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A natureza jurídica da contribuição de iluminação pública

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Agenda 12/12/2018 às 14:20

2 A NATUREZA JURÍDICA DA CONTRIBUIÇÃO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA

No universo jurídico é bastante frequente a discussão a respeito da natureza jurídica de um instituto, de um conceito, de uma norma, enfim, de algo que é relevante para o Direito. Definir a natureza jurídica de algo implica dizer o que este significa para o Direito, classificando-o num rol ou num patamar anteriormente conceituado e caracterizado pela norma, pela Doutrina ou pela Jurisprudência. 

Quando se especifica a natureza jurídica de um determinado tema estar-se-á afirmando que aquele ente jurídico em discussão possui um conjunto de características que são comuns a outros que pertencem à mesma categoria jurídica, coadunando-se com o conceito anteriormente estabelecido pela norma, Doutrina ou Jurisprudência.

Entretanto, qual a utilidade prática que resulta da definição exata da natureza jurídica de um determinado objeto de estudo? Para responder esta indagação desenvolve-se o seguinte raciocínio: dependendo da seara jurídica na qual se está discutindo um instituto, a natureza jurídica dele assume uma ou outra importância, maior ou menor. Trazendo para nossa disciplina – Direito Tributário – é de extrema relevância identificar, por exemplo, se o tributo é imposto, taxa ou contribuição especial, pois definida a espécie tributária é possível saber os regramentos aos quais se submete o gravame em questão. Conhecendo a sua natureza jurídica pode-se saber qual o seu veículo normativo, a vinculação ou não da sua receita, o seu fato gerador, entre outros.

Inclusive é imprescindível saber se o objeto posto em indagação tem natureza tributária ou se está disciplinado em outro ramo jurídico. A título de exemplo, por óbvio que da disciplina tributária: a contribuição sindical e a contribuição confederativa. Sabendo que a primeira tem natureza jurídica tributária (é contribuição especial, pertencendo à subespécie profissional ou corporativa) o operador do Direito tem a informação de que ela é devida por todos os trabalhadores, é compulsória, deriva de lei, respeita princípios tributários etc.

Já em relação à contribuição confederativa, muito se discutiu se a sua natureza era tributária ou não. Instado a manifestar-se, o STF ratificou que a contribuição confederativa não é tributo. Desta conclusão a respeito da sua natureza jurídica, sabe o operador que ela é uma contribuição voluntária, que só pode ser cobrada dos trabalhadores sindicalizados, que deriva de contrato, que corrobora o princípio da liberdade de associação etc.

Neste raciocínio e por meio do exemplo apresentado, tentou-se demonstrar a importância que reside na definição da natureza jurídica de um determinado objeto de estudo.

No que concerne ao objeto de estudo do presente trabalho - a Contribuição de Iluminação Pública - identificar a sua natureza jurídica já gerou muitas divergências entre os doutrinadores tributaristas. Embora na própria denominação formal do tributo revele-se um indicativo da sua espécie tributária, não são relevantes as formalidades atribuídas pela Lei, conforme é taxativo o Código Tributário Nacional – CTN.

O Supremo Tribunal Federal já foi chamado, em várias oportunidades, a julgar ações cuja matéria era a iluminação pública, fosse o objeto da controvérsia a extinta taxa ou fosse a atual contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública. Na decisão proferida em 2009 pelo STF, no já referido Recurso Extraordinário nº 573.675-SC, a Corte Suprema manifestou-se acerca da natureza jurídica da Contribuição de Iluminação Pública - COSIP, o que será apresentado mais adiante.

Todavia, não é possível classificar o nosso objeto de estudo, sem tratar, pelo menos em síntese, dos outros institutos que estão relacionados a ele, visto que só conhecendo as especificidades dos demais tributos, pode-se tentar fazer, com correção, a pretendida definição da natureza jurídica da COSIP.  

2.1 Breve abordagem acerca das contribuições especiais 

A Constituição Federal de 1988 introduziu no nosso ordenamento tributário 5 (cinco) espécies de tributos. A topografia dos dispositivos constitucionais que preveem os tributos existentes no nosso ordenamento revela a ordem cronológica de como eles foram aparecendo nas nossas Constituições.  No artigo 145 estão previstos os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria. No artigo 148 está disciplinado o empréstimo compulsório e no artigo 149, abaixo transcrito, consta a previsão da instituição das contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas.

