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A obsolescência programada à luz do direito ambiental brasileiro

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Agenda 14/01/2018 às 21:54

2. IMPACTOS CAUSADOS PELA PRÁTICA DA OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA

Annie Leonard[30] explica, em seu documentário, que o primeiro limite que enfrentamos nessa prática é o uso demasiado dos recursos naturais. Esclareceu que, durante as três últimas décadas, foram consumidos 33% dos recursos naturais do planeta e que 75% das zonas de pesca mundial estão sendo exploradas ao máximo de sua capacidade. Acrescentou ainda, que 80% das florestas originais do mundo desapareceram, pois só na Amazônia, há uma perda de 2000 árvores por minuto, o que equivale a um campo de futebol por minuto.

De acordo com seu documentário, os recursos naturais são deslocados para as fábricas, onde são misturados com produtos químicos e tóxicos. Explicou, ainda, que as toxinas saem das fábricas como produtos e muitas delas como subprodutos, por meio de fumaças pelas chaminés, ou seja, muita poluição.

Nos Estados Unidos, admitem-se liberar cerca de 1 milhão e 800 mil quilos de químicos tóxicos por ano. Alertou, ainda, que sobre o impacto que esses tóxicos produzidos causam à saúde e ao meio ambiente, não são realizados estudos sobre eles e que as pessoas que mais sofrem com os produtos tóxicos são os trabalhadores das fábricas que ficam expostos a agentes químicos. Nessa esteira, concluiu que não somente recursos são desperdiçados no ciclo desse sistema, mas também as pessoas.

Informou que após a produção, os produtos são encaminhados para o mercado, cujo local tem por objetivo manter os preços baixos para fazer com que as pessoas comprem de forma constante, mantendo o movimento. 

Quanto aos preços baixos, mencionou que são os trabalhadores que os mantêm. Mantêm por meio dos salários baixos que recebem, além dos seguros de saúde que lhes são direito de usufruir, todavia muitas vezes lhes são restringidos.

Leonard demonstrou que tudo isso se resume em exteriorizar os custos, haja vista os verdadeiros custos da produção não se refletirem no preço, ou seja, na realidade as pessoas não pagam por aquilo que compram.

A exemplo, contou que, certa vez, entrou em uma loja para comprar um rádio. Após observar que o rádio custava US$ 4,99 (quatro dólares e noventa e nove centavos), passou a analisar como esse valor poderia refletir os custos e transporte desse produto. Dessa forma, chegou à conclusão que o metal devia ter sido extraído na África do Sul, o petróleo provavelmente do Iraque, o plástico produzido na China e talvez montado por uma criança de quinze anos em uma fábrica no México; ou seja, concluiu que o valor cobrado pelo rádio, não pagaria o aluguel do espaço ocupado na prateleira da loja, nem parte do salário do empregado que a atendeu, bem como as viagens de navio ou caminhão que o rádio percorreu.

Diante dos fatos, percebeu não ter pagado pelo valor do rádio. Contudo, compreendeu a real composição do valor do produto, qual seja: as pessoas pagaram com a perda dos recursos naturais; as crianças do Congo pagaram com o seu futuro, pois 30% das crianças abandonam a escola para trabalhar nas minas de Coltan (os metais que usamos nos aparelhos eletrônicos baratos e descartáveis); e as pessoas pagaram por não terem direito ao seguro de saúde.

Não obstante, ressaltou que essas verdadeiras contribuições do custo de produção exteriorizadas não são contabilizadas.

Explanou que, nos Estados Unidos, 99% das coisas em menos de seis meses viram lixo e por tal motivo, não há como gerir um planeta com esse rendimento, alegando que, atualmente, os americanos consomem o dobro do que consumiam há cinquenta anos e que isso foi planejado após a segunda guerra mundial, por meio do analista de vendas Victor Lebow, o qual articulou a solução que mudou completamente a economia, por meio de seu texto:

A nossa enorme economia produtiva exige que façamos do consumo nossa forma de vida, que tornemos a compra e uso de bens em rituais, que procuremos a nossa satisfação espiritual, a satisfação de nosso ego, no consumo. Precisamos que as coisas sejam consumidas, destruídas, substituídas e descartadas a um ritmo cada vez maior.[31]

