Foi publicada no Diário Oficial da União do dia 30 de outubro a Medida Provisória nº 805 que, dentre outras questões, alterou a Lei nº 10.887, de 2004, quanto à alíquota de contribuição previdenciária do servidor público efetivo da União.
Pela MP 805, a partir de 1º de fevereiro de 2018, a contribuição previdenciária do servidor efetivo da União, para fins de manutenção do seu regime próprio, passa ser calculada conforme as seguintes alíquotas:
I – 11% sobre a parcela da base de contribuição igual ou inferior ao teto do RGPS;
II – 14% sobre a parcela da base de contribuição que superar o teto do RGPS.
A mesma alíquota de 14% será aplicada à parcela das aposentadorias e pensões que superem o teto do RGPS.
Ainda, vale destacar que a alteração se aplica aos servidores da União não submetidos a regime de previdência complementar.
O aumento na alíquota previdenciária de servidores entra em vigor em 1º de fevereiro de 2018. A mudança requer a chamada "noventena", um intervalo de 90 dias entre a entrada em vigor da medida e sua efetiva cobrança. O governo espera reforçar o caixa em R$ 2,2 bilhões em 2018 com a elevação da alíquota.
A mudança vale para servidores de todos os poderes da União, incluídas autarquias e fundações. Para funcionários públicos que ganham até o teto do INSS (R$ 5.531,31), a alíquota de 11% sobre a remuneração permanece inalterada. Quem ganha mais passa a pagar 14% sobre a parcela do salário que excede o teto.
Em relação aos aposentados, todos aqueles que recebem acima do teto sofrerão incidência da nova alíquota, exceto os que sofrerem de doença incapacitante. Nesse caso, os 14% incidirão apenas sobre os benefícios que superem o dobro do limite estabelecido para os benefícios da previdência social.
O agente público federal não tem direito adquirido a não alteração desse regime jurídico de alíquota. Há para o caso a aplicação de Savigny, não podendo-se falar em aquisição de direito. Trata-se de alteração no regime jurídico previdenciário do servidor público federal. Há uma norma sobre existência de direito.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina que “a expressão regime jurídico administrativo é reservada tão-somente para abranger o conjunto de traços, de conotações que tipificam o Direito Administrativo, colocando a Administração Pública numa posição privilegiada, vertical, na relação jurídico-administrativa. Basicamente pode-se dizer que o regime administrativo resume-se a duas palavras apenas: prerrogativas e sujeições”(Direito Administrativo, 19ª edição, 2006, pág. 64).
Marçal Justen Filho tem a seguinte definição: “o regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho de atividades e de organizações de interesse coletivo, vinculadas direta ou indiretamente à realização dos direitos fundamentais, caracterizado pela ausência de disponibilidade e pela vinculação à satisfação de determinados fins”(Curso de Direito Administrativo, 2005, pág. 48).
Aplica-se o principio da supremacia do interesse público.
Não se pode falar em direito adquirido a regime jurídico. Veja-se, para tanto, dentre diversos julgamentos, o Recurso Extraordinário 653.736 – DF, Relator Ministro Luiz Fux, onde se ratifica que não há falar em direito adquirido a regime jurídico, desde que observada a proteção constitucional à irredutibilidade de vencimentos.
Para Savigny(Traité de droit romain, Paris, tomo VIII, 1851, pág. 363 e seguintes), leis relativas à aquisição e á perda dos direitos eram consideradas as regras concernentes ao vinculo que liga um direito a um indivíduo, ou a transformação de uma instituição de direito abstrata em uma relação de direito concreto.
Por sua vez, as leis relativas à existência, ou modo de existência dos direitos eram definidas por Savigny como aquelas leis que têm por objeto o reconhecimento de uma instituição em geral ou seu reconhecimento sob tal ou tal forma.
Pontes de Miranda(Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969, 1971, volume V, pág. 51), na mesma linha de Reynaldo Porchat(Da retroatividade das leis civis, 1909, pág. 59 e seguintes), assim disse:
¨Partiu ele da afirmação da equivalência das duas fórmulas, a que corresponde ao critério objetivo(as leis novas não têm efeito retroativo) e a que corresponde ao critério subjetivo(as leis novas não devem atingir os direitos adquiridos) e assentar que somente a certas categorias de regras – as relativas a aquisição de direitos, à vida deles, escapam à duas expressões da mesma norma de direito intertemporal. E.g, a lei que decide se a tradição é necessária para a transferência da propriedade, ou se o não é, pertence àquela espécie; bem assim, a que exige às doações entre vivos certas formalidades, ou que as dispensa. De ordinário, na regra de aquisição está implícita a de perda. A não retroatividade é de mister em tais casos, quer as consequências sejam anteriores, quer posteriores ao novo estatuto.¨
A medida provisória, norma jurídica, lei no sentido material, ainda adiou de 2018 para 2019 o reajuste salarial dos servidores.
Não há que falar em direito adquirido por parte do servidor a reajuste de vencimentos em 2018.
Não se trata de dívida de valor, mas de correção monetária, algo diverso. A dívida de valor é conceituada como um direito subjetivo. O direito do respectivo credor de assegurar-se um poder de compra determinado ou uma situação patrimonial certa e imutável, incapaz de ser alterada por flutuações econômicas.
O conceito de correção monetária é diverso do de dívida de valor e de juros de mora. Dívidas de valor são tão somente aquelas indicadas pela lei e cujos contornos, por conseguinte, variam para cada caso em função dos parâmetros respectivos. Trata-se de uma denominação genérica para um elenco assistemático de dívidas que, de tempos em tempos, se manda corrigir no seu valor, como ensinou Arnold Wald(Aplicação da teoria das dívidas de valor às pensões decorrentes de ato ilícito).
Distingue-se a dívida pecuniária e dívida de valor.
A medida provisória, norma jurídica, lei no sentido material, ainda adiou de 2018 para 2019 o reajuste salarial dos servidores.
Não há que falar em direito adquirido por parte do servidor a reajuste de vencimentos em 2018.
Não se trata de dívida alimentar, mas de correção monetária, algo diverso.
O conceito de correção monetária é diverso do de dívida de valor e de juros de mora.
De algum tempo, como se lê de Paulo B. de Araújo Lima (A correção monetária sob a perspectiva jurídica, 1972, pág. 40), na vigência da Emenda Constitucional n. 1/69, já se entendia que o princípio da correção monetária parte da ideia de que nada escapa ao poder político do Estado no ato de manipular o instrumental monetário. No ato de impor o curso forçado do dinheiro, o Estado teria a mais absoluta discrição (ato político), de forma que o Estado poderia ou não corrigir a expressão monetária das relações jurídicas.
Segundo ensinou Arnold Wald (Aplicação da teoria das dívidas de valor), “reconhece-se que ao lado das dívidas em dinheiro, existem outros débitos que não devem ser alcançados pela depreciação monetária, pois a moeda neles não é levada em conta como objeto da dívida, mas como medida de valor. São débitos que visam a assegurar ao credor um quid, ou seja, determinada situação patrimonial e não um quantum, um certo número de unidades monetárias”.
Tulio Ascarelli (Teoria sulla la moneta, páginas 65 e seguintes), depois de repassar o conceito de moeda através dos tempos e de asseverar que, a partir do Código de Napoleão, o princípio nominalista triunfou, até por imposição do capitalismo então florescente, esclarece que, não obstante o princípio geral, existem certas dívidas cujo objeto, excepcionalmente, não é o dinheiro, mas um valor patrimonial. Essas seriam as dívidas de valor em contraposição às pecuniárias.
Há, por outro lado, os juros de mora.
Juro pode ser conceituado como sendo a importância paga por unidade de tempo pelo uso do capital de terceiro. É a remuneração ou rendimento do capital investido. Os juros são ditos compensatórios quando devidos como remuneração pela utilização de capital pertencente a outrem, a exemplo daqueles pagos nas operações de mútuo (ex. empréstimo de dinheiro). Já os juros moratórios decorrem do inadimplemento ou retardamento no cumprimento de determinadas obrigações ou contratos e são calculados a partir da constituição em mora.
É sabido que Carlo Gabba (Teoria della retroattivitá della legge, 3ª edição, volume I, pág. 191) fundamenta o principio da irretroatividade das leis no respeito aos direitos adquiridos. Define-o como sendo todo o direito que é consequência de um fato apto a produzi-lo em virtude da lei do tempo em que foi o fato realizado, embora a ocasião de o fazer valer não se tenha apresentado antes da vigência de uma lei nova sobre o assunto e que, nos termos da lei sob a qual ocorreu o fato de que se originou, entrou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu.
Certamente se o Executivo não vier a conceder reajustes a matéria poderá ser objeto de discussão no Poder Judiciário.
A propósito, a Súmula 339 do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que “Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia”.
Esse entendimento foi reafirmado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 592.317, em tema de repercussão geral.
A fixação de vencimentos, e seu aumento, competem ao Poder Legislativo que examina a proposta de reajuste apresentada pelo Poder Executivo (RTJ 54/384). Entende-se que, ao Judiciário, somente cabe examinar a lesão ao princípio constitucional da igualdade. Não cabe o exame da justa ou injusta situação do servidor, que deveria estar no nível mais alto
A par disso, a teor do artigo 37, X, da Constituição Federal, “a revisão geral da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data.
Por revisão geral deve-se entender aquele aumento que é concedido em razão da perda do poder aquisitivo da moeda. Tal não visa a corrigir situações de injustiça ou de necessidade de revalorização profissional de determinadas carreiras mercê das alterações ocorridas no próprio mercado de trabalho, nem objetiva contraprestar pecuniariamente níveis superiores de responsabilidades advindas de reestruturações ou reclassificações funcionais.
Eventual procedimento por parte do Poder Judiciário fere os ditames do princípio da separação de poderes e da reserva legal, reserva de parlamento, na matéria.
Sendo assim o servidor público tem garantido o reajuste anual pelo artigo 37, X, da Constituição Federal que consagra apenas a irredutibilidade nominal dos salários, sendo inadmissível a interferência do Poder Judiciário na matéria.
A norma constitucional prevista no artigo 37, inciso XV, da Constituição autoriza somente a irredutibilidade nominal dos vencimentos e não a irredutibilidade real, ou seja, a manutenção do poder aquisitivo de compra.
Some-se a isso que a norma constitucional referenciada não tem aplicação imediata, pois depende de edição de lei posterior emanada do Poder Executivo, para que seja possível alterar-se os vencimentos de seus servidores.
Aliás, no julgamento dos RE 94.011, 96.458, 100.007 e 101.183, restou estabelecido que a decadência do poder aquisitivo da moeda não gera a revisão automática dos vencimentos. Isso porque o reajuste fica dependente de iniciativa da lei do Poder Executivo, na forma do artigo 57, inciso II, da Constituição.
O Superior Tribunal de Justiça já apreciou a matéria no julgamento do RMS 18.361 – SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, j. 26 de outubro de 2004, DJU de 29 de novembro de 2004, quando se disse:
"1. Não é possível ao Poder Judiciário, a pretexto de sanar omissão do Chefe do Poder Executivo competente, conceder, desde logo, reajuste geral e anual aos servidores públicos; entender de modo diverso estar-se-ia maculando o princípio constitucional da Separação dos Poderes. Cabe tão-somente declarar a mora da aludida Autoridade governamental, não cogitando sequer em fixar prazo para elaboração e envio de projeto de lei visando a correção reclamada, pois, incabível de acordo com o art. 103, § 2o, da CF ,tal como decidido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 2.061-/DF, dentre outras Precedentes desta Corte."
Registro julgamento do Supremo Tribunal Federal, no RE – AgR 522656/PR, Relator Ministro Celso de Mello, j. 26 de junho de 2007, quando se concluiu não ser cabível a indenização por supostas perdas decorrentes de mora do Poder Executivo.
Em verdade, coloca-se na matéria uma discricionariedade administrativa, que é o dever da Administração Pública optar pela solução, razoável, proporcional, dentro dos limites da norma, que mais se compatibilize com o interesse público, ditado pela Constituição dentro de uma hierarquia de valores dominantes para o exercício do ato administrativo.
Assim se o Executivo condiciona o reajuste dos vencimentos à elevação do PIB, isso é matéria de mérito administrativo, dentro dos limites da conveniência e oportunidade, obedecidos parâmetros de proporcionalidade, dentro do limite do razoável.
Entenda-se, pois, que a iniciativa de desencadear o procedimento legislativo para a concessão da revisão geral anual aos servidores públicos é ato discricionário do Chefe do Poder Executivo, não cabendo ao Judiciário suprir tal omissão.
Reynaldo Porchat(obra citada, pág. 11 e seguintes) lembra definições: direito adquirido é o que entrou em nosso domínio e não pode ser retirado por aquele de quem o adquirimos.
Para Bergman, citado por Reynaldo Porchat, é o direito adquirido de modo irrevogável, segundo a lei do tempo, em virtude de fatos concretos.
É certo que Paulo de Lacerda(Manual do Código Civil Brasileiro, vol. I, 1ª parte, pág. 115 a 214) obtemperou, ao aduzir que na definição de Gabba se encontra apenas defeito de redação uma vez que segundo ele, o patrimônio individual, mencionado na definição geral de direito adquirido, não há razão para ser entendido unicamente em sentido econômico, sendo a condição jurídica do indivíduo composta não só de direitos econômicos, mas de atributos e qualidades úteis pessoais de estado e de capacidade.
Na lição de Limongi França(A irretroatividade das leis e o direito adquirido, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1982, pág. 204), o direito adquirido é a consequência de uma lei, por via direta ou por intermédio de fato idôneo; consequência que, tendo passado a integrar o patrimônio material ou moral do sujeito, não se fez valer antes da vigência da lei nova sobre o mesmo objeto.
A matéria é de discricionariedade administrativa não havendo que falar em dívidas de valor.
A União Federal poderá ajuizar com relação as liminares que venham a ser concedidas, o remédio da suspensão da liminar, alegando grave risco à saúde das finanças, e, no mérito, por envolver decisão antecipada de mérito, de caráter urgente, agravo de instrumento, em face de um grave risco de dano irreparável.