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O veto à possibilidade de aplicação das medidas protetivas de urgência pela autoridade policial

Agenda 09/11/2018 às 08:00

É lamentável o injustificável veto à proposta que representaria uma substancial ampliação na proteção aos direitos das mulheres neste país onde a violência doméstica atinge patamares alarmantes.

A Lei nº 13.505 de 08 de novembro de 2017 alterou a Lei Maria da Penha (11.340/06), pois apenas acrescentou o art. 10-A que, na prática (vamos ser sinceros), não muda muito daquilo que já vem sendo realizado nos Distritos Policiais. Vejamos: 

“Art. 10-A. É direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar o atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado por servidores - preferencialmente do sexo feminino - previamente capacitados.                

§ 1o A inquirição de mulher em situação de violência doméstica e familiar ou de testemunha de violência doméstica, quando se tratar de crime contra a mulher, obedecerá às seguintes diretrizes:                 

I - salvaguarda da integridade física, psíquica e emocional da depoente, considerada a sua condição peculiar de pessoa em situação de violência doméstica e familiar;            

II - garantia de que, em nenhuma hipótese, a mulher em situação de violência doméstica e familiar, familiares e testemunhas terão contato direto com investigados ou suspeitos e pessoas a eles relacionadas;           

III - não revitimização da depoente, evitando sucessivas inquirições sobre o mesmo fato nos âmbitos criminal, cível e administrativo, bem como questionamentos sobre a vida privada.             

§ 2o  Na inquirição de mulher em situação de violência doméstica e familiar ou de testemunha de delitos de que trata esta Lei, adotar-se-á, preferencialmente, o seguinte procedimento:                  

I - a inquirição será feita em recinto especialmente projetado para esse fim, o qual conterá os equipamentos próprios e adequados à idade da mulher em situação de violência doméstica e familiar ou testemunha e ao tipo e à gravidade da violência sofrida;                  

II - quando for o caso, a inquirição será intermediada por profissional especializado em violência doméstica e familiar designado pela autoridade judiciária ou policial;            

III - o depoimento será registrado em meio eletrônico ou magnético, devendo a degravação e a mídia integrar o inquérito.”                 

A grande chance de mudança e ampliação dos direitos das mulheres em situação de violência doméstica e familiar seria a inclusão do artigo 12-B e seus parágrafos, que foram vetados pelo presidente Michel Temer com o inexplicável apoio do Ministério dos Direitos Humanos e da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres.

Referido dispositivo permitiria às Autoridades Policiais a aplicação provisória de medidas protetivas de urgência a favor das vítimas até deliberação judicial. O texto seria o seguinte:

“Art. 12-B.  Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física e psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar ou de seus dependentes, a autoridade policial, preferencialmente da delegacia de proteção à mulher, poderá aplicar provisoriamente, até deliberação judicial, as medidas protetivas de urgência previstas no inciso III do art. 22 e nos incisos I e II do art. 23 desta Lei, intimando desde logo o agressor.

§ 1o  O juiz deverá ser comunicado no prazo de 24 (vinte e quatro) horas e poderá manter ou rever as medidas protetivas aplicadas, ouvido o Ministério Público no mesmo prazo.

§ 2o  Não sendo suficientes ou adequadas as medidas protetivas previstas no caput, a autoridade policial representará ao juiz pela aplicação de outras medidas protetivas ou pela decretação da prisão do agressor.”

Atualmente, como é sabido, os Delegados de Polícia não podem aplicar as medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha, mas apenas representam aos juízes para que o façam em 48 horas, sendo que, em caso de deferimento, a medida deve ser cumprida pela própria polícia!

As razões do veto indicadas pelo Presidente da República foram as de que os dispositivos, como redigidos, incidem em inconstitucionalidade material, por violação aos artigos 2o e 144, § 4o, da Constituição, ao supostamente invadirem competência afeta ao Poder Judiciário e buscarem estabelecer competência não prevista para as polícias civis.

Contudo, o referido artigo vetado, ao contrário das razões invocadas, não transferia a competência para aplicação das medidas protetivas do Judiciário à Autoridade Policial, considerando que o artigo 12, inciso III, da lei ainda permaneceria em vigor e que a decretação provisória pelo Delegado ainda deveria ser apreciada pelo Judiciário em 24 horas, sendo certo que o juiz poderia manter ou rever as medidas protetivas aplicadas, conforme dispunha o artigo 12-B, §1º. É o que ocorre, por exemplo, na prisão em flagrante, que também é submetida ao crivo judicial após ser decretada pela Autoridade Policial.

Ora, se o Delegado de Polícia pode decretar uma medida cautelar tão gravosa quanto a prisão em flagrante, não é razoável proibi-lo de aplicar medidas cautelares menos gravosas em favor da vítima nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Destarte, não há qualquer inovação em competência não admitida constitucionalmente à Polícia Civil, mas apenas um reconhecimento formal de uma atribuição já admitida pela Lei Maior.

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Não havia, portanto, qualquer inconstitucionalidade no artigo em comento! Tampouco haveria qualquer prejuízo para as mulheres vítimas, tendo em vista que, caso a Autoridade Policial entendesse não ser o caso de aplicação provisória das medidas protetivas de urgência, a representação pela concessão de tais medidas seria encaminhada ao Poder Judiciário para apreciação em 48 horas, como ocorre nos dias de hoje, já que, conforme mencionado acima, o artigo 12, inciso III, da Lei 11.340/06, não foi alterado.  

Parece que se esqueceram de que o primeiro lugar que essas mulheres procuram no momento em que são agredidas é a Delegacia de Polícia (e não o fórum). A Polícia (e não o juiz) é sempre a primeira a ser acionada, uma vez que, apesar da notória escassez de funcionários, a Polícia Civil mantém plantões abertos durante 24 horas nos 7 dias da semana para atender a população, ao contrário do Judiciário.

Ora, a Autoridade Policial é a primeira a ter contato com a vítima e a tomar conhecimento dos fatos. Muitas vezes estas agressões ocorrem na calada da noite, quando não há qualquer órgão do Poder Judiciário em funcionamento. Vale ressaltar que, na grande maioria das ocasiões, os juízes também decidem sem ter qualquer contato direto com a ofendida.

Não seria então o Delegado de Polícia a autoridade pública mais indicada a deferir estas medidas, ao menos cautelarmente? Me parece que a resposta é óbvia. Além disso, de quem é a responsabilidade pela incolumidade da vítima no período entre o requerimento das protetivas e a decisão do juiz, que pode demorar até 48 horas?

Enfim, lamentável o injustificável veto ao aludido dispositivo que representaria uma substancial ampliação na proteção aos direitos das mulheres neste país onde a violência doméstica atinge patamares alarmantes.

Sobre o autor
Eduardo Buoro Ribeiro

Delegado de Polícia Civil do Estado de São Paulo Especialista em Direito Público pela ESMP/SP Ex-Analista Criminal do Ministério Público de São Paulo Ex-Advogado Criminal Graduado pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Eduardo Buoro. O veto à possibilidade de aplicação das medidas protetivas de urgência pela autoridade policial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5609, 9 nov. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62140. Acesso em: 24 nov. 2024.

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