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Pactos nas uniões familiares e a renúncia de herdeiros

Agenda 27/11/2017 às 11:12

Há vários tipos de contratos dispondo sobre a formação ou não de uniões familiares e estuda-se em como esses ajustes poderão influenciar na esfera jurídica de terceiros - os herdeiros desses contratantes.

PACTOS NAS UNIÕES FAMILIARES E A QUESTÃO DA RENÚNCIA DE HERANÇA

MSC JÚLIO CÉSAR BALLERINI SILVA

MAGISTRADO E PROFESSOR – COORDENADOR NACIONAL DA PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL DA ESCOLA SUPERIOR DE DIREITO – ESD PROORDEM

Como é sabido, o moderno direito de família tem se orientado no sentido de que se deve conceder proteção a todos os núcleos familiares reunidos em torno de laços de afetividade (não há necessariamente uma necessidade de vínculos consanguíneos), o que engloba vários tipos de ajustes. Todos esses tipos de uniões, no entanto, podem implicar na necessidade de regulação dos reflexos patrimoniais daí decorrentes.

Quando se opta por uma união familiar matrimonial, a questão se resolve em nível de pacto antenupcial, pelo qual podem ser estabelecidos infinitas combinações de regimes jurídicos (os nubentes não ficam adstritos aos regimes legalmente previstos e disciplinados, mas podem combiná-los e até mesmo criar regras próprias – não obstante o Código Civil atual não mais o preveja, não há óbices, por exemplo, que em comunidades culturalmente ligadas a isso, como se dá com o povo cigano, se adote o regime dotal).

O mesmo se dá, mutatis mutandi, em relação às uniões informais (uniões estáveis e homoafetivas), observando-se, aí, que existe a possibilidade de se estabelecer um contrato de namoro (em que as partes expressamente aduzem não ter interesse em constituir família), ou namoro qualificado (reconhecido pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça como situação em que se estabelece que não há finalidade de se constituir família mesmo se morando sob um mesmo teto) ou, ainda, um contrato de disciplina do patrimônio amealhado em situação de união estável.

Via de regra, e nesse sentido aponta Cristiano Cassetari (Elementos de Direito Civil), no universo das relações jurídicas de direito, existem relações jurídicas patrimoniais e existenciais. Por patrimônio se entende, como preconizava Pontes de Miranda, um conjunto de posições jurídicas ativas e passivas, suscetíveis de avaliação econômica e consequente expressão monetária.

Por relações jurídicas existenciais, devemos compreender tudo aquilo que seja inerente à existência da pessoa enquanto tal (ideia premente por trás dos direitos de personalidade – Adriano de Cupis e Rubens Limongi França que podem, ou não, ter alguns reflexos patrimoniais, observe-se, por exemplo, que o direito de ser reconhecido autor de uma obra – direito à autoria é um direito de personalidade, mas o mesmo tem reflexos patrimoniais, eis que embora não seja válido que eu renuncie à autoria de obra – questão agora relativizada por discussões como a do ghost writer – um editor que o tenha adquirido poderá colher reflexos patrimoniais desse direito com a venda e exploração do livros).

O mesmo se dá, por exemplo, com os direitos de integridade física (que compreendem, dentre vários, o direito a alimentos, estes como reflexos patrimoniais dos outros, como saúde, vida etc).

E isso é ponderado porque, em doutrina e jurisprudência, a ideia preponderante hoje seria a de que os direitos patrimoniais, via de regra, são disponíveis, comportando ajustes, enquanto que os existenciais, via de regra, são de ordem pública (ou seja, não se pode livremente deles dispor, não há prescrição para a sua discussão eis que repousam sob a ideia de que sua disposição seria matéria a ensejar nulidade absoluta e por aí vai).

E isso tem grande relevância na medida em que se analisa a questão da renúncia ao direito de herança em caso de falecimento no curso desses relacionamentos formais ou informais, já que, num primeiro momento, pareceria tentador responder no sentido de que a renúncia antecipada de herança seria possível, eis que versaria sobre direitos patrimoniais, mas há uma série de situações que podem implicar em obstáculos para a formalização de tal renúncia.

Isso porque, de preâmbulo, seria de se apontar no sentido de que existe a regra do artigo 426 CC que proíbe a pacta corvina – ou seja, negócios envolvendo herança de pessoa viva -  observe-se em transcrição literal:

Art. 426 CC. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.

Atente-se para o fato de que o Código Civil resta como enfático no sentido de lançar objeção (matéria de ordem pública) em relação ao objeto de contratação que tenha por objeto disposição acerca de herança de pessoa viva – como a expressão contratação é ampla – isso iria além de ideias como a compra e venda e poderia implicar em situação apta à discussão posterior de eventual disposição nesse sentido, se não houver boa-fé dos envolvidos.

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E a elaboração de um pacto nupcial para vários autores (Silvio Rodrigues, Tereza Ancona Lopes, Giselda Hironaka) tem um viés contratual (Maria Helena Diniz considera casamento como ato solene e não um contrato) o que implicaria na possibilidade de se invocar tal regra como modo de obter anulação de cláusula de renúncia em um pacto antenupcial.

Mais ainda! Existe a impossibilidade de se doar aquilo que o doador não poderia dispor por testamento. É a chamada doação inoficiosa (art. 549 do CC). Nesse sentido:

Art. 549 CC. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.

Ou seja, mais uma causa de nulidade absoluta desponta cristalina e poderia ser invocada, eis que, em sendo o cônjuge, ou o convivente, um herdeiro necessário, somente poderia dispor de direitos patrimoniais (é bem que verdade que o cônjuge ou companheiro supérstite teria expectativa de direitos e não direitos adquiridos enquanto o outro for vivo) se isso não ferisse direitos sucessórios de um filho, por exemplo.

O fato de se cuidar de uma expectativa de direitos, no entanto, pode permitir interpretação analógica – não se cuida de conceito vago, mas de efetiva pseudo-lacuna que comportaria a incidência do disposto no artigo 4º LINDB (e o civilista Fernando Simão aponta que tal norma seria óbice para a negociação de herança de pessoa viva – ou seja, haverá fundamento substancial se os herdeiros quisessem questionar a validade da renúncia).

