Ano novo é época em que muitos apresentam seus projetos para os dias vindouros e seus votos de coisas boas a todos os amigos.
Penso que uma ótima coisa a se desejar nestes momentos seria uma mudança qualitativa de valores, de princípios pelos quais lutar, na busca constante de melhoria para si e, por que não dizer, para o mundo, já que cabe a cada um de nós mudar para melhor o pedacinho de mundo que tem ao seu redor.
Infelizmente 2017 se encerrou de forma parecida como se iniciou, nesse aspecto de (ausência) mudanças de valores. De mudar, para permanecer como sempre foi. Há uma indisfarçável crise (melhor dizendo: há inúmeras e imensas crises, de todos os tipos, em vários campos, de todos os matizes).
Espero sinceramente que 2018 nos surpreenda com a implementação, ainda que gradual, de uma mudança cultural para melhor, de uma implantação de valores que elevem o Brasil ao patamar a que está destinado, que alcance o lugar e o reconhecimento de uma grande nação. Mas grande nação se faz com um povo que lhe corresponda aos anseios e às características! Em outros termos, só um povo grande constitui uma grande nação. Estão intimamente associados os significados de povo e de nação.
Hoje ainda sentimos os efeitos deletérios de uma avassaladora crise institucional, para não sermos imprecisos de afirmar que o que existe são crises institucionais, profundas e generalizadas.
Vou citar apenas três exemplos recentes, um de cada Poder da nossa desrespeitada República.
Temos recente notícia veiculada nas mídias sociais, por exemplo, de que um membro do Poder Judiciário encontra-se sob investigação pelo CNJ – Conselho Nacional de Justiça, por ter afirmado em áudio (que supostamente lhe é atribuído) que um ministro teria recebido valores indevidos para liberar políticos presos, tendo determinado, inclusive, a retirada de tornozeleira eletrônica ou qualquer outra medida cautelar diversa da prisão. Ou seja, o próprio membro do Judiciário não crê no Poder a que pertence.
Há notícias, quase todos os dias, de que o Presidente da República estaria utilizando a surrada prática de destinar verbas públicas para contemplar os projetos de parlamentares, como forma de compra de apoio para aprovação de medidas antipopulares, como a reforma da previdência, assunto que domina a mídia há meses.
Somos afrontados quase todos os dias com informações estapafúrdias (desculpem o “palavrão”, mas não me ocorre melhor palavra) de que um determinado parlamentar, por exemplo, que responde a processos por desvio de verbas públicas, teria sido escolhido como presidente da comissão de ética!!!
O que é isso, senão crise ética, crise institucional, crise de valores.
Essas crises são como praga, como ervas daninhas na lavoura, o que significa dizer que mais cedo ou mais tarde elas nos incomodam, porque passam a interferir diretamente em nossas vidas.
Sou advogada. Gosto do Direito. Amo minha a profissão-arte de defender os direitos de quem se vê ameaçado ou injustiçado em seus legítimos interesses.
Mas, vou confessar: ando desanimada com a (des)ordem atual das coisas no exercício da advocacia, com a excessiva relativização dos Direitos, com a absurda inversão de valores, com o despreparo de alguns magistrados, especialmente por conta da sintonia com a equivocada orientação que vem “de cima”, emanada dos tribunais superiores.
E o próprio Judiciário tem percebido essa alteração (deterioração) de valores.
Na verdade, as pessoas humildes do povo percebem há tempos essa inversão absurda, notadamente quando esperam meses (ou anos) para receber uma irrisória quantia a título de indenização por danos morais, pelo transtorno e desrespeito, que lhes foram impostos por algum poderoso de plantão.
Na condição de advogada atuante em vários processos em andamento nos Juizados Especiais “de Pequenas Causas”, na Justiça comum (estadual e federal), deparo-me com ínfimos valores arbitrados a título de dano moral pelos Juízes leigos e togados. Em muitas dessas ocasiões, ao entrar em contato com o cliente para informá-lo acerca de tal condenação, habituei-me a ouvir queixas como: “O meu nome foi negativado indevidamente e o juiz arbitrou apenas esse valor? O meu nome foi usado de forma fraudulenta, e só recebo isso como reparação? Isso não é Justiça!”.
