Muito corrente é a discussão sobre a abusividade de cobrança de juros no contrato de leasing nos processos judiciais e muitas são as ações declaratórias pretendendo-se expurgar a usura ou pretendendo-se a aplicação da limitação constitucional (art. 192, parágrafo 3º da CF), ou até mesmo a limitação do Código Civil das taxas de juros (arts. 1.062 e 1.262 do CC). O que é preciso relevar, entretanto, é que a natureza jurídica do contrato de arrendamento mercantil talvez não permita a análise da taxa de juros neste contrato.
As mesas do Judiciário encontram-se abarrotadas de revisionais de contratos, alegando-se que o vínculo obrigacional firmado nas avenças ficou deveras pesado aos ombros de um dos contratantes e que, por isso, pretende-se a redução de parcelas ou de juros ou, até mesmo, a exoneração por completo da obrigação.
Primeiramente, faz-se mister esclarecer em quais situações pode o Poder Judiciário intervir na vontade de contrair obrigações dos particulares e quando pode ser afastado o princípio pacta sunt servanda.
Todos os particulares são livres para contratar sobre qualquer objeto, desde que não seja ilícito. E a vontade das partes constitui obrigação imutável, a não ser que estas determinem sua alteração, ou pela Teoria da Imprevisão, ou, ainda, nos casos de agressão às normas de ordem pública e aos bons costumes. (É claro que aqui se excluem os contratos de adesão, que devem ser minuciosamente interpretados, a fim de evitar o abuso de força econômica, em cláusulas leoninas ou ambíguas, casos estes mais protegidos ante a determinação constitucional de proteção do consumidor – art. 5º, inciso XXXII).
O princípio da autonomia da vontade é baluarte da teoria da contratualística e só pode ser desrespeitado por razões de ordem superior, ou seja, por determinação legal ou em observância aos princípios da eqüidade.
É muito comum se recorrer ao Poder Judiciário quando a obrigação contratual não satisfaz mais ao contratante ou ao contratado; porém, os magistrados devem observar que não podem, sponte propria, socorrer tal requerente, pois, se assim o fizerem, correrão sérios riscos de caírem na parcialidade. Os motivos de qualquer alteração no contrato devem se basear nas situações acima descritas e nunca permitir que a mudança seja feita por razões de convicção própria do magistrado, tal como o sentimento de comiseração pelo demandante.
Isto dito, passemos à análise dos juros no contrato de leasing.
Para que esta análise se faça frutífera, é preciso não esquecer, primeiramente, do seu conceito, ou seja, a nomenclatura do contrato em questão. Chama-se leasing, do verbo inglês to lease, que significa alugar, arrendar; ou arrendamento mercantil, usado pelo Direito brasileiro, que tem também significado similar.
Portanto, prima facie, o conceito traduz a definição de um contrato que envolve locação. Se não se resume só a isto, ao menos faz-se presente como uma de suas facetas.
Logo, o contrato de leasing, por óbvio, deve ter como uma de suas características a locação ou arrendamento, como queiram.
Fez-se esta narrativa para que se possa partir de um ponto inicial a análise do que é o contrato de leasing e de sua natureza jurídica.
Embora os doutrinadores entendam ser o leasing originário de contratos internacionais da política de empréstimos e financiamentos, não foi esta a característica primordial no desenvolvimento do arrendamento mercantil.
O contrato de leasing envolve primordialmente a locação, ou seja, o uso do bem com o pagamento de uma contraprestação e, secundariamente, a idéia de financiamento ou empréstimo, haja vista que o contratante não necessita do capital em si, mas sim do objeto do contrato, que, geralmente se constitui de bens utilizados em sua atividade comercial (sejam máquinas ou automóveis, etc.)
Em verdade, deve-se discordar diametralmente das opiniões que vêem no leasing qualquer característica de empréstimo, uma vez que no empréstimo o objeto é exclusivamente o dinheiro e não envolve bens móveis ou imóveis.
No que diz respeito ao financiamento, pode-se talvez confundir a operação do leasing com este, posto que no financiamento há de um lado o desembolso de capital para que o outro possa adquirir bens.
O leasing, entretanto, não é uma espécie de financiamento, uma vez que envolve, como elemento primordial, o arrendamento (locação) do bem ao arrendatário, para o fim de que este possa desenvolver sua atividade empresarial, sem imobilização de seu ativo, ofertando-lhe, ao final, a opção de compra do bem, O arrendamento mercantil não pode ser visto como empréstimo, pois os encargos que nele existem são diversos. No empréstimo, o agente financeiro somente cede dinheiro, a outrem, auferindo por isto frutos artificiais, que são os juros. Ou seja, a operação consiste em emprestar o dinheiro a um certo custo e recebê-lo de volta com acréscimo de frutos (juros).
