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Crime de abandono material e intervenção mínima: os limites da atuação do direito penal na proteção da família

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CONCLUSÃO

Como facilmente se aufere, inexiste algo mais fascinante e ao mesmo tempo misterioso que o fenômeno criminal. Não obstante, por vezes, o fato revele simplicidade, pode ele ensejar configurações que aguçam a mais excepcional das inteligências. O crime acontece no ventre social, porém, deve-se considerá-lo como um fenômeno eminentemente humano, afinal, o crime nasce com a humanidade.

Houve já quem considerou o crime um fato normal, inerente à própria existência humana. O crime como fenômeno social e, portanto, humano, deve ser estudado à luz da natureza desse ser complexo cuja dignidade transcende superficiais conceitos legais estabelecidos em épocas de lógica pouco democrática. Veja-se que o delito não só é um fenômeno social normal, como também cumpre outra função importante, qual seja, a de manter aberto o canal de transformações de que a sociedade precisa.

Afirmar-se que o ser humano tem livre-arbítrio sobre seus atos, podendo posicionar-se ou não, de acordo com a lei - sem uma coerente e necessária observação de fatores criminogenéticos, vindos da própria constituição do delinquente ou do meio social em que vive -, pode conduzir a um infecundo e arbitrário Direito Penal das presunções, mecanismo odioso do ponto de vista democrático. Maior relevo se dá a essa questão quando associada à discussão da assistência familiar aos “pequeninos”, vulneráveis, seres humanos em formação, cujo contexto importa, especialmente, em realizar o “amanhã”, o futuro da sociedade.

 Nessa linha, o tratamento penal da família é incompatível com os postulados de racionalidade que devem informar os atos do governo em um Estado Democrático de Direito, ao se instituir no campo da intimidade e da vida privada, em cujo âmbito é vedado ao Estado e, portanto, ao Direito penetrar. É cediça, portanto, a grande e fundamental importância da família (como bem jurídico-penal) para o Direito e para a sociedade, especialmente em relação ao menor - que de tão valorosa e essencial -, é digna da utilização das mais eficazes “ferramentas” jurídicas para sua tutela. O que deve ser feito, porém, com a devida racionalidade, a fim de que os excessos protecionistas não acabem tornando-se prejudiciais.

Assim sendo, com fulcro na relação de desproporção existente entre gravidade do fato (crime de abandono material) e gravidade da pena (criminalização do abandono material), propugna-se, neste estudo, que a tutela à família seja dada, em especial, mediante a descriminalização do delito insculpido no art. 246, do Código Penal, uma vez que não há correlação protetora entre a família e a criminalização de tais condutas, pois tal cominação, a pretexto de salvaguardá-la, presta-se somente a segregar a manchar os lações fraternos, uma vez que a polícia e a justiça, pouco ou nada têm a contribuir com a formação e restruturação familiar.

Almeja equilibrar-se, assim, a omissão estatal de uma administração que não proporcionou educação, saúde, cultura, entre outros direitos sociais essenciais à formação e desenvolvimento humano, através do Direito Penal, “protegendo” a aristocracia incomodada da “plebe infratora”. Sob esse ângulo, a descriminalização do abandono material é um impensável imperativo nascido do indispensável respeito à liberdade individual, que colocaria a legislação pátria em consonância com as novas tendências do Direito Penal Internacional minimalista, contrário ao modelo fascista italiano, que hoje é menos eficaz.

Isso não significa que tais tendências incentivem o abandono familiar, mas somente tornam transparente que o Direito Penal repressor tornou-se absolutamente ineficiente neste tópico, devendo ceder passagem para as demais instâncias do controle e assistência social e para os demais ramos do Direito, especialmente o Direito Civil.