Além disso, Leonard também relatou em seu documentário, que o conselheiro econômico do presidente Dwight D. Eisenhower, declarou que o principal objetivo da economia americana era produzir mais bens de consumo. Com isso, duas das suas estratégias mais bens sucedidas foram: a obsolescência programada e a obsolescência perceptiva. Consoante a revista EXAME:

Dados da décima edição do estudo Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, realizado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), indicam que a tarefa de acabar com os lixões até 2014, como prevê a Política Nacional de Resíduos Sólidos, está se revelando árdua para os municípios. Das 64 milhões de toneladas de resíduos gerados no ano passado, 24 milhões seguiram para destinos inadequados, como lixões. Isso equivale a 168 estádios do Maracanã lotados de lixo, sendo que outras 6,2 milhões de toneladas sequer foram coletadas. Em média cada brasileiro gerou 383 kg de lixo por ano, um aumento de 1,3% de resíduos por habitante em relação a 2011. O Nordeste é a região que tem a maior quantidade de resíduos sem destinação adequada, encaminhando diariamente 65% do lixo coletado para lixões ou aterros controlados, os quais, do ponto de vista ambiental, pouco se diferenciam dos próprios lixões.[32]

De volta ao documentário, entretanto, todo lixo é despejado em um aterro (grande buraco no chão), ou ainda incinerado e depois despejado no chão, sendo que as duas formas poluem o solo, o ar, a água, sem esquecer que alteram o clima, pois durante a queima, ocorre a liberação de super tóxicos, como a dioxina. Algumas empresas não querem criar aterros e nem incineradores e nesse caso, elas exportam esse lixo.

Quanto à reciclagem, tal prática contribui para a redução do lixo nessa extremidade e que todos devem reciclar, porém esse ato apenas não é suficiente, pois, para cada saco de lixo, 70 sacos são criados anteriormente. Insta enaltecer, que grande parte do lixo não pode ser reciclado, por conter demasiados tóxicos ou porque foi criado para não ser reciclado, como as caixas de suco que possuem camada de plástico, papel e metal, todas coladas. Como se vê, é um sistema em crise.


3. A OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA E O RISCO ECOLÓGICO

Como todo ato possui risco, a obsolescência planejada não é a exceção. Conforme se observa, os riscos devido a tal prática são ocultados e ultrapassam gerações. Ulrich Beck, define esses riscos da seguinte forma:

[...] riscos são inicialmente bens de rejeição, cuja inexistência é pressuposta até prova em contrário – de acordo com o princípio: “in dubio pro progresso”, e isto quer dizer: na dúvida, deixa estar[33]. (Destaquei).

Beck ainda complementa o conceito de risco como “o risco seria simplesmente uma decorrência do progresso”.[34]

Tendo em vista, o avanço da ciência para atender cada vez mais as necessidades dos consumidores, vê-se que a tecnologia não para de inovar. Porém, essa dinâmica ocasiona a desvalorização do bem, assim como a falta de interesse pelo mode­lo adquirido em um curto espaço de tempo, embora em perfeito funcionamento. Contudo, esse sistema de custo elevado, mantém aquecido o mercado de consumo desenfreado.

O problema desse mercado de consumo, ou seja, especificamente essa troca constante de bens materiais, de certa forma, desnecessária, gera cada vez mais lixo, o qual não recebe uma destinação adequada e esse é maior dos problemas.

 Esses produtos são descartados de forma irregular na natureza, ocasionando grande impacto, causando danos irreversíveis.

Ocorre que esse sistema fere um direito fundamental previsto na Carta Maior, por comprometer o meio ambiente e a boa qualidade de vida. Nesse aspecto, explica Manuel Gonçalves Ferreira Filho:

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Direito ao meio ambiente. Este é um direito de solidariedade – a terceira ‘geração’ dos direitos fundamentais (a primeira, as liberdades; a se­gunda, os direitos sociais). Na verdade, pode-se retraçar, com facilidade, a sua genealogia. Pro­vém do direito à vida (primeira geração), por in­termédio do direito à saúde (segunda geração).[35]

É válido lembrar que a redução da vida útil de um produto de forma planejada, não se confunde com o desgaste natural devido ao uso, por isso tal prática se torna lesiva ao meio ambiente e, portanto, deve ser afastada.


