A contribuição de Maurice Merleau-Ponty para a hermenêutica fenomenológica reluz significativamente em seus escritos sobre a linguagem, com especial destaque para a obra “A Prosa do Mundo”. Naquele e em outros estudos, o autor rechaça a compreensão objetivante e conceitual da linguagem, insurgindo-se contra o fantasma de uma gramática explicativa universal, atributiva de sentidos unívocos e entificados aos signos.
Longe de se apresentar como mera vestimenta de pensamentos, identificação com a coisa mesma cristalizada na expressão, a linguagem é já sempre significação. A redução da linguagem ao conceito clarifica-se, pois, impossibilitada, dado o caráter pré-predicativo e a ínsita existencialidade na qual ela se acha imersa. Desta feita, é na intersubjetividade compartilhada, e não na essência conceitual objetiva, que reside sua significância, sempre excedente em relação à apresentação vocabular.
Assim como Heidegger e Gadamer, Merleau-Ponty pontua que a compreensão linguística somente se faz possível pela inevitável preconceitualidade do compreender. A incompletude do arcabouço pré-compreensivo ante o ser linguístico interpretado não se erige, contudo, em barreira intransponível à compreensão. Isso porque a linguagem traz em si a potência do aprendizado; para além de comunicar, ensina, em sua mostração existencial, franqueando ao intérprete como que a assimilação de um novo idioma, fresta a possibilitar o operar-se virtuoso da compreensão.
Desvela-se a compreensão, em tal perspectiva, como a tomada do comunicado do alter como próprio, revivido pelo eu como um “outro eu mesmo”, na captação do dito e não dito na (in)visibilidade da mensagem. Sobre a invisibilidade da linguagem, calha asseverar que sua apreensão depende da abertura criativa do intérprete à mensagem, a propiciar a estranheza diante da obliquidade do visível, hábil a clarear a obscuridade antes escamoteada. Não se trata a compreensão de disponibilização da coisa mesma, o que não condiz com a existencialidade mundana e a temporalidade da linguagem.
De outra parte, a persecução da plena clareza, a contrariu sensu, oblitera o ser oblíquo e eminentemente diacrítico da linguagem, em ilusão de pura significação a se identificar com a inautêntica e artificiosa eliminação do ser linguístico, inescapável e insitamente vir-a-ser e, por isso mesmo, incabível em qualquer formulação estática e aprisionadora. Em suma: a linguagem não é a versão cifrada de um texto original.
Assemelham-se, no particular, às observações de Merleau-Ponty com o pensamento heideggeriano, ao se evocar a contraposição entre linguagem empírica e linguagem autêntica ou criativa, correspondente à díade impessoalidade e autenticidade tematizada em “Ser e Tempo”. Deveras, o uso empírico da linguagem, em sua vã pretensão de cristalização de sentidos, promove perigosa coisificação do outro, obstruindo a mostração de seu ser linguisticamente revelado, de sua mensagem comunicada. Estampa-se-lhe autoritativamente a significação utensiliar manualizante, equiparando-o aos entes intramundanos em geral, donde deflui inafastavelmente seu silenciamento.
Por outro giro, a fala autêntica ou criativa liberta o sentido cativo da linguagem permitindo que esse fale e fulgure intersubjetivamente como um outro nós reciprocamente considerado, a dignificar a existencialidade do homem, não mais ocultada em uma instrumentação utensiliar da pura coisa. Em apertada síntese, a lida com a invisibilidade da linguagem, com seus implícitos e sua obliquidade, criativamente desveladores do ser do ente fraternalmente alvejado como “outro nós”, passa pelo abandono à pura empiria cristalizante, em vislumbre da linguagem como existência intersubjetiva, e não como essência solitária conceitualmente esboçada. São esses, destarte, os principais contributos de Merleau-Ponty à hermenêutica fenomenológica.