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A extinção do adicional de insalubridade como forma de atendimento aos preceitos constitucionais

A extinção do adicional de insalubridade poderia contribuir para a efetivação do dever de eliminar os riscos inerentes ao trabalho, por meio de ações de saúde, higiene e segurança?

RESUMO: A Constituição da República de 1988 determina que sejam adotadas medidas para eliminar os riscos a que estão expostos os trabalhadores, de modo a assegurar um ambiente de trabalho sadio. Porém, o ordenamento jurídico brasileiro tolera o labor em atividades que expõem o trabalhador a condições insalubres, mediante a compensação financeira aos mesmos, consubstanciada no pagamento do adicional de insalubridade. Instaura-se, nesse contexto, o que os estudiosos chamam de monetarização dos riscos, em decorrência do fato de os empregadores, em detrimento da neutralização dos mesmos, acabarem por remunerar os empregados como forma de compensação ao exercício da atividade insalubre. Dessa forma, o presente estudo objetiva a análise da proibição legal de exposição do trabalhador a condições insalubres de trabalho e a consequente extinção do adicional de insalubridade, de modo a identificar como a eliminação deste adicional pode contribuir para a efetivação da norma constitucional que impõe o dever de eliminar os riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. O método adotado é o exploratório e a pesquisa se pauta na revisão bibliográfica. Conclui-se que a extinção do adicional de insalubridade é medida que se impõe, pois tal medida obrigará os empregadores a adotar medidas que afastem qualquer agente insalubre, investindo em prevenção, o que clama investimentos e maior conscientização da classe trabalhadora.

Palavras-chave: Adicional de Insalubridade. Eliminação dos Riscos. Extinção.


1 INTRODUÇÃO

A Consolidação das Leis do Trabalho, nos arts. 189 e 190, prevê o pagamento de adicional de insalubridade ao trabalhador que estiver exposto a situações nocivas à sua saúde, enquanto executar o serviço, a ser pago ao em percentual mínimo, médio ou máximo, no importe de 10%, 20% ou 40%, respectivamente, a depender da efetiva exposição a agente insalubre.

O pagamento do referido adicional busca compensar o trabalhador que labora exposto a situações nocivas à sua saúde, seja por agentes físicos, químicos ou biológicos, a ser pago enquanto executar o serviço nestas condições.

Em que pese a determinação inserta na Consolidação das Leis do Trabalho, a Constituição da República de 1988, em seu art. 7°, inciso XXII, consagra como direito do trabalhador a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Desta feita, é dever do empregador adotar medidas para minimizar e/ou neutralizar os agentes insalubres, e assim assegurar um meio ambiente de trabalho digno.

Cumpre ressaltar que, no ordenamento jurídico brasileiro, há normas específicas que dispõem acerca da obrigatoriedade do empregador de adotar medidas voltadas à neutralização e eliminação dos riscos, e assim assegurar o bem-estar do trabalhador em um ambiente de trabalho salubre. Por meio da Norma Regulamentadora - NR 15, o Ministério do Trabalho e Emprego estabelece não apenas quais as atividades são consideradas insalubres, ou seja, o que as caracteriza, mas também os limites de exposição tolerados.

Ocorre que, não raras vezes, tais medidas são ignoradas, optando o empregador por arcar com os custos do adicional de insalubridade em detrimento da adoção de medidas voltadas à neutralização dos riscos.

Porém, questiona-se eventual proibição ao pagamento do adicional de insalubridade contribuiria para que fossem efetivamente adotadas medidas capazes de neutralizar os agentes insalubres, mormente porque os danos à saúde do trabalhador são inúmeros, tanto que a legislação previdenciária reconhece, em alguns casos, o direito à aposentadoria especial em virtude da exposição a tais agentes, com a redução do tempo de contribuição.

É nesse contexto que se situa o presente estudo, que tem por objetivo analisar como a proibição legal de exposição do trabalhador a condições insalubres de trabalho, e a consequente extinção do adicional de insalubridade, pode contribuir para a efetivação da norma constitucional que impõe o dever de eliminar os riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.

Para tanto, adota-se como método o dedutivo e a pesquisa se pauta na revisão bibliográfica, pois se busca na doutrina, legislação, artigos, periódicos, dentre outras fontes, elementos para a compreensão do tema.

2 SAÚDE DO TRABALHADOR E REDUÇÃO DOS RISCOS

A Constituição da República de 1988 consagra, dentre os direitos sociais individuais do trabalhador, no inciso XXII do art. 7°, a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.

Segundo Barbosa Garcia, as normas de Segurança e Medicina do Trabalho surgiram para assegurar ao trabalhador condições de proteção à sua saúde no ambiente de trabalho, remetendo ao Tratado de Versalhes, de 1919, que criou a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e incluiu na sua competência a proteção contra acidentes de trabalho e as doenças profissionais, cujos riscos devem ser eliminados, neutralizados ou pelo menos reduzidos, através da adoção de medidas apropriadas de segurança e medicina do trabalho.

A determinação constitucional, de acordo Sebastião Geraldo de Oliveira, atende aos preceitos do Direito Internacional, em especial as Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e tem como objetivo, no que se refere à segurança, “[...] proteger a integridade física do trabalho”, enquanto as normas voltadas à higiene buscam “[...] o controle dos agentes prejudiciais do ambiente laboral para a manutenção da saúde no seu amplo sentido”.(OLIVEIRA, 2011, p.134)

Nesse cenário, ganha relevância as normas de proteção à saúde do trabalhador. Porém, o conceito de saúde é amplo, pois abrange o bem-estar físico, mental e social, ou seja, não se limita à inexistência de doenças.