Sobre o quanto asseverado por Fernando Simão, destaque-se seu artigo na íntegra, disponível em http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/repensando-a-nocao-de-pacto-sucessorio-de-lege-ferenda/17320. O autor lança, inclusive a ideia de que deveríamos nos orientar pelo que já existe no direito português e que permite o que propomos, sugerindo que o Código Civil seja alterado para dele constar o seguinte (um parágrafo no artigo 426 CC de lege ferenda):

Parágrafo único: Por meio de pacto antenupcial, os nubentes podem convencionar que em caso de dissolução do casamento por morte, a partilha se faça por qualquer dos regimes previstos no Código Civil, ainda que distinto daquele convencionado.”.

Isso até poderia ser cogitado como argumento de reserva em eventual ação a respeito do tema, a reforçar a validade do que se busca como princípio geral de direito (transnaticional principles rules), ideia corrente em tempos de globalização econômica e uniformidade legislativa apontada por Luiz Fux em seus Comentários ao Projeto do novo CPC.

Tudo isso sem que se destaque que a norma contida no artigo 166, inciso VII poderia vir a ser invocada, eis que se poderia interpretar a renúncia antecipada como hipótese de fraude à lei imperativa – outra situação de nulidade absoluta – eis que se estaria indo contra a ideia de que o cônjuge ou companheiro seria herdeiro necessário do que viesse a falecer.

Há risco, até mesmo em vida, de, em caso de eventual ruptura, se passar a discutir se não seria o caso de uma situação de doação universal (artigo 548 CC), ou seja, que a futura esposa estaria concordando em doar bens de modo a ficar sem nenhum, o que poderia ser discutido à luz da teoria do patrimônio mínimo (Edson Facchin), enquanto direito fundamental, levando também à ideia de que matéria de ordem pública poderia ter sido violada.

A hipótese é um tanto extremada, mas como pontuo em aula, o mundo é um lugar perigoso para se viver. O risco de acolhimento de teses jurídicas em nome desta ou daquela bandeira ideológica é muito grande no momento em que vivemos em que a ideia de segurança jurídica parece cada vez mais uma diretriz programática do que uma garantia constitucional efetiva.

Observe-se a seguinte decisão do STJ que aplica a ideia de um certo efeito cliquet – vedação de retrocessos sociais e vai contra a possibilidade da renúncia prévia de herança, ao negar ultratividade ao pacto antenupcial que valeria apenas e tão somente para disposições em vida mas não no post mortem (vai daí a preocupação manifesta linhas acima até mesmo com expectativas de direito):

STJ: Recurso especial – Direito das sucessões – Inventário e partilha – Regime de bens – Separação convencional – Pacto antenupcial por escritura pública – Cônjuge sobrevivente – Concorrência na sucessão hereditária com descendentes – Condição de herdeiro – Reconhecimento – Exegese do art. 1.829, I, do CC/02. Avanço no campo sucessório do código civil de 2002 – Princípio da vedação ao retrocesso social – 1. O art. 1.829, I, do Código Civil de 2002 confere ao cônjuge casado sob a égide do regime de separação convencional a condição de herdeiro necessário, que concorre com os descendentes do falecido independentemente do período de duração do casamento, com vistas a garantir-lhe o mínimo necessário para uma sobrevivência digna – 2. O intuito de plena comunhão de vida entre os cônjuges (art. 1.511 do Código Civil) conduziu o legislador a incluir o cônjuge sobrevivente no rol dos herdeiros necessários (art. 1.845), o que reflete irrefutável avanço do Código Civil de 2002 no campo sucessório, à luz do princípio da vedação ao retrocesso social – 3. O pacto antenupcial celebrado no regime de separação convencional somente dispõe acerca da incomunicabilidade de bens e o seu modo de administração no curso do casamento, não produzindo efeitos após a morte por inexistir no ordenamento pátrio previsão de ultratividade do regime patrimonial apta a emprestar eficácia póstuma ao regime matrimonial – 4. O fato gerador no direito sucessório é a morte de um dos cônjuges e não, como cediço no direito de família, a vida em comum – As situações, porquanto distintas, não comportam tratamento homogêneo, à luz do princípio da especificidade, motivo pelo qual a intransmissibilidade patrimonial não se perpetua post mortem – 5. O concurso hereditário na separação convencional impõe-se como norma de ordem pública, sendo nula qualquer convenção em sentido contrário, especialmente porque o referido regime não foi arrolado como exceção à regra da concorrência posta no art. 1.829, I, do Código Civil – 6. O regime da separação convencional de bens escolhido livremente pelos nubentes à luz do princípio da autonomia de vontade (por meio do pacto antenupcial), não se confunde com o regime da separação legal ou obrigatória de bens, que é imposto de forma cogente pela legislação (art. 1.641 do Código Civil), e no qual efetivamente não há concorrência do cônjuge com o descendente – 7. Aplicação da máxima de hermenêutica de que não pode o intérprete restringir onde a lei não excepcionou, sob pena de violação do dogma da separação dos Poderes (art. 2º da Constituição Federal de 1988) – 8. O novo Código Civil, ao ampliar os direitos do cônjuge sobrevivente, assegurou ao casado pela comunhão parcial cota na herança dos bens particulares, ainda que os únicos deixados pelo falecido, direito que pelas mesmas razões deve ser conferido ao casado pela separação convencional, cujo patrimônio é, inexoravelmente, composto somente por acervo particular – 9. Recurso especial não provido – (STJ – REsp nº 1.472.945, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, T3, J. 23/10/2014).

Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência     RECURSO ESPECIAL Nº 1.472.945 – RJ (2013⁄0335003-3)   RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de recurso especial, interposto com fulcro nas alíneas “a” e “c” do artigo 105, inciso III, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro assim ementado: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DAS SUCESSÕES. VIÚVA. SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS. RECONHECIMENTO DA CONDIÇÃO DE HERDEIRA NECESSÁRIA, POR IMPOSIÇÃO DO ART. 1829, I, DO CPC. IMPOSSIBILIDADE DE SE CONSIDERAR A SEPARAÇÃO CONVENCIONAL COMO ESPÉCIE DO GÊNERO SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA , ANTE O FLAGRANTE ANTAGONISMO ENTRE OS TERMOS ‘CONVENÇÃO’ E ‘OBRIGAÇÃO’. NORMA EXCEPCIONAL QUE, PORTANTO, NÃO COMPORTA INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA , SOB PENA DE VIOLAÇÃO À SEGURANÇA JURÍDICA. PRECEDENTE DA 3ª TURMA DO STJ (REsp 992-749⁄MS) QUE, NÃO POSSUI CARÁTER VINCULANTE, TAMPOUCO TEVE O CONDÃO DE PACIFICAR A MATÉRIA ATINENTE À REGULAMENTAÇÃO DA SUCESSÃO PELO CÓDIGO CIVIL DE 2002. CASAMENTO DURADOURO (MAIS DE 25 ANOS), SITUAÇÃO FÁTICA DIAMETRALMENTE OPOSTA ÀQUELA DO JULGAMENTO DO EGRÉGIO STJ, ONDE SE APRECIOU UNIÃO COM DURAÇÃO DE APENAS 10 MESES. RELEVANTE CRÍTICA DOUTRINÁRIA AO PRECEDENTE DA CORTE SUPERIOR , GUARDADA A DEVIDA VÊNIA (CARLOS ROBERTO GONÇALVES – DIREITO CIVIL BRASILEIRO, VOLUME 7). SUCESSÃO LEGÍTIMA QUE, COMO INDICA A PRÓPRIA DENOMINAÇÃO, SEGUE A ORDEM LEGAL . PROTEÇÃO DO NOVO CÓDIGO AO CÔNJUGE, HERDEIRO NECESSÁRIO DA PARTE DO PATRIMÔNIO NÃO ALCANÇADA POR MEAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO, CONFIRMANDO-SE A DECISÃO DERECONHECIMENTO DA VIÚVA COMO HERDEIRA NECESSÁRIA” (e-STJ fls. 195-196 – grifou-se).
Cuida-se, na origem, de agravo de instrumento interposto por Ariana Duarte Pereira, única filha de Paulo Roberto Vilela Pereira, falecido em 28.12.2011 (e-STJ fl. 31), contra decisão proferida pelo Juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Volta Redonda⁄RJ (e-STJ fls. 117-119), nos autos da ação de inventário nº 0001930-30.2012.8.19.0066 que admitiu a viúva Solange Jacob Whehaibe, casada com o autor da herança desde 11.2.1984, sob o regime de separação convencional (e-STJ fl. 32), como sua herdeira necessária, motivo pelo qual a cônjuge supérstite foi nomeada inventariante nos autos principais.
Noticiam os autos que a inventariante ficou casada com o de cujus por 27 (vinte e sete) anos.
A remoção da cônjuge sobrevivente do referido cargo foi pleiteada em sede de agravo de instrumento pela ora recorrente, pedido que não foi provido nos termos da ementa supracitada.
Os embargos de declaração opostos contra o acórdão recorrido foram rejeitados (e-STJ fls. 250-258).
Nas razões do apelo nobre, aduz a recorrente, em síntese, além de dissídio jurisprudencial, que, à luz do art. 1.829, inciso I, do Código Civil, o cônjuge casado no regime de separação convencional de bens não é herdeiro necessário, apontando divergência jurisprudencial com base em acórdão desta Corte, da lavra da Ministra Nancy Andrighi (REsp nº 992.749⁄MS), que teria afastado o cônjuge virago, em casamento pelo regime da separação obrigatória de bens da condição de herdeira necessária. Afirma, ainda, contrariedade ao artigo 535, II, do Código de Processo Civil por não ter havido manifestação sobre os artigos 113, 187, 421, 422, 1.639, 1.687, 1829, I, e 2.039 do Código Civil. E, por fim, pugna para que o recurso não fique retido (art. 542, § 3º, do CPC).
Após as contrarrazões (e-STJ fls. 430-446), o recurso especial foi inadmitido, ascendendo a esta Corte por força de decisão proferida em sede de agravo de instrumento (e-STJ fls. 523-525).
O Ministério Público Federal, instado a se manifestar, deixou de ofertar parecer, já que “a causa versa sobre questão patrimonial (inventário⁄partilha) não havendo cumulação de demandas que envolvam interesse de menor, as partes são capazes e estão devidamente representadas nos autos” (e-STJ fl. 515).
É o relatório. RECURSO ESPECIAL Nº 1.472.945 – RJ (2013⁄0335003-3)     VOTO O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Em regra, o recurso especial originário de decisão interlocutória proferida em inventário não deve ficar retido nos autos, sob pena de o procedimento se encerrar sem que haja, propriamente, decisão final de mérito, razão pela qual merece ser conhecido o presente recurso especial, restando evidenciada a inaplicabilidade do art. 542, § 3º, do Código de Processo Civil ao caso concreto.
No tocante à alegada negativa de prestação jurisdicional, agiu corretamente o Tribunal de origem ao rejeitar os embargos declaratórios, por inexistir omissão, contradição ou obscuridade no acórdão embargado, ficando patente, em verdade, o intuito infringente da irresignação, que objetivava a reforma do julgado por via inadequada.
Ultrapassado o juízo de admissibilidade recursal, porquanto devidamente prequestionada a matéria federal apontada como violada, bem como demonstrado o dissídio jurisprudencial alegado no apelo nobre, passa-se ao exame do mérito.
O recurso não merece prosperar.
Cinge-se a controvérsia a perquirir se o art. 1.829, I, do Código Civil de 2002 confere ao cônjuge casado sob a égide do regime de separação convencional a condição de herdeiro necessário, independentemente do período de duração do casamento. A pretensão primordial do recurso especial é justamente afastar a viúva da condição de herdeira, bem como a sua nomeação ao cargo de inventariante.
O artigo 1.829, I, do Código Civil de 2002, utilizado como fundamento central do recurso especial, versa sobre a concorrência do cônjuge com os descendentes na sucessão hereditária, nos seguintes termos:   “Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente , salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; (…)” (grifou-se).   A qualidade de herdeira necessária ostentada pela viúva restou reconhecida pelo acórdão recorrido à luz da supramencionada legislação e com base na seguinte fundamentação, que merece ser mantida incólume:   “(…) Nos casos de falecimento ab intestato (sem deixar testamento), ante a ausência de disposição final, feita pelo autor da herança, a sucessão se dá pela ordem legítima, ou seja, a vocação hereditária segue as disposições do Código Civil, consoante o art. 1829 e seguintes. Nesse sentido, dispõe o inciso I do art. 1829:  Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte : I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;   Como se vê, o dispositivo legal deixa expresso que, como regra geral na sucessão legítima, o cônjuge sobrevivente concorre com os herdeiros, ressalvados, tão somente, os casos expressamente referidos – casamento pelo regime da comunhão universal, da separação obrigatória ou da comunhão parcial quando o autor da herança não houver deixado bens particulares. Neste caso, a viúva foi casada pelo regime da separação convencional, hipótese que, portanto, não se enquadra entre as exceções da parte final do artigo supracitado . Outrossim, não há que se falar em subsunção da separação convencional como eventual espécie da separação obrigatória, pois os próprios conceitos são antagônicos, ou seja: aquilo que é obrigatório não possui abertura para convenção, pois é uma imposição legal . Ademais, por se tratar de norma excepcional, não se admite a interpretação extensiva de dispositivo que limita direitos sob pena de afronta à segurança jurídica. De fato, como a literalidade do texto legal não afasta a condição de herdeiro do cônjuge sobrevivente, casado pela separação convencional, não pode o intérprete fazê-lo, sob pena de surpresa indevida aos particulares, gerando insegurança às relações civis . Nesse ponto, cumpre afastar a alegação da agravante quanto à suposta pacificação da matéria pelo Egrégio STJ, por ocasião do REsp n° 992.749⁄MS, onde houve a exclusão da viúva em sucessão hereditária, haja vista que se trata de julgamento sem efeito vinculante além das partes do próprio processo . O fato é que, por se tratar de seara sujeita a diversas alterações pelo Código de 2002 em relação ao regime anterior, grande controvérsia surgiu em relação à correta interpretação dos dispositivos pertinentes. Não se pode falar, assim, em pacificação pela ocorrência de precedente único, mesmo advindo da Colenda 3′ Turma, pois, a matéria sequer foi submetida à apreciação da Segunda Seção (que engloba a 3ª e 4ª Turmas), tampouco foi objeto de súmula. Cumpre destacar que a situação fática do presente feito é diametralmente oposta àquela do julgamento pela 3ª turma do Egrégio STJ, onde se apreciou união com duração de apenas 10 (dez) meses, enquanto, no caso presente, o relacionamento conjugal durou mais de 25 (vinte e cinco) anos , como bem apontou o douto Julgador a quo. É digna de nota, ainda, a existência de relevante crítica doutrinária às razões adotadas no julgamento do referido recurso especial, merecendo reprodução o seguinte trecho da lição do eminente professor Carlos Roberto Gonçalves , já citado no próprio corpo do decisum a quo (fls. 114), em comentários ao mesmo aresto (grifei):   ‘Observa-se que se procurou, na hipótese, fazer justiça no caso concreto, mencionando o acórdão de não ter havido longa convivência do casal (cerca de dez meses), bem como a circunstância de que, quando desse segundo casamento, o autor da herança, pessoa idosa, já havia formado todo o seu patrimônio e padecia de doença incapacitante. Por essa razão, acredita-se que tal orientação não servirá de diretriz para a generalidade dos casos.'(Direito Civil Brasileiro, volume 7, pág. 174).   Desse modo, superada a questão acerca do precedente judicial que, consoante exposto, não se mostra aplicável à hipótese, não restam dúvidas quanto à improcedência do presente recurso. Isso porque, tratando-se de sucessão legítima que, como indica a própria denominação, segue a ordem legal, não é dado ao intérprete pretender estender os efeitos do pacto antenupcial para além do término do casamento, inexistindo manifestação de vontade testamentária. Assim, ante a ausência de declaração do autor da herança acerca do eventual destino dos seus bens após a morte, segue-se a regra da sucessão legítima, considerada, ainda, a proteção, conferida pelo Código 2002 ao cônjuge, nos termos da parte inicial do art. 1.829, ostentando a condição de herdeiro necessário do patrimônio não alcançada por meação, como é o caso do casamento com separação convencional. Como se vê, não merece qualquer reforma a decisão a recorrida, que deu correta solução à lide, merecendo integral confirmação. Por todo o exposto, conheço e nego provimento ao presente recurso, mantendo a agravada na condição de herdeira e inventariante do espólio” (e-STJ fls. 199-203 – grifou-se) . Por oportuno, saliento que no precedente invocado pela recorrente, qual seja, o REsp nº 992.749⁄MS, amplamente rechaçado pelo acórdão impugnado, afirmou-se que ” se o casamento foi celebrado pelo regime da separação convencional, significa que o casal escolheu – conjuntamente – a separação do patrimônio. Não há como violentar a vontade do cônjuge – o mais grave – após sua morte, concedendo a herança ao sobrevivente com quem ele nunca quis”, desqualificando a viúva, ora recorrida, como herdeira.
Contudo, não assiste razão à recorrente, já que as hipóteses de exclusão da concorrência, tais como previstas pelo artigo 1.829, I, do Código Civil, evidenciam a indisfarçável intenção do legislador de proteger o cônjuge supérstite. É que o intuito de plena comunhão de vida entre os cônjuges (art. 1.511 do Código Civil) motivou, indubitavelmente, o legislador a incluir o sobrevivente no rol dos herdeiros necessários, o que reflete irrefutável avanço do Código Civil de 2002 no campo sucessório.
Note-se, por oportuno, que a tese relacionada com a condição de herdeira do cônjuge casado sob a égide do regime de separação convencional de bens resta amparada não apenas na letra da lei, mas também no Enunciado nº 270 do Conselho da Justiça Federal, que assim dispõe:   “O art. 1.829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação convencional de bens ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ou participação final nos aquestos, o falecido possuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes”.
Com efeito, importante sublinhar que o pacto antenupcial somente pode dispor sobre a comunicação ou não de bens e o modo de administração do patrimônio no curso do casamento, não podendo invadir, por óbvio, outras searas, dentre as quais destaca-se a do direito sucessório, cujo fato gerador é a morte de um dos cônjuges e não, como cediço, a vida em comum. As situações, por serem distintas, não comportam tratamento homogêneo, à luz do princípio da especificidade.
Logo, não merece acolhida a tese de que o regime de bens seria extensivo após a morte, em uma espécie de ultratividade do regime patrimonial, que teria uma suposta eficácia póstuma. É que a sociedade conjugal, por força expressa do art. 1.571, I, do Código Civil, extingue-se com o falecimento de um dos cônjuges, incidindo, a partir daí, regras próprias, à luz do princípio da especialidade, previstas no Livro V do Código Civil – que abrange o Direito das Sucessões.
Registre-se, por oportuno, que Mário Luiz Delgado, ao analisar o tema, salienta que a afirmação de que “ao atribuir direito sucessório ao cônjuge casado sob o regime da separação convencional de bens, teria o legislador invadido a autonomia privada e abalado um dos pilares do regime de separação, por permitir a comunicação post mortem do patrimônio”, merece ser plenamente rechaçada. E assim é porque
