INTRODUÇÃO
Versa o presente estudo sobre a consabida consternação jurídica e social acerca da morosidade da prestação jurisdicional.
Tenciona-se analisar a contribuição da sistemática do controle de constitucionalidade pátrio para as críticas existentes e, com isso, propor-se critério de aprimoramento tendente a contribuir de modo efetivo para o alcance do direito fundamental da razoável duração do processo.
I CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE BRASILEIRO
Se é certo que a Constituição Federal de 1988, popularmente intitulada de “constituição cidadã”, alargou o espectro de direitos dos cidadãos, não menos certo, como tem ocorrido em diversos sistemas judiciais, que tem ensejado angústias da população e da mídia em geral no quesito pertinente à celeridade processual.
Tanto é que o legislador reformador, passados dezesseis anos de sua promulgação, fez inserir como direito fundamental a “razoável duração do processo” no art. 5º, inciso LXXVIII, da Carta Magna1.
Dentro desse cenário, não se pode desconsiderar que o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade possui influência direta na morosidade judiciária, haja vista a proliferação das divergências processuais, que culminam por alongar a tramitação processual, dada a dificuldade de congruência da interpretação das leis pelos tribunais pátrios.
Por consectário, revela-se indispensável a análise de nosso sistema de controle de constitucionalidade, como forma de aferir impressões de sua formatação e os métodos e instrumentos hábeis à contenção da morosidade.
Para que se inicie esse estudo, é necessária breve digressão à origem da semântica constitucional, que perpassa o próprio conceito de Estado, o qual, segundo Canotilho, não pode encontrar-se dissociado de dois vértices, o direito e a democracia2.
Nas palavras de Canotilho,
“o Estado constitucional não é nem deve ser apenas um Estado de direito. Se o princípio do Estado de direito se revelou como uma ‘linha Maginot’ entre ‘Estados que têm uma constituição e ‘Estados que não têm uma constituição’, isso não significa que um Estado constitucional moderno pode limitar-se apenas a um Estado de direito. Ele tem que estruturar-se como Estado democrático de direito, isto é, como uma ordem de domínio legitimada pelo povo. A articulação do ‘direito’ e do ‘poder’ no Estado constitucional significa, assim, que o poder do Estado deve organizar-se e exercer-se em termos democráticos. O princípio da soberania popular é, pois, uma das traves mestras do Estado constitucional. O ‘poder político’ deriva do ‘poder dos cidadãos’.”3
Desse modo,
“a partir do Estado constitucional (cfr. Supra) passou a falar-se de defesa ou garantia da constituição e não de defesa do Estado. Compreende-se a mudança de enunciado lingüístico. No Estado constitucional o objecto de protecção ou defesa não é, pura e simplesmente, a defesa do Estado, mas da forma de Estado como ela é normativo constitucionalmente conformada – o Estado constitucional democrático.”4
Logo, para que haja efetividade na conformação e defesa do Estado, revela-se indissociável a preservação da constituição e da conformidade desta para com os regramentos e princípios que a supedaneam, elementos que enredam o sistema de controle de constitucionalidade.
Sobre o tema, Luís Roberto Barroso refere:
“O ordenamento jurídico é um sistema. Um sistema pressupõe ordem e unidade, devendo suas partes conviver de maneira harmoniosa. A quebra dessa harmonia deverá deflagrar mecanismos de correção destinados a restabelecê-la. O controle de constitucionalidade é um desses mecanismos, provavelmente o mais importante, consistindo na verificação da compatibilidade entre uma lei ou qualquer ato normativo infraconstitucional e a Constituição. Caracterizado contraste, o sistema provê um conjunto de medidas que visam a sua superação, restaurando a unidade ameaçada. A declaração de inconstitucionalidade consiste no reconhecimento da invalidade de uma norma e tem por fim paralisar sua eficácia”5.
Tratando especificamente do sistema de controle de constitucionalidade inserido na Constituição Federal de 1988, Gilmar Ferreira Mendes destaca a evolução em relação à Constituição Brasileira de 1967 no tocante ao alargamento dos legitimados para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade, outrora limitada ao Procurador-Geral da República, pontuando que:
“Esse fato fortalece a impressão de que, com a introdução desse sistema de controle concentrado de normas, com ampla legitimação e, particularmente a outorga do direito de propositura a diferentes órgãos da sociedade, pretendeu o constituinte reforçar o controle abstrato de normas no ordenamento jurídico brasileiro como peculiar instrumento de correção do sistema geral incidente.”6
A seguir, Mendes sustenta que tal feição da atual Constituição Pátria redundou na redução do espectro de atuação do controle de constitucionalidade difuso, “permitindo que, praticamente, todas as controvérsias constitucionais relevantes sejam submetidas ao Supremo Tribunal Federal mediante processo de controle abstrato de normas”7.