E sobre o conceito de saúde que norteou o constituinte originário a consagrar a redução dos riscos inerentes ao trabalho e a influência das normas de Direito Internacional no direito brasileiro, discorre Sebastião Geraldo de Oliveira que:

[...] A Convenção n. 155 da OIT, no art. 3°, esclarece a extensão do conceito de saúde, com relação ao trabalho, mencionando expressamente os “elementos mentais”. A conclusão, portanto, é que o trabalhador tem direito à redução de todos os riscos (físicos, químicos, biológicos, mecânicos, fisiológicos, estressantes, psíquicos e outros) que afetam a sua saúde no ambiente de trabalho. (OLIVEIRA, 2011, p. 144)

No mesmo sentido, o professor Francisco Milton Araújo Júnior destaca que:

A Convenção n° 155 da OIT é o documento de Direito Internacional que trata das questões afetas à segurança e saúde dos trabalhadores, assumindo “[...] posição de defesa da redução das condições de risco, incentivando a adoção de políticas de prevenção de acidentes e danos à saúde do trabalhador”.  (ARAUJO, 2009, p. 510)

Alice Monteiro de Barros defende a amplitude do conceito de saúde, pois é consagrada dentre os direitos sociais. Nessa ótica, ainda acrescenta a autora que a Organização Mundial de Saúde (OMS) define a saúde como “[...] completo bem-estar psíquico, mental e social do indivíduo”, o que é, segundo a mesma, criticado por alguns estudiosos, pois o completo bem-estar é algo difícil de alcançar. ”.(BARROS, 2010, p.179)

Não obstante as ponderações antagônicas, o fato é que o trabalhador, quando admitido pelo seu empregador, leva consigo uma série de bens jurídicos, a exemplo da vida, capacidade para o trabalho, saúde, dentre outros, bens estes que deverão ser protegidos pelo empregador.

Nesse ínterim, pontua a professora:

Destarte, é dever do empregador zelar pelo ambiente de trabalho, principalmente porque a “[...] falta de saúde do empregado gera a incapacidade e, se decorrente de ato ilícito ou de um risco gerada pelas condições de trabalho, a responsabilidade do empregador por dano material e/ou moral” (BARROS, 2016, p. 693).

Não obstante, surgem dúvidas pontuais, a exemplo do limite desta redução, se é dever do empregador reduzir os riscos a zero, se é possível eliminar totalmente os riscos no ambiente do trabalho, dentre outros.

Portanto, a questão ganha relevância quando se observa, por exemplo, que o legislador ordinário tolera o labor em atividades penosas, perigosas e insalubres. E, no que diz respeito à insalubridade, consagra o adicional de insalubridade como instituto jurídico a assegurar ao trabalhador uma compensação pela atividade em condições insalubres de labor, em grau máximo, médio ou mínimo, a depender da exposição aos agentes físicos, químicos ou biológicos.

3 o instituto da  INSALUBRIDADE no direito brasileiro

 A primeira questão a ser observada é que a insalubridade é instituto que, embora reflita em outras esferas do direito, se encontra centrado no âmbito do Direito do Trabalho. Logo, a sua conceituação está relacionada à compreensão de ambiente de trabalho, proteção ao trabalhador, ambiente insalubre, atividade insalubre, implicações na vida do trabalhador e conceitos afins.

Segundo Garcia (2015, p. 229), na atual sistemática legal, o adicional de insalubridade de encontra consagrado na Constituição da República de 1988, que em seu art. 7º, inciso XXIII, assegura ao trabalhador o direito a um meio ambiente de trabalho que não o exponha a agentes nocivos, sem prejuízo do disposto no art. 189 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Sobre o vocábulo insalubre, cumpre trazer à baila os ensinamentos de Mara Camissasa:

A palavra insalubre tem origem no latim (insalubris) e significa “o que faz mal à saúde”. O trabalho insalubre, portanto, é aquele que expõe o trabalhador a agentes que podem causar danos à sua saúde. A insalubridade não se confunde com a periculosidade: enquanto esta coloca em risco a vida do trabalhador, aquela coloca em risco a saúde do trabalhador. (CAMISSASA, 2015, p. 415).

Um ambiente insalubre é aquele que não é salubre, isto é, doentio, prejudicial à saúde, em outras palavras, é um ambiente onde existe agentes nocivos à saúde, agentes cujos valores se acham acima dos limites máximos de tolerância.

Nas palavras de Sebastião Geraldo de Oliveira:

No início, só eram consideradas insalubres atividades industriais e, por isso, algumas indústrias foram tidas como insalubres em decorrência de um Decreto-lei, que fixou o prazo de 120 dias para que o Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio organizasse o quadro das indústrias insalubres. Porém, em que pese ele ter relacionado e classificado os agentes insalubres em três graus, não estabeleceu o adicional remuneratório cabível para cada grau (OLIVEIRA, 2011, p. 166).

Ainda pondera o autor que:

O direito ao recebimento do adicional de insalubridade teve início só em 1940, quando foi instituído um percentual para compensar os trabalhadores ocupados em operações consideradas insalubres, variando de 40%, 20% ou 10% do salário mínimo, de acordo com os graus máximo, médio ou mínimo (OLIVEIRA, 2011, p. 166).

Em 1943, a CLT, no seu art. 187, conceituava como insalubres apenas as indústrias, que por sua natureza, ou pelo método de trabalho, seriam capazes de produzir doenças, infecções e intoxicações. Com a evolução do contexto trabalhista, esse conceito de insalubridade veio a ser reformulado guardando guarida no dispositivo contido no seu art. 189, in verbis:

Art. 189 Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos (BRASIL, 1943, s.p).

Tal conceito é tecnicamente mais adequado que o contido no art. 187, acima mencionado, pois é mais abrangente, não se restringindo apenas às indústrias, mas sim a toda e qualquer atividade que, por sua natureza, condições de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde acima dos limites de tolerância fixados.

Dispõe, ainda, o art. 190, do referido diploma legal que cabe ao Ministério do Trabalho aprovar o quadro das atividades e operações insalubres, além de adotar normas sobre critérios de caracterização da insalubridade, dentre outros fatores.

Desta feita, o labor em condições insalubres, de acordo com a legislação vigente, faz nascer para o trabalhador, o direito ao adicional de insalubridade. Definido por Cassar (2014, p. 866), como aquele devido ao trabalhador que estiver exposto a situações nocivas à sua saúde, enquanto executar o serviço, nos termos dos arts.189 e 190 da Consolidação das Leis do Trabalho, sendo que as agressões à saúde do trabalhador podem decorrer da exposição a agentes físicos, químicos ou biológicos.