“(…) o cônjuge, mesmo casado sob tal regime, na vigência do Código anterior, já herdava a totalidade da herança, bastando que não houvessem descendentes e ascendentes. Não se trata de comunicação de patrimônio, não se podendo confundir regime de bens com direito sucessório Com a morte extinguiu-se o regime e o que está em discussão é o direito do cônjuge a uma pequena parte da herança, que, como veremos, pode ser bastante reduzida, bastando que o de cujus tivesse vários filhos e houvesse disposto em testamento toda a metade disponível.” (Controvérsias na sucessão do cônjuge e do convivente: uma proposta de harmonização do sistema Autor: Mário Luiz Delgado Revista Autônoma de Direito Privado, Curitiba, nº 4, jul⁄set 2007, pág. 66 – grifou-se)   A propósito, o concurso hereditário, na separação convencional, impõe-se como norma de ordem pública, sendo nula qualquer convenção em sentido contrário, porquanto disposição legal absoluta, à luz do art. 1.655 do Código Civil. Válido lembrar, ainda, que a convenção sobre herança de pessoa viva é também vedada pelo ordenamento jurídico (pacta corvina – art. 426 do Código Civil).
Ressalte-se, aliás, que a opção dos cônjuges pelo regime de separação de bens pode se dar pelos mais diversos motivos, dentre os quais uma maior facilidade na administração do patrimônio de cada um ou prevenir a sua eventual redução em caso de divórcio, não cabendo projetar a ausência de meação na seara sucessória. Não se pode presumir, no entanto, que o pacto antenupcial nesse sentido seja fruto do desejo dos nubentes em perpetuar a intransmissibilidade entre seus patrimônios.
Não obstante a truncada redação do art. 1829, I, ora em estudo, depreende-se que a regra geral é a concorrência sucessória entre o cônjuge sobrevivente e os descendentes do falecido, com vistas a garantir que o primeiro disponha de um mínimo necessário para sua sobrevivência. Tal proteção se estende ao cônjuge casado pela separação convencional (art. 1.687 do Código Civil), excluindo-se somente no caso de separação por imposição legal (art. 1.641 do Código Civil).
O objetivo da regra é garantir o sustento do cônjuge supérstite e, em última análise, a sua própria dignidade, já que, em razão do regime de bens, poderia ficar à mercê de toda sorte e azar em virtude do falecimento de seu cônjuge, fato que por si só é uma tragédia pessoal. A concorrência se justifica justamente por esse motivo, e se coaduna com a finalidade protetiva do cônjuge no campo do direito sucessório, almejada pelo legislador, em histórico avanço, devendo-se observar o princípio da vedação ao retrocesso social (REsp nº 1.329.993⁄RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17⁄12⁄2013, DJe 18⁄3⁄2014).
Não por outro motivo, Francisco Amaral, antes mesmo do advento do novo Código Civil de 2002, já alertava acerca das tendências do direito civil contemporâneo, no que tange à personalização do direito civil, no sentido da crescente importância da vida e da dignidade da pessoa humana, elevadas à categoria de direitos e de princípio fundamental da Constituição (Direito Civil – Introdução. 3ª Edição – Rio de Janeiro: Renovar, 2000, páginas 151-153).
Em verdade, revela manifesta contradição admitir-se que, a despeito de o novo Código ter ampliado os direitos do cônjuge sobrevivente, assegurando ao casado pela comunhão parcial cota na herança dos bens particulares, ainda que fossem os únicos deixados pelo de cujus, e, incomunicáveis na vigência do regime de bens, não teria conferido o mesmo direito ao casado pela separação convencional, cujo patrimônio é inexoravelmente composto somente por acervo particular.
Com efeito, o cônjuge sobrevivente, casado sob a égide do regime de separação convencional, foi inegavelmente, elevado à categoria de herdeiro necessário, como se afere do teor do art. 1.845 do Código Civil de 2002. Por conseguinte passou a concorrer com os descendentes na sucessão legítima, já que o referido regime não foi arrolado como exceção à regra da concorrência posta no art. 1.829, I, do Código Civil. O artigo indicou expressamente quais os regimes de bens não comportariam a concorrência entre o cônjuge sobrevivente e os descendentes do falecido, não havendo referência alguma ao regime da separação convencional de bens. Desse modo, incide a reconhecida  máxima de hermenêutica de que não pode o intérprete restringir onde a lei não excepcionou, sob pena de violação do dogma da separação dos Poderes (art. 2º da Constituição Federal de 1988). Além disso, o regime da separação convencional de bens não se confunde com o regime da separação legal ou obrigatória de bens, o qual está excepcionado no artigo 1.829, I, do Código Civil, porquanto espécies distintas do gênero “separação”. Assim sendo, a separação convencional, escolhida livremente pelos nubentes à luz do princípio da autonomia de vontade (por meio do pacto antenupcial), não se confunde, obviamente, com aquela imposta de forma cogente pela legislação (art. 1.641 do Código Civil). Assim sendo, o cônjuge casado sob o regime da separação obrigatória de bens, seja por razões de ordem pública, seja por razões de proteção aos interessados (maiores de 70 anos), não concorre com os descendentes do de cujus, enquanto o cônjuge sobrevivente casado sob o regime da separação convencional de bens concorre na sucessão legítima com os descendentes do falecido em todo o seu patrimônio, particular por natureza, de modo que se o viúvo não tem meação a resguardá-lo, ficaria desprotegido justamente na viuvez, circunstância que não se coaduna com a ampla proteção que a nova ordem conferiu ao cônjuge sobrevivente.
Não se pode olvidar que a disposição contida no artigo 1.829, inciso I, do Código Civil é fruto do avanço do pensamento jurídico acerca do assunto, há muito reivindicada pela doutrina nacional:
“(…) E nessa ordem de valores parece ter andado bem o legislador quando elevou o cônjuge e o companheiro a sucessores em grau de concorrência com os descendentes e ascendentes do de cujus, em quota-parte dependente da verificação de certos pressupostos que serão devidamente analisados nos tópicos pertinentes. É que, em fazendo com que o cônjuge supérstite concorra na sucessão do morto, premia aquele que esteve a seu lado até o momento de sua morte sem indagar se este contribuiu ou não para a aquisição dos bens postos em sucessão. Mas não deixa também de privilegiar os descendentes do autor da herança, garantindo-lhes meios de iniciar ou dar continuidade a suas vidas. E, na falta destes últimos, não esquece nem nega privilégio aos ascendentes do de cujus, responsáveis, no mais das vezes, pela formação e caráter do descendente falecido. Em assim agindo, o legislador demonstrou sapiência digna de nota e parece ter-se enquadrado entre aqueles que vêem como fundamento do direito sucessório não apenas o direito de propriedade em sua inteireza como também o direito de família, com o intuito de protegê-la, uni-la e perpetuá-la, como parecem ter querido os antigos mestres”. (Hironaka, Giselda Maria Fernandes Novaes, Comentários ao Código Civil, vol. 20, coord. Antônio Junqueira de Azevedo, São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 14 – grifou-se)   Ora, não é possível considerar incluída a separação convencional na expressão separação obrigatória, não havendo sequer falar na aplicação analógica de aspectos restritivos de outros institutos previstos pelo legislador para abarcar fatos da vida e atos jurídicos com particularidades bem definidas, de modo que incabível restringir a interpretação onde o legislador não o fez.
