RESUMO: O presente trabalho visa analisar a regra de direito transitório, representado pelo artigo 2.028, do novo Código Civil Brasileiro, mais especificadamente, nas hipóteses de responsabilização civil, uma vez que, houve sensível redução destes prazos prescricionais e, a interpretação mais apressada do dispositivo indicado, pode conduzir o aplicador da lei a cometer prováveis e irremediáveis injustiças. Analisar-se-á a redação do dispositivo de forma crítica, apresentando os problemas que exsurgem no momento de sua aplicação em determinados casos concretos, indicando, outrossim, qual deverá ser a forma mais adequada de interpretação de sobredita norma.
SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. O advento da novel legislação civil brasileira e a redução dos prazos prescricionais para as pretensões oriundas de reparação civil: 2.1. Por que o legislador fixa prazos para que a parte exerça seu direito de procurar a tutela jurisdicional?; 2.2. Conceito de prescrição; 2.3. Da redução do prazo prescricional no CCB/2002 para as pretensões originárias de responsabilização civil. Redução drástica do prazo de 20, para 3 anos. Artigo 206, parágrafo 3°, inciso V, do Código Civil; 2.4. Da possibilidade de redução dos prazos prescricionais segundo a visão de Clóvis Beviláqua; 2.5. Dos limites para a retroação da lei - 3. Do conteúdo do artigo 2.028 - 4. Da vacilação da jurisprudência quanto à aplicação do artigo 2.028 - 5. Da interpretação, mais apropriada, ao artigo 2.028, do Código Civil Brasileiro de 2002, com relação aos casos de responsabilidade civil - 6. Conclusões - 7. Referências Bibliográficas
PALAVRAS CHAVE: responsabilidade; responsabilidade civil; prescrição; Código Civil Brasileiro de 1916; Código Civil Brasileiro de 2002; retroação da lei; limites da retroação da lei; direito transitório; hermenêutica jurídica.
1. Introdução
Há pouco mais de um ano que os operadores jurídicos em geral estão se debatendo no intuito de bem interpretar a nova legislação civil brasileira, representada pela Lei n.° 10.406/2002, por muitos já "apelidada" de "Código Reale", mas que o próprio Reale prefere seja denominada como a "Constituição do Cidadão Comum" [1].
Em expressão popularesca, os operadores do Direito estão verdadeiramente "quebrando a cabeça" para adaptar-se às recentes modificações introduzidas pelo recém lançado estatuto civil.
É mais do que consabido que, com o nascedouro de determinada legislação, inevitavelmente conflitos entre a novel lei e a disposição revogada podem surgir.
Assim foi com a entrada em vigor da Lei n.° 1.533, de 31 de dezembro de 1.951 (Mandado de Segurança); com o lançamento do Código de Processo Civil de 1973 [2], em 11 de janeiro de 1973; com o advento da Lei n.° 9.099, de 26 de setembro de 1995 que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais; bem como as dúvidas oriundas do lançamento em território brasileiro do Código Civil ora revogado (Lei n. ° 3.071 de 1° de janeiro de 1916).
Clóvis Beviláqua bem advertia no início do século passado: "As leis, desde o momento em que se tornam obrigatorias, põem-se em conflicto com as que, anteriormente, regulavam a materia, de que ellas se occupam, regulando-a por outro modo." [3]
Com o advento de nova legislação "por mais sábio que seja o legislador, por mais previdente ou por mais casuísta, não poderá nunca prever tôda a variedade de relações sôbre as quais vai recair a lei" [4] e daí "a norma posterior pode gerar, como se vê, zonas imprecisas ou cinzentas de incertezas, que requerem precisão na aplicação da norma e um equilíbrio entre a dimensão temporal normativa e a realidade fática." [5]
Daí porque, assumem especial relevo, as regras de direito intertemporal pois estas "soluciona[m] o[s] conflito[s] de leis no tempo, apontando critérios para aquelas questões, disciplinando fatos em transição temporal, passando da égide de uma lei a outra, ou que se desenvolvem entre normas temporalmente diversas. Visa[m], como ensina Paul Roubier, a proteção de fato aquisitivo, cuja eficácia jurídica não pode ser eliminada por uma lei diversa daquela sob a qual ocorreu." [6]
Por tudo isto, tencionando desarraigar eventuais dúvidas é que o legislador, invariavelmente, prefixa regras de direito intertemporal - ou em linguagem mais adequada e atual, regras de direito transitório - as quais deverão nortear o exegeta na escorreita aplicação da lei indicando, dessa forma, qual norma deverá incidir quando duas leis (revogada e revogadora) entrem em conflito.
