O surgimento dos Direitos Sociais ocorreu em razão do tratamento desumano sofrido pela classe operária das cidades industrializadas da Europa Ocidental no século XIX, em função do capitalismo industrial e da inércia do Estado Liberal, quando a partir do advento do sistema capitalista este alterou, sobremaneira, os valores culturais, políticos e socioeconômicos. (BARBOSA, 2003).
Na observância da existência de estreita relação entre o modelo político do Estado e a evolução dos Direitos Sociais, compreende-se que no século XVII o Estado seguia fielmente o direito positivo ditado pela burguesia, atuando este direito como um limitador da ação estatal. A função do Estado girava em torno de promover a garantia da liberdade e da propriedade, sob um panorama individualista, atendendo, perante a lei, o dogma da igualdade, significando, com isso, que o Poder Legislativo teria sempre preponderância perante o Executivo e o Judiciário (DELLAGNEZZE, 2014).
Houve uma concentração do operariado nas fábricas e uma formação de uma consciência da classe no que tange aos direitos sociais, especialmente no que se refere à exploração a que os trabalhadores eram submetidos, surgindo daí as primeiras reivindicações trabalhistas pela duração e retribuição do trabalho. (PIOVESAN, 2002). Vale salientar que os empregados trabalhavam muitas vezes por mais de 16 horas por dia, além de haver recebimento de salários insignificantes. A mão de obra de menores e mulheres era a que mais sofria com a exploração em tela, chegando a reduzir à metade os salários dos mesmos, em comparação com o trabalho realizado por homens. (BOBBIO, 2004).
O processo de utilização cada vez mais frequente das máquinas trouxe migração significativa de mão de obra dos demais setores da economia. (PIOVESAN, 2002). A insatisfação generalizada fez com que os trabalhadores se agrupassem cada vez mais, resultando em força na luta por reconhecimento de seus direitos, uma vez que passaram a ter consciência de sua importância dentro da cadeia produtiva. (CORREIA, 2004).
Durante o século em tela, com o surgimento do constitucionalismo, os direitos fundamentais representavam a garantia de respeito e liberdade dos cidadãos pelo Estado, e, estando os direitos atrelados em sua maior parte à atividade laboral, mostrou-se uma crescente preocupação com o bem estar do trabalhador. (MEIRELES, 2008).
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, foi considerada como o marco que passou a representar a principal fonte dos direitos sociais, (ONU, 2009) estabelecendo, segundo Fabio Konder Comparato (2015, p. 72), que “a base desses direitos é o princípio da solidariedade, além do princípio da dignidade da pessoa humana, pois o princípio da solidariedade é indispensável para a proteção das classes e dos grupos sociais hipossuficientes.”
Vale trazer à baila que com a Segunda Guerra Mundial e depois da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, as constituições de inúmeros países passaram a inserir nos seus textos os direitos sociais. No Brasil, o diploma constitucional de 1934, foi a primeira Constituição a instituir um título especifico disciplinando a ordem econômica e social, estabelecendo assim um marco de reconhecimento dos direitos sociais, concebendo-se dessa forma um Estado intervencionista e não mais Liberal como de outrora (MARMELSTEIN, 2008).
Contudo, na década de 1970 entra em crise o Estado Social, com a crise do petróleo e a derrocada do welfare state, especialmente no que tange ao financiamento da saúde e da previdência, base do Estado do bem estar social. (MEIRELES, 2008). O Estado, no welfare state, era o agente regulamentador de toda a vida social, política e econômica do país, atuando em parceria com sindicatos e empresas privadas, garantindo os serviços públicos e proteção à população. (CUNHA Jr, 2013).
Assim, com a perda do domínio sobre a economia e da sua capacidade de implementar políticas públicas, o Estado deixou de ser capaz de garantir os direitos sociais, ao mesmo tempo em que surge a globalização econômica, a qual, por sua vez, impulsionou a flexibilização, proveniente da desregulação do Estado de bem estar social. (TORRES, 2011)
Os direitos sociais, em suma, são aquelas posições jurídicas que credenciam o indivíduo a exigir do Estado uma postura ativa, principalmente no tocante ao Direito do Trabalho e, especificamente, no que tange às questões relacionadas à sua normatização, pois dentre as inúmeras preocupações em que o Estado se viu obrigado a normatizar, quando das relações do trabalho, uma delas diz respeito aos descansos legais que são previstos na legislação trabalhista. (CORREIA, 2004; SARLET, 2006).
Outrossim, a importância do descanso semanal, nas palavras de Arnaldo Süssekind (2012, p. 94), está para com a preocupação em relação à saúde do empregado, onde:
O instituto do repouso semanal reivindicado com o advento da revolução industrial tem fundamentos: biológicos, que visam eliminar a fadiga gerada pelo trabalho; sociais, que possibilitam a prática de atividades recreativas, culturais e físicas, bem como o convívio familiar e social; econômicos, que tem por escopo aumentar o rendimento no trabalho, aprimorar a produção e restringir o desemprego.