Logo, o adicional tem sentido de alguma coisa que acrescenta e, do ponto de vista jurídico-trabalhista, nada mais é que o acréscimo salarial decorrente da prestação de serviços, no caso em tela, em atividades insalubres.

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A CLT estabelece condições mínimas de higiene, mantendo o local de trabalho em condições suportáveis. Para os casos em que a natureza da própria atividade não possibilita, impõe, além das condições coletivas de prevenção, normas e meios de proteção individual dos trabalhadores.

De fato, a insalubridade se caracteriza pela qualidade de que é insalubre tudo aquilo que origina doença.

Dessa maneira, compreende-se que esta abrange todos os agentes que possam de alguma forma provocar prejuízos à saúde humana, podendo ser estes de ordem biológica, química ou física.

Isso se deve porque eventual exposição prolongada a esses agentes, aliada a intensidade com que cada qual se faz presente no meio laboral, possui o escopo de provocar danos, por diversas vezes, irreparáveis à saúde dos trabalhadores que prestam serviços neste ambiente.

O art. 192 da Consolidação das Leis do Trabalho, que trata do percentual a ser pago ao trabalhador em virtude do labor em condições insalubres. Assim dispõe o referido artigo da CLT, in verbis:

Art. 192. O exercício de trabalho em condições insalubres, acima dos limites de tolerância estabelecidos pelo Ministério do Trabalho, assegura a percepção de adicional respectivamente de 40% (quarenta por cento), 20% (vinte por cento) e 10% (dez por cento) do salário mínimo da região, segundo se classifiquem nos graus máximo, médio e mínimo (BRASIL, 1943, s.p).

Por fim, como bem lembra Barros (2016, p. 694), o adicional de insalubridade se destina aos trabalhadores que laboram de forma permanente, acima dos limites de tolerância estabelecidos pelo Ministério do Trabalho, desenvolvendo atividades ou operações insalubres.

Desta forma, não restam dúvidas de que a legislação brasileira determina o pagamento de adicional de insalubridade para o trabalhador que laborar em atividades que possam prejudicar sua saúde.

3.1 A CARACTERIZAÇÃO DA INSALUBRIDADE NO DIREITO BRASILEIRO, ATIVIDADES E OPERAÇÕES INSALUBRES

Decorre do próprio conceito de atividade insalubre que ela se caracteriza quando em decorrência da atividade desenvolvida ou, ainda, por sua natureza, o trabalhador fica exposto a agentes físicos, químicos e biológicos acima dos limites de tolerância, gerando, deste modo, o direito a percepção do adicional de insalubridade, que varia de acordo com o grau que pode ser máximo, médico ou mínimo, atribuindo ao trabalhador o direito à percepção do adicional no importe de 40%, 20% ou 10%.

Extrai-se, portanto, que dois são os requisitos para a caracterização da insalubridade, quais sejam, que o agente seja exposto a agentes nocivos à saúde e acima dos limites de tolerância.

A NR15, entende por limite de tolerância a concentração ou intensidade máxima ou mínima, relacionada com a natureza e o tempo de exposição ao agente, que não causará danos à saúde do trabalhador, durante sua vida laboral.

Nos termos do art. 189 da Consolidação das Leis do Trabalho, as atividades ou operações insalubres são aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.

Contudo, como ressaltou o legislador no art. 190 do mesmo diploma legal, compete ao Ministério do Trabalho e Emprego aprovar o quadro das atividades e operações insalubres e adotar normas sobre os critérios de caracterização da insalubridade, os limites de tolerância aos agentes agressivos, meios de proteção e o tempo máximo de exposição do empregado a esses agentes.

Portanto, para saber se uma determinada atividade é de natureza insalubre, se faz mister recorrer aos Anexos da NR15, que descreve os agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde do empregado, assim como os limites de tolerância.

3.2 A ELIMINAÇÃO OU NEURALIZAÇÃO DA INSALUBRIDADE E A REDUÇÃO DOS RISCOS AO TRABALHADOR.

Dispõe o art. 191 da Consolidação das Leis do Trabalho que a eliminação ou neutralização da insalubridade ocorre com a adoção de medidas que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância, bem como a utilização de Equipamentos de Proteção Individual – EPIs, ao trabalhador, que diminuam a intensidade do agente agressivo aos limites de tolerância, respectivamente.

Porém, o simples fornecimento de EPIs não afasta o trabalhador dos riscos de exposição aos agentes insalubres, se faz mister a efetiva eliminação da nocividade.

Há de se observar que a eliminação da insalubridade com base em medidas que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância, está ligada às normas de saúde e segurança do trabalho, com o escopo de preservar o ambiente de trabalho, de modo a deixá-lo hígido para que haja preservação da saúde do trabalhador.

Ainda, quando se analisa as normas trabalhistas, surge um impasse, pois a Constituição determina a redução dos riscos inerentes ao trabalho pela adoção de medidas de segurança, higiene e saúde, como já dito. Por outro lado, cabe destacar, que a Consolidação das Leis do Trabalho consagra o adicional de insalubridade, tolerando a exposição do trabalhador a agentes que colocam em risco a sua integridade.

Vale dizer que não apenas a legislação infraconstitucional busca meios de compensar o trabalhador, pois a própria Constituição, no inciso XXIII, do art. 7°, prevê o denominado adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei, embora não tenha sido ainda editada lei específica.

Em se tratando de proteção ao trabalhador, leciona Oliveira (2011, p. 144) que o ideal e desejável é a eliminação de qualquer risco, sendo aceitável, contudo, em situações em que não se faz possível a eliminação dos riscos, a sua neutralização.

 Barros (2016, p. 698), no mesmo sentido, defende que a prevenção é sempre o melhor caminho, principalmente quando se trata de normas que tutelam a saúde no ambiente de trabalho, uma vez que as medidas de proteção constituem o guia da realização e gestão prática dessa prevenção.