Ademais, seria de todo incoerente assegurar ao cônjuge casado pela comunhão parcial cota na herança de bens particulares, ainda que os únicos deixados pelo de cujus, e não conferir o mesmo direito ao casado pela separação convencional. Afinal, quando se casa pela comunhão parcial, o intuito é justamente evitar a comunicação dos bens adquiridos anteriormente ao casamento. Observa-se, contudo, que, apesar dessa opção dos nubentes, no momento da sucessão, o viúvo terá, à luz da legislação, participação hereditária no acervo particular.
Nessa ordem de ideias, a situação relativa à separação convencional reclama a mesma solução, devendo ser assegurada cota na herança dos bens particulares, ou seja, em todo patrimônio, ao cônjuge sobrevivente.
Outra solução afronta princípio de hermenêutica, segundo o qual deve-se preferir a inteligência dos textos que torne viável o seu objetivo, em vez de reduzi-lo à inutilidade. Por outro lado, “não se presumem, na lei, palavras inúteis”, devendo-se compreendê-las como tendo alguma eficácia, a fim de determinar o sentido lógico da norma (mens legis) e aferir seu real espírito, sua verdadeira essência. Aliás, impõe-se, no caso, uma interpretação sistemática, a partir de todo o complexo sistema jurídico em que o texto interpretando se insere, que não deve ser analisado de forma isolada.
Carlos Maximiliano, de forma segura, quanto ao importante tema, considera que
“(…) as leis positivas são formuladas em termos gerais; fixam regras, consolidam princípios, estabelecem normas, em linguagem clara e precisa, porém ampla, sem descer a minúcias. É tarefa primordial do executor a pesquisa da relação entre o texto abstrato e o caso concreto, entre a norma jurídica e o fato social, isto é, aplicar o Direito. Para o conseguir, faz-se mister um trabalho preliminar: descobrir e fixar o sentido verdadeiro da regra positiva; e, logo depois, o respectivo alcance, a sua extensão. Em resumo, o executor extrai da norma tudo o que na mesma se contém: é o que se chama interpretar, isto é, determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito”. (Hermenêutica e Aplicação do Direito, 20ª Edição – 1951 – Editora Forense – pág. 1 – grifou-se)
Também não se deve ignorar que, em regra, a motivação do casamento é o afeto que une os cônjuges, além do desejo de constituição de um elo familiar comum. Não se nega, aliás, que a morte põe termo à expectativa da construção de uma vida a dois, o que dificilmente pode ser mensurado patrimonialmente. É a comunhão de vida, a proximidade e a afeição que legitimam a sucessão mútua.  Nessa esteira, o próprio Supremo Tribunal Federal temperou a regra da incomunicabilidade de bens no regime da separação obrigatória editando a Súmula nº 377: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.
Segundo Maria Berenice Dias, o afeto é justamente o divisor de águas entre o direito obrigacional e o direito de família, e o desafio dos dias de hoje é achar o toque identificador das estruturas interpessoais que autorize nominá-las como família, como se afere da seguinte lição:
“(…) É o envolvimento emocional que leva a subtrair um relacionamento do âmbito do direito obrigacional cujo núcleo é a vontade  para inseri-lo no direito das famílias, que tem como elemento estruturante o sentimento do amor que funde as almas e confunde patrimônios, gera responsabilidades e comprometimentos mútuos Esse é o divisor entre o direito obrigacional e o familiar: os negócios têm por substrato exclusivamente a vontade, enquanto o traço diferenciador do direito da família é o afeto (…) O novo modelo da família funda-se sobre os pilares da repersonalização, da afetividade, da pluralidade e do eudemonismo , impingindo nova roupagem axiológica ao direito de família. Agora, a tônica reside no indivíduo, e não mais nos bens ou coisas que guarnecem a relação familiar. A família-instituição foi substituída pela família-instrumento , ou seja, ela existe e contribui tanto para o desenvolvimento da personalidade de seus integrantes como para o crescimento e formação da própria sociedade, justificando, com isso, a sua proteção pelo Estado “. (Manual de direito das famílias, Editora Revista dos Tribunais, 9ª  Edição, 2013, págs. 42-43 – grifou-se)
Nesse contexto, a mais adequada interpretação, no que diz respeito à separação convencional de bens, é aquela que entende ter o cônjuge direitos sucessórios em concorrência com os herdeiros do autor da herança, sendo essa, de resto, a interpretação literal, lógica e sistemática do próprio dispositivo, valendo consignar, por fim, que a lei que rege a capacidade sucessória é aquela vigente no momento da abertura da sucessão (art. 1.787 do CC).
Aliás, cite-se, por oportuno, as conclusões do Ministro João Otávio de Noronha, no Recurso Especial nº 1.430.763⁄SP, julgado na assentada do dia 19.8.2014, e ainda pendente de publicação, no sentido da inclusão do cônjuge casado sob o regime de separação convencional de bens (arts. 1.687 e 1.688 do Código Civil) no rol dos herdeiros necessários (art. 1.845 do CC), admitindo sua concorrência com os descendentes do autor da herança, exegese adequada ao artigo ora em análise, como se vê da fundamentação calcada em expressiva corrente doutrinária:   “(…) a interpretação do art. 1.829, I, do Código Civil deve limitar-se à definição das hipóteses em que descendentes e cônjuge sobrevivente concorrem aos bens da herança, mas nunca levar à conclusão de que o cônjuge não seja herdeiro necessário, sob pena de ofensa ao art. 1.845 . Não concordo também com a interpretação dada ao art. 1.829, I, do Código Civil pela qual se afasta a possibilidade de o cônjuge casado no regime de separação convencional de bens concorrer com o descendente na sucessão do falecido. Como decidi no voto divergente proferido no REsp nº 1.111.095⁄RJ -, embora a hipótese lá tratada não seja exatamente igual à do caso presente-, ‘importa destacar que, se a lei fez algumas ressalvas quanto ao direito de herdar em razão do regime de casamento ser o de comunhão universal ou parcial, ou de separação obrigatória, não fez nenhuma quando o regime escolhido for o de separação não obrigatório, de forma que, nessa hipótese, o cônjuge casado sob tal regime, bem como sob comunhão parcial na qual não haja bens comuns, é exatamente aquele que a lei buscou proteger, pois, em tese, ele ficaria sem quaisquer bens, sem amparo, já que, segundo a regra anterior, além de não herdar (em razão da presença de descendentes) ainda não haveria bens a partilhar.  Essa, aliás, é a posição dominante hoje na doutrina nacional, embora não uníssona (…)” (grifou-se).
Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.
É o voto.
Documento: 38729951 RELATÓRIO E VOTO