4. A OBSOLESCÊNCIA E SUA CONEXÃO COM O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

4.1 A recepção da proteção ao Meio Ambiente pela Constituição de 1988

Foi após os anos 1970 que houve a conscientização sobre os problemas ambientais no Direito, uma vez que passou a ser observado nitidamente que suas consequências não seriam possíveis de ser enfrentadas apenas pelas autoridades públicas ou por ações individuais isoladamente. Isso porque o problema tomou grande proporção. No caso em tela, verificou-se que o problema começou a comprometer, de certa forma, as futuras gerações.

 Contudo, após os direitos de primeira e segunda dimensões, que fundaram o Estado Democrático de Direito (ou Liberal de Direito) e o Estado Social de Direito (ou do Bem-estar social), respectivamente, surgem, ainda, os direitos de terceira dimensão, como base construtiva do Estado de Direito Ambiental[36].

 O ponto diferenciador destes direitos de terceira dimensão está na sua titularidade, conquanto dizem respeito à proteção de categorias ou grupos e não mais ao homem individual. Então, representam os direitos metaindividuais, direitos coletivos e difusos e direitos de solidariedade, como, por exemplo, os relacionados à paz, à autodeterminação dos povos, ao meio ambiente sadio, à qualidade de vida, etc.[37]

 Dessa forma, o Estado de Direito Ambiental, assim como os demais Estados antecessores, surge com a incorporação de uma nova dimensão de direitos fundamentais ao sistema. Todavia, importante grifar que este novo Estado não se desvincula dos direitos fundamentais já conquistados, motivo pelo qual se impõe como mais apropriada a utilização do termo “dimensão”, em substituição aos termos gerações, eras ou fases, porquanto estes direitos não são substituídos ou alterados de tempos em tempos, mas resultam de um processo de complementaridade permanente, de conjugação e conformação de funções e interesses.[38]

  É possível afirmar, portanto, que a construção do Estado de Direito Ambiental propõe aplicar o princípio da solidariedade econômica e social para se alcançar um desenvolvimento sustentável, fundado em equidade intergeracional e em uma visão menos antropocêntrica.[39]

   Nessa senda, Sarlet e Fensterseifer, preconizam:

Cumpre ao Direito, portanto, a fim de restabelecer o equilíbrio e a segurança nas relações sociais (agora socioambientais), a missão de posicionar-se em relação a essas novas ameaças que fragilizam e colocam em risco a ordem de valores e os princípios republicanos e do Estado Democrático de Direito, bem como comprometem fortemente a sobrevivência (humana e não humana) e a qualidade de vida.[40]

Sarlet e Fensterseifer afirmam, ainda, que:

O marco jurídico-constitucional socioambiental ajusta-se à necessidade da tutela e promoção – integrada e interdependente – dos direitos sociais e dos direitos ambientais num mesmo projeto jurídico-político para o desenvolvimento humano em padrões sustentáveis, inclusive pela perspectiva da noção ampliada e integrada dos direitos fundamentais socioambientais ou direitos fundamentais econômicos, sociais, culturais e ambientais.[41]

 Para Benjamin, a Constituição Federal de 1988 obteve o êxito de internalizar a problemática ambiental no âmbito jurídico nacional, saltando da miserabilidade ecológico-constitucional, própria das Constituições liberais anteriores, para o que chamou de opulência ecológico-constitucional, de forma que o art. 225 é apenas a face mais visível de um regime constitucional que, em vários pontos, dedica-se, direta ou indiretamente, à gestão adequada dos recursos ambientais.[42]

A Carta Maior impõe o compromisso e ampara o direito fundamental de proteção ambiental. Não bastasse, cobra também o agir de forma integrada da administração, conforme preconiza o artigo 225.

Embora não se encontre, de forma explícita, no artigo 5º da Constituição, o direito ambiental é um direito fundamental de terceira dimensão. Essa afirmativa é feita com base no parágrafo segundo do artigo 225, porquanto nosso sistema de direitos fundamentais é aberto[43].

Destarte, verifica-se que a Carta Maior aproximou juridicamente o Estado de Direito brasileiro e a proteção ao Meio Ambiente e formalizou este ato, o que restou demonstrado por meio de um Estado em âmbito nacional, todavia sua efetivação se dará por meio de ações estatais e sociais.

Dessa forma, a Constituição Federal, em seu artigo 225, trata do meio ambiente, que vem, em tese, para intermediar tal problema, conforme se vê:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:

[...]

V -  controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

[...]