Porém, a questão não é tão simples de ser solucionada, pois como bem lembra Sebastião Geraldo de Oliveira:

Persistem as dúvidas quanto ao fato de bastar ou não ao empregador a redução dos riscos a limites toleráveis, ou se deve adotar medidas para efetivamente zerar tais riscos; ou se há critérios para que o empregador escolha entre uma e outra opção; e, ainda, se há um limite seguro para delimitar a tolerância do trabalhador à exposição de agentes prejudiciais. Assim, desejável, repita-se, é a redução máxima, ou seja, a eliminação do agente prejudicial à saúde, como já dito, é o desejável.

Há, contudo, situações em que é inviável tecnicamente. O empregador terá que pelo menos, reduzir a intensidade do agente prejudicial para o território das agressões toleráveis” (OLIVEIRA, 2011, p. 145).

É exatamente nesse contexto que o adicional de insalubridade se enquadra, pois, em não sendo possível eliminar ou neutralizar os agentes insalubres no ambiente de trabalho, compensa-se o trabalhador pela sua exposição a tais agentes, compensação esta de natureza pecuniária.

3.3 A NORMA REGULAMENTADORA Nº15 E A PROTEÇÃO AO TRABALHADOR

A norma regulamentadora Nº 15 é mais um instrumento de proteção ao trabalhador ao passo em que é a ferramenta normativa que descreve as atividades insalubres.  

De acordo com Garcia (2015, p. 415), as atividades e operações insalubres encontram-se indicadas na NR 15, da Portaria 3.214/1978, do Ministério do Trabalho, a qual descreve os agentes químicos, físicos e biológicos capazes de causar prejuízos ao trabalhador, além e especificar os limites de tolerância.

Sobre a finalidade da NR 15, preleciona a professora Mara Queiroga Camissasa:

A NR15 tem por objetivo determinar quais atividades deverão ser consideradas insalubres e indicar como essa caracterização deve ser feita: se por meio de avaliação qualitativa ou quantitativa. Nos casos em que a avaliação quantitativa deva ser realizada, a norma determina os limites de exposição ou remete expressamente à adoção dos limites constantes em outras normas, como é o caso do Anexo 5 (Radiações Ionizantes). (CAMISSASA, 2015, p. 415)

Ocorre que a NR15 não pode ser analisada em separado, pois se encontra intimamente relacionada à NR9, que trata do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais, pois, enquanto esta NR define quais os agentes ambientais presentes no ambiente de trabalho, aquela estabelece, para cada agente apresentado, os critérios de caracterização de insalubridade nas atividades que expõem os trabalhadores a tais agentes”, traçando ainda os níveis de tolerância.

De acordo com Oliveira (2011, p. 168), a NR15 divide os agentes insalubres em três grupos: agentes físicos – ruído, calor, frio, dentre outros; agentes químicos - poeiras, névoas, fumos, etc.; agentes biológicos: vírus e bactérias.

Os anexos da referida NR dispõem acerca dos limites de tolerância, levando em conta o tempo de exposição ao agente insalubre e em alguns casos a quantidade, a depender de que tipo de agente insalubre está se tratando. Ocorre que ao se permitir a compensação pelo labor em condições insalubres, ainda que indiretamente acaba-se por permitir a mitigação do comando constitucional inserto no inciso XXII, do art. 7°, principalmente porque o empregador pode adotar a medida mais simples e, por conseguinte, menos eficaz.

Sobre esse questionamento é que Sebastião Geraldo de Oliveira destaca:

A medida mais eficaz de combate ao agente agressivo, obviamente, é a sua eliminação. Como isso nem sempre é possível tecnicamente ou viável econômica, em último caso, a legislação permite que o agente seja apenas neutralizado, de modo a resguardar a saúde do trabalhador. (OLIVEIRA, 2011, p. 423)

Segundo a OIT, há quatro modalidades principais de prevenção contra os agentes danosos, relacionadas na ordem decrescente quanto à eficácia: a) eliminação do risco; b) eliminação da exposição do trabalhador ao risco; c) isolamento do risco; d) proteção do trabalhador.

Portanto, como lembra Barros (2016, p. 698-699) é obrigação do empregador adotar medidas para proteger os seus trabalhadores, pois, o fornecimento gratuito de EPIs é de responsabilidade do mesmo.

Importa salientar que é exatamente no acima exposto, mormente o art. 166 da Consolidação das Leis do Trabalho, é que foi editada a Portaria do Ministério do Trabalho n° 3.214/1978, estabelecendo a NR4, a qual preconiza, em apertada síntese, que a utilização pelo trabalhador pelo trabalhador de EPI só deverá ocorrer quando esgotados todos os meios conhecidos para a eliminação do risco e este ainda persistir.

Nesse contexto, se percebe mais uma vez, que o objetivo é a redução do risco, somente sendo indicado o uso de EPIs quando efetivamente não for possível a eliminação do risco, como bem observa Sebastião Geraldo de Oliveira:

Quando nenhuma das alternativas for possível, quando as medidas de ordem geral não oferecem completa proteção contra os riscos de acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais, como último recurso é que se deve adotar a opção da neutralização do agente por intermédio do EPI. Só haverá neutralização quando a intensidade do agente agressivo for reduzida para limites toleráveis. (OLIVEIRA, 2011, p. 424):

Logo, a finalidade precípua do legislador é assegurar meios para a redução e eliminação dos riscos; e, num segundo momento, não sendo possível a redução dos riscos inerentes ao trabalho, é que se lança mão dos equipamentos de proteção individual para minimizar os danos, o que infelizmente nem sempre é possível, seja porque o empregador deixa de adotar os equipamentos adequados, seja pela falta de conscientização do trabalhador que deixa de usá-los, seja pela ineficaz fiscalização.

Em meio a este cenário, a saúde do trabalhador resta prejudicada e o comando constitucional de redução dos riscos inerentes ao trabalho mitigado, principalmente porque o fornecimento de equipamentos de proteção individual é medida menos custosa para o empregador.