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

Essas contribuições do artigo reproduzido acima, a Doutrina convencionou chamar de contribuições especiais ou parafiscais, estando esta última expressão já em desuso pela maior parte dos doutrinadores. As contribuições sociais são de três tipos (subespécies), segundo a nomenclatura empregada pelo STF: contribuições para a seguridade social, contribuições sociais gerais e outras contribuições sociais. As de intervenção no domínio econômico são denominadas CIDE. A terceira subespécie é conhecida como contribuição corporativa, ou seja, aquela que atende a interesse das categorias profissionais ou econômicas.

O traço marcante das contribuições especiais é a finalidade a ser atingida pelo produto da sua arrecadação. Essa finalidade traduz-se na consecução de benefícios para algumas pessoas ou grupos específicos de pessoas. O interesse objetivado com as contribuições especiais é público, mas visa beneficiar determinadas categorias de pessoas, em razão destas integrarem certos grupos profissionais ou econômicos.

Para qualificar uma contribuição especial não é suficiente a referência ao seu fato gerador, sendo mais relevante identificar a atuação estatal que propicia um especial benefício a uma pessoa ou grupo de pessoas.

Nesta linha, Eduardo Sabbag (2012, p. 498), reproduz na sua obra o ensinamento de Hamilton Dias de Souza, para o qual, em se tratando de contribuições, a obrigação tributária só nasce com a ocorrência concomitante do benefício ao contribuinte e do fato descrito na lei.   

Do exposto, já se pode indagar se a contribuição de iluminação pública beneficia grupos específicos de pessoas, sendo a resposta um importante elemento a contribuir na classificação da exação em comento. A resposta será apresentada mais a frente, pela exposição doutrinária.        

2.2 COSIP versus taxa de serviço

Não há como discorrer a respeito da contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública e não tratar do tributo taxa, mais especificamente da taxa de serviço. É indissociável a análise do novo gravame, inserido no nosso ordenamento constitucional pela Emenda 39, de 2002, e o estudo do tributo taxa, não só pelas peculiaridades que envolvem essas duas espécies tributárias, mas também por conta de todo um histórico normativo e jurisprudencial que relaciona as referidas exações.

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A partir dos anos 1980 muitos Municípios brasileiros, na sede arrecadatória e sob o argumento de que não tinham como arcar com os custos da iluminação dos logradouros públicos com as receitas dos impostos gerais, passaram a criar leis instituindo uma taxa para custear o comentado serviço, que ficou conhecida como Taxa de Iluminação Pública.

Todavia, ficou inviável para os municípios cobrarem, por meio de taxa, o custo da prestação do serviço de iluminação pública, visto que o Supremo Tribunal Federal, instado a manifestar-se sobre a constitucionalidade dessa exação, expurgou com veemência as denominadas taxas de iluminação pública do sistema tributário.  Mas o que motivou tal postura da Suprema Corte, com isso acarretando a perda, pelos Municípios, dessa fonte de receita?

Os serviços que são remunerados mediante taxa revestem-se de duas características particulares que não estão presentes no serviço de iluminação pública, a saber: a especificidade e a divisibilidade. Vejamos como dispõe o artigo 145 e seu inciso II da Constituição Federal: 

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;

Portanto, para a exigibilidade do gravame taxa, o serviço prestado ao contribuinte ou posto a sua disposição deve ser específico e divisível. Trata-se, pois, de serviço prestado uti singuli, que são serviços referidos a pessoas determinadas ou determináveis e que podem ser decompostos (quantificados) em unidades autônomas, utilizadas ou usufruídas separadamente pelo usuário do serviço.

