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Voto nulo anula eleição ?

Desmistificando lendas urbanas

Agenda 19/01/2018 às 15:14

Diariamente somos bombardeados com notícias falsas a respeito de eleições convindo que se analise se votos nulos anulam, ou não, um pleito eleitoral como se tem divulgado de modo maciço.

VOTO NULO ANULA ELEIÇÃO ?

JULIO CESAR BALLERINI SILVA

MAGISTRADO E PROFESSOR, COORDENADOR NACIONAL

DA PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL DA

ESD/PROORDEM E DA PLATAFORMA ALBERT DE ENSINO À DISTÂNCIA

Em tempos de globalização e utilização de várias mídias e plataformas virtuais, somos todos vítimas fáceis do que se tem convencionado chamar fake News – notícias falsas disseminadas de modo massivo com o intuito de confundir a população – muitas vezes são da fácil percepção, noutros há uma dificuldade maior de percepção, porque se utilizam técnicas de meias verdades, os sofismas, sobretudo em detrimento de pessoas leigas em matérias jurídicas.

Normalmente não perco meu tempo em analisar essas fake News, mas tenho sido questionado por alunos com uma certa recorrência a respeito de uma notícia falsa em peculiar, qual seja aquela que, algumas vezes utilizando fotos de pessoas famosas (como Sérgio Moro e Joaquim Barbosa), chegam aos nossos aparelhos de telefonia celular, dando conta de que se as pessoas votarem nulo (algumas delas chegam a ensinar como se votar nulo), novas eleições serão convocadas, com presença obrigatória de novos candidatos – ISSO É EXEMPLO DE FAKE NEWS – MENTIRA. Vamos analisar a situação à luz das normas eleitorais.

O que gera a confusão é o advento da norma contida no artigo 224 do Código Eleitoral (confiram no site do Senado Federal a redação oficial se houver dúvidas) que estabelece que haverá designação de nova eleição se a nulidade atingir mais da metade dos votos do país. Observe-se a transcrição literal da norma em comento:

Art. 224. Se a nulidade atingir mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 a 40 dias.

Observe-se, em primeiro lugar, que não há qualquer menção ao fato de que tais novas eleições deverão ter novos candidatos como alardeado, não sem uma razoável dose de má-fé, por quem propaga tal fake new.

Essa nulidade mencionada na lei se emprega na acepção técnica do termo nulidade, ou seja, votos não aptos a produzirem efeitos jurídicos que dele se deseja. Isso não se aplica ao que o leigo chama de voto nulo – situação de abstenção intencional em não votar em qualquer candidato (o que se chama manifestação apolítica – protesto de eleitores – em linhas gerais, a conduta de votar nulo digitando 000 e apertar confirma), mas ao que a legislação considera votação nulidade – urnas com suspeitas de fraudes, ilícitos etc. Coisa, portanto, radicalmente diversa.

Há um sofisma nesse tipo de fake News – coloca-se a meia verdade (técnica do sofisma) utilizando-se de modo completamente distorcido o termo nulidade (o que não se considera uma votação válida) com a situação dessa manifestação apolítica.

Vislumbro uma certa má-fé na divulgação dessas notícias. Causam na população a impressão de que se todos nós votarmos nulos, novas eleições serão convocadas com outros candidatos – insista-se, isso não existe.

Se pessoas conscientes não votarem correto, somente grupos com grande militância (os ditos movimentos sociais, por exemplo, grupos de extrema direita ou de extrema esquerda) e votos de cabresto (aqueles cujas famílias estão no primeiro escalão desde as Caravelas de Cabral) irão votar (eles sabem que a notícia é falsa e votarão em seus caciques eleitorais) – as pessoas apoiadas nestas condições elegerão seus representantes e o restante da população outorgou procuração implícita para que eles elegessem seus nomes – quiçá os mesmos que tem votos de cabresto ou são eleitos por grupos organizados – isso me faz lembrar as sardônicas considerações do Príncipe de Lampedusa – na  obra O Leopardo – É preciso que tudo mude, para que tudo fique do mesmo modo.

Procurem-se, portanto, se informar analisando em sites oficiais o que se entende por manifestação apolítica (ato de se optar por votar nulo), com nulidade eleitoral para efeitos de nova eleição (não há, inclusive, obrigatoriedade de se convocar novos candidatos, como se tem alardeado nas redes sociais) e a nulidade eleitoral (por exemplo, constatação de fraude pela eventual cassação de candidato eleito condenado por compra de votos, eis que, nesse caso, aí sim, se o candidato cassado obteve mais da metade dos votos, será necessária a realização de novas eleições, denominadas suplementares).

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Ou seja, nessa campanha suja pela anulação maciça de votos, propiciando que nada se altere, se o eleitor votar nulo, não obterá, como consta do site oficial do TSE, nenhum resultado prático diverso da sumária desconsideração de seu voto. Isso mesmo: os votos nulos e brancos não entram no cômputo dos votos, servindo, quando muito, para fins de estatística. Sobre o tema, a lição de Said Farhat, no sentido de que, dizendo muito em pouco:
 

“Votos nulos são como se não existissem: não são válidos para fim algum. Nem mesmo para determinar o quociente eleitoral da circunscrição ou, nas votações no Congresso, para se verificar a presença na Casa ou comissão do quorum requerido para validar as decisões”. In Dicionário parlamentar e político. São Paulo: Melhoramentos; Fundação Peirópolis, 1996. 1 CD-ROM.
 

No Brasil existe a peculiaridade do voto ser obrigatório, o que, no entanto, não é característica exclusiva do direito brasileiro, o que leva a uma falsa convicção no sentido de que o voto seria um dever, um modo indevido de fazer as pessoas perderem seus domingos e feriados, mas se deveria avaliar que, ao reverso, o que se tem por trás do voto é se descortinar que se cuida de um direito constitucionalmente assegurado ao eleitor que levou muito tempo para ser assegurado – décadas atrás, milhões saíram às ruas para buscar eleições diretas- infelizmente o caudilhismo e a ignorância levaram a uma sucessão de desacertos e busca por líderes messiânicos – mas se as pessoas se conscientizarem de que está em suas mãos alterar tudo que aí está e insistirem na solução democrática, buscando analisar quais candidatos mereceram ou não seus votos, reconduzindo os que mereceram e vetando os que não mereceram o país poderá ter alguma esperança de sair da crise política que atravessa.

O momento é muito delicado, alguns falam abertamente em controle da mídia e das forças armadas – mas somos a maioria que não poderá ser iludida por distorções dos termos técnicos da legislação eleitoral – se tiver dúvida não se deixe levar pelo que lhe chegou ao celular ou ao facebook. Confira leis e jurisprudência (grupos de casos julgados pelos Tribunais) em sites oficiais.

Pelo óbvio que se o eleitor quiser mesmo manifestar seu inconformismo com o protesto votando nulo, que o faça – é direito inquestionável seu, mas não se deixe iludir no sentido de que isso alteraria as regras eleitorais ou convocaria novas eleições com outros candidatos – ao votar nulo, simplesmente se estará outorgando ao seu vizinho, seu cunhado, seu empregador, seu empregado o direito de escolher em seu lugar. A responsabilidade daquele que vota nulo é imensa – equivale a grande omissão em momento de grande crise. Depois não terá legitimidade para reclamar.

Vale não esquecer que o léxico destaca que a expressão voto significa modo de manifestação da opinião num pleito eleitoral (Antônio Augusto Soares Amora, Minidicionário da Língua Portuguesa), o que em termos técnicos poderia ser extraído da noção romana do sufragium ou direito ao sufrágio (o voto implica na manifestação ativa do sufragium que tem uma acepção passiva que seria na capacidade eleitoral para receber votos).

Ou seja, em um Estado Democrático pode-se expressar a opinião em qualquer sentido, até mesmo pela omissão no exercício do direito (não comparecer por justificativa, comparecer e votar em branco ou nulo – o  voto em branco igualmente não produz qualquer resultado prático tal qual se dá pelo voto nulo), mas não se poderá deixar de se consignar se, num momento de aguda crise política como este, seria conveniente deixar de votar ou outorgar aos demais o direito de escolha pela omissão.

Pior ainda ! Essas campanhas orquestradas pela divulgação da falsa ideia de que votar nulo é uma coisa boa e que acontecerá anulação da eleição se todos o fizerem é uma grave afronta ao Estado Democrático de Direito, em detrimento, sobretudo, de eleitores com menor escolaridade, de modo que se deveria apurar de onde partem tais iniciativas para expor a público quem está por trás disso e se apurar eventuais responsabilidades por essas campanhas que, em verdade, pretendem fragilizar o Estado Democrático e Direito garantido pela ordem constitucional.

Vale, por fim, a leitura da analfabeto político de Bertold Brecht muito atual para os dias em que vivemos a respeito dessa falsa impressão. Observe:

“O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.”.

Sobre o autor
Julio Cesar Ballerini Silva

Advogado. Magistrado aposentado. Professor da FAJ do Grupo Unieduk de Unitá Faculdade. Coordenador nacional dos cursos de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil, Direito Imobiliário e Direito Contratual da Escola Superior de Direito – ESD Proordem Campinas e da pós-graduação em Direito Médico da Vida Marketing Formação em Saúde. Embaixador do Direito à Saúde da AGETS – LIDE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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