Não se pode ignorar, contudo, que a Portaria n° 3.214/1978 foi editada em momento outro, quando o desenvolvimento tecnológico apresentava quadro diverso; e, apesar de alterações pontuais em uma ou outra Norma Regulamentar, clama revisão mais ampla, até mesmo porque a fixação dos níveis de tolerância é questão tormentosa.

Por isso Mara Queiroga Camissasa aborda a problemática da desatualização da NR 15, bem como a mitigação do risco, ao destacar que:

Os Limites de Tolerância e Índices de Exposição Biológica constantes nos guias de orientação da ACGIH são reavaliados anualmente, com base em novos conhecimentos e publicações científicas. Na verdade, os valores desses parâmetros têm sido reduzidos ao longo do tempo, donde se conclui que houve uma superestimação do risco, no passado, e daí a desatualização da NR15: a maioria dos valores constantes nessa norma não foi atualizada desde a sua publicação em 1978, houve apenas algumas alterações pontuais. (CAMISSASA, 2015, p. 416-417)

 Nesse cenário, Oliveira (2011, p. 146) destaca que a OIT já recomendou revisões periódicas de tais limites, uma vez que delimitar onde termina a saúde e começa a doença não é questão simples de ser solucionada, clama conhecimentos técnicos e demanda estudos frequentes, principalmente quanto aos danos causados por determinados agentes à saúde do trabalhador.

Ainda sobre a problemática da falta de atualização, Mara Queiroga Camissasa leciona:

A falta de atualização de vários limites de tolerância presentes na NR15, aliada à evolução técnico-científica das últimas décadas, faz que diversas exposições consideradas atualmente toleráveis pela norma não sejam sequer admitidas por órgãos normativos e científicos internacionais (dentre eles a própria ACGIH), por serem, comprovadamente, danosas à saúde do trabalhador. (CAMISSASA, 2015, p. 417)

Outra questão de suma importância é a desconsideração da jornada extraordinária de labor. Por isso, Oliveira (2011, p. 146) ressalta que os limites de tolerância fixados observam uma jornada normal de trabalho, ou seja, oito horas diárias. Logo, considerando que no Brasil o labor em jornada extraordinária infelizmente é habitual, os limites estabelecidos também deixam de assegurar o trabalho em condições saudáveis.

Nas palavras do professor Sebastião Geraldo de Oliveira:

Pode ocorrer, ainda, de estar o trabalhador exposto a mais de um agente insalubre; e, em sendo os limites estabelecidos no ordenamento jurídico brasileiro observando os agentes físicos, químicos e biológicos em separado, ou seja, considerando a exposição a um único agente, quando o trabalhador se expõe simultaneamente a vários, resta efetivamente desprotegido (OLIVEIRA, 2011, p. 146).

Desatarte, a fixação dos limites de tolerância é realmente questão tormentosa, pois leva em considerações diversos fatores, tais como a necessidade de constante adequação/revisão, o que não vem ocorrendo no Brasil; o número de horas laboradas pelo trabalhador; a presença de mais de um agente insalubre, dentre outros, o que majora os riscos inerentes ao trabalho e vai de encontro à determinação constitucional de redução dos riscos.

4 A MONETARIZAÇÃO DO RISCO E O ADICIONAL DE INSALUBRIDADE

Em se tratando do adicional de insalubridade, não raras vezes o disposto na NR15 é ignorado, pois esta determina que a neutralização ou eliminação a insalubridade é causa extintiva do pagamento do adicional de insalubridade.

A eliminação ou neutralização ocorre com a adoção de medidas de ordem geral que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância e com a utilização de equipamento de proteção individual.

Há de se observar que a eliminação da insalubridade com base em medidas que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância, está ligada às normas de saúde e segurança do trabalho, com o escopo de preservar o ambiente de trabalho, de modo a deixá-lo hígido para que haja preservação da saúde do trabalhador.

Já a eliminação pelo uso de EPIs, há de se observar o disposto na NR 6, também do Ministério do Trabalho e Emprego, que considera EPI todo dispositivo ou produto, de uso individual utilizado pelo trabalhador, destinado à proteção de riscos suscetíveis de ameaçar a segurança e a saúde no trabalho, dispositivos que devem ser fornecidos gratuitamente pelo empregador, a quem cabe, ainda, exigir o seu uso, orientar e treinar o trabalhador quanto ao uso adequado, guarda e conservação, etc.

Não há como negar que o mais benéfico para o trabalhador é a eliminação dos agentes insalubres, conservando o ambiente de trabalho dentre dos limites de tolerância; e, se não for possível a eliminação, que sejam estes neutralizados. O adicional de insalubridade, portanto, não é o primeiro caminho a ser adotado pelo empregador.

Ocorre que muitas empresas acabam optando pela redução dos riscos inerentes ao trabalho, não se preocupando e/ou investindo em medidas para a eliminação e/ou neutralização dos agentes insalubres no ambiente de trabalho. De plano, entregam EPIs que, não raras vezes, que sequer conseguem reduzir os impactos dos agentes na saúde do trabalhador, por ser a medida mais fácil, menos custosa; e, ainda, deixam de fornecer treinamento e orientação aos trabalhadores, buscando, com a entrega dos dispositivos de segurança, apenas cumprir determinação legal.

Nesse sentido, são os ensinamentos de Sebastião Geraldo de Oliveira:

A maioria das empresas brasileiras, no entanto, praticamente ignoram a ordem de preferência indicada na legislação e utiliza de pronto a última alternativa como a primeira opção. Isso porque é de fácil aplicação, tem baixo custo, sugere condições de segurança e dispensa planejamento mais elaborado. Desenvolveram-se mais técnicas e equipamentos para conviver com o agente agressivo, esquecendo da meta prioritária de eliminá-lo. Em vez de segregar o agente nocivo, segrega-se o trabalhador que tem os sentidos limitados pela utilização incomoda dos equipamentos de segurança. (OLIVEIRA, 2011, p. 424).