Para melhor detalhamento desses conceitos, reproduzimos a seguir a Ementa do Recurso Extraordinário nº 233.332/RJ, ao longo do qual se encontra uma rica e densa fundamentação, citando os ensinamentos de renomados doutrinadores e grandes juristas da seara tributária. Referido RE, de relatoria do Min. Ilmar Galvão, julgado em 1999, declarou inconstitucionais os dispositivos (arts. 176 e 179) da Lei nº 480/83 do Município de Niterói, que tratavam da cobrança da taxa de iluminação pública. Embora tal julgado e a Lei em questão sejam anteriores a Emenda Constitucional 39/2002, merece a nossa referência e análise de algumas de suas passagens, por sua riqueza doutrinária e jurisprudencial na fundamentação do voto do eminente Ministro Carlos Velloso.    

TRIBUTÁRIO. MUNICÍPIO DE NITERÓI. TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. ARTS. 176 E 179 DA LEI MUNICIPAL Nº 480, DE 24.11.83, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 1.244, DE 20.12.93.

Tributo de exação inviável, posto ter por fato gerador serviço inespecífico, não mensurável, indivisível e insuscetível de ser referido a determinado contribuinte, a ser custeado por meio do produto da arrecadação dos impostos gerais.

Recurso não conhecido, com declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos sob epígrafe, que instituíram a taxa no município.

No seu voto o Ministro Carlos Velloso recorre ao Código Tributário Nacional (CTN), o que também faremos, para conceituar serviço específico e serviço divisível. Revestida de um didatismo plausível, a Lei 5.172/66 (CTN) definiu no seu art. 79, incisos II e III, respectivamente: “específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade, ou de necessidades públicas; divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários”.

O Ministro Velloso, citando a doutrina de Roque Antonio Carrazza, deixou assim consignado na fundamentação do seu voto no RE referenciado acima:

Os serviços públicos, segundo a lição de Roque Carrazza, “se dividem em gerais e específicos”. Os serviços públicos gerais, ditos também universais, são os prestados uti universi, isto é, indistintamente a todos os cidadãos. Eles alcançam a comunidade, como um todo considerada, beneficiando número indeterminado (ou pelo menos, indeterminável) de pessoas. É o caso do serviço de iluminação pública, de segurança pública, de diplomacia, de defesa externa do País, etc”. (...) Os serviços públicos específicos, segundo o mesmo autor, “também chamados singulares, são os prestados uti singuli. Referem-se a uma pessoa ou a um número determinado (ou pelo menos determinável) de pessoas. São de utilização individual e mensurável. Gozam, portanto, de divisibilidade, é dizer, da possibilidade de avaliar-se a utilização efetiva ou potencial, individualmente considerada. É o caso dos serviços de telefone, de transporte coletivo, de fornecimento domiciliar de água potável, de gás, de energia elétrica, etc. Estes, sim, podem ser custeados por meio de taxas de serviço ”.

Pois bem, feitas as considerações acima a respeito das taxas de serviço, passemos a discorrer especificamente sobre o objeto do presente trabalho: a contribuição de iluminação pública (CIP ou COSIP).

Considerando o que já foi exposto a respeito de serviços gerais e específicos, concluímos que a iluminação pública pertence à primeira categoria. Sendo um serviço geral, não pode ser remunerado mediante taxa, tendo inclusive o Supremo Tribunal Federal, recentemente (em 11/03/2015), aprovado a Súmula Vinculante nº 41, por conversão da Súmula 670. Assim dispõe a Súmula Vinculante: “O serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa”.

Mas agora impende perquirir acerca dos elementos particulares que caracterizam um tributo e que, em se tratando de contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública – COSIP, os elementos que provocam as grandes discussões e controvérsias são: o fato gerador, o sujeito passivo, a base de cálculo e a alíquota.

Para a exposição dos conceitos abaixo faremos um estudo paralelo com a Lei municipal nº 2722, de 30 de dezembro de 2002, de Juazeiro do Norte, que instituiu a CIP no referido Município. Registre-se que essa Lei foi alterada pela Lei municipal 2776, de 10 de dezembro de 2003 e pela Lei 2980/2005. 