Outrossim, para apimentar o debate, faz-se necessário realizar o seguinte questionamento: o que acontecerá quando o operador jurídico for instado a aplicar a lei, se deparar com a denominada "zona imprecisa e de incertezas" do conflito temporal de leis, constatando, outrossim, que a norma que deveria resolver o problema (regra de direito transitório) é deficiente e, sua interpretação, poderá conduzir a soluções injustas ou iníquas, ou até mesmo ferir a lógica jurídica, o que deverá o operador fazer?
Aplicar a letra fria da lei, afinal de contas dura lex, sed lex? Ou então procurar compatibilizá-la com as demais regras do ordenamento?
Convenhamos que a questão é deveras difícil mas, inevitavelmente, deve ser enfrentada.
Para encontrar a melhor saída para esta encruzilhada jurídica, assume especial relevo e, transmuda-se em tema dos mais importantes, a interpretação do texto legal pelo operador jurídico.
Mas, pode e deve-se questionar: por que motivo este autor traz esta gama de informações sobre regras de direito transitório? O que isto tem a ver com o presente ensaio?
A resposta é encontrada nas constantes dificuldades enfrentadas pelos operadores jurídicos para dar adequada interpretação ao disposto no artigo 2.028 do Código Civil Brasileiro de 2002 (CCB/2002), mais especificadamente, quando se subsume seu conteúdo a regra de prescrição prevista no inciso V, do parágrafo 3°, do artigo 206 do mesmo Código.
Tentemos ser mais claros.
Faz-se tal afirmação, porque a regra do artigo 206, reduziu de forma significativa o prazo prescricional para os casos de responsabilização civil (de 20 para 3 anos) e, a regra inserta no artigo 2.028, adverte que uma vez diminuído o prazo de prescrição pela nova lei (CCB/2002) e se na data em entrada em vigor desta não houver transcorrido mais da metade do prazo prescricional este prazo será o do CCB/2002.
Pois bem. Em interpretação literal e mais apressada (e aqui encontra-se o problema), o magistrado, advogado, promotor de justiça, enfim, operador jurídico em geral, constatará que fatos originados entre os anos de 1994, 1995, 1996, 1997, 1998, somente para citarmos alguns exemplos, estariam irremediavelmente prescritos se utilizada a regra transitória do artigo 2.028. Isto porque, tais fatos, não teriam ultrapassado mais da metade do prazo prescricional da lei revogada (20 anos CCB/1916) e, então, a regra de prescrição seria aquela prevista no artigo 206 da lei atual, que prevê termo final de 3 anos para a propositura do pedido e daí, concluir-se-ia que o fato de 1994, estaria prescrito em 1997, o de 1995, estaria prescrito em 1998, etc. etc. etc..
Não sei o leitor notou mas a prescrição atingiria a pretensão do autor da ação mesmo antes da entrada em vigor do Código Civil Brasileiro de 2002 (11.01.2003) o que não é preciso mencionar revela-se em inconcussa injustiça!