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. [44] (Destaque e grifo nosso)

No caso em tela, verifica-se que a Carta Magna traz em sua redação no artigo supracitado, o dever do Estado sobre o controle da produção e do emprego de técnicas e métodos que acarretem risco para o meio ambiente. Portanto, ele tem autonomia para controlar os bens e os produtos, vítimas da obsolescência programada, posto que esse sistema coloca em risco o meio ambiente, na proporção que aumenta a exploração dos recursos naturais, o acúmulo de lixo e a emissão de poluentes. 

Nesse mesmo artigo, nota-se que a Constituição veda qualquer prática que coloque em risco o sistema ecológico em geral. Todavia, o próprio Estado deveria combater essa prática, pois esta provoca de forma exacerbada tanto o consumo quanto a produção de forma descontrolada.

De acordo com Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer,

O tratamento jurídico-constitucional dispensado à proteção do ambiente pela nossa Lei Fundamental de 1988 permite a constatação de que a norma constitucional não impôs apenas dever de proteção ambiental ao Estado, mas também lançou mão da responsabilidade dos particulares para a consecução de tal objetivo constitucional. Ao dispor no caput do seu art. 225 que se impõe “ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, a tutela constitucional do ambiente passou a vincular juridicamente (para além de uma obrigação moral!) também os particulares – e não somente os entes públicos –, atribuindo aos mesmos não apenas um direito fundamental ao ambiente (pelo menos no sentido de um direito de exigir que o Estado e terceiros se abstenham de atentar contra o ambiente e atuem no sentido de protegê-lo), mas também deveres fundamentais de proteção do ambiente, o que conduz ao reconhecimento do direito ao ambiente como autêntico direito-dever.[45](Itálico no original)

A proteção ambiental trata-se de um direito fundamental, portanto sua aplicabilidade é imediata. Nesse sentido:

Não apenas o direito fundamental ao ambiente, mas também os deveres fundamentais de proteção do ambiente possuem – em certo sentido – aplicação imediata, visto que deles é possível (e necessário) extrair efeitos jurídicos diretos e passíveis de exigibilidade. Sob uma perspectiva material, houve uma decisão tomada pelo constituinte brasileiro ao consolidar o direito (e o correlato dever fundamental) dos indivíduos e da coletividade a viverem em um (e não qualquer um!) ambiente ecologicamente equilibrado, considerando ser o mesmo “essencial à sadia qualidade de vida” (art. 225, caput, da CF88).[46] (Itálico no original)

Por todo o exposto, compreendeu-se a forma como o Direito se ecologizou, ou seja, por meio da criação da terceira dimensão de direitos, bem como pela formalização do Estado de Direito Ambiental, os quais, simultaneamente, são pilares do Direito Ambiental, assim como amparados por ele, além de incluir a sustentabilidade neste meio.        

4.2 Direito Ambiental

Ocorre que, diferentemente de outras disciplinas jurídicas clássicas, o Direito Ambiental surge e se consolida no mesmo período em que as Constituições dos Estados-nação começam a se ecologizar. Então, estes são, ambos, processos que ocorrem quase que de forma simultânea e que se impulsionam reciprocamente.[47]

Segundo Benjamin, a experimentação jurídico-ecológica empolgou, ao mesmo tempo, o legislador infraconstitucional e o constitucional.[48]

Dessa maneira, no início da década de 1970 que os sistemas constitucionais de todo o mundo começaram, efetivamente, a reconhecer o ambiente como valor merecedor de tutela maior, tornando-se uma irresistível tendência internacional, que coincide com o surgimento e consolidação do Direito Ambiental.[49]

Destarte, de acordo com Benjamim, ocorreram três ondas de constitucionalização ambiental no mundo: a primeira, na década de 1970, representada por países europeus que se libertavam de regimes ditatoriais, como a Grécia (1975), Portugal (1976) e Espanha (1978). Em seguida, em uma segunda onda, foi a vez de países como o Brasil, que, assim como os países que esverdearam suas Constituições na primeira onda, teve direta e forte influência dos padrões e linguagem da Declaração de Estocolmo (1972). E, por fim, após a Rio92, veio a terceira onda, quando outras Constituições passaram a ser promulgadas ou reformadas, incorporando, expressamente, concepções jurídico-ecológicas, como a de desenvolvimento sustentável, biodiversidade e precaução, a exemplo da Argentina (1994), da França (2005), do Equador (2008) e da Bolívia (2009).[50]