2.3 O fato gerador da COSIP

O fato gerador da exação em estudo é a prestação do serviço de iluminação pública, ou seja, a iluminação de vias e logradouros públicos (ruas, avenidas, praças, parques e outros bens de uso comum). Infere-se que a COSIP é um tributo finalístico, sinalagmático, contraprestacional, pois a sua receita é vinculada ao custeio do serviço que ela remunera. 

Até este momento não aparece controvérsia. Contudo, vejamos como dispõe o art. 2º da Lei 2722/2002, que instituiu a CIP no Município de Juazeiro do Norte: “Art. 2º - É fato gerador da CIP o consumo de energia elétrica por pessoa física ou jurídica, mediante ligação regular de energia elétrica no território do município.” (grifo nosso)

Note-se que o conceito de fato gerador apresentado pela mencionada Lei confundiu a prestação do serviço com o consumo interno, individual (residencial, comercial, etc) e acabou não explicando o que é fato gerador. Assim, quando o dispositivo legal afirma “mediante ligação regular de energia elétrica” está se referindo a ligação da unidade consumidora à rede da concessionária. Técnica e verdadeiramente esse consumo e ligação regular mencionados no artigo não é o fato gerador da CIP. Equivocou-se o legislador municipal. Pretendeu-se fazer uma correlação que não é possível, como será comentado no tópico tratando da alíquota.

2.4 O sujeito passivo da COSIP

Assinala Eduardo Sabbag (2012, p. 542):

É fácil perceber que o serviço de iluminação pública exterioriza, por si só, uma dificuldade na identificação do sujeito passivo, o que, a olhos vistos, cria sérios embaraços à tipologia tributária, provocando um cenário vocacionado à violação dos princípios da legalidade e da isonomia tributárias, além de mácula à razoabilidade e à proporcionalidade na tributação.        

Tarefa difícil conceituar o sujeito passivo da COSIP, vez que é plenamente passível de se incorrer em injustiça, tratamento desigual, agressão aos princípios da isonomia tributária e da capacidade contributiva, pois como essa contribuição visa custear um serviço prestado uti universi, não é fácil (ou até impossível, conforme admitiu o STF, em 2009, na decisão do RE 573.675-SC) identificar quem é o beneficiário do serviço. Há munícipes que são tributados sem usufruir do serviço, ao passo que outros utilizam a referida prestação sem remunerá-la. É o que se depreende da leitura do artigo 3º da Lei Municipal em comento, abaixo transcrito, dada a generalidade conceitual do dispositivo, embora essa abrangência quanto ao sujeito passivo seja inerente à própria natureza do serviço objeto da contribuição em estudo.

Art. 3º - O Sujeito passivo da CIP é o consumidor de energia elétrica residente ou estabelecido no município de Juazeiro do Norte e que esteja cadastrado junto à concessionária distribuidora de energia elétrica titular da concessão no território do município.

Consta da Ementa do Recurso Extraordinário nº 573.675-SC, cuja transcrição será feita na íntegra em outro ponto deste trabalho, que a COSIP abrange um “Universo de contribuintes que não coincide com o de beneficiários do serviço”. (STF, Pleno. RE 573.675-SC, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 25.03.2009, DJe 22.05.2009)

Entretanto, a Corte Suprema concluiu, no julgamento do mesmo RE citado, que não viola o princípio da igualdade tributária a Lei que restringe os contribuintes da CIP aos consumidores de energia elétrica do município.

2.5 A base de cálculo da COSIP

Vejamos como se expressa o art. 4º da Lei 2722/2002 do Juazeiro do Norte:

Art 4° A base de cálculo da CIP será a tarifa de fornecimento de iluminação pública B4b praticada pela concessionária de energia e determinada pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, através de resolução expressa em R$/MWh. (Redação dada pela Lei 2776/2003)

Criar um conceito no dispositivo legal não parece ser tarefa difícil, no caso acima. O que é difícil mesmo é tributar o verdadeiro fato gerador da CIP, pois qual será a sua base de cálculo?

É cristalina a dificuldade em identificar a base de cálculo da CIP, pois como a iluminação pública é um serviço inespecífico e indivisível, prestado uti universi, conforme já explicado em tópicos anteriores deste trabalho, como será então possível saber a quantidade de unidades autônomas do serviço que foi utilizada, separadamente, pelo contribuinte?

