolução da ciência, a fim de racionalizar tudo e relativizar os elementos sobrenaturais de toda religião, é evidente que desde a antiguidade, até os dias atuais, o sentimento religioso está enraizado na natureza humana.

Carrazza, brilhantemente aponta o papel importantíssimo das confissões religiosas, visto que beneficiam o Estado, por meio de suas ministrações e doutrinas, tanto na Educação, quanto na saúde, assistência social e diversas áreas de Poder Público, das quais o Estado possui responsabilidade (Ibidem, p. 69).

    É de notório conhecimento o trabalho social dessas instituições, trazendo à comunidade, por meio de suas doutrinas, ensino, assistência na saúde, moralidade pública e privada, educação aos cidadãos, compaixão ao próximo, inclusão social, tratamento de drogados, reabilitação de detentos, evangelização em hospitais, distribuição de alimentos, cobertores e agasalhos e muitos outros benefícios. Tudo isso trazendo uma forte consequência, não somente para os fiéis, como também, para toda sociedade.

    Ainda que não seja necessário, isso bastaria para justificar a imunidade tributária das Igrejas, que são, pelo que vimos, defensoras dos valores humanos. Isso porque, “Na constituição brasileira muitos desses objetivos são da alçada do Poder Público, isto é, devem ser perseguidos e alcançados pelo Estado. Ora, na medida em que as Igrejas os perseguem e alcançam, não devem ser objeto de gravames tributários” (Ibidem).


 6. Os direitos humanos e a tributação

    A liberdade religiosa, obriga, das autoridades públicas, o pleno respeito às convicções e à independência espiritual de cada indivíduo. Direito fundamental, consagrado na própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu art. 18:

Artigo 18° Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos (ONU, 1948).

Ressalta-se que em nosso ordenamento jurídico, pertence ao núcleo irredutível da Constituição Federal (CARRAZZA, 2015, p. 24).

    É nessa toada que não pode haver discriminação religiosa, motivo pela qual o Estado deve garantir, a cada indivíduo, a opção de, sem prejuízo ou ameaça, adotar ou não uma religião. Inclusive, professar outra.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Ana Maria Guerra Martins tece oportunas considerações acerca do princípio da não discriminação. In verbis:

Este princípio baseia-se na igualdade de todos os seres humanos e é uma decorrência da igual dignidade de todos os seres humanos. É afirmado no art. 1º =, par. 3º, da Carta das Nações Unidades, nos arts. 1º e 2º [da DUDH (Declaração Universal dos Direitos do Homem) e em todos os instrumentos internacionais de direitos humanos, de entre os quais cumpre destacar o art. 2º], nº1, do PIDCP (Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos).O princípio da não discriminação supõe que deve ser dado um tratamento igual a indivíduos e situações iguais e implica a existência de uma norma que prescreve essa igualdade de tratamento. As convenções de âmbito geral adoptam uma postula global e esforçaram-se por levar em conta toda a discriminação, proibindo as discriminações em função do sexo, da raça, da língua, da religião, das opiniões, do nascimento, da origem nacional ou social, de pertencer a uma minoria nacional, da fortuna ou ainda qualquer outra situação” (esclarecemos nos parênteses e grifamos) (MARTINS, 2006, p. 173).

Assim, o Estado brasileiro possui o dever de respeitar as religiões, não importa qual seja. Como estudado, o Brasil concede o direito da livre manifestação de qualquer culto, motivo pelo qual há o desafio de proteger o direito fundamental à liberdade religiosa, que se liga a dignidade da pessoa humana.

    A fim de eliminar todas as dúvidas acerca do tema, destaca-se os ensinamentos de Carrazza:

A Constituição Federal, já em seu art. 1ª, III, enuncia solenemente que a República Federativa do Brasil também se fundamenta na dignidade da pessoa humana. O indivíduo é o limite e a base do domínio político da República, motivo pelo qual a dignitas humana é inviolável, ou seja, é um bem jurídico absoluto, que não pode ser lesado por nenhuma pessoa, seja de direito público, seja de direito privado. Também é inalienável e irrenunciável, já que a vida não pode ser degradada a um sem-valor, nem mesmo por seu titular (CARRAZZA, 2015, p. 25).

José de Melo Alexandrino acentua, com propriedade, que:

Num ordenamento de Estado constitucional, os direitos fundamentais constituem garantias jurídicas dirigidas contra o Estado ou principalmente contra o Estado. Esta regra é inquestionável: tem uma justificação histórica e filosófica; tem justificação nos textos e na estrutura das Constituições, encontrando o mais amplo acolhimento na prática de todas as ordens jurídicas das sociedades abertas; tem uma justificação funcional e é defensável segundo os quadros da ciência jurídica (ALEXANDRINO, 2007, p.96).