Ocorre o que a professora Mara Queiroga Camissasa denomina de monetarização do risco, pois:

Enquanto o Brasil insiste no pagamento do adicional de insalubridade, nos casos de exposição do trabalhador a agentes nocivos acima do limite de tolerância, ou seja, insiste na monetarização do risco, a tendência internacional é favorável à redução da jornada nos trabalhos insalubres. (CAMISSASA, 2015, p. 418)

 Nessa direção, a autora prossegue esclarecendo que três foram as estratégias adotadas pelo legislador para lidar com os agentes agressivos à saúde do trabalhador no âmbito internacional, a saber: o aumento da remuneração para compensar os riscos do trabalhador exposto a agentes insalubres, o que denomina de monetarização do risco; a proibição do trabalho; e, por fim, a redução da jornada dos trabalhadores expostos à agentes físicos, químicos ou biológicos que possam comprometer a sua saúde.

 Complementa, ainda, a exemplo do que preconiza Oliveira (2011), que o empregador brasileiro acaba por adotar a mais cômoda medida e a menos aceitável do ponto de vista da redução dos riscos ao trabalhador, que é compensá-lo pelo labor em condições insalubres.

Lembra a autora, também, que a segunda hipótese, que é a proibição do trabalho em condições insalubres, nem sempre é possível, sendo a terceira a que se apresenta, na atualidade, no âmbito do Direito do Trabalho comparado, a mais adequada, pois reduz o tempo de exposição do trabalhador a agentes insalubres.

Porém, não há previsão legal de redução da jornada de trabalho daqueles que laboram em contato com agentes insalubres, mas sim, como já dito, o pagamento de adicional de insalubridade, o que vigora desde o advento da CLT, que adotou a primeira opção, monetarizando o risco.

 Não obstante, não foi a Consolidação das Leis do Trabalho o primeiro diploma a tratar do risco e da sua monetarização no direito pátrio, como se extrai dos ensinamentos de Francisco Milton Araújo Júnior:

A primeira norma que introduziu a monetização do risco no Brasil foi o Decreto-Lei nº 399, de 30 de abril de 1938, que legitimou o labor em condições insalubres mediante a percepção do adicional de insalubridade nos percentuais de 10% (dez por cento), 20% (vinte por cento), e 40% (quarenta por cento) do salário mínimo de referência. (ARAUJO JR, 2009, p.510).

Percebe-se, portanto, que a CLT veio reforçar norma já em vigor desde o ano de 1938, sendo que a Lei Orgânica da Previdência Social, editada no ano de 1960, como defende Araújo Júnior (2009, p. 510), veio aprofundar o alicerce da monetarização do risco do trabalho no ordenamento jurídico brasileiro, ao instituir a denominada aposentadoria especial, que alcança os trabalhadores que laboram em atividades penosas, insalubres ou perigosas, reduzindo o tempo de contribuição para 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, a depender do caso.

 Diante desse cenário é que o autor defende que o Brasil duplamente incentiva as atividades de risco, seja pelo aumento na remuneração do trabalhador, através do pagamento de adicional que varia a depender do grau de exposição aos agentes insalubres, seja por meio da aposentadoria precoce. Atuam, portanto, na contramão do que determina a Constituição, que preconiza a redução dos riscos inerentes ao trabalho.

Tal fato, na prática, acaba por fomentar o trabalho em atividades insalubres; e, o que deveria ser evitado pelo trabalhador, já que compromete a sua saúde física e psíquica, não raras vezes é desejado, seja porque o trabalhador vislumbra receber remuneração mais vantajosa por força do adicional de insalubridade, seja porque espera aposentar-se mais cedo, com menor tempo de contribuição.

Ocorre que a grande maioria dos trabalhadores desconhece efetivamente os riscos do labor em condições insalubres, acreditando que a compensação financeira, por meio do adicional de insalubridade, é uma vantagem se comparado aos trabalhadores que não percebem tal adicional.

 Ainda consubstanciando o pensamento do autor, tais situações fazem com que o adicional de insalubridade não cumpra o seu fim precípuo, pois a sua finalidade é que o valor recebido a mais contribua para o melhoramento da qualidade de vida do obreiro e da sua família, como também de onerar a produção e, pedagogicamente, forçar o empregador a eliminar os elementos nocivos à saúde do trabalhador.

Na prática há um comodismo por parte dos empregadores, que como já dito adotam o caminho mais fácil e menos custoso, por meio do pagamento do adicional de insalubridade, deixando de investir em medidas de prevenção e, principalmente, em medidas para eliminar/neutralizar os riscos inerentes à atividade.

 A gravidade do que os autores denominam de monetarização do risco é bem explicitada por Francisco Milton Araújo Júnior, nos seguintes termos:

[...] legitimação do labor em condições de risco mediante o pagamento de adicionais a determinados trabalhadores de uma única empresa e representados por um único sindicato, dependendo do contexto fático-jurídico, pode possibilitar o aparecimento de enfermidades (físicas ou psíquicas), mutilações ou mortes dos trabalhadores, e, por conseguinte, proporcionar a violação do interesse individual homogêneo [atinge quantidade delimitada de trabalhadores [...] (o desempenho da atividade de risco possibilitou a violação das garantias constitucionais dos trabalhadores, como a dignidade humana, o direito à vida, o direito à saúde e o direito ao meio ambiente do trabalho ecologicamente equilibrado)] e do interesse difuso [ao considerar que as atividades de risco aumentam o custo das aposentadorias, com a antecipação na concessão do benefício previdenciário, e possibilitam a maior ocupação das redes hospitalares públicas e privadas, atingindo, por via de consequência, objeto indivisível e sujeitos indeterminados, haja vista que os trabalhos em condições de risco propiciam o aumento das despesas de toda a sociedade com saúde e seguridade social]. (ARAUJO. JR, 2009, P.510)

Daí a importância de, constatados agentes insalubres, ser a Superintendência Regional do Trabalho notificada, a quem compete fixar prazo para a sua eliminação ou neutralização. E só quando impraticável, é que deve determinar o adicional de insalubridade devido aos empregados expostos às condições não salubres.

