Com o advento do novo caderno processual, a figura da averbação premonitória, que estava expressa no revogado artigo 615-A do CPC/73, foi mantida em seu novo texto, agora, entretanto, encontrada no artigo 828, caput. Não obstante sua manutenção, houve singelas mudanças.
Quando da criação pelo legislador de referida figura, implementando-a no CPC/73, através da Lei 11.382/2006, ficou evidente sua intenção de criar mecanismos que, ao menos, aumentassem a chance da tutela executiva satisfativa por parte do credor. Pois bem, sabemos que, até os dias hodiernos, a recuperação de crédito é uma tarefa ardil, senão impossível, principalmente ante os inúmeros incidentes processuais previstos na legislação que dão vanguarda para os devedores se esquivarem até o último minuto de suas obrigações, sem falar, ainda, na figura do terceiro de boa-fé, que, infelizmente, também vem sendo um vilão para o sucesso das execuções. Assim, a denominada averbação premonitória tem o objetivo de aumentar a probabilidade de chances da entrega do bem da vida (pecúnia, bens etc.) por parte do devedor ao credor, bem como facilitar o reconhecimento de fraude à execução.
Em síntese, averbação premonitória permite ao credor, sem necessidade de decisão judicial e mediante simples requerimento perante o cartório do qual sua ação está em trâmite, obter uma certidão da qual conste que a execução proposta pelo mesmo foi admitida pelo juiz da causa, possibilitando, assim, sua averbação junto aos órgãos de registros de bens do executado (v.g CRI, DETRAN), evitando que um terceiro adquirente alegue seu desconhecimento, tornando, consequentemente, o negócio ineficaz perante o credor (art. 792, §1° CPC/15), o que lhe autoriza o direito de sequela, perseguindo o bem onde e com quem quer que esteja, pois, neste caso, conforme a súmula 375 do STJ, primeira parte, bem como o artigo 792, inc. II, do CPC/15, considerar-se-á fraude à execução.
Como dito alhures, a matéria era contemplada no CPC/73, entretanto, naquele, bastava a simples distribuição da ação para ser autorizado ao credor obter referida certidão para fins de averbação, sendo esta requerida junto ao cartório do distribuidor. Atualmente, com a vigência do novo CPC não basta somente a distribuição, e, sim, a admissão pelo juiz da respectiva execução, conforme norma contida no artigo 828, caput, verbis:
“Art. 828. O exequente poderá obter certidão de que a execução foi admitida pelo juiz, com identificação das partes e do valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade.” [g.m]
Somente a título de comparação, vejamos o que regia o artigo 615-A do antigo CPC, do qual cuidava deste instituto aqui debatido:
"Art. 615-A. O exequente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto". [g.m]
Verifica-se, diante disso, a primeira e, pode se afirmar, a mais importante mudança referente a figura da averbação premonitória, que é justamente a possibilidade de obter referida certidão desde que haja a admissão pelo juiz da respectiva execução, ou seja, não basta somente a distribuição como assim o CPC/73 determinava.
Entretanto, há neste ponto uma divergência doutrinária. Muitos são aqueles que defendem veementemente que somente é possível a obtenção da certidão quando há a admissão pelo juiz da respectiva execução, conforme instituído no caput do artigo 828 retrotranscrito. Comunga com este entendimento Gilberto Bruschi, vejamos:
“A matéria era contemplada pelo art. 615-A do Código revogado, com a diferença que bastava “o ato da distribuição” a dar ensejo à obtenção da certidão para fins de averbação e, atualmente, somente é possível a averbação dessa certidão após a execução ter sido admitida pelo juiz. (BRUSCHI, Gilberto Gomes in Recuperação de crédito. São Paulo/SP: Ed. RT, 2017, p. 95/96) [g.m]
De igual forma, assim se posiciona SANTOS, verbis:
“Não basta, então, apenas a distribuição da inicial. É necessário que esta tenha sido admitida pelo órgão judicial. Por admissão deve-se entender o pronunciamento judicial que recebe a inicial, determinando seu processamento.” (SANTOS, Evaristo Aragão in Código de Processo Civil anotado. São Paulo/Curítica: AASP/OABPR, 2015, p. 1288 e 1289) [g.m]
Todavia, a segunda parcela da doutrina (minoritária) entende que basta a propositura da ação, independente de distribuição e/ou admissão pelo juiz, para que ao exequente seja facultado requerer a respectiva certidão para fins de averbação, isso porque o artigo 799, inciso IX, do novo caderno processual assim preceitua:
Art. 799. Incumbe ainda ao exequente:
IX - proceder à averbação em registro público do ato de propositura da execução e dos atos de constrição realizados, para conhecimento de terceiros.
E, fazendo uma interpretação sistemática do código, aplicar-se-á, então, o artigo 312, caput, do mesmo caderno: “Considera-se proposta a ação quando a petição inicial for protocolada”. Isto é, basta o protocolo da ação executiva para que ao exequente seja dado o direito de receber a certidão para fins de averbação. RODRIGUES, defendendo esta hipótese, assim prescreve:
“Por intermédio deste dispositivo resta claro que a averbação mencionada acima refere-se à propositura da execução, e, portanto, nos termos do art. 312 do CPC considera-se proposta a ação quando a petição inicial for protocolada. Isso implica dizer que existe um choque de regras entre o art. 799, inc. IX e o art. 828, caput, no tocante ao momento para se obter a certidão premonitória. Em nosso sentir, houve um cochilo do legislador em relação à sistematização do art. 828, caput, com o art. 799, inc. IX, que permite uma interpretação mais larga em prol do exequente, embora tudo leve a crer que a real intenção do legislador tenha sido regular de forma específica o tema no art. 828, caput.” (RODRIGUES, Marcelo Abelha in Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo, 2017, v. 3, p. 624) [g.m]
De mais a mais, a Lei 13.097 de 19 de janeiro de 2015, em seu artigo 54, inc. II, autoriza, de igual forma, a averbação desta certidão junto à matrícula do imóvel a partir do momento em que existe o ajuizamento da ação executiva, vejamos:
Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações:
II - averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, do ajuizamento de ação de execução ou de fase de cumprimento de sentença, procedendo-se nos termos previstos do art. 615-A da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil;
Assim, percebemos que existe um conflito de regras entre o artigo 828, caput, e o artigo 799, inc. IX, ambos do CPC/15, e uma antinomia jurídica entre o artigo 828, caput, e o artigo 54 da Lei 13.097 de 2015.
Por outro lado, algumas regras foram mantidas, por exemplo, a comunicação ao juízo pelo exequente, no prazo máximo de 10 (dez) dias, a contar das averbações efetivadas (art. 828, §1°), sendo que, não o fazendo, o juiz determinará, de ofício, seu cancelamento. Em ato contínuo, formalizada a penhora sobre bens suficientes para cobrir a dívida, deverá o exequente, no mesmo prazo, providenciar o cancelamento das demais averbações quanto aos bens que não foram penhorados, sob pena de, não o fazendo, indenizar a parte contrária (art. 828, §2° c/c §5°). Além desta hipótese, quando o exequente proceder uma averbação manifestamente indevida, deverá, de igual forma, indenizar a parte contrária (art. 828, §5°). Entretanto, tal indenização não é presumida, isto é, in re ipsa, eis que deverá o executado, em autos apartados, demonstrar o ato ilícito, a culpa do exequente, a extensão do dano sofrido e o nexo de causalidade, ou seja, a responsabilidade civil é subjetiva. A doutrina, neste ponto, tem posicionamento uníssono:
“Quanto a indenização, trata-se de perdas e danos que, portanto, carecem de comprovação, sem necessidade de ação autônoma, podendo ser processada em autos apartados”. (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et. al. in Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil – artigo por artigo. Ed. RT, São Paulo, 2016, 2ª ed.)
Ainda:
“Contudo, é preciso demonstrar que esse ilícito causou algum dano ao executado, ou seja, não se trata de dano in re ipsa. Deve o executado demonstrar os danos que suportou resultantes da averbação indevida.” (RODRIGUES, Marcelo Abelha e JORGE, Flávio Cheim in Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo, 2017, v. 3, p. 623 e 624) [g.m]
Por fim, importante ratificar que essas averbações não são uma penhora e não impedem a alienação e/ou oneração do bem pelo executado. Entretanto, como já descrito em linhas volvidas, o bem que contiver a averbação continuará a responder pela dívida, independentemente de onde ou com quem esteja, além, é claro, de proteger o terceiro adquirente de boa-fé, visto que este terá consciência de que, num futuro, poderá perder o bem, ante a aplicabilidade da fraude à execução. SANTOS, com maestria, assim se manifesta sobre este ponto:
“A averbação da existência da execução sobre bens do devedor sujeito a registro é medida que não só gera constrangimento, como também limita muito a disponibilidade desse patrimônio. Embora não impeça a alienação, prática costuma inviabilizá-la. É comum que possíveis interessados sobre o bem percam esse interesse diante da anotação.” (SANTOS, Evaristo Aragão in Código de Processo Civil anotado. São Paulo, 2015, p. 1289).
Enfim, diante destes conflitos existentes e principalmente ante o fato de o CPC/15 ser recente, não havendo, ainda, um posicionamento pacificado tanto da doutrina, como da jurisprudência, é inteiramente aconselhável a qualquer interessado em adquirir um bem que tome todas as medidas possíveis a fim de se precaver, por exemplo, que obtenha certidões emitidas pelo distribuidor no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem, pois, mesmo que em um futuro haja uma alegação de fraude à execução por parte do credor primário, o Juiz não poderá, sem antes intimar o terceiro adquirente, decretar a fraude, e, assim o fazendo, o terceiro terá oportunidade de demonstrar que agiu de boa-fé, o que acarretará, consequentemente, na manutenção do negócio firmado, eis que, a princípio, nosso ordenamento jurídico ainda protege o terceiro de boa-fé, basta ver, por exemplo, a súmula 375 do STJ.