Diante deste cenário de difícil solução prática e justa, a CIP acaba adotando como base de cálculo o consumo individual de energia elétrica, qual seja, o consumo interno (da residência, do prédio comercial, do prédio industrial). Não há nenhuma correlação lógica e direta entre a base de cálculo adotada e o benefício oferecido pela iluminação pública. Em outras palavras: calcula-se o valor do gravame levando em consideração o consumo interno da residência ou do estabelecimento do munícipe, porém o serviço objeto da exação é prestado na via pública (na rua, no parque, na praça etc).  Será que o contribuinte se beneficiou do serviço prestado? E qual foi a quantidade do benefício usufruído?

Não parece ser razoável a solução. E nem há perspectiva que seja razoável um dia, se não for pensada outra solução, dada a própria natureza do serviço objeto do tributo em estudo.   

2.6 A alíquota da COSIP

Quanto à alíquota da COSIP surge novamente o problema da falta de correlação entre o consumo de energia elétrica do estabelecimento do contribuinte e o serviço de iluminação pública. O problema surge porque a Lei instituidora do gravame estabelece o valor da alíquota a ser aplicada com base na Classe de Consumidores e na quantidade consumida de Kw/h, o que significa um rateio do custo do serviço entre os consumidores de eletricidade, desta feita discriminado os contribuintes. Vejamos a redação do art. 5º da Lei estudada neste paralelo:

ART. 5º - As alíquotas de Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública – CIP – do Município de Juazeiro do Norte, são diferenciadas de acordo com a Classe de Consumidores e quantidade de consumo medidas em Kw/h., conforme os índices e percentuais constantes do anexo I, parte integrante desta Lei. (Redação dada pela Lei 2980/2005)

Porém, quanto a essa aparente violação da capacidade contributiva, o STF disse que não ocorre: “II - A progressividade da alíquota, que resulta do rateio do custo da iluminação pública entre os consumidores de energia elétrica, não afronta o princípio da capacidade contributiva.” (STF, Pleno. RE 573.675-SC, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 25.03.2009, DJe 22.05.2009).    

2.7 A que espécie tributária pertence a Contribuição de Iluminação Pública?

Finalmente chegamos ao ponto de grande empreendimento do presente trabalho, que cuida de identificar a COSIP enquanto espécie tributária. Informar qual é a natureza jurídica de um gravame significa enquadrá-lo (classificá-lo) em uma das cinco espécies de tributos albergados em nosso ordenamento jurídico. O CTN explica, logo no seu art. 4º, o que é que determina a natureza jurídica de um tributo:

Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: I - a denominação e demais características formais adotadas pela lei; II - a destinação legal do produto da sua arrecadação.

Em 2003, logo nos primeiros meses de vigência da EC 39/2002, Hugo de Brito Machado publicou no seu sítio, na Internet, relevante artigo a respeito da contribuição em tela. (MACHADO, Hugo de Brito. A Contribuição de Iluminação Pública – CIP. 2003. Disponível em <http://www.hugomachado.adv.br> acesso em 18 nov. 2016). 

No referenciado artigo o eminente Professor cearense ensina que os elementos caracterizadores de uma contribuição são: a finalidade constitucional da exação, cuja receita destina-se a custear uma atividade estatal específica referida a uma categoria ou grupo de pessoas; o contribuinte, que é a pessoa que compõe a categoria ou grupo de pessoas ou que dessa contribuição obtém especial proveito. 

Após fazer a análise dos elementos identificadores das contribuições e contrastando esses caracteres com a contribuição de iluminação pública, visualizando as incompatibilidades conceituais existentes entre esta e aquelas, o renomado doutrinador conclui que a COSIP tem natureza jurídica de imposto:

Por esta razão, aliás, o art. 149-A, confirmando a natureza de imposto que realmente tem a “contribuição” destinada ao custeio da iluminação pública, determina a observância não apenas do princípio da legalidade tributária, mas também do princípio da anterioridade ao exercício financeiro. (grifo nosso)

Na mesma esteira é a conclusão de Roque Antonio Carrazza (2010, p. 662):

Fixadas estas premissas, é o caso de indagarmos: que tipo de tributo é a contribuição a que alude o art. 149-A da CF? Segundo estamos convencidos, um imposto, já que tem por materialidade o fato de uma pessoa, física ou jurídica, estar fixada no local (Município ou Distrito Federal) onde é prestado o serviço de iluminação pública. Trata-se, pois, de um tributo não vinculado a uma atuação estatal. 