Claramente se evidencia uma antinomia entre a redução dos riscos inerentes ao trabalho, preconizada na Constituição da República, e a monetarização do risco em virtude do pagamento de adicionais, como explana Francisco Milton Araújo Júnior:

A análise da norma constitucional demonstra a existência de antinomia entre a redução e a monetização do risco do trabalho, na medida em que a Magna Carta, ao reconhecer em seu corpo direitos de certa forma paradoxais, determina, simultaneamente, a redução dos riscos inerentes ao trabalho e a legitimação do trabalho perigoso, insalubre e penoso através da concessão de adicionais de risco. [...] A antinomia constitucional não retira a eficácia dos incisos XXII e XXIII, do artigo 7º, porém exige do operador do direito à aplicação da hermenêutica jurídica em consonância com o corpo das garantias e princípio que alicerçam a Carta de 1988 como forma de busca [...] de “justiça do ordenamento”. (ARAUJO. JR, 2009, P.509-510)

Nesse contexto é que se questiona a possibilidade de extinção do adicional de insalubridade, e a consequente proibição do labor em atividades insalubres, o que decerto levaria o empregador a investir na efetiva eliminação e neutralização dos riscos inerentes ao trabalho, sendo este o problema que norteia o presente estudo.

4.1 APROIBIÇÃO DE EXPOSIÇÃO DO TRABALHDOR A AGENTES INSALUBRES E SEUS REFLEXOS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO.

A primeira questão a ser ressaltada nesse ponto é que, infelizmente, inexistem estudos acerca dos benefícios da eliminação do adicional de insalubridade, ou seja, que buscam aferir se a extinção do adicional em comento pode ser concebida como medida de efetiva proteção ao trabalhador.

De igual forma, uma busca nos sítios eletrônicos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal não apresentou êxito quanto às proposições legislativas voltadas à eliminação do adicional de insalubridade. As propostas em tramitação sobre o tema “insalubridade” visam, desde o reconhecimento da não obrigação de pagamento a determinadas áreas, à determinação de pagamento a outras e à fixação de uma base de cálculo, sem, contudo, adentrar na problemática da redução que, na prática, contribui para a monetarização do risco e a mitigação da saúde do trabalhador.

De fato, muito se tem discutido quanto à aplicação do salário mínimo como base de cálculo para o adicional de insalubridade, seja na doutrina, seja na jurisprudência, o que demonstra ser a saúde do trabalhador relegada a segundo plano, pois a preocupação central é o quantum de compensação pelo labor em situações que expõem o trabalhador à agentes insalubres, e não à sua eliminação e/ou neutralização.

Ainda, quando os estudiosos abordam a problemática da eliminação do adicional, o fazem diante de situações em que resta comprovado, por perícia técnica, que não há exposição a agentes insalubres ou que os EPIs disponibilizados são de fato capazes de eliminar os riscos à saúde do trabalhador. Logo, não há que se falar em pagamento do adicional, haja vista a não exposição do trabalhador ao risco. Significa dizer que a eliminação é abordada sobre o prisma da cessão ou eliminação do risco à saúde ou integridade física do trabalhador.

Há, na verdade, discussões apenas em situações pontuais, quando é ou não suficiente o fornecimento de EPIs para afastar o pagamento do adicional de insalubridade. Ignoram os benefícios, para o trabalhador, de um ambiente de trabalho sadio, sem qualquer exposição à agentes insalubres.

Não obstante, o que se propõe é a verdadeira extinção do adicional em comento da legislação brasileira, com a consequente vedação dos trabalhados em condições insalubres. Ao não permitir que o empregador compense monetariamente o trabalhador que se expõe aos agentes insalubres, acredita-se que haverá resistência à exposição do trabalhador, denúncias aos órgãos responsáveis serão formalizadas e o empregador deverá adotar medidas para eliminar e/ou neutralizar o risco, sendo a mera redução inaceitável.

Os reflexos para a saúde do trabalhador são inegáveis, pois é direito do trabalhador laborar em um ambiente de trabalho sadio, sendo inaceitável que o ordenamento jurídico tutele o labor em condições insalubres, permitindo que se monetarize o risco.

Contudo, se fazem necessários estudos e medidas de prevenção, treinamento de pessoal, o que decerto configura ônus para o empregador e, como já visto, desestimula investimentos e leva a organização a adotar o mais prático, que é o pagamento do adicional, buscando tão somente minorar o percentual ao argumento de que os EPIs minimizam os riscos.

Acredita-se, porém, que na própria classe trabalhadora a extinção do adicional de insalubridade encontrará resistência, pois, infelizmente, elementos culturais levam os trabalhadores a acreditar que a compensação financeira pelo labor em condições insalubres é vantajosa e, em alguns casos, ainda possibilita a aposentadoria especial, com menor tempo de contribuição. Há um verdadeiro desconhecimento dos riscos, pois a compensação financeira não se reverte em prol da saúde do trabalhador e a aposentadoria em menor tempo, aposentadoria especial, se dá em virtude da redução da expectativa de vida do trabalhador.

Clama-se, portanto, mudanças estruturais, maiores esclarecimentos para a classe trabalhadora, informações difundidas por meio dos órgãos de classe – sindicatos, contribuição dos meios de comunicação, bem como o investimento em fiscalização, atuação efetiva do Ministério Público do Trabalho, Delegacias e Superintendências do Ministério do Trabalho e Emprego, dentre outros órgãos, para que as empresas cumpram as normas de segurança do trabalho.

Nesse cenário, a NR15, por exemplo, precisa ser revista, pois não apenas se apresenta desatualizada, como também acaba por mitigar a saúde do trabalhador em alguns pontos, ao estabelecer limites mínimos e máximos toleráveis. Há de se adotar, em todo o ordenamento jurídico, a proibição do labor em atividades insalubres, determinando, por conseguinte, que os empregadores adotem medidas que efetivamente contribuam para a eliminação e neutralização dos agentes insalubres. A mera redução, portanto, deixa de ser aceitável.

Resta claro, contudo, que se fazem necessários estudos aprofundados e discussão inclusive no âmbito legislativo, para que se altere a legislação trabalhista vigente e, assim, fomente o respeito à saúde do trabalhador, hoje mitigada pelas normas permissivas que contribuem para a monetarização do risco, onde apenas o empregador lucra.

5 CONCLUSÃO

Buscou-se compreender, ao longo do presente estudo, a problemática da eliminação do adicional de insalubridade como medida para assegurar a efetivação da norma constitucional que determina a eliminação dos riscos inerentes ao trabalho.

Constatou-se que, no Brasil, ocorre o fenômeno denominado monetarização dos riscos, em se tratando do labor em atividades insalubres, pois, em detrimento do que determina a legislação, que preconiza a eliminação e neutralização dos agentes insalubres, os empregadores optam por arcar com os custos do adicional de insalubridade. Significa dizer que deixam de investir na prevenção para compensar, financeiramente, aquele trabalhador que se encontra exposto a agentes insalubres.

O trabalhador, nesse contexto, nem sempre tem ciência dos riscos a que está exposto ao laborar em atividades insalubres. A compensação financeira, por meio do adicional de insalubridade, bem como a redução no tempo de contribuição para a aposentadoria especial, que alcança algumas atividades insalubres, acaba configurando um incentivo à manutenção de ambientes de trabalho inadequados.

Logo, percebe-se uma contradição nas normas vigentes, pois, enquanto a Constituição e outros instrumentos normativos preconizam a redução dos riscos, há o fomento do labor em atividades insalubres por meio do adicional de insalubridade, que pode configurar 40% de acréscimo. Por isso, acredita-se que a redução, por meio do fornecimento de equipamentos de segurança, não é o caminho adequado, já que a saúde do trabalhador é mitigada.

Logo, a extinção do adicional de insalubridade e, consequentemente, o investimento em prevenção, conduziria os empregadores a adotar medidas efetivas para a eliminação e neutralização dos agentes insalubres. Proibindo a compensação financeira do trabalho em condições insalubres, retiraria do empregador a possibilidade de adotar a medida mais cômoda, que é a redução, para voltar-se às medidas efetivas de proteção ao trabalhador.

Não obstante, a eliminação do adicional de insalubridade clama também a adoção de efetivas medidas de fiscalização, pois se deve lembrar que a saúde e integridade física/psíquica do trabalhador devem ser resguardadas e não podem sucumbir ao lucro que buscam as organizações na atualidade.

Portanto, conclui-se ser a extinção do adicional de insalubridade medida que se impõe, já que, enquanto for possível compensar monetariamente o trabalhador, o empregador tende a adotar a medida mais fácil em detrimento de efetivas medidas de eliminação e neutralização dos riscos no ambiente de trabalho.

Por óbvio, será muito melhor ao trabalhador, ao invés de receber tal adicional, que a empresa consiga, por algum meio, a eliminação a condição insalubre. Dinheiro não compra a saúde do homem. Daí se concluir que o que se deve buscar no tratamento dos riscos ambientais é a utilização harmônica de processos, medidas, sistemas coletivos e equipamentos de proteção individual.

 Porém, não é possível que o empregador somente forneça os equipamentos de proteção, tornando-se imprescindível a fiscalização da sua utilização e orientação e treinamento sobre o seu uso, guarda e conservação, substituir imediatamente, quando danificado ou extraviado, e ainda efetuar o controle de entrega, registrando o fornecimento.

Se o obreiro não utilizar o equipamento, pode ser advertido e até suspenso. A CLT também prevê a hipótese da dispensa por justa causa, quando não for utilizado o equipamento de proteção (art. 158, parágrafo único, b). As medidas administrativas e também a implantação de EPC (Equipamento de Proteção Coletiva) seguem sendo a melhor e mais inquestionável solução. O EPC fornece proteção eficiente e quando corretamente implantado não cabe contestações.

É de se esperar que todas as medidas supracitadas, quando efetivamente implantadas, diminuam os riscos de acidente de trabalho, e, consequentemente, acarretem menos gastos ao INSS, ou seja, esse conjunto de normas faz parte de um ciclo que envereda ao bom labor de todas as áreas, como também a exclusão da aposentadoria especial. A concessão da aposentadoria especial, consubstanciada na lei 8.213/91, no art. 57, depende de comprovação pelo segurado, perante o INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado.

Nota-se, por fim, que cada caso merece exame específico e cuidadoso, com o fim de se verificar o exercício, pelo segurado, de atividades com efetiva exposição a condições especiais, para que sejam eliminadas e/ou neutralizadas, as quais sejam consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física.


REFERÊNCIAS

ARAÚJO JÚNIOR, Francisco Milton. A monetização do trabalho, antinomia constitucional e a base de cálculo do adicional insalubre. COAD: Doutrina e jurisprudência. Fascículo semanal n° 48, ano XLIII, nov. 2009, p. 499-511.

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BRASIL. Portaria n° 3.214, de 08 de junho de 1978: Aprova as Normas Regulamentadoras - NR - do Capítulo V, Título II, da Consolidação das Leis do Trabalho, relativas a Segurança e Medicina do Trabalho. Disponível em: <http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/ORGAOS/MTE/Portaria/P3214_78.html>. Acesso em: 22 abr. 2017.

CAMISASSA, Mara Queiroga. Segurança e saúde no trabalho: NRS 1 a 36 comentadas e descomplicadas. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015.

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de direito do trabalho. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015.

OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2011.

Sobre os autores
Fábio Schnorr Araújo

Graduado em Direito, em Recursos Humanos, Especialista e Mestre em Segurança, Medicina e Meio Ambiente. Atuo, principalmente, nas áreas Trabalhista, Previdenciária, Aposentadoria Especial e Direito Ambiental.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Fábio Schnorr; LAGE, Ricardo Kalil. A extinção do adicional de insalubridade como forma de atendimento aos preceitos constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5371, 16 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63636. Acesso em: 22 dez. 2024.

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