Assim, pondera o precitado autor que
“a ampla legitimação, a presteza, a celeridade desse modelo processual, dotado inclusive da possibilidade de se suspender imediatamente a eficácia do ato normativo questionado, mediante pedido de cautelar, faz com que as grandes questões constitucionais sejam solvidas, na sua maioria, mediante a utilização da ação direta, típico instrumento do controle concentrado.”8
Neste tópico, calha referir que, no ano de 2011, tramitavam 67,3 mil processos no Supremo Tribunal Federal, o qual “comemorou” a redução do ingresso de recursos em virtude do instrumento da “repercussão geral”. Por outro lado, visualizou-se o incremento no número de ações originárias, que perfaziam 18,2 mil demandas9.
II – MOROSIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL BRASILEIRA E DIREITOS FUNDAMENTAIS
A análise crítica dos relatórios que vêm sendo elaborados e divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça leva à consternação de qualquer cidadão, em especial daqueles que, eventualmente, pensam em socorrer-se do Poder Judiciário na expectativa de garantirem seus direitos.
No relatório “Justiça em Números” alusivo ao ano de 2011, exemplificativamente, há dados apontando a existência de 138.016 novos feitos no âmbito da Justiça Estadual de Primeiro Grau10, remanescendo pendentes de julgamento 144.424 feitos, tendo sido baixadas 193.009 ações, embora tenham sido proferidas 109.833 sentenças em Primeiro Grau (o que significa um déficit de 28.183 demandas sem julgamento).
Isso tudo em um Estado que conta com o 21º lugar em termos de população no país (2.360.498 habitantes), que redunda em mais de 5% da população com demandas novas no Poder Judiciário.
Tratando desse enredo, o magistrado sulmatogrossense Dorival Renato Pavan asseverou:
“Desde antes mesmo da CF de 1988, que ampliou o acesso à Justiça, e mais acentuadamente agora, o Judiciário não estava – e não está – preparado para dar cumprimento ao que presentemente se agrega como norma no texto constitucional, advinda com a reforma do Judiciário através da Emenda Constitucional nº 45/04, qual seja, o de que a prestação jurisdicional deve se dar em tempo razoável.”11
Mais à frente o precitado magistrado refere:
“[...] um juiz de competência residual, em Campo Grande, MS, tem em média quatro mil processos tramitando em sua vara. Diferente não ocorre, também, nas Varas de Fazenda Pública e até mesmo nas de Família, que têm número excessivo e elevado de processo em curso, comprometendo a razoabilidade da duração do processo e o escopo almejado de ser ele efetivo.
Em entrevista à revista ‘Veja’, o novo Ministro do Supremo Tribunal Federal, CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, informa que um Ministro do Superior Tribunal de Justiça recebe, em média, 1.200 processo por ano.”12
Por seu turno, o processualista Barbosa Moreira, em obra do ano de 1984, aponta a complexidade do problema da morosidade da prestação judiciária, conforme se vê a seguir:
“A excessiva demora dos processos tem causas tão numerosas, tão complexas (ousaríamos acrescentar: e tão mal individuadas nos respectivos pesos, pela carência de estatísticas judiciárias), que seria ambição vã querer encontrar no puro receituário processual remédio definitivo para a enfermidade. Entra aí em jogo longa série de questões: falhas da organização judiciária, deficiências na formação profissional de juízes e advogados, precariedade das condições sob as quais se realiza a atividade judicial na maior parte do país, uso arraigado de métodos de trabalho obsoletos e irracionais, escasso aproveitamento de recursos tecnológicos.
É fácil imaginar o vulto dos investimentos financeiros imprescindíveis a qualquer tentativa de ataca em larga escala esse conjunto de problemas; e o mesmo se dá com relação a a outros, também relevantíssimos do ponto de vista da efetividade do processo, qual o da assistência judiciária aos necessitados, cujas dimensões parecem capazes de embaraçar países de economia altamente desenvolvida – a ‘fortiori’, nações que nesse campo se debatem, como o Brasil, em dificuldades de toda sorte.”13
Assim, se pensarmos em demandas tendentes à garantia de direitos fundamentais, não fosse a instituição e evolução das famosas “tutelas de urgência”, poder-se-ía reconhecer a falência da tripartição de poderes pela morte.
Por outro lado, contamos com um mandamento expresso de celeridade (razoável duração do processo), o qual deve ser cotejado com princípios como o da proteção jurídica eficaz e temporalmente adequada, bem como o direito de suscitar a questão da inconstitucionalidade.
Ao tratar do conceito de direitos fundamentais, José Afonso da Silva teoriza:
“Direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada a este estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. […]14.
Ainda versando sobre o conceito de direitos fundamentais, José Antônio da Silva entende que
“[...] são situações jurídicas, objetivas e subjetivas, definidas no direito positivo, em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana […] Por regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia contida e aplicabilidade imediata, enquanto as que definem os direitos econômicos e socciais tendem a sê-lo também na Constituição vigente, mas algumas, especialmente as que mencionam uma lei integradora, são de eficácia limitada, de princípios programáticos e de aplicabilidade indireta, mas são tão jurídicas como as outras e exercem relevante função, porque, quanto mais se aperfeiçoam e adquirem eficácia mais ampla, mais se tornam garantias da democracia e do efetivo exercício dos demais direitos fundamentais”15.