Diverso é o entendimento de Ives Gandra Martins (2008, p. 239), para quem a COSIP é uma taxa, conforme transcrição abaixo:

Desta forma, a nova contribuição a ser criada pelos Municípios – que, à exaustão repito, não é contribuição, mas é taxa – deverá obedecer rigorosamente os padrões do inciso II do art. 145 da Constituição Federal, já que outros não foram criados pela Emenda n. 39/2002. 

Entretanto, diferente é a classificação que Eduardo Sabbag (2012, p. 543-544) faz para a contribuição em estudo. Embora reconheça que parte da doutrina entende que a CIP é um “imposto travestido de contribuição”, ele aponta as incongruências jurídicas que essa classificação acarretaria e conclui que a contribuição de iluminação pública é uma contribuição sui generis.

Esta também é a definição a que chegou o Supremo Tribunal Federal sobre a natureza jurídica da COSIP, vez que segundo a Corte a COSIP não se confunde com um imposto nem com uma taxa.

A seguir reproduzimos a lição de Eduardo Sabbag (2012, p. 543-544) e do STF, respectivamente:   

Posto isso, diante da classificação a que devemos nesta obra proceder – não sem esforço -, ficamos instados a rotular a COSIP de “tributo”, associando-a à espécie das “contribuições”, como uma contribuição sui generis, sem que se confunda tal contribuição com as três outras, previstas no caput do art. 149 da CF: contribuições sociais, corporativas ou interventivas. (grifos no original)   

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. RE INTERPOSTO CONTRA DECISÃO PROFERIDA EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL. CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA - COSIP. ART. 149-A DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI COMPLEMENTAR 7/2002, DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ, SANTA CATARINA. COBRANÇA REALIZADA NA FATURA DE ENERGIA ELÉTRICA. UNIVERSO DE CONTRIBUINTES QUE NÃO COINCIDE COM O DE BENEFICIÁRIOS DO SERVIÇO. BASE DE CÁLCULO QUE LEVA EM CONSIDERAÇÃO O CUSTO DA ILUMINAÇÃO PÚBLICA E O CONSUMO DE ENERGIA. PROGRESSIVIDADE DA ALÍQUOTA QUE EXPRESSA O RATEIO DAS DESPESAS INCORRIDAS PELO MUNICÍPIO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. INOCORRÊNCIA. EXAÇÃO QUE RESPEITA OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO.

[...]

III - Tributo de caráter sui generis, que não se confunde com um imposto, porque sua receita se destina a finalidade específica, nem com uma taxa, por não exigir a contraprestação individualizada de um serviço ao contribuinte. (STF, Pleno, RE 573.675-SC, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 25.03.2009, DJe 22.05.2009).

Também está consignado na obra de Ricardo Alexandre (2014, p. 51), inclusive trazendo exemplo:

De qualquer forma, em sede doutrinária e jurisprudencial, ainda não há uma definição precisa do enquadramento da citada contribuição no quadro das espécies tributárias existente no Brasil.

Como exemplo da indefinição, a Fundação Carlos Chagas, no concurso para Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado do Piauí, realizado em 2004, considerou correta assertiva afirmando que a contribuição de iluminação pública “é uma contribuição sui generis que pode ser instituída pelos Municípios ou Distrito Federal”. 

É a este entendimento das três últimas referências acima ao qual nos filiamos a respeito da natureza jurídica da COSIP, isto é, admitindo-a como uma contribuição “especial”, totalmente diversa das demais elencadas no caput do artigo 149 da Constituição Federal, ou seja, uma contribuição sui generis mesmo. 

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Cicero Santos. A natureza jurídica da contribuição de iluminação pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5642, 12 dez. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61876. Acesso em: 25 nov. 2024.

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