Outrossim, tencionando contribuir com o aprofundamento do debate e, apresentar o ponto de vista do autor sobre qual deve ser a interpretação mais adequada da regra de direito transitório, representada pelo artigo 2.028, do Código Civil Brasileiro de 2002, para os casos em que se discute a responsabilização civil, far-se-á breve digressão sobre os institutos jurídicos que permeiam à espécie para, logo após, analisar a redação do dispositivo ora em comento, à luz também das decisões jurisprudenciais já lançadas por alguns tribunais pátrios.
Destarte, passa-se neste primeiro momento, ao relato das mudanças operadas na legislação com a entrada em vigor do Código Civil Brasileiro de 2002.
2. O advento da novel legislação civil brasileira e a redução dos prazos prescricionais para as pretensões oriundas de reparação civil
Visando reformular bases teóricas e adaptar a legislação que regula as relações civis no território brasileiro, tudo com vistas à atingir o almejado "Estado Social" desejado por Miguel Reale, após amplos debates, emerge o novo Código Civil Brasileiro.
Após tramitar por mais de três décadas nas casas legislativas, passando pela influência de governos ditatoriais e restabelecimento da democracia; por eleições indiretas e diretas e, até pelo impeachment de um presidente eleito diretamente pelo povo, é aprovado pelo legislativo federal e, promulgado pelo Presidente da República, a nova legislação civil brasileira a qual, a partir de janeiro de 2003, passaria a regular todas as relações civis dos cidadãos em território brasileiro.
Apesar das críticas formuladas por alguns juristas [7], as quais foram veementemente repelidas por aqueles que participaram do processo legislativo [8], a novel legislação civil apresentou, na matéria relativa ao presente estudo, sensíveis alterações, pois reduziu drasticamente os prazos prescricionais para as hipóteses de responsabilização civil [9][10], fixando regra de direito transitório, extremamente maliciosa em seu artigo 2.028, claro que, se interpretada de forma literal e mais açodada.
Entretanto, antes de adentrarmos na discussão a ser travada sobre a melhor interpretação a ser dada ao artigo retromencionado, mister se faz tecer breves considerações sobre o que vem a ser o instituto "prescrição", realçando algumas de suas peculiaridades, as quais auxiliarão na conclusão do estudo.
2.1. Por que o legislador fixa prazos para que a parte exerça seu direito de procurar a tutela jurisdicional?
Por sermos partidários da opinião de que só podemos bem escrever o futuro se nos espelharmos nas luzes do passado, entende-se como indispensável que se faça pequena incursão sobre a passagem histórica do instituto da prescrição. Para isto nos utilizaremos de copiosa lição de Agnelo Amorim Filho.
Mencionado doutrinador, citando o escólio de Savigny e Pontes de Miranda, pontifica:
"Acentua Savigny que, durante muito tempo, a prescrição foi um instituto completamente estranho ao Direito Romano, mas, ao surgir o Direito Pretoriano, passou a constituir uma exceção à antiga regra da duração perpétua das ações. Por último, a exceção se converteu em regra geral (Sistema del derecho romano, tomo IV, págs. 181 e 185 da trad. cast.). Tendo ainda em vista o Direito Romano, diz o mesmo autor que o principal fundamento da prescrição é a necessidade de serem fixadas as relações jurídicas incertas, suscetíveis de dúvidas e controvérsias, encerrando-se dita incerteza em um lapso determinado de tempo (ob. e vol. cits. pág. 178).
Por sua vez, ensina Pontes de Miranda que o instituto da prescrição ‘serve à segurança e à paz públicas’, e é êste, precisamente o ponto de vista que, de modo geral, prevalece a respeito do assunto, na doutrina e na jurisprudência, embora haja ainda quem procure apresentar, como fundamento do mesmo instituto, o castigo à negligência, a aplicação do princípio ‘dormientibus non sucurrit ius’." [11][12]
A primeira ilação que se extrai desta passagem histórica é a de que "a prescrição é uma regra de ordem, de harmonia e de paz, imposta pela necessidade de certeza das relações jurídicas." [13]
Sim, porque acaso não fosse estipulado determinado prazo para que o jurisdicionado procurasse defender seu direito, as situações fáticas nunca chegariam a termo e, possivelmente, uma variada gama de negócios se inviabilizariam.