Coube a tais Constituições repreender e retificar o velho paradigma civilístico, substituindo-o por outro mais sustentável, isto é, mais sensível à saúde das pessoas, às expectativas das futuras gerações, à manutenção das funções ecológicas, aos efeitos negativos a longo prazo da exploração predatória dos recursos naturais, bem como aos benefícios tangíveis e intangíveis do seu uso-limitado (e até não uso). Então, o universo dessas novas ordens constitucionais permitiu propor, defender e edificar uma nova ordem pública, centrada na valorização da responsabilidade de todos para com as verdadeiras bases da vida, a Terra.[51]

Portanto, os fundamentos dorsais do Direito Ambiental encontram-se, quase que em sua totalidade, expressamente apresentados em um crescente número de Constituições modernas, pelas quais poder-se-á vislumbrar a implementação de um novo paradigma (mais ecológico) ético-jurídico e, também, político-econômico, marcado pela superação da compreensão coisificadora e fragmentária da biosfera, bem como pela internalização da noção de sustentabilidade.[52]

4.3 As leis infraconstitucionais

A Lei Maior, em conjunto com as leis infraconstitucionais, está relacionada com a prática da obsolescência programada. Dentre as variadas leis relacionadas, menciona-se a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81)[53], a Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei 12.187/09)[54] e a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/10).[55]

Nesta esteira, há um estímulo para a prática do desenvolvimento sustentável, porém nas palavras de José Rubens Morato Leite, vemos que a responsabilidade maior é do governo, conforme expressa:

[...] é necessário um novo modelo de organização estadual, que seja constituído pela integração de novos elementos ao Estado de direito, elementos que sejam próximos de dimensões de participação no espaço público, e que evidenciem uma funcional e crescente interação com as necessidades ecológicas, que por ele devem ser não só realizadas, mas reproduzidas.[56]

E mais:

De modo geral, o objetivo deveria ser o do estabelecimento de um aproveitamento racional e ecologicamente sustentável da natureza em benefício das populações locais, levando-as a incorporar a preocupação com a conservação da biodiversidade aos seus próprios interesses, como um componente de estratégia dedesenvolvimento.[57]

Nesse sentido, vemos ser necessária a conciliação entre economia e ecologia.

4.3.3.1 Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81)[58]

O foco da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) é a compatibilização da proteção do meio ambiente com as relações sociais e econômicas.

Conforme preconiza o caput do artigo 2º da referida lei, a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar condições ao desenvolvimento socioeconômico e à proteção da dignidade da vida humana.

Complementa, ainda, por meio do inciso I do mesmo artigo: “ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando que o meio ambiente é um patrimônio público que deve ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo”.

É importante destacar que o meio ambiente é um patrimônio público de uso coletivo, portanto é imprescindível que esse bem seja assegurado e protegido por intermédio da ação do governo, o qual deve trabalhar para a manutenção desse equilíbrio.

Tal princípio significa que a qualidade do meio ambiente e o equilíbrio ecológico são valores preponderantes que se elevam acima de quaisquer outras considerações como as de desenvolvimento, as de propriedade, as de iniciativa privada, por sua natureza de bem de interesse público (patrimônio público), cuja proteção não é mera faculdade da ação governamental, mas imperativo imposto pela lei com a expressão “necessariamente assegurado e protegido”, não no interesse particular, mas tendo em vista o uso coletivo.[59] (Itálico no original)

Ademais, são políticas da PNMA:

Art. 2º

[...]

II  - a racionalização do uso do solo, subsolo, da água e do ar;

III - o planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais;

[...]

VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais.

Dos objetivos específicos da Política Ambiental, esta visa, em seu artigo 4º, inciso I, à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico.

No caso em tela, significa que há uma política do equilíbrio, ou seja, deve-se conciliar o desenvolvimento socioeconômico com a preservação da qualidade ambiental, “o que importa utilização sustentada dos recursos ambientais e uso racional dos recursos naturais, com garantia de permanência dos renováveis”.[60]

4.3.3.2 Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei 12.187/09)[61]

A Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), considerada complementar à Política Nacional do Meio Ambiente[62], traz como princípios a precaução, a prevenção, a participação cidadã, o desenvolvimento sustentável e as responsabilidades comuns (art. 3º, caput).