Vê-se, desta forma, que o contrato de leasing não constitui nem locação, nem financiamento e muito menos empréstimo, mas sim uma forma híbrida de contrato, que contém características semelhantes a estes contratos.
Ouso lançar opinião desencontrada com a maioria da doutrina e discordar que o contrato de leasing seja um contrato complexo, que acolhe em seu conceito o contrato de locação, o de financiamento e o de compra e venda. Pois, penso que, em verdade, o contrato de leasing figura como mais um tipo contratual, legalmente instituído, com características e pressupostos próprios.
Leasing é o contrato pelo qual uma pessoa (hoje pode ser jurídica ou física), almejando utilizar determinado bem ou equipamento, contrata com outra pessoa o arrendamento do bem por um certo período, com opção de renovação do arrendamento, devolução do bem ou compra da coisa com o pagamento de um residual.
Nisto se constitui o arrendamento mercantil e, por esta definição, não há como se falar em discussão de taxas de juros neste contrato, tendo em vista, mesmo que elas existam no cálculo do preço da contratada, que não constituem valor fracionável, a não ser que explícito no contrato.
No preço do bem, que é dividido em "prestações –alugueres", estão embutidos todos os custos do contratado, bem como o seu lucro. E não há como adivinhar o que são juros e o que não é, no que excede o preço normal do bem. Conseqüentemente, todos os julgados que conseguiram expurgar uma taxa de juros no contrato de leasing ou tinham estes explícitos no contrato ou não expurgaram a taxa de juros, que não necessariamente figuravam a este título.
Pode-se observar, portanto, que no empréstimo (ou financiamento),o agente não tem outros custos e seu lucro advém diretamente do capital e não de qualquer outra atividade mercantil. O que não acontece com o leasing, que é atividade de comércio, que envolve todos os custos diretos e indiretos (despesas financeiras, transporte, seguro, tributos, taxas, pessoal,...) e, além destes, deve-se acrescentar o lucro, que por certo estará embutido na operação, visto que é operação comercial.
Pode-se até mesmo admitir que o contrato de leasing possua, em uma de suas facetas, o caráter de financiamento, o que não autoriza, porém, dispensar tratamento de financiamento ao leasing, ignorando que as contraprestações do arrendamento mercantil são a soma do fracionamento do preço do bem arrendado, dos custos do financiamento e do lucro. O que excede ao preço do bem que serve de objeto ao contrato não pode ser visto como juros exclusivamente, e, ainda, como este constitui um preço, formado de vários ingredientes, não há como fracionar os encargos das contraprestações.
Pelas razões expostas, não se pode falar em juros no contrato de arrendamento mercantil (a não ser os juros de mora, cabíveis em caso de inadimplemento). O que há é o preço, dividido em parcelas, e, neste preço, embutidos os custos e o lucro do agente financeiro. Neste diapasão, não há como aplicar qualquer regra relativas aos juros, seja o anatocismo, a limitação constitucional ou a usura. Não é possível discutir taxa de juros remuneratórios nos contratos de leasing, pois estes não são encontráveis, a não ser se explicitados no contrato, frise-se. O que existe é o preço, que inclui os custos e o lucro do agente arrendador. Pode-se até mesmo dizer que estes não existem, mas, sim, o que existe é o lucro e com tal título não encontra qualquer limitação legal.
Admitindo-se que existam os juros embutidos no preço, assinale-se que é impossível a verificação de que parte do preço constitui juros e, portanto, não cabe a análise de abusividade ou capitalização dos mesmos.
Vale ressaltar, portanto, que os tantos processos que envolvem a discussão de juros no contrato de leasing devem ser cuidadosamente analisados, para que se evite deturpar a natureza jurídica e definição do contrato referido, atribuindo a ele elementos que não possui, abrindo precedentes errôneos para discussão de suas cláusulas contratuais.
A jurisprudência brasileira, vencendo a timidez, avaliza as razões expostas, concordando que não cabe a discussão de taxa de juros nos contratos de leasing e que não há como concordar com o desequilíbrio da relação contratual com alegações de abusividade da cobrança de juros.
Concluindo, pode-se observar que os juros não podem ser discutidos no contrato de leasing por duas razões básicas:
a) porque eles não existem, uma vez que o preço da coisa, que é dividido em prestações, se constitui do preço real do bem, adicionando-se os custos e o lucro da arrendadora;
b) porque mesmo que eles existam, justificados pelo caráter eventual de financiamento do arrendamento mercantil, não são fracionáveis, a não ser se explicitados no contrato.
É importante observar que o pedido de quitação da obrigação fundado em alegações de abusividade de juros configura-se impossível ante as razões explanadas e, portanto, o requerente que fundamenta seu petitório carece de uma das condições da ação: a possibilidade jurídica do pedido.