Faz-se tal afirmação com amparo na conclusão lógica do alto nível de insegurança que estas relações trariam. Não é difícil imaginar o quão custosa seria a venda de determinado bem por herdeiro, após a partilha dos bens do de cujus, caso não fosse prevista a regra do parágrafo único, do artigo 2.027 do CCB/2002, pois o adquirente poderia ser molestado, 20 ou 30 anos depois da transação, por determinado herdeiro que entendesse ter sido preterido na sucessão.
Destarte, visando dar maior segurança jurídica às relações jurídicas em geral é que o ordenamento jurídico estipula prazos de prescrição para o exercício de determinados direitos.
Após passarmos os olhos sobre a principal função exercida pela prescrição, passe-se ao aprofundamento do estudo, iniciando-se pela definição do instituto.
2.2. Conceito de prescrição
Orlando Gomes há muito lecionava: "a prescrição é o modo pelo qual um direito se extingue pela inércia do seu titular, durante certo lapso de tempo, que fica privado da ação própria para assegurá-lo." [14]
Em outros termos: "prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, de tôda a sua capacidade defensiva, em conseqüência do não uso dela, durante um determinado espaço de tempo." [15]
Ou seja, nas palavras de Clóvis Beviláqua e Orlando Gomes a prescrição, nada mais vem a ser, do que a perda da possibilidade do lesado procurar a obtenção da tutela do Estado, na busca da satisfação de seu direito, tendo em vista o decurso do tempo estabelecido na legislação.
Como já afirmado anteriormente (e nisto a doutrina é unânime), o instituto visa a segurança e estabilidade das relações jurídicas em geral.
Para transcrevermos só uma das opiniões acerca da principal função da prescrição, apresente-se o pensamento de Pontes de Miranda:
"Os prazos prescricionais servem à paz social e à segurança jurídica. Não destroem o direito, que é; não cancelam, não apagam as pretensões; apenas, encobrindo a eficácia da pretensão, atendem à conveniência de que não perdure por demasiado tempo a exigibilidade ou a acionabilidade. Qual seja essa duração, tolerada, da eficácia pretensional, ou simplesmente acional, cada momento da civilização o determina." [16]
Outrossim, uma vez transposta a apresentação do conceito do instituto, bem como o motivo originário que conduz o legislador a fixar prazos prescricionais, apresente-se quais foram as mudanças introduzidas pelo estatuto civil de 2002 com relação ao tema.
2.3. Da redução do prazo prescricional no CCB/2002 para as pretensões originárias da responsabilização civil. Redução drástica de 20 para 3 anos. Artigo 206, parágrafo 3°, inciso V, do Código Civil
Para iniciar a apresentação deste capítulo, rememore-se o que previa a legislação civil revogada.
Na falta de estipulação expressa, o Código Civil Brasileiro de 1916 estabelecia o prazo de 20 anos para as hipóteses de responsabilidade civil. O amparo legal para esta conclusão advinha justamente da interpretação da regra contida no artigo 177 do "Código Beviláqua". Tratava-se de legítima ação de direito pessoal [17].
O prazo prolongado de 20 anos fazia jus aos reclamos da época pois, no início do Século XIX, como bem historiam os estudiosos, a comunicação era extremamente deficitária, ainda mais em um país de dimensões continentais como o Brasil.
Era um século em que os tropeiros desbravavam os Estados para comercializar rezes, não existia fac-símile, telex, tampouco, internet e e-mail, sem falar que os meios de comunicação escrita, televisiva e falada, somente vieram a se popularizar na metade da década de 80 em diante.
Outrossim, era mais do que justificável que se estipulasse o prazo de 20 anos para o atingimento da pretensão pela prescrição.