Dessa forma, a imunidade aos impostos, prevista no art. 150, VI, b, da Constituição Federal, materializa o interesse da sociedade em ver afastados procedimentos, ainda que normatizados, capazes de inibir a livre manifestação da religiosidade das pessoas e os atos de amor ao próximo e promoção social, que dele derivarem.


7. Considerações Finais

   Há muitas formas de desoneração tributária, seja pela isenção ou pela imunidade, ou qualquer instituto legislado no âmbito infraconstitucional. Contudo, a imunidade é matéria constitucional e, por isso, apesar das outras formas de limitação ao poder de tributar, não se trata de renúncia do Poder Público.

    A renúncia, como o próprio nome significa, é abdicar, desistir ou rejeitar. Assim, trata-se de algo que já existe, diferentemente da imunidade, pois não se pode tributar o que não existe, mais precisamente naquilo que não há fato gerador e nem incidência tributária. A imunidade atua no plano de competência constitucional, no qual os imunes estão fora do alcance do Estado.

As linhas argumentativas desenvolvidas, fruto de pesquisas e estudo, fornece o entendimento de que o agir das Igrejas – inteiramente ligadas à liberdade religiosa – bem como das Instituições assistenciais e educacionais, sem fins lucrativos, por elas mantidas, deve ser apartado da tributação. Isso porque, apesar de a separação entre Estado e Igreja, esta ainda contribui absurdamente com as lacunas deixadas por aquele, auxiliando na sociedade como agente ativo de compaixão, força e coragem.

Não seria liberdade se tivesse restrições, principalmente, imposições tributárias. Não seria um Estado Democrático de Direito se o Estado tributasse aquele que lhe auxilia e faz seu papel, sem receber nada em troca. É por isso que, além de elogios, as Igrejas precisam de apoio – inclusive estatal -, visto que não se limitam em suas posições espirituais e socorrem com seus próprios recursos, os pobres e excluídos da sociedade, por meio das instituições de educação e da assistência social sem fins lucrativos.

No que tange às fraudes que levam à sonegação, sugere-se a multiplicação e o aperfeiçoamento dos métodos investigativos das Fazendas Públicas, visando proteger o Erário de falsas e oportunistas Igrejas. Não deve-se, portanto, deixar de atender a norma constitucional, mas sim “se estenda o manto da imunidade sobre as verdadeiras igrejas” (CARRAZZA, 2015, p. 159).

    Conclui-se que as imunidades tributárias representam vedação absoluta à tributação, assim, limitam a ação estatal de criar tributos, justamente porque atendem a interesses e valores fundamentais da sociedade. Não são meras renúncias, tampouco privilégios, mas garantias contra a ação estatal de exigir determinados tributos. Assim, estão apontadas na Magna Carta, não podendo ser revogadas por atos normativos insfraconstitucionais.

 Vale ressaltar que, deve-se entender por templo, não apenas o edifício do culto, como todas as instalações inclusive as a ele anexas, desde que correlacionadas às práticas religiosas, de acordo com os entendimentos mantidos pelo STF. Tais temas devem sempre ser interpretados de forma ampla e extensiva, visto que “expressam a vontade do constituinte originário de preservar valores de particular significado político, social, religioso e econômico” (Ibidem, p. 163).

    Por fim, a imunidade religiosa representada pela extensão do direito fundamental à liberdade de consciência e de crença, consagrado no art. 5º, incisos VI, VII e VIII da Constituição Federal, mostra apenas um caminho à pessoa política: o da abstenção, não sendo possível criar legislativamente um tributo, nem, tampouco, lançar um, valendo-se de artifícios hermenêuticos.


Notas

[1] CARVALHO, Paulo de Barros, apud CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 947.

[2] STF – Pleno – Adin n. 2.006/DF – Rel. Ministro Maurício Corrêa. DJ 10/10/08.

[3] SABBAG, Eduardo. Vídeo aula, Saber Direito. Publicada em 30.08.09.

[4] Código Penal – Art. 208. Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso: Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa. Parágrafo único - Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência.

Sobre a autora
Amanda Almeida

Advogada, pós graduando em Direito Empresarial. Atua em Direito Civil, Empresarial, Consumidor e Família. Com experiência no Direito Administrativo e Eleitoral. Professora Assistente de Processo Civil na FDSBC.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Síntese de Trabalho de Conclusão de Curso apresentado na Universidade Municipal de São Caetano do Sul.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!