O voto resolve várias das questões trazidas à cognição no bojo do presente artigo, eis que não existe propensão do STJ a reconhecer a separação convencional como algo assemelhado à separação obrigatória para efeitos de direito sucessório, parecendo negar ultratividade ao pacto sucessório que não poderia dispor para que o acontecerá depois da morte dos nubentes (e isso vai no sentido de que expectativas de direito passam a ser protegidas nessa seara).

A questão da não ultratividade do pacto antenupcial, no entanto, pode ser superada, se, além do pacto, ambos fizerem testamentos distintos (dois documentos diferentes) no mesmo sentido (se fizerem um só a jurisprudência considera isso como testamento conjuntivo, também chamado mancomunado ou de mão comum passível de nulidade no direito pátrio, nos termos do advento da norma contida no art. 1.863 CC: "É proibido o testamento conjuntivo, seja simultâneo, recíproco ou correspectivo").

 Assim, no caso de testamentos distintos, de se apontar que, se um cônjuge que não seria herdeiro do outro cônjuge (por renúncia de herança em pacto), elegendo-se um bem para o exercício do direito real de habitação, o óbice poderia ser superado, sendo conveniente, no entanto, que os herdeiros e seus cônjuges/conviventes sejam todos testemunhas disso.

Isso porque ao se exigir a anuência de todos, isso seria criar um embaraço para os envolvidos em discutir tais situações, seria o caso, se assim se entender, de elaborar a minuta do pacto antenupcial, criando um regime jurídico diferenciado, próprio das partes (isso é possível como apontado linhas acima) uma sugestão que não implica em ideia de numerus clausus), no qual haveria uma separação absoluta de bens (seria convencional eis que não parece haver elementos para concluir no sentido de que seria caso da obrigatória – idade núbil superior a 70 anos, menor de 18 ou a situação do artigo 1.523 CC, em que o viúvo com herdeiros necessários não faz o inventário da falecida e enquanto isso perdura somente se casa pela separação obrigatória).

Por este pacto híbrido, poder-se-ia lançar a ideia no sentido de que o casamento dar-se-ia pelas regras da separação total de bens, sendo certo que o que seria de cada parte, continuaria desse modo e que cada bem que vier a ser adquirido se manterá na propriedade exclusiva de quem o adquiriu, escolhendo-se o bem sobre o qual recairia o direito real de habitação – isso resta como possível, apontando-se como testemunhas do pacto antenupcial, todos os herdeiros necessários de ambos e seus cônjuges, lançando-se a ideia de que todos compreendem, foram orientados por advogados, e concordam que as normas sejam essas estabelecidas pelas partes.

Nesses termos poder-se-ia lançar uma cláusula de mão dupla no sentido de que ambos os companheiros renunciam a direitos sucessórios um do outro, com o que concordam seus herdeiros necessários, apontando-se que os que vão se unir não estão fazendo qualquer doação universal antecipada, eis que ambos dispõem de patrimônio para viver, bem como seus herdeiros na data do pacto, estabelecendo todos, como negócio jurídico processual (artigo 190 CPC/15), eis que  o direito é patrimonial e transigível (não necessariamente disponível) que se está estabelecendo uma presunção jure et de jure de validade da cláusula, implicando em situação de litigância de má-fé (há entendimentos no sentido de que a conduta de improbus litigator pode ser imposta em negócio jurídico processual) com incidência de multa, por exemplo, de 20% para aquele que a desrespeitar e quiser discutir a validade do pacto em juízo.

Pelo óbvio que, nos termos do próprio artigo 190 CPC, a validade disso também poderia ser discutida em Juízo, mas quem assinou se dando por orientado, havendo advogados presentes teria que dar uma alegação concreta de prejuízo à validade do ato. Mais ainda como cada qual dos que irão se unir também renunciou ao que seria herança do outro, tem-se uma presunção de não prejuízo e não vulnerabilidade que impede a invalidação do ajuste, mais ainda, de fato, poderíamos alegar o adágio nemo auditur turpitudinem suans proprians allegans – a ninguém é dado alegar a própria torpeza em Juízo – se todos os interessados concordaram e compreenderam (daí a alusão de que todos conversaram previamente com advogados e foram juridicamente orientados – mais um ponto contra eventual hipossuficiência, vulnerabilidade ou invocação de prelados de operabilidade) a discussão disso em juízo implicaria em ato emulativo (abusivo) portanto ilícito nos termos do artigo 187 CC – e a responsabilidade civil nesses casos seria objetiva a justificar a imposição de uma multa prévia por litigância de má-fé – como pode ser associado ao que consta do Enunciado nº 37 das Jornadas de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal.

Sobre a conveniência de estabelecer no pacto que ambos abrem mão de herança um do outro (e com isso deixar claro que não há prejuízo de um em relação ao outro ou situação apta a gerar vulnerabilidade de um em face do outro, não havendo ruptura com o princípio da isonomia tão venerado nos Tribunais pátrios e até mesmo para invocar prelados do in dubio in favor testamenti – de pensar até mesmo que o pacto antenupcial que não tem ultratividade como visto acima, seja complementado por testamentos de ambos no mesmo sentido), de se apontar:

A vivência familiar regida pela opressão de um cônjuge/companheiro pelo outro não  pode ser compreendida como um exercício de liberdade positiva coexistencial, o que  limita as possibilidades de reconhecimento de uma normatividade decorrente do  caso concreto. De outro lado, contributos que preservem ou restituam em termos  efetivos a liberdade tolhida podem ser esperados como respostas funcionais a serem  oferecidas pelo tratamento jurídico da família, de modo coerente, portanto, com a concepção eudemonista. (RUZYK, 2009, p. 360.)

Quanto a isso, na opinião do autor, citado por Edson Facchin,  é que se  deve cuidar com o reconhecimento de liberdade de se  autorregular (liberdade positiva). As escolhas das partes merecem o devido respeito quando  feitas em condições de liberdade efetiva e se não lançar alguma delas num espaço de total  carência. Ou seja, há uma ideia mesmo de se preservar expectativas de direito, como apontei acima, nesse campo do direito.

Outra ideia seria a de apontar no sentido de que o negócio jurídico processual poderia alcançar a ideia de que o inventário, quando surgir a necessidade, em sendo todos os herdeiros maiores e capazes, far-se-á de modo extrajudicial – isso levaria à necessidade de que seja feito de modo mais célere, com menor tempo para manobras judiciais.

Outra forma de se contornar o problema seria que os que vão se unir passassem a adquirir novos bens, já em nome dos seus próprios herdeiros, com disposição de usufruto vitalício em seu favor – isso evitaria maiores discussões a respeito do tema, sempre um nubente assinando como testemunha do negócio do outro – isso diminuiria o lapso prescricional para anulação – o problema disso é que os bens seriam entendidos como doações e trariam a necessidade de posterior colação sob pena de sonegação (perda dos bens – situação de sonegados – artigo 1.992 CC).

Se fizerem sob a forma de compra e venda entre ascendentes e descendentes (artigo 496 CC) não haveria necessidade de colação posterior, se todos os herdeiros necessários concordarem com essas vendas, se os herdeiros do outro cônjuge figurarem como testemunhas não poderão alegar desconhecimento e o lapso para a eventual anulação de tais vendas seria de quatro anos (artigo 179 CC). Isso seria, repita-se, ruptura com o dever de boa-fé objetiva, novo comportamento de abuso de direito, eis que não se admitem comportamentos contraditórios em direito – venire contra factum proprium.

Sobre o autor
Julio Cesar Ballerini Silva

Advogado. Magistrado aposentado. Professor da FAJ do Grupo Unieduk de Unitá Faculdade. Coordenador nacional dos cursos de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil, Direito Imobiliário e Direito Contratual da Escola Superior de Direito – ESD Proordem Campinas e da pós-graduação em Direito Médico da Vida Marketing Formação em Saúde. Embaixador do Direito à Saúde da AGETS – LIDE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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