Nessa linha, sabe-se que o Direito Penal possui maior força sombólico-comunicativa, o que deve ser preservado para a repressão das maiores violações a bens jurídicos. É de conhecimento geral a grande importância da família (como bem jurídico-penal) para o Direito e para a sociedade, em especial em relação ao menor, que de tão valorosa e essencial, é digna da utilização das mais eficazes “ferramentas” jurídicas para sua tutela, tutela esta que deve ser dada, em especial, com a descriminalização dos delitos de abandono, uma vez que a polícia e a justiça nada têm a contribuir com a formação e restruturação familiar, mas ao contrário, prestam-se somente a segregar a manchar os lações fraternos.

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Ademais disso, o Direito Penal não poderia ser utilizado para a criminalização do tipo de abandono material, uma vez que o Direito Civil é suficiente para tanto, mas mais do que isso, ele é mais eficaz do que o Direito Penal, em especial com relação ao delito de abandono material decorrente do não pagamento de pensão judicialmente acordada, uma vez que possibilita inclusive a prisão do alimentante inadimplente.

Além disso, admite-se na esfera cível a perda do poder familiar por simples decisão judicial, ao passo que, na criminal, não será possível a perda do poder familiar pelo cometimento dos crimes de abandono, tendo em vista tais delitos cominarem pena de detenção, posto que o Código Penal exige, para tanto, crime apenado com reclusão.

Desta forma, melhor seria que tais questões fossem solucionadas administrativamente, pelos conselhos tutelar e municipal da infância e juventude, e somente, um último caso, pela justiça cível, através da vara da infância e juventude ou de família, conforme o caso, mas nunca pela criminal, pois como dito, trata-se de um problema, por mais reprovável que se mostre, essencialmente familiar, que gravita em uma esfera onde a persecução penal deve abster-se de penetrar, em especial pelas feridas perenes que poderão restar de sua intervenção.

Saliente-se, por derradeiro, que o Anteprojeto do “novo” Código Penal[67], em votação no Congresso Nacional, aboliu o Título VII, onde tratava dos crimes contra a família, não fazendo qualquer menção a tais modalidades, coadunando-se com a atual política criminal de preservar a família por searas diversas do Direito Penal, uma vez que este, como dito, nada tem a contribuir com o clã fraterno. Além disso, já existem outros crimes que suprem tais cominações, conforme demonstrado supra, ao se realizar uma análise crítica dos tipos de abandono.


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Sobre os autores
Gerson Faustino Rosa

Doutor em Direito. Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo-SP. Mestre em Ciências Jurídicas. Centro Universitário de Maringá-PR. Especialista em Ciências Penais. Universidade Estadual de Maringá-PR. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Gama Filho-RJ. Graduado em Direito. Centro Universitário Toledo de Presidente Prudente-SP. Professor de Direito Penal e Coordenador dos cursos da área jurídico-penal da Uniasselvi. Professor de Direito Penal nos cursos de pós-graduação da Universidade Estadual de Maringá, da Escola Superior da Advocacia, da Escola Superior da Polícia Civil e da Escola Superior em Direitos Humanos do Estado do Paraná, da Unoeste, do Cesumar, da Univel-FGV, da Fadisp, da Unipar, do Integrado e da Faculdade Maringá. Professor de Direito Penal nos cursos de graduação da Universidade Estadual de Maringá-PR (2014-2019). Professor de Direito Penal e coordenador da pós-graduação em Ciências Penais da Universidade do Oeste Paulista (2016-2019). Professor de Direito Penal na Uniesp de Presidente Prudente-SP (2013-2016). Tem experiência na área do Direito, com ênfase em Direito Penal e Segurança Pública, atuando principalmente nos seguintes temas: Direito Penal e Direito Penal Constitucional.

Gisele Mendes de Carvalho

Pós-doutora e Doutora em Direito pela Universidade de Zaragoza (Espanha). Mestre em Direito Penal pela Universidade Estadual de Maringá (PR). Professora Adjunta de Direito Penal na Universidade Estadual de Maringá (PR) e no Mestrado do CESUMAR - Maringá (PR).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Gerson Faustino; CARVALHO, Gisele Mendes. Crime de abandono material e intervenção mínima: os limites da atuação do direito penal na proteção da família. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6045, 19 jan. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63220. Acesso em: 2 nov. 2024.

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