Entretanto, no alvorecer deste início de Século XXI, já não se justificava mais aquele longínquo prazo, pois a comunicação, como se sabe, é extremamente ágil e, mesmo nos mais distantes grotões do país, encontram-se meios de comunicação eficazes capazes de transmitir as informações aos cidadãos (internet; rádio; televisão, jornais, etc.).
Destarte, tendo em vista o avanço tecnológico e, visando dar maior segurança aos cidadãos, o legislador de 2002 fixou prazo determinado (e menos espaçado) para que o lesado promovesse a defesa do direito ofendido.
Outrossim, determinou-se o seguinte prazo, para as hipóteses de responsabilização civil:
Art. 206. Prescreve:
(...)
§ 3º Em três anos:
(...)
V - a pretensão de reparação civil;
Extrai-se da comparação entre a disposição revogada e a recém-lançada lei, que houve substancial redução do prazo prescricional para as hipóteses de responsabilização civil.
Mas pode se questionar: é válida a redução tão drástica dos prazos prescricionais?
2.4. Da possibilidade de redução dos prazos prescricionais segundo a visão de Clóvis Beviláqua
A dúvida lançada ao final do capítulo anterior é a seguinte: é possível reduzir os prazos prescricionais sem que isto importe em ofensa ao direito dos concidadãos?
Socorremo-nos da importante lição de Clóvis Beviláqua:
"Levantou-se a questão de saber se os prazos da prescrição podiam ser diminuídos. Respondi afirmativamente pelas seguintes razões:
a) O encurtamento do prazo da prescrição não contraria os fins sociais desta. Por isso mesmo não ofende a ordem pública em que se baseia. O fim da prescrição, fundamento racional da sua instituição, é a necessidade de se assegurar a estabilidade do patrimônio, contra infindáveis reclamações. A redução do prazo, longe de contrariar, favorece a finalidade da prescrição, concorre para estabilizarem-se, mais prontamente, as relações jurídicas.
b) Quando se diz que a prescrição é de ordem pública, tem-se em mente significar que foi estabelecida por considerações de ordem social, e não no interêsse exclusivo dos indivíduos. Ela, assim, existe, independentemente da vontade daqueles a quem possa prejudicar ou favorecer. A lei que cria, é rigorosamente obrigatória. Por essa razão, não pode ser renunciada senão depois de consumada, porque, então, já entrou, para o patrimônio do indivíduo, o direito que nela se funda. E todo direito patrimonial é renunciável. Mas a lei, que impede a renúncia da prescrição, o que não quer é que o prazo da prescrição se alongue indefinidamente. Há de ser o que a lei estabeleça. Encurtar, porém, o prazo é diminuir a resistência do direito, a que a prescrição se opõe; é, portanto, robustecê-la, dar-lhe maior energia." [18] (grifo nosso)
Como se extrai do pensamento daquele jurista, é perfeitamente possível a redução, pela nova lei, dos prazos prescricionais.
Esta orientação ressoou na jurisprudência, como pode se extrair de decisão proferida pela mais alta Corte de Justiça do país, o Supremo Tribunal Federal, que se manifestou nos seguintes termos:
"A PRESCRIÇÃO EM CURSO NÃO CRIA DIREITO ADQUIRIDO, PODENDO O SEU PRAZO SER REDUZIDO OU DILATADO POR LEI SUPERVENIENTE, OU SER TRANSFORMADA EM PRAZO DE DECADÊNCIA, QUE É ININTERRUPTÍVEL." (19) (grifo nosso)
Até porque, como já foi afirmado em capítulo anterior, em tempos de constante e vertiginosa automatização, na velocidade com que a informação chega aos eventuais interessados, seria uma temeridade engessar e tolher a liberdade do legislador, suprimindo-lhe a prerrogativa de reduzir os prazos prescricionais, haja vista que tal orientação, em nosso entendimento, inviabilizaria-se por completo, a adaptação das regras jurídicas para a nova era em que vivemos, a era da informação instantânea.