Na grande maioria das vezes, sou obrigada a concordar, porque diferentemente do magistrado, busco colocar-me no lugar do ofendido. Em geral, isso é realmente aviltante.
Não há preço que apague a ofensa à honra. A dignidade não se compra, não se negocia, não se vilipendia sem reprimenda. Apenas, em último caso, se repreende o ofensor, para que não volte a violar o direito alheio. Porém, castigo pouco é bobagem, não corrige, não repreende, mas, ao contrário, serve de estímulo, como se a mensagem passada fosse algo como “O crime compensa!”. É como uma operação aritmética custo x benefício.
O que se tem visto nos Juizados, na verdade, é que as condenações arbitradas a título de indenização por dano moral não tem gerado o efeito pedagógico e inibitório que se deveria esperar e tais sentenças têm deixado muito a desejar, o que afeta imensamente a credibilidade da Justiça.
Neste cenário, surgem algumas indagações: “Têm os Juizados alcançado o objetivo de trazer soluções justas, efetivas e céleres às partes ou a ampliação do acesso à (verdadeira) Justiça? Têm surtido o efeito de apaziguar os problemas de relacionamento na sociedade, contribuindo para a paz social?”. Creio que não.
Só para contextualizar o que acima foi asseverado, tenho por pertinente citar o que recentemente circulou na mídia local, acerca do teor de decisão proferida por uma Juíza de Direito do Juizado Especial Cível do Estado de Mato Grosso, em que teceu duras críticas a uma empresa de telefonia que, claro, “zomba, tripudia ainda sapateia em decisões judiciais”.
Com todo respeito que é devido à Magistrada, e concordando em gênero, número e grau com suas palavras, mas isso que ela tão sensatamente reconheceu em sua decisão é somente o sintoma da doença que assola o Judiciário (assim como tantas outras instituições). É apenas o efeito do remédio equivocado que o próprio Judiciário vem dando aos enfermos da sociedade atual, àqueles que violam as normas de conduta social.
Parece-me que, se o remédio não for amargo, talvez o enfermo não se cure!
Se alguém deseja ser respeitado, precisa primeiro respeitar-se, para ter condição de impor a outrem o respeito que lhe é devido.
O Judiciário precisa voltar a dizer a que veio! Precisa voltar a ter coragem de realmente dizer o direito, e não simplesmente passar a vaga ideia de que a conduta não foi muito boa. Ora, o que é errado não pode ser visto como algo não muito bom, não muito certo. Errado é errado e precisa sofrer a sanção à altura do erro. Não se pode contemporizar, “passar a mão na cabeça”, simplesmente porque não existe meio erro.
Quem errou precisa receber a clara mensagem de sua equivocada conduta e ser sancionado à altura, porque se não “pesar” no bolso, vai continuar com a conduta prejudicial.
Todos temos acesso às mídias sociais e nelas é fácil assistir a vídeos em que autoridades de outros países (ditos mais desenvolvidos) são devidamente respeitadas no exercício de suas funções, ao contrário do que infelizmente ocorre nestas terras tupiniquins em que são desrespeitadas e desprestigiadas, sem que nada aconteça para coibir.
A título de exemplo, cito o caso da jovem que agiu desrespeitosamente em uma corte americana ao receber a decisão sobre a fiança que lhe fora imposta pelo juiz, e por isso, ao final, recebeu uma condenação de prisão, o que acabou saindo “mais caro”. Aposto que nunca mais desrespeitará uma autoridade constituída!
O vídeo pode ser encontrado no endereço referido em nota de rodapé[1].
Assim deveria ser também aqui no Brasil, afinal, “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Porém, com decisões tímidas, consistentes de valores irrisórios, o que se pode esperar? Apenas sapateado e outras formas de pouco-caso.
Afinal de contas, como se costuma dizer: dança-se conforme a música, se a música é suave.
Nota
[1]Disponível em: https://noticias.uol.com.br/.../adolescente-vai-presa-apos-mostrar-o-dedo-para-juiz-no... Acesso em 2/1/2018.