Assim o é o princípio da razoável duração do processo, insculpido no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, dentre o rol de direitos fundamentais pátrios.
III – DA CONTRIBUIÇÃO PARA A CELERIDADE
Na tentativa de debelar tal problemática, a crise da efetividade da Jurisdição tem recebido atenções reformistas, notadamente direcionadas à redução do número de recursos que alcancem o Supremo, tais como a sistemática da repercussão geral (regulada pelos arts. 543-A e 543-B do Código de Processo Civil) e o efeito vinculante de suas súmulas (art. 103-A da Constituição Federal).
Desse modo, se é inequívoco que existem inúmeros fatores que contribuem para a morosidade processual, tenho que a formatação da sistemática processual, objetivamente considerada, pode contribuir diretamente para a celeridade processual.
É preciso, pois, evoluir na própria formatação do modelo de controle de constitucionalidade, estreitando os limites da repercussão geral e impondo eficácia vinculante às decisões dos Tribunais Pátrios.
Na esteira desse pensamento, impende referir que, ao se atribuir eficácia vinculante às decisões dos Tribunais Pátrios, a estrutura recursal restaria bastante reduzida, o que permitia a solução das lides com mais presteza.
Note-se que a padronização dos julgados pátrios seria viável pela constatação de matérias controvertidas nas decisões sumuladas de cada Tribunal, o que alargaria o espectro da repercussão geral, permitindo acesso aos Tribunais Superiores somente nesta hipótese (controvérsia de matérias sumuladas em cada Tribunal).
Por outro lado, ao se encontrarem os juízos de primeira instância vinculados às decisões do respectivo Tribunal, as demandas, especialmente as repetitivas, contariam com pronta resposta jurisdicional, tornando diminuto o acesso aos Tribunais Superiores, os quais estariam limitados a debater unicamente as controvérsias entre os demais Tribunais sem, com isso, desnortear-se dos ícones de garantidores da Constituição (Supremo Tribunal Federal) e das normas infraconstitucionais (Superior Tribunal de Justiça).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do estudo procedido, tem-se como indispensável a necessidade de aprimoramento dos instrumentos processuais a fim de viabilizar a prestação jurisdicional célere e adequada. Ainda que a problemática da morosidade esteja enredada por inúmeros fatores, o processo, em especial o de controle de constitucionalidade, conta com papel de relevo no deslinde das ações judiciais.
A sistemática de limitação de acesso aos Tribunais Superiores mediante o alargamento da repercussão geral, adicionando-se como requisito a presença de controvérsia concreta entre Tribunais Pátrios, somada à atribuição de eficácia vinculante às decisões dos Tribunais “Inferiores”, seria instrumento facilitador da celeridade.
nOTAS
1 “Art. 5º [...] LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”.
2 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 4ª ed. – Coimbra: Livraria Almedina, 2000. Pág. 93.
3 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 4ª ed. – Coimbra: Livraria Almedina, 2000. Pags. 97-98.
4 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 4ª ed. – Coimbra: Livraria Almedina, 2000. Pag. 859.
5 Barroso, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 4ª Ed. – São Paulo: Saraiva, 2009. Pág. 1.
6 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 3ª ed. rev. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2004. Pág. 208.
7 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 3ª ed. rev. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2004. Pág. 208.
8 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 3ª ed. rev. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2004. Pág. 208.
9 Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-fev-06/numero-acoes-originarias-supremo-aumenta-recursos-caem. Acesso em 20.01.2013.
10 Disponível em: http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/rel_completo_estadual.pdf. Acesso em 21/01/2013.
11 PAVAN, Dorival Renato. Coordenado por André Puccinelli Júnior. Temas atuais de direito público: a razoável duração do processo, o princípio constitucional da efetividade e as possíveis soluções para a morosidade processual. Campo Grande: Puccinelli Centro de Estudos Jurídicos/UCDB, 2008. Pag. 95.
12 PAVAN, Dorival Renato. Coordenado por André Puccinelli Júnior. Temas atuais de direito público: a razoável duração do processo, o princípio constitucional da efetividade e as possíveis soluções para a morosidade processual. Campo Grande: Puccinelli Centro de Estudos Jurídicos/UCDB, 2008. Pag. 139.
13 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Extraído de PAVAN, Dorival Renato. Coordenado por André Puccinelli Júnior. Temas atuais de direito público: a razoável duração do processo, o princípio constitucional da efetividade e as possíveis soluções para a morosidade processual. Campo Grande: Puccinelli Centro de Estudos Jurídicos/UCDB, 2008. Pag. 105.
14 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. Pág. 180.
15 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. Pág. 180.