Porém, para que não andemos pela estrada da temeridade, convém ressaltar que esta afirmação não é uma verdade absoluta, pois se ao legislador é dada a faculdade de reduzir o prazo prescricional, isto não se dará a seu bel prazer, pois como por variadas vezes já foi afirmado, a prescrição, antes de tudo, visa estabelecer a segurança jurídica das relações.
Disto se conclui: existem limites para a retroação da lei.
2.5. Dos limites para a retroação da lei
É sabido que a maioria dos ordenamentos impõem barreiras para a retroação da lei. Algumas vezes a proibição decorre da própria Constituição do país e, em outros casos, como em França [20], a vedação decorre de lei infraconstitucional.
No primeiro caso a vedação de dirige para o próprio legislador, a quem caberá não formular leis que possam retroagir no tempo. No segundo caso, a ordem vedatória se dirige, única e exclusivamente, ao julgador, ou seja, ao juiz que apreciará a retroação da lei no caso concreto, podendo, inclusive e se necessário, julgá-la ilegal.
Por outro lado, existem ordenamentos - tal como o nosso - que não proíbem taxativamente à retroação da lei. Entretanto, por outro lado, fazem a importante ressalva de que a lei somente poderá retroagir dês que, não atinja o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
Salutar transcrever o escólio de Silvio Rodrigues com relação ao tema:
"E, finalmente, encontramos sistemas em que se não proíbe diretamente a existência de leis retroativas, mas apenas excluem-se da retroatividade da lei nova algumas espécies de atos. Assim é o atual sistema brasileiro, pois, quer a Constituição, quer a lei ordinária, não consignam proibição de leis retroativas. Apenas excluem da incidência da lei nova o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada." (21)
A advertência quanto à impossibilidade de que a nova lei atinja o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, é encontrada de forma remansosa na doutrina [22], donde, somente a título de amostra, apresentamos o entendimento do professor de Direito, da Faculdade Real de Roma - Roberto de Ruggiero - que explica, com lucidez cristalina, a vedação e seus motivos:
"O princípio sôbre o qual se funda essa doutrina é o de que a proibição geral da retroactividade se deve limitar aos direitos adquiridos, entendendo-se por direitos adquiridos, segundo com maior precisão disse Gabba, todos aquêles direitos que são conseqüência de um facto capaz de os produzir em virtude da lei vigente ao tempo em que êsse facto se verificou, e que entraram imediatamente no património da pessoa, pôsto que a ocasião de os fazer valer sómente se apresente na vigência da nova lei." (23)
Arrematando seu raciocínio:
"Predominando na esfera do direito privado o interêsse dos indivíduos e a sua vontade, o respeito devido à confiança, que o particular tem na lei vigente, exige que a lei nova não tenha acção retroactiva sôbre as relações e efeitos que dela derivam, ainda que elas se produzam na vigência da norma posterior." [24]
No mesmo diapasão, para arrematar, a lição da doutrina brasileira:
"Sob a égide da nova lei, cairiam os efeitos presentes e futuros das situações pretéritas, com exceção do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada, pois a nova norma, salvo situações anormais de prepotência e ditadura, não pode e não deve retroagir atingindo fatos e efeitos já consumados sob o império da antiga lei." [25] (grifo nosso)
Se desume então, da mais seleta doutrina, que existem limites fixos para a retroação da lei, os quais não poderão ser ultrapassados, sob pena de ilegalidade e, o que é pior, manifesta inconstitucionalidade [26].
Destarte, seriam estes os limites impostos pelo legislador brasileiro, para o alcance dos atos originados na legislação anterior, e que, inevitavelmente, gerassem efeitos somente sob a égide da nova lei.
Ultrapassados os conceitos imprescindíveis para o bom estudo da matéria, passemos a análise específica do problema originado quanto à interpretação do artigo 2.028, do CCB/2002.