Logo, como objetivo, a PNMC dispõe em seu artigo 4º, inciso I, a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a proteção do sistema climático. Todavia, para que isso seja alcançado, devem ser colocados em prática os princípios e as diretrizes que regem a Lei.[63]

As diretrizes da Política encontram-se elencadas em seu artigo 5º. Nota-se que, dentre elas, destacam-se o estímulo e o apoio à manutenção e à promoção de padrões sustentáveis de produção e consumo (inciso XIII, alínea b), ou seja, diretriz que confronta com a obsolescência programada.

Para alcançar os objetivos da PNMC, o País adotará, como compromisso nacional voluntário, ações de mitigação das emissões de gases de efeito estufa, com vistas em reduzir entre 36,1% e 38,9% suas emissões projetadas até 2020 (Artigo 12). Contudo, para que isso ocorra, teria que haver uma limitação das práticas econômicas.

Conforme Édis Milaré, “é evidente que as leis da entropia e da termodinâmica são desafiadas pela irracionalidade dos processos de produção, pelo alto consumismo e pela supergeração de resíduos [...]”.[64]

Nesse caso, conclui-se que, se fosse decretada o fim da obsolescência programada e houvesse o aumento da vida útil dos produtos, sem dúvida alguma, seria possível a redução da emissão desses gases.

4.3.3.3 Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010)[65]

A Lei, criada em 2 de agosto de 2010, instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) integra a Política Nacional do Meio Ambiente, conforme dispõe o caput do art. 5º da Lei.

Com fundamento no artigo 225 da Constituição Federal, a lei também prevê princípios e objetivos básicos que tentam assegurar a proteção ao meio ambiente. Reforça, ainda, em seus artigos 30 a 33, a responsabilidade compartilhada entre Poder Público, fornecedores de produtos e consumidores, sobre o ciclo de vida dos produtos, suas embalagens e a forma correta do descarte de pilhas, pneus, óleos, lâmpadas, produtos eletrônicos e demais componentes, a fim de evitar não só a Obsolescência Programada, mas também o manejo correto de todo o lixo e sua devida reciclagem.[66]

Dentre os princípios que a Lei traz em seu artigo 6º, cabe citar:

I - a prevenção e a precaução; 

[...]

IV - o desenvolvimento sustentável; 

V - a ecoeficiência, mediante a compatibilização entre o fornecimento, a preços competitivos, de bens e serviços qualificados que satisfaçam as necessidades humanas e tragam qualidade de vida e a redução do impacto ambiental e do consumo de recursos naturais a um nível, no mínimo, equivalente à capacidade de sustentação estimada do planeta; 

VI - a cooperação entre as diferentes esferas do poder público, o setor empresarial e demais segmentos da sociedade; 

Leciona Paulo Affonso Leme Machado:

A ecoeficiência é alçada à categoria de princípio, pretendendo compatibilizar o fornecimento de bens e serviços, que satisfaçam as necessidades humanas e tragam qualidade de vida e a redução do impacto ambiental e do consumo de recursos naturais a um nível, no mínimo, equivalente à capacidade de sustentação do planeta (cf. art. 6º, V). Trata-se de uma harmonização das atividades humanas: de um lado, há o fornecimento de bens e de serviços e, de outro lado, é feita a redução do impacto ambiental e do consumo num nível sustentável.[67]

Quanto aos objetivos que a Lei traz em seu artigo 7º, destaca-se:

I - proteção da saúde pública e da qualidade ambiental; 

II - não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos; 

III - estímulo à adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços; 

[...]

XIII - estímulo à implementação da avaliação do ciclo de vida do produto; 

[...]

XV - estímulo à rotulagem ambiental e ao consumo sustentável. 

Na gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, deve ser observada a seguinte ordem de prioridade: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos (artigo 9º).

Para Machado, a não geração de resíduos sólidos é o objetivo caracterizador da lei e essa prioridade é uma obrigação legal: “com o posicionamento da Lei 12.305, não se pode admitir que qualquer um seja livre para produzir o resíduo sólido que quiser, quando quiser e onde quiser”.[68]

Nesse ponto se encaixa a problemática da obsolescência programada na PNRS. A não geração de resíduos sólidos, por se tratar de uma obrigação legal, os resíduos sólidos devem ser produzidos o suficiente para se manter uma boa qualidade de vida.

O dever fundamental de proteção do ambiente impõe essa limitação, que foi positivada explicitamente na PNRS. Mais uma vez, a prática da obsolescência programada demonstra-se em desacordo com a previsão legal, pois aumenta substancialmente – e desnecessariamente – a geração de lixo.[69]

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