MATERNIDADE NO CÁRCERE
Não obstante toda a violação de direitos humanos em que mulheres privadas de liberdade são submetidas, ainda tem-se outro protagonista nesta circunstância: seu filho. Nesse caso, temos uma evidente violação ao artigo 5º, inciso XLV, da Constituição Federal de 1988[5], o qual prescreve que nenhuma pena passará da pessoa do condenado.
Frequentemente, as mulheres são aprisionadas grávidas, sendo que a estas deveriam ser dispensadas uma especial atenção, como prescreve normas internas e internacionais, principalmente ao que se refere a tratamentos médicos.
Conforme descrição contida no Relatório Sobre Mulheres Encarceradas no Brasil (2007, p. 32), a omissão do Estado começa ainda no pré-natal, tendo em vista que a maioria das mulheres não realiza sequer um exame laboratorial ou de imagem, colocando em risco a saúde e a vida de mãe e filho. São procedimentos fundamentais para que a gestação se desenvolva de maneira sadia, pois é evidente o fato de que toda gestação dentro do ambiente prisional é uma gravidez de alto risco.
As grávidas no sistema prisional tem o exercício da maternidade completamente limitado, sendo que ficam impedidas de exercer simples atos – embora de extrema importância para uma mãe – como a escolha do enxoval de seu bebê e a preparação de seu quarto.
Não se compreende que a mulher em período gestacional ou de amamentação encontra-se em estado singular, sofrendo um processo fisiológico de grandes mudanças hormonais. Todas essas alterações são desconsideradas na prática, pois existe uma legislação protecionista para o coletivo feminino que estão nesta situação.
Um dos exemplos disso é a possibilidade de prisão domiciliar, circunstância prevista no artigo 318, inciso IV, do Código de Processo Penal[6], bem como no art. 117, inciso IV da Lei de Execução Penal.[7]
Importante ressaltar a alteração feita pela Lei nº 13.257 de 2016, no artigo 318, inciso IV do Código de Processo Penal, a partir dessa mudança retira-se o critério para obtenção do benefício somente a partir do sétimo mês de gestação ou sendo a gravidez de alto risco. Sendo assim, não exige-se um tempo mínimo nem que haja risco à saúde da mulher ou do feto para a concessão da prisão domiciliar.
Com a simples aplicação da lei, teríamos alguns efeitos imediatos, como uma gestação mais segura para a mãe e o bebê e ainda influenciaria na superlotação dos presídios. Todavia, os pedidos de prisão domiciliar, em sua maioria, são negados sob o argumento de que a interna não preenche os requisitos legais, pois tem envolvimento com o tráfico de drogas e entorpecentes.
Porém, de acordo com os dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (2014, p. 67) e ainda do Relatório Sobre Mulheres Encarceradas no Brasil (2007, p. 16), demonstram que o tráfico de drogas e entorpecentes é o maior fator de aprisionamento de mulheres no país, chegaram ao percentual de 40%.
Nesse ponto é necessário fazer uma observação. Ambos os documentos podem ser considerados antiquados, vez que datam de 2007 e 2014, contudo ainda representam o atual panorama do sistema penitenciário feminino, pois o número de mulheres presas vem crescendo em larga escala. Ademais, retrata o descaso do Poder Público em efetuar novas pesquisas que tenham como objeto esse coletivo, reforçando a posição de invisibilidade das presidiárias.
Retomando, não bastasse todo o desrespeito durante a gestação, a mulher ainda enfrenta uma das situações mais cruéis nesse processo: são algemadas durante o parto. Sim – ainda! Mesmo com a entrada em vigor da lei Lei nº 13.434 de 13 de abril de 2017 que acrescentou o parágrafo único ao art. 292 do Código de Processo Penal[8], o qual veda expressamente o ato de algemar a interna durante e logo após o parto, essa prática ainda continua acontecendo.
Não razão ou necessidade para que a mulher fique presa a uma maca durante e após o trabalho de parto, é desarrazoado imaginar que nessa situação a mãe seja capaz de fugir ou de atentar fisicamente contra outras pessoas. É mais uma vez ignorar a fisiologia da mulher.
Os problemas não cessam com o nascimento da criança, na verdade, começa outro dilema: como acomodar um recém-nascido no interior de um presídio?
Conforme descreve o Relatório Sobre Mulheres Encarceradas no Brasil, de fato, as estruturas carcerárias são, majoritariamente, improvisadas. Mais uma vez, o fato de a maioria dessas unidades ter sido construída para receber homens e posteriormente convertida em unidades prisionais femininas, determinam a inexistência de espaço apropriado para a amamentação, berçário e creche, estrutura que necessária para o abrigo de mães e seus filhos que nascem sob a custódia do Estado (2007, p. 38).
Dessa forma, observa-se que as unidades prisionais não estão preparadas para receber as mães juntamente com seus bebês. Embora não seja o ambiente adequado para o crescimento de uma criança, é de suma importância que esta permaneça com sua genitora pelo menos nos primeiros meses de vida, período em que ocorre a amamentação e o fortalecimento de vínculos afetivos, sendo este um direito garantido constitucionalmente[9].
Todavia, o momento da separação é inevitável. Após esse tempo com a mãe o bebê é entregue ao familiar mais próximo, quando isso não é possível, são levados à abrigos institucionais.
De toda forma, depois da saída da criança do ambiente carcerário a manutenção do vínculo com a mãe encontra diversos obstáculos. As famílias que acolheram os bebês não os querem novamente no interior de uma prisão. Além disso, conforme expõe o Relatório Sobre Mulheres Encarceradas no Brasil (2007, p. 41), como existem poucas unidades de aprisionamento feminino, acaba que elas ficam centralizadas, longe dos seus locais de origem. Sendo assim, a distância aliada ao alto custo dessas visitas, desestimulam seus parentes e amigos.
Atualmente, não existem políticas públicas que visem a integração da mulher com seu filho após o mesmo deixar a prisão, bem como não há a efetivação de normas que privilegiem esse vínculo, pois continua-se na cultura de manutenção da prisão, pouco importando suas consequências.
CONCLUSÃO
Pelo exposto, depreende-se, que a discussão sobre o sistema carcerário é complexa e está longe de chegar ao fim, uma vez que as autoridades e grande parte da sociedade entendem este ambiente como indigno de zelo, fato que agrava a situação da mulher encarcerada devido às suas especificidades.
A mulher, desde os primórdios, foi criada para viver em razão da família e dos afazeres domésticos. Dessa forma, quando a mesma sai da esfera particular e do controle masculino, ganha espaço na sociedade e inclusive no mundo do crime.
Inicialmente, a mulher era vista como incapaz de ser criminosa, praticando delitos apenas que tinham relação com o universo feminino, como aborto e infanticídio. Com o passar dos anos, desestrutura-se a figura de pessoa frágil e delicada para compreender a mulher como sujeito ativo de crimes. Diante disso, ela é encarcerada com uma disciplina que visasse o seu resgate moral, colocando-as no patamar estereotipado pela coletividade.
No encarceramento tudo reforça o seu status de invisibilidade. Quando se fala em cárcere, o imaginário humano faz uma referência direta a um espaço masculino. Ignora-se o fato de que a taxa de encarceramento feminino vem crescendo em larga escala e que a mesma também compõe o ambiente prisional.
É notório que as prisões foram construídas por homens e para homens, não havendo um espaço criado especialmente para as mulheres, que atenda às suas peculiaridades e às necessidades inerente ao gênero. Em que pesem as normas protecionistas tanto constitucionais, como as que o Brasil se tornou signatário, há uma patente violação de direitos humanos e fundamentais, cenário este desprezado pelo poder público.
Observa-se que as prisões não têm estrutura nenhuma de receber uma mulher, tampouco estando ela grávida. O exercício da maternidade dentro desse ambiente prisional resta completamente prejudicado, colocando a mulher em condição maior vulnerabilidade do que ela se encontra.
A maternidade dentro do cárcere vai além da privação de liberdade, atingindo também a autonomia da interna. A idealização romantizada da maternidade é desconstruída em todo canto de uma unidade prisional, já que o encarceramento não propicia a manutenção de laços entre mãe e filho.
É necessário que se compreenda as especificidades da mulher, que seja encarada as problemáticas desse coletivo e dos desafios que se apresentam, para impulsionar um olhar diferenciado dos gestores penitenciários quanto dos agentes do Poder Judiciário, efetivando, assim, os direitos já previstos, bem como para a criação de políticas públicas que visem melhores condições para esse segmento.
Deve ser realizado o máximo de esforço para que essas mulheres possam desenvolver uma gestação sadia e, com o nascimento de suas crianças, seja estimulado o vínculo desses com suas genitoras, em um ambiente propício para o seu crescimento, assim como prevê atualmente o nosso ordenamento jurídico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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_______. Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941.
_______. Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979. Decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002.
_______. LEP - Lei de Execução Penal – Lei 7.210/1984.
______. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias INFOPEN – JUNHO DE 2014. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf Acesso em 08 de Nov. de 2017.
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Notas
[3] DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional
[4] Disponível em: http://carceraria.org.br/pastoral-carceraria-pede-que-mp-apure-suicidios-em-presidio-feminino.html
[5] Artigo 5º, inciso XLV, da Constituição Federal: “Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido.
[6] Artigo 318, inciso IV do Código de Processo Penal: “Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: V- gestante.
[7] Artigo 117, inciso IV, da Lei de Execução Penal: “Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de: condenada gestante”.
8] Art. 292. (...) Parágrafo único: É vedado o uso de algemas em mulheres grávidas durante os atos médico-hospitalares preparatórios para a realização do parto e durante o trabalho de parto, bem como em mulheres durante o período de puerpério imediato.
[9] Artigo 5º, inciso L, da Constituição Federal: “Às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação”.