A lição de Süssekind traz a importância do repouso semanal. O empregado que trabalha nos dias que deveriam ser dedicados ao repouso na semana, para ser compensado em outro dia, ou para receber adicional de hora extra, não usufrui do benefício, pelo contrário, só leva desvantagens. O corpo não descansa o quanto deveria, causando um acúmulo de fadiga que pode (e vai) ter incidência direta na sua saúde física e mental.
Todo trabalhador celetista que labora todos os dias da semana tem direito a um descanso pelo período de vinte e quatro horas consecutivas, o qual deve coincidir, preferencialmente, todo ou em parte com o domingo, conforme estabelece o artigo 67, da CLT que dispõe o seguinte:
Art. 67 - Será assegurado a todo empregado um descanso semanal de 24 (vinte e quatro) horas consecutivas, o qual, salvo motivo de conveniência pública ou necessidade imperiosa do serviço, deverá coincidir com o domingo, no todo ou em parte. (BRASIL, 1943).
O referido artigo está em consonância com o artigo 7º, inciso XV, da CF, que diz: “Repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos” (BRASIL, 1988). Todavia, pode incidir em perda da remuneração do descanso semanal quando da ocorrência de faltas injustificadas do empregado, cabendo ao empregador descontar, além do dia não trabalhado, o valor correspondente ao descanso semanal remunerado. Isto porque o descanso semanal se justifica pela existência prévia de trabalho em dias corridos, sem existência de descanso. À medida em que o empregado falta ao trabalho por um desses dias, considera-se em tese que houve um certo descanso, o que ocasionará abatimento de remuneração com reflexos no dia dedicado ao descanso semanal. (SÜSSEKIND, 2012).
A Lei nº 605/49, artigo 6°, determina que: “Não será devida a remuneração quando, sem motivo justificado, o empregado não tiver trabalhado durante toda a semana anterior, cumprindo integralmente o seu horário de trabalho (BRASIL, 1949)”.
Por exemplo, uma empresa, cujo horário de trabalho seja de oito horas de segunda a sexta feira e quatro horas aos sábados, em caso de falta injustificada do empregado em um dia da semana, será descontado de seu salário o dia não trabalhado e parte da remuneração do descanso semanal, que é o domingo, quando não trabalha, mas recebe como dia normal de serviço. (SÜSSEKIND, 2012).
Saliente-se que nos serviços em que se trabalham aos domingos, nos casos de turnos ininterruptos, será estabelecida uma escala de revezamento, como descreve o Parágrafo Único, do artigo 67, da CLT:
Nos serviços que exijam trabalho aos domingos, com exceção quanto aos elencos teatrais, será estabelecida escala de revezamento, mensalmente organizada e constando de quadro sujeito à fiscalização (BRASIL, 2003).
A escala de revezamento ocorre em empresas que não param suas atividades, trabalham durante as vinte e quatro horas do dia. (FISCHER, 2004). O artigo 7º, inciso XIV, da CF, determina jornada de seis horas para turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva. Com esse tipo de jornada garante-se ao trabalhador que pelo menos uma folga semanal no mês recaia sobre o domingo. Este é, dentre outros, o intuito da norma. (DIEESE, 2013).
Além disso, é obrigatório o respeito aos limites de intervalos entre uma jornada e outra, que é de onze horas, conforme determina o artigo 66, da CLT, onde dispõe que: “entre 2 (duas) jornadas de trabalho, haverá um período mínimo de 11 (onze) horas consecutivo de descanso”. É o chamado intervalo interjornada. (FISCHER, 2004; DIEESE, 2013).
Nas escalas de revezamento, o descanso semanal, como já descrito, é de 24 (vinte e quatro) horas consecutivas e mais 11 (onze) horas de intervalo de uma jornada para outra, somando o total de 35 (trinta e cinco) horas para dar início à jornada depois do descanso semanal. (FISCHER, 2004; DIEESE, 2013).
Com a finalidade de que estes empregados possam usufruir de um descanso na semana, a empresa necessitará que outros cubram o descanso um do outro. Com isso, ora estão trabalhando de manhã, ora à tarde e ora à noite. Este revezamento, então, está ligado à jornada do empregado. E é esta realidade que configura o turno ininterrupto de revezamento. A redução de 8 para 6 horas nestes casos se deve ao fato de o empregado já ter um aparente prejuízo no que tange à imprevisibilidade dos turnos. Em um dia trabalha pela manhã, no seguinte à tarde e posteriormente à noite, por exemplo. Dependerá sempre da escala, o que naturalmente prejudicará o seu relógio biológico, daí a estipulação de 6 horas por turno.
Ademais, ainda no que se refere a descansos, importante mencionar o intervalo intrajornada que garante uma hora de descanso para jornadas de mais de seis horas e, ainda, quinze minutos para jornadas entre quatro e seis horas. A ideia é evitar a fadiga e permitir que o trabalhador recomponha suas forças para a continuidade do labor.
Outro descanso merecido, e de vital importância, são as férias. O trabalhador tem direito a 30 dias de férias por cada ano trabalhado, considerando a jornada constitucionalmente prevista de 8 horas diárias e 44 semanais. Nesse tempo a ideia é dar ao empregado condições tanto de recomposição de forças como de convívio social e com a família, devendo dispor deste tempo como melhor lhe aprouver.
Assim sendo, verifica-se que a jornada de trabalho fixada de acordo com a Lei Maior é a de 8 horas diárias e de 44 horas semanais, podendo vir a ser também de 6 horas por dia para os casos em que os trabalhadores se revezam em grupos em sucessão de turnos ininterruptos. (FISCHER, 2004). O objetivo do legislador ao limitar a jornada de trabalho foi justamente proteger o trabalhador de abusos do empregador no que se refere à sobrejornada reiterada. Esta é visivelmente prejudicial à saúde do obreiro, bem como vai de encontro com outros direitos fundamentais e sociais a exemplo do direito ao lazer, à família e ao convívio social. O estresse, a fadiga, as doenças ocupacionais de ordem psicológica, e muitas vezes física, são geralmente repercussões da ausência de descanso pelo empregado.
Desse modo, a finalidade primeira da CLT no que se refere à limitação de jornada é evitar desmandos do empregador de forma a impedir que se aproveite da mão de obra do trabalhador necessitado (a maioria das pessoas trabalham por questão de necessidade, nem sempre é por prazer). Os dispositivos nela presentes impõem limites ao poder discricionário do patrão, garantindo ao empregado direitos mínimos que refletem em sua saúde e em seu convívio social. O combate a jornadas exaustivas de labor atendem aos princípios da legalidade, dignidade da pessoa humana, bem como também à proteção ao trabalhador, cujo surgimento do Direito do Trabalho se justifica.
Como conclusão é possível entender que com o advento da Constituição Federal de 1988, a nova duração do trabalho foi definida no Inciso XIII do art. 7º, que diz: “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva (BRASIL, 1988)”.
O referido artigo e o fundamento da limitação da jornada de trabalho é um meio de combater a fadiga, o estresse e algumas doenças ocupacionais. O empregador, por meio do contrato de trabalho, é quem controla a jornada de trabalho devendo sempre respeitar as leis trabalhistas. É o empregador quem determina os horários de entrada e saída dos empregados, devendo respeitar os ditames legais (MANFIO, 2009).
Nas palavras de Maurício Godinho Delgado (2015, p. 90), a jornada é a principal obrigação do empregador no contrato de trabalho, pois que:
A jornada mede a principal obrigação do empregado no contrato – o tempo de prestação de trabalho ou, pelo menos, de disponibilidade perante o empregador. [...] É a jornada, portanto, ao mesmo tempo, a medida da principal obrigação obreira (prestação de serviços) e a medida da principal vantagem empresarial (apropriação dos serviços pactuados).
Vale ressaltar que a submissão do empregado a jornadas exaustivas pode ser tipificado como crime de redução de alguém à condição análoga de escravo, conforme prevê o art. 149 da CLT.
Daí pode-se concluir a tamanha importância das previsões legais de limitação de jornada bem como o conjunto de regras que regem o Direito do Trabalho, especialmente porque possuem relação direta com a proteção de Direitos Sociais a que o obreiro faz jus em face da preservação da sua saúde e bem estar.
Como bem se observa, muitos são os danos causados ao trabalhador celetista em razão da sobrejornada reiterada de trabalho. Frise-se que a lei permite, em regra, a realização de até 2 horas extras diárias nos casos de necessidade patronal. No entanto, a constância dessas horas extras (que podem ser pagas ou compensadas) afetam de sobremaneira o empregado que, sendo parte hipossuficiente na relação, acaba se submetendo em prejuízo de direitos sociais conquistados e oportunamente já mencionados.
REFERÊNCIAS
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________. Lei nº 605/49, que dispõe sobre Lei do Repouso Semanal Remunerado. Brasília, 1949.
________. Lei nº 10.803, de 11 de dezembro de 2003. Altera o art. 149 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para estabelecer penas ao crime nele tipificado e indicar as hipóteses em que se configura condição análoga à de escravo. Brasília, 2003.
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