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A judicialização de políticas públicas no estado do bem-estar social (welfare state).

Considerações sobre a abrangência da atuação do poder judiciário na concretização de direitos sociais previstos no texto constitucional brasileiro

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Agenda 24/01/2018 às 10:52

PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE RETROCESSO NO ESTADO DO BEM-ESTAR SOCIAL E A IMPORTÂNCIA DA JUDICIALIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO CONTEXTO DA CARTA POLÍTICA DE 1988

A proibição do retrocesso social, no Brasil, emergiu da preocupação com o resgate das promessas da modernidade tardia, sustentado na tese do constitucionalismo compromissário-programático, em contraposição ao paradigma liberal individualista, que se apega na ideia de garantia de liberdade do indivíduo, na segurança da propriedade privada e na livre concorrência no mercado, sem muito se preocupar com os direitos sociais.[18]

Decorre da significação jurídico-constitucional do princípio da democracia econômica e social[19], no sentido de vincular o legislador, não apenas para limitar a sua atuação, como também para, positivamente, concretizar as normas constitucionais, sociais e econômicas; também no sentido de determinar ao administrador a adoção das medidas necessárias para a efetiva realização progressiva dos preceitos constitucionais, no sentido de dar materialização, conformação, transformação e modernização das estruturas econômicas e sociais

A teoria do não retrocesso encontra-se também ligada a um quadro de insegurança social, típico da pós-modernidade, gerado, sobretudo, pelo advento da globalização, fenômeno que se caracteriza por privilegiar a integração econômica mundial, com a expansão do mercado em escala global e onde os grandes conglomerados transnacionais passam a ter influência direta, pelo domínio da lex mercatoria, sobre os ordenamentos estatais, comprometendo a soberania dos Estados-Nações e, assim afetando as políticas sociais, econômicas e culturais.[20]

Manifesta-se na problemática da eficácia dos direitos fundamentais, numa faceta subjetiva, no sentido de o seu titular poder fazer valