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Do periculum in mora inverso (reverso) à luz do CPC/2015

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3. CONCLUSÕES

A concessão da tutela de acautelamento, em forma de provimento liminar, tanto em mandado de segurança e nas demais ações que a admitem, como na qualidade de antecipação da tutela cautelar, é medida de absoluta excepcionalidade e vinculação à presença de todos os pressupostos indispensáveis; o que inclui, - além dos requisitos tradicionais do periculum in mora e do fumus boni iuris -, a rigorosa observância quanto a não-produção do denominado periculum in mora inverso (além do requisito específico para a concessão de antecipações cautelares em forma de liminar prevista no art. 804 do CPC), sendo certo que a mesma jamais pode ser deferida (ainda que mediante caução) quando ausentes quaisquer dos requisitos apontados, que se encontram expressos ou implícitos na atual legislação constitucional e infraconstitucional em vigor, independente da vontade, imposição de ordem moral, senso de justiça ou qualquer outro condicionante subjetivo que possa estar adstrito ao magistrado no momento de seu julgamento.

Outrossim, resta importante consignar que a apreciação dos pressupostos autorizadores do provimento cautelar é facultas do magistrado, através de sua competência discricionária própria, que permite a livre apreciação de sua própria existência e, a partir daí, a operacionalização de um móvel capaz de  fazer cessar, em caráter imediato, o ato que se supõe lesivo, inclusive ex officio e, portanto, independentemente de qualquer provocação das partes interessadas, não deixando de ter em mente, por outro lado, os objetivos específicos da medida liminar, de natureza cautelar, que não se confundem, no seu conjunto, com a questão meritória central.

Cumpre observar que o requisito genérico da não-produção do periculum in mora inverso (ou reverso), neste sentido, em necessário reforço argumentativo, possui uma dimensão muito mais ampla que necessariamente transcende ao simples requisito, expresso em lei, da suspensão da medida liminar no mandamus, a exemplo de outras disposições normativas dotadas de nítida especificidade que, exatamente por esta razão, somente a qualificam como espécie do gênero maior, o que importa concluir que a própria diversidade das situações não permite uma espécie de “regra geral” que vincule, de forma absoluta, o deferimento da medida liminar à apresentação de uma garantia ou, por outro lado, que a produção de uma contracautela necessariamente obrigue o magistrado à concessão da medida liminar vindicada, uma vez que não necessariamente tal possibilidade afaste, de forma derradeira, o obstáculo deste nóvel requisito negativo à concessão da medida acautelatória, em forma ou não de provimento liminar.


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Notas

[1] O conceito técnico de periculum in mora pode ser traduzido pelo fundado receio da existência de um dano jurídico, de difícil ou impossível reparação, durante o curso da ação cautelar e, por extensão, da ação principal (no caso de ações cautelares típicas ou atípicas) ou durante o curso do mandado de segurança, e de outras ações que admitem o provimento liminar, aferido através do juízo próprio de probabilidade, com comprovada plausibilidade de existência de dano, justificado receio de lesão de direito e/ou existência de direito ameaçado – e nunca no genérico juízo de possibilidade (que, pela extrema amplitude, não permite a imposição do princípio da segurança e do controle mínimo dos acontecimentos).

[2] Fumus Boni Juris pode ser conceituado como a probabilidade plausível (e não mera e genérica possibilidade) de exercício presente ou futuro do direito de ação com provimento de mérito favorável, considerando que pequenas incertezas e eventuais imprecisões, a respeito do direito material do autor (requerente ou impetrante), não devem assumir a força de impedir-lhe o acesso à tutela cautelar.

“A tutela cautelar só é viável se a pretensão deduzida ou a ser deduzida no processo principal caracteriza-se como provável, não bastando que seja razoável e muito menos que seja simplesmente possível” (Aldo Magalhães; JTACivSP 99/267).

[3] Caráter administrativo do provimento liminar

De um modo geral, considera-se que o provimento liminar de conteúdo cautelar possui um inconteste caráter administrativo. De fato, embora caracterizado como providência determinada pelo órgão judicial – provimento com escopo de prevenção –  em muitos casos a medida é concedida independentemente da observância formal do princípio do contraditório. Assim o é tanto no mandado de segurança e nas demais ações que expressamente admitem a liminar, como também, de modo geral, nas medidas cautelares. Diante de certas situações de urgência, e para evitar o perecimento de direitos, a lei autoriza ao juiz a concessão de liminares, sem ouvir a parte contrária. Na concessão dessas medidas inaudita altera pars, ocorre, em grande medida, o que NERY JÚNIOR denomina “limitação imanente à bilateralidade da audiência no processo civil, e que se exterioriza, quando a natureza e finalidade do provimento jurisdicional almejado ensejarem a necessidade de concessão de medida liminar, inaudita altera pars, como é o caso do provimento cautelar, em forma ou não de liminares, em ação possessória, mandado de segurança, ação popular, ação coletiva (art. 81, parágrafo único, CDC) e ação civil pública” (NERY JÚNIOR, 1992, p. 133).

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[4] Liminar como “mera prevenção do direito”

É importante salientar, por oportuno, que alguns autores – aparentemente confundindo o fato da inexistência de efetivo processo cautelar nos provimentos assecuratórios previstos, em forma de liminar, em algumas ações cognitivas (como, por exemplo, o habeas corpus, o mandado de segurança, a ação popular etc.), com a irrefutável natureza jurídica cautelar destes mesmos procedimentos – têm sugerido (confundindo, inclusive, os conceitos de processo e pro­cedimento) a sinérgica inexistência de nítido procedimento de feição cautelar (exte­riorizado por intermédio de medidas liminares) nos writs constitucionais, insinuando, de maneira visivelmente equivocada, que, nestes casos, os respectivos provimentos liminares, expres­samente previstos, se constituem em “meras prevenções do próprio direito”:

“A liminar no mandado de segurança, na ação popular, na declaração de inconstitucionalidade de lei, é mera prevenção do próprio direito, em nada se caracterizando com uma medida cautelar. Servem ao processo em que são proferidas, e não têm sequer procedimento cautelar, inseridas que estão no contexto da própria ação” (Castro Villar, 1988, p. 79).

[5] É importante registrar que o deferimento da medida liminar é sempre excepcional, até porque está umbilicalmente ligado à sinérgica demonstração quanto à efetiva presença de seus requisitos ensejadores, em decisão fundamentada pelo magistrado.

[6] Ônus probatório quanto aos requisitos da medida liminar

Deve ser assinalado – evitando qualquer dúvida a respeito – que o ônus da prova quanto à efetiva presença, no caso concreto, dos requisitos autorizadores da providência cautelar (em forma ou não de liminar) é de exclusiva responsabilidade da parte requerente.

Cabe à mesma, sob este prisma, portanto, a inequívoca e compulsória comprovação de que se encontram sempre presentes, na hipótese trazida à colação, todos os pressupostos que viabilizam o legítimo deferimento da medida pretendida, ou seja, os requisitos positivos (que devem sempre estar presentes): periculum in mora, fumus boni iuris (e relevância do fundamento jurídico do pedido (para quem entende se constituir o mesmo em pressuposto autônomo)) e, no caso particular de antecipação in limine de medida cautelar, a condição especial consubstanciada no art. 804 do CPC e o requisito negativo (que, ao contrário, deve sempre se encontrar ausente): não-produção do denominado periculum in mora inverso ou, em outras palavras, a grave lesão à ordem pública (incluindo, nesta classificação, a lesão à ordem administrativa etc.).

Não comprovado qualquer dos pressupostos permissivos da medida vindicada, deve o julgador proceder ao imediato indeferimento da mesma, considerando, sobretudo, o caráter excepcional que sempre reveste a concessão da segurança cautelar, exteriorizado ou não através da medida liminar. A regra, por efeito conclusivo, deve ser o indeferimento da providência cautelar, notadamente quando houver razoável dúvida quanto à prova (que deve ser relativamente insofismável) de seus requisitos autorizadores.

Esta é exatamente a razão segundo a qual é lícito ao juiz fundamentar sumariamente (“pela ausência de efetiva comprovação dos requisitos autorizados”) o pronunciamento judicial indeferitório da medida liminar, pois doutra forma ocorreria efetiva inversão do ônus probatório, ou seja – em lugar de a parte requerente ter de comprovar a presença de todos os requisitos autorizadores da medida liminar –, restaria ao juiz demonstrar, de forma inequívoca, a ausência de pelo menos um dos pressupostos condicionantes do deferimento da providência cautelar requerida.

[7] Deve ser consignado, por oportuno, que o constante deferimento de medidas liminares, em sinérgica afronta aos mandamentos legais restritivos do emprego do instituto (pressupostos de admissibilidade da proteção cautelar), tem contribuído, sobremaneira, para o desprestígio do Poder Judiciário, conforme amplo e constante noticiário crítico a respeito do tema, com destaque especial no caso da cassação do deputado Sergio Naya:

"Compreende-se que os advogados do deputado Sérgio Naya usem toda sorte de artifício - até desaparecer de sessões da Comissão de Justiça - para impedir ou adiar a cassação de seu mandato.

São recursos de quem tem evidentes dificuldades para discutir a procedência da acusação.

É desalentador, por outro lado, que essa estratégia seja beneficiada pela facilidade com que a Justiça concede liminares. O próprio ministro Ilmar Galvão, do Supremo Tribunal Federal, forneceu a prova de que não existia motivo para a medida que ele mesmo assinara quinta-feira: ouvindo argumentos de parlamentares, não demorou mais de 40 minutos para redigir segunda decisão, cancelando a primeira.

Fica o ministro com o mérito de polidamente reconhecer o seu lapso.

Seria melhor ainda se o episódio tivesse efeito pedagógico. O de convencer juízes e ministros que liminares - capazes de trancar procedimentos judiciais, às vezes por muito tempo, sem que seja discutido o mérito do caso - não podem ser concedidas apenas porque alguém pediu, e com base unicamente nas alegações do interessado."

[8] Periculum in mora

Para alguns, como Castro Villar (CASTRO VILLAR, 1988, p. 128), este perigo da mora não é um perigo genérico de dano jurídico, mas, especificamente, o perigo de dano posterior, derivante do retardamento da medida definitiva, ou, como disse Calamandrei (1945, p. 42), é a impossibilidade prática de acelerar a emanação da providência definitiva que faz surgir o interesse da emanação de uma medida provisória. É a mora desta providência definitiva, considerada em si mesma como possível causa de dano ulterior, que se trata de prevenir com uma medida cautelar, que antecipe provisoriamente os efeitos da providência definitiva.

[9] Dano jurídico de difícil ou impossível reparação

Para a perfeita caracterização do dano jurídico de difícil ou impossível reparação não é suficiente, apenas, a simples prova da eventual existência de um posterior dano jurídico no curso da lide, mas, além deste, a indubitável dificuldade ou mesmo impossibilidade de efetiva reparação se o mesmo vier a ocorrer:

“Sem que ocorrentes os pressupostos de aparência de bom direito e de perigo da demora da prestação jurisdicional, não se defere liminarmente medida cautelar, requerida no curso da lide, quando não evidenciada a irreparabilidade do dano” (ac. unân. da 1a T. do TFR, de 10.6.88, no agr. 56.647-PR, rel. min. Dias Trindade; RTFR 165/83) (grifos nossos).

“São requisitos específicos da tutela cautelar o risco objetivamente apurável, de não ser a ação principal útil ao interesse demonstrado pela parte – dano potencial – em razão do periculum in mora; e a plausibilidade do direito substancial invocado pelo pretendente à segurança, ou fumus boni iuris. Se o juiz, em face da prova, se convence da existência de fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, poderá causar ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação, deve conceder a tutela” (Mello, 1980, p. 91).

[10] Juízo de probabilidade de dano

Lopes da Costa (apud Theodoro Jr., 1976, p. 77) lembra com muita propriedade que “o dano deve ser provável” e “não basta a possibilidade, a eventualidade”. E explica: “possível é tudo, na contingência das cousas criadas, sujeitas à interferência das forças naturais e da vontade dos homens. O possível abrange assim, até mesmo, o que rarissimamente acontece. Dentro dele cabem as mais abstratas e longínquas hipóteses. A probabilidade é o que, de regra, se consegue alcançar na previsão. Já não é um estado de consciência, vago, indeciso, entre afirmar e negar, indiferente. Já caminha na direção da certeza. Já para ela propende, apoiado nas regras da experiência comum ou da experiência técnica”.

[11] Juízo de possibilidade de dano

Não obstante o elogiável esforço da doutrina e da jurisprudência, nos últimos anos, no sentido de precisar a margem de discricionariedade dos julgados para a avaliação da presença ou não do requisito do periculum in mora, através especialmente do esta­belecimento dos conceitos dos diferentes juízos de probabilidade e de possibilidade e, sobretudo, da questão da plausibilidade do fundamento invocado, uma parte extremamente mino­ritária e praticamente isolada, tanto na doutrina como na jurisprudência, ainda insiste na utilização da expressão genérica “possibilidade” para registrar a presença ou não de dano a que alude o periculum in mora.

“No âmbito da cautelar cabe, apenas, ao julgador perquirir da possibilidade do dano grave conseqüente à ineficácia do processo principal periculum in mora e dos indícios de um possível direito fumus boni iuris a ser acautelados. Tais são as condições ou requisitos específicos da tutela cautelar” (ac. unân. da 8a Câm. do TJRJ, de 22.10.85, no agr. 9.476, rel. des. Eugênio Sigaud) (grifos nossos).

[12] Deve ser assinalado, por oportuno, que o motivo determinante (objetivo finalístico) do deferimento da medida liminar em mandado de segurança (a exemplo de outras ações que admitem tal provimento administrativo-cautelar) é, sobretudo, o acautelamento quanto à possibilidade (em verdade, probabilidade-plausível ou simplesmente plausibilidade) de o provimento final (meritório) tornar-se ineficaz ou, em outras palavras, uma garantia cautelar quanto à plena inteireza da sentença, afastando, desta feita, o denominado dano processual de impossível reparação (irreparável) ou, no mínimo, de difícil reparação.

Por efeito - de forma diversa do que pode parecer à primeira vista -, o dano a que alude a legislação vertente para caracterizar o principal requisito de concessão da ordem liminar, necessariamente, concerne ao chamado dano processual, ou seja dano à efetividade do provimento jurisdicional meritório que, a seu tempo, venha a reconhecer o direito autoral. Não se trata, pois, de dano à coisa ou às pessoas (hipótese excepcional presente apenas nas denominadas cautelares administrativas) e nem mesmo de dano necessariamente irreparável, bastando ser de difícil reparação posto que o dano processual de fácil reparação permitiria a plena e adequada correção no momento imediatamente subseqüente à prolação do pronunciamento judicial sentencial.

Por esta sorte de considerações, condenável, como bem adverte HUGO DE BRITO MACHADO (in "A Medida liminar e o Solve et Repete", Correio Brasiliense, 14.5.2001), a decisão do TRF da 5ª R. (AI 25.660-PE, julg. 19.9.2000, Boletim de Jurisp. nº 132/2001, p. 59), que concluiu que "a cobrança de tributos não configura dano irreparável, pois é franqueada ao contribuinte a via da ação de repetição de indébito, o que torna perfeitamente possível o retorno ao status quo ante", considerando que a exigência da lei in casu cinge-se apenas ao dano processual de difícil reparação e igualmente não à ampla possibilidade - e sim à plena e restrita plausibilidade - de completo retorno ao status quo ante, o que, em muitas situações, resta improvável pela via do ajuizamento (posterior) da ação de repetição de indébito ou de qualquer outro processo cognitivo. Portanto, como bem já decidiram o STF (ADln nº 567-DF, reI. min. ILMAR GALVÃO, julg. em 12.9.91, DJ de 4.10.91, p. 13.779; RTJ Gen  138/60) e o próprio TRF da 5ª R. (MS 48.557-PE, julg. em 7.4.95), o dano processual, caracterizador do pressuposto cautelar, é todo aquele cuja reparação não pode ser determinada plenamente (em sua efetiva inteireza) pela própria sentença proferida na sede da ação principal (mandamental ou de outra natureza, conforme o caso), traduzindo a sua  necessária e sinérgica efetividade jurisdicional. 

[13] Fumus boni iuris como elemento de ligação entre o mérito cautelar e o mérito da ação principal

É evidente que não estamos aqui a sustentar que o fundamento da pretensão cautelar seja exatamente o mesmo do fundamento material alegado pela parte. Mas, ao mesmo tempo, negar, por completo, qualquer relação entre os diversos fundamentos de ambas as pretensões (a principal e a cautelar) através do fumus boni iuris (liame subjetivo que incontestavelmente as une), como deseja Liebman (1968, p. 36), amparado na doutrina de Carnelutti – ao defender na providência cautelar a existência de uma “mera ação” à base de simples interesse e não de autêntico direito subjetivo (especialmente no caso das ações cautelares) –, é permitir negar a própria existência do requisito em questão (o fumus boni iuris) nas ações cautelares, como chegou a defender Campos (1974, ps. 128-132): “Se o processo cautelar tem por fim tutelar o processo, o que se acerta no seu decorrer é a existência de ameaça ao direito da parte ao processo, isto é, ao direito de ação, que não se confunde de forma alguma com o direito subjetivo material.”

[14] Equivalência da sentença na ação cautelar à medida liminar nos writs constitucionais

Na verdade, a medida liminar em mandado de segurança, ação popular e ação civil pública é muito mais aproximada, em termos de equivalência à medida cautelar, ínsita na ação cautelar, do que propriamente, como supõem os menos avisados, equivalente à medida liminar prevista no art. 804 do CPC, cuja natureza jurídica é de simples antecipação da própria medida cautelar.

Não obstante a medida liminar, nas ações de rito especial que a prevêem, não estar associada a um processo autônomo – como a medida cautelar na ação com idêntica designação – a exemplo desta última, a medida liminar nos writs também possui um conteúdo meritório próprio e específico (cujo liame subjetivo que o associa com o mérito do pedido principal é exatamente o fumus boni iuris), considerando que muito embora esteja inserida no mesmo processo e, por efeito, na mesma ação, possui, em qualquer hipótese, em seu procedimento peculiar, um relativo e elevado grau de autonomia.

[15] Periculum in mora e fumus boni iuris como condições específicas da ação cautelar

Em sentido contrário, no que tange especificamente às ações cautelares, temos, entretanto, as seguintes opiniões: “as cautelares sujeitam-se às condições comuns a toda ação e subordinam-se a requisitos específicos consubstanciados no fumus boni iuris e no periculum in mora, gerando carência de ação a inexistência destas condições, a serem examinados ao prudente arbítrio do juiz” (ac. unân. da 2a Câm. do TAMG, de 21.12.88, na apel. 42.409, rel. juiz Garcia Leão; RJTAMG 34 e 37/340; Adcoas, 1989, no 125.490) (grifos nossos).

[16] Fumus boni iuris como condição específica e particular da ação cautelar

Digna de menção, entretanto, é a posição de Campos (defendida em parte por Theodoro Júnior) e assente com Castro Villar, para quem, “ao acertar o fumus boni iuris, o juiz acerta apenas a probabilidade e verossimilhança do pedido cautelar e não do pedido de fundo” (Castro Villar, 1971, p. 61).

Em suma, o requisito da ação cautelar, tradicionalmente apontado como o fumus boni iuris, deve, na verdade, corresponder não propriamente à probabilidade de existência do direito material – pois qualquer exame a respeito só é próprio da ação principal –, mas sim à verificação efetiva de que, realmente, a parte dispõe do direito de ação, direto ao processo principal a ser tutelado (Campos, 1974, p. 132).

É importante mencionar, a propósito, que, para estes autores, o fumus boni iuris é mera condição específica da ação cautelar, não se constituindo em mérito da mesma, o que nos remete a uma curiosa conclusão: a ação cautelar, embora possua pressupostos processuais e condições genéricas e específicas, não possui qualquer conteúdo meritório e, portanto, talvez nem “ação possa ser considerada”.

[17] É importante ressaltar que no regime de vigência da Lei n° 191, de 1936, a liminar era concedida tão-somente mediante iniciativa do impetrante (arts. 8º, 9º), considerando-se decisão ultra petita aquela que ordenasse a suspensão do ato, sem aquela solicitação da parte. O Código de Processo Civil de 1939, é interessante notar, prestigiava esse modo de considerar as coisas, ao preceituar que "o juiz não pode pronunciar-se sobre o que não constitua objeto do pedido".

[18] O exemplo do mandado de segurança se aplica, por perfeita analogia, aos demais casos de ação popular, ação civil pública e ação cautelar, esta última, inclusive, por específica disposição legal do CPC, interpretada por extensão quanto ao seu alcance.

[19] Concessão ex officio da tutela cautelar em forma ou não de medida liminar pelo juiz

Esta posição doutrinária, flagrantemente majoritária, segundo a qual a tutela cautelar, em forma de medida liminar ou não, pode ser concedida ex officio pelo magistrado, independentemente de provocação pelas partes, é importante lembrar, já foi por nós exaustivamente abordada no capítulo específico que trata do Poder Cautelar Geral e Genérico.

[20] Fundamento jurídico do pedido e fundamento relevante

Beznos (1982, vol. 31) traça um interessante paralelo entre o fundamento relevante, como requisito da liminar, e o “fundamento jurídico do pedido”, como um dos requisitos preconizados pelo art. 282 do CPC. O autor afirma que o fundamento jurídico nada mais é que uma relação de adequação lógica entre os fatos descritos e as conseqüências pedidas.

Quanto à relevância que se pode exigir desse fundamento jurídico, Beznos entende que ela consiste apenas na viabilidade aparente (e daí a confusão com o requisito do fumus boni iuris) de que os fatos descritos possam redundar na conseqüência pedida no mandamus. Exigir mais do que isto seria impor um prejulgamento do mérito da segurança, para a outorga ou não da liminar. Arrematando: relevante será o fundamento possível dentro do ordenamento jurídico, capaz de levar à conclusão pedida pelo impetrante.

Por fim, alerta o ilustre articulista que, presente essa relação de adequação entre os fatos narrados e a providência pedida, deve o juiz atentar muito mais para o  periculum in mora sob pena de, em muitas circunstâncias, aniquilar o direito constitucional de defesa pelo writ.

[21] Escolha na imposição do gravame à parte pelo julgador

O próprio princípio da imparcialidade do julgador jamais poderia licitamente permitir a "escolha" consciente da imposição de qualquer gravame a uma das partes, até porque este não é o verdadeiro objetivo do processo cautelar autônomo ou do procedimento cautelar em forma de liminar que visa exatamente a encerrar a eventual situação de risco, garantindo a certeza da decisão final e,por consequência, a efetividade da sentença.

[22] Condições fundamentais  para a ampla aceitação do Judiciário pela sociedade

LUHMAN (apud FALCÃO, 1992, p.7) aponta três condições fundamentais para o Poder Judiciário ser aceito pela sociedade: a) produzir decisões (sentenças); b) implementar decisões; e c) solucionar ou minorar, de forma real, o conflito aparentemente resolvido na sentença.

Embora a primeira condição pareça óbvia porque todos, aparentemente, vão ao Judiciário para buscar uma decisão (na realidade fática), esta condição preliminar não só não é óbvia, como ainda é de difícil operacionalização porquanto (talvez, até na maioria dos casos) os jurisdicionados não buscam no Poder Judiciário propriamente uma decisão e, sim, buscam, na maioria dos casos, evitar esta mesma decisão.

O aparente paradoxo, no entanto, é resolvido pela simples observação da prática judiciária do dia-a-dia. Por exemplo, quantas pessoas, de fato, preferem recorrer à Justiça, através de medidas cautelares (com previsão liminar), para, através, de pseudogarantias de fiança bancária, deixar, - ou pelo menos adiar sine die - de recolher importante volume de tributos ao fisco, sob os mais diversos argumentos que mais tarde - ou mesmo concomitantemente em processo equivalentes - são julgados improcedentes ou, na verdade, não possuíam qualquer chance real de êxito? Quanto inquilinos, segundo o próprio exemplo de FALCÃO (ob. cit.), preferem recorrer ao Judiciário a pagar o aumento do aluguel contratado, apostando num eventual acordo com o proprietário premido pela lentidão de uma solução final (ou de uma eventual anistia fiscal, no primeiro caso)?

Portanto, nem mesmo podemos afirmar que a primeira condição para o Judiciário ser aceito pela sociedade encontra-se, de forma plena e absoluta, satisfeita.

[23] Ordem pública

Interpretando construtivamente e com largueza a ordem pública, o então presidente do TFR e posteriormente ministro do STF, JOSÉ NERI DA SILVEIRA, explicitou que "Nesse conceito se compreende a ordem administrativa em geral, ou seja, a normal execução do serviço público, o regular andamento das obras públicas, o devido exercício das funções da administração pelas autoridades constituídas " (TFR, Suspensão de Segurança nº 4.405 - SP, DJU de 7.12.79, p. 9.221).

[24] Muitas vezes têm sido confundidos os diferentes conceitos da verossimilhança da alegação (típico requisito autorizador para a concessão de tutela antecipatória) com o tradicional fumus boni iuris (relativo ao pressuposto para o deferimento de tutela cautelar). Se é certo que ambos os institutos processuais guardam suas indiscutíveis semelhanças, é igualmente correto afirmar que não são idênticos por outro prisma, não obstante algumas vozes discordantes neste particular.

“Verossimilhança nada mais é do que o velho e conhecido requisito do fumus boni iuris” (Adriano Perácio).

Na verdade – através de uma arriscada simplificação –, seria razoável concluir que a verossimilhança da alegação (na qualidade de inconteste juízo de convencimento a ser procedido sobre o quadro fático apresentado pela parte) nada mais é do que um fumus boni iuris ampliado que melhor se traduz pela “semelhança ou aparência de verdade” do que propriamente pelo restrito conceito de “fumaça do bom direito”.

Essencialmente, trata-se de conceito menos abrangente do que o juízo amplo de possibilidade (veja a propósito maiores detalhes em nossa obra Aspectos Fundamentais das Medidas Liminares em Mandado de Segurança, Ação Cautelar, Tutela Antecipada e Tutela Específica. 5. ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002), porém mais elástico do que o juízo próprio de probabilidade plausível, inerente ao requisito cautelar do fumus boni iuris.

[25] Segundo lições de DINAMARCO (1995, p. 176-177), “as medidas inerentes à tutela antecipada, como já tivemos a oportunidade de consignar têm nítido e deliberado caráter satisfativo, sendo impertinentes quanto a elas as restrições que se fazem à satisfatividade em matéria cautelar. Elas incidem sobre o próprio direito e não consistem em meios colaterais de ampará-los, como se dá com as cautelares.

Nem por isso o exercício dos direitos antes do seu seguro reconhecimento em sentença deve ser liberado a ponto de criar situações danosas ao adversário, cuja razão na causa ainda não ficou descartada. É difícil conciliar o caráter satisfativo da antecipação e a norma que a condiciona à reversibilidade dos efeitos do ato concessivo (art. 273, § 2º). (Fala a lei em 'irreversibilidade do provimento antecipado', mas não é da irreversibilidade do provimento que se cogita. A superveniência da sentença final, ou eventual reconsideração pelo juiz, ou o julgamento de algum agravo, podem reverter o provimento, mas nem sempre eliminarão do mundo dos fatos e das relações entre as pessoas os efeitos já produzidos).

Some-se ainda a necessidade de preservar os efeitos da sentença que virá a final, a qual ficará prejudicada quando não for possível restabelecer a situação primitiva.

Uma cautela contra a irreversibilidade reside na aplicação de regras inerentes à execução provisória das sentenças. O § 3º do art. 273 manda aplicá-las para impedir a alienação de bens do réu e para condicionar à prévia caução idônea o levantamento de dinheiro. Dita a reversão à situação anterior em caso de desfazimento do título executivo, aplicando-se também essa regra à execução antecipada. Mas, ao remeter-se somente aos incisos II e III do art. 588 do Código de Processo Civil, aquele § 3º exclui a exigência de caução para dar início à execução provisória. De todo o disposto no § 3º resulta, pois, que a execução provisória das decisões antecipatórias com caráter condenatório far-se-á sem prévia caução mas não chegará à expropriação de bens penhorados e, propiciando embora o levantamento de dinheiro, condiciona-o a caução. (Nesses casos, estando assim satisfatoriamente garantida a reversibilidade, inexiste males a temer. A lei deixou de fora qualquer disposição sobre a responsabilidade civil do exeqüente, mas resulta das normas gerais de direito privado que, se prejuízos houver, por eles responderá quem se valeu da tutela antecipada e depois se positivou que não tinha direito).

Cautelas análogas o juiz adotará em relação a qualquer outro direito cujo gozo autorizar por antecipação. Determinando-se a entrega de bem móvel, exigirá caução idônea que assegure a devolução. Se for entregue bem imóvel o risco é menor. O cumprimento das obrigações de não fazer poderá ser exigido desde logo quando a atividade vetada é contínua e assim for puramente pecuniário o possível prejuízo (exige-se caução, se for o caso).

Sendo necessário conciliar o caráter satisfativo da tutela antecipada com o veto a possíveis efeitos irreversíveis da decisão que as concede, cabe ao juiz em cada caso impor as medidas assecuratórias que sejam capazes de resguardar adequadamente a esfera de direitos do réu (cauções, etc.).”

[26] Necessário contraponto ao requisito do Periculum in Mora originário e, portanto, necessariamente adstrito aos efeitos colaterais que o mesmo possa vir a produzir.

[27] Impedimento autônomo que alude à necessária reversibilidade da antecipação dos efeitos jurídicos de natureza meritória (direito  material).

[28] É oportuno registrar o fato de que o condicionamento compulsório da liminar à caução prévia existe no direito alemão (§§ 921 e 936 do ZPO) e no argentino (art. 199 do CPC federal).

[29] É importante frisar que embora o Código de 1939 não cogitasse da caução como contracautela, a jurisprudência, durante sua vigência, passou a exigi-la, principalmente como condição de deferimento liminar da medida inominada da sustação do protesto cambial. Como se lê em acórdão da 5ª Câmara do 1º Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, datado de 16.5.73, “o abuso dos pedidos de sustação, como meio de ganhar tempo para cobrir fundos bancários, insuficientes, prolongando a mora sem sanção, fez com que os magistrados passassem a exigir o depósito prévio da quantia objetivada, como meio de cortar os excessos” (RT, 456/122).

[30] Conforme salienta Lacerda (ob. cit., ps. 345-346), caução constitui meio genérico de garantia. O Código usa a expressão “caução real ou fidejussória”, já empregada pelo Código Civil nos arts. 419 e 729, para abranger as duas espécies destacadas pela doutrina. Como exemplos de caução real, citam-se a hipoteca, o penhor, a anticrese e o depósito de títulos de crédito, equiparável a penhor pelos arts. 789 e segs. do Código Civil, bem como o de outros títulos e valores mercantis. Consideram-se também cauções reais os depósitos judiciais em garantia, feitos em dinheiro ou em outros bens móveis ou imóveis, embora não formalizados em penhor ou hipoteca. As cauções fidejussórias possuem natureza pessoal. Seu exemplo típico é a fiança, mas nelas incluem-se igualmente outros negócios jurídicos de garantia, como a cessão ou promessa de cessão condicional de créditos ou direitos de outra natureza.

Qualquer destas modalidades serve à contracautela, apesar de serem mais comuns e usuais a fiança e o depósito em dinheiro. A jurisprudência tem admitido, também, o depósito de mercadorias e o penhor (RT, 500/112 e 114).

Na caução do art. 804 deparamos com a interessante figura de cautela enxertada em cautela, por exigência de ofício do juiz (art. 797), sem audiência do requerido, de cujo interesse cuida-se. Não se confunde essa medida com as cauções do art. 799 e dos arts. 826 e segs. As primeiras resultam de providência inominada, não prevista em lei material, ao passo que as últimas constituem projeção processual das cauções prescritas ou autorizadas no direito material ou no contrato, como instrumentos de garantia em face de relações principais litigiosas. Por isso, bem andou o congresso de magistrados realizado em agosto de 1974 no Rio de Janeiro, quando concluiu que a caução do art. 804, porque prestada direta e imediatamente por ordem judicial, sem citação do réu, nada tem a ver com o procedimento cautelar de caução tratado pelos arts. 826 a 838.

Sobre o autor
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em Engenharia pela Universidade Santa Úrsula (1991), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), graduação em Administração - Faculdades Integradas Cândido Mendes - Ipanema (1991), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes - Ipanema (1982), graduação em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula (1982), mestrado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (1989) e doutorado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local - MDL do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM, professor conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região -, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, soberania, defesa, CT&I, processo e meio ambiente.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRIEDE, Reis. Do periculum in mora inverso (reverso) à luz do CPC/2015. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5371, 16 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62137. Acesso em: 22 dez. 2024.

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