Nos últimos anos, o Brasil tem registrado um saudável aumento das aquisições de bens imóveis, o que causa uma expansão da concessão de créditos para estas aquisições. Em um ambiente negocial como este, torna-se importante a existência de meios jurídicos de garantia para o crédito imobiliário mais sólidos que a hipoteca, por exemplo. Esta estabilidade das garantias se tornou possível graças à alienação fiduciária de bens imóveis estabelecida pela Lei nº 9.514/1997.
A importância do instituto jurídico da alienação fiduciária de bens imóveis, no ordenamento jurídico brasileiro, pode ser verificada pelas alterações à Lei nº 9.514/1997 realizadas pelas Leis 13.043/2015, 13.465/2017, 13.476/2017 e até mesmo pelas alterações inauguradas pelo Código de Processo Civil (CPC). Contudo, as alterações realizadas pelos quatro diplomas legais não foram suficientes à melhor estruturação de uma lei que regulamenta tão importante instituto.
Analisando o artigo 27 da Lei 9514/97, temos:
Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel.
§ 5º Se, no segundo leilão, o maior lance oferecido não for igual ou superior ao valor referido no § 2º, considerar-se-á extinta a dívida e exonerado o credor da obrigação de que trata o § 4º.
Consoante as determinações do § 5º do art. 27. da Lei 9.514, o devedor será beneficiado com a extinção total de sua dívida se, no segundo leilão, não for obtido valor suficiente para solver a totalidade da dívida. Por exemplo: se a dívida total do devedor é de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), e seu imóvel foi arrematado no segundo leilão por apenas R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), sua obrigação estará extinta, e o credor não poderá pleitear o recebimento do restante da dívida. Embora se compreenda que certos sistemas, como o Sistema Financeiro de Habitação, voltados às pessoas de menor poder aquisitivo e que adquirem imóvel com baixo valor de mercado, possam conceder este tipo de benefício, a mesma lógica não se coaduna com a alienação fiduciária da Lei 9514/97. Este dispositivo, que poderia ter sido alterado pelas leis supracitadas, merece serena meditação por parte do legislador, possibilitando um melhor aperfeiçoamento legislativo.
Se o devedor é beneficiado pelas disposições do § 5º, do art. 27, da Lei 9.514, tanto ele quanto o credor serão prejudicados na hipótese de existência de dois ou mais imóveis garantindo a mesma dívida. Nesse caso, os imóveis passarão por leilões sucessivos, e os certames serão suspensos somente após se atingir o valor suficiente para pagamento integral da dívida. Uma vez que os leilões só podem ser realizados após a consolidação da propriedade do credor, há necessidade do recolhimento, por parte do credor, de tributos (ITBI, taxas dos cartórios de registro de imóveis etc.). Ora, se o valor arrecadado pelo leilão do primeiro imóvel for suficiente para solver a integralidade da obrigação do devedor, o segundo imóvel retornará à sua propriedade, e ele também pagará os mesmos tributos e taxas pagos pelo credor na consolidação de sua propriedade. Neste ponto, a Lei 9514/97 deve ser alterada, permitindo-se a realização dos leilões sem a imposição de tais ônus desnecessários.
Ponto importante que precisa ficar claro na Lei 9514/97, evitando a torrente de ajuizamento de ações, é em relação à natureza jurídica do direito do devedor. Quando este possui credores sem garantia fiduciária (quirografários, por exemplo), estes requerem a constrição de seus bens, e esta constrição judicial pode impedir a consolidação da propriedade do credor e o leilão. Este incômodo jurídico poderá ser evitado se a lei deixar claro que o devedor possui um direito aquisitivo, e que a constrição desse direito não impede a consolidação da propriedade fiduciária do credor nem a realização do leilão.
Ajustes como estes, na Lei 9514/97, tornarão a alienação fiduciária de bens imóveis uma garantia muito mais clara, sólida incontroversa, possibilitando sua cada vez maior utilização no mercado negocial imobiliário brasileiro, trazendo segurança jurídica tanto para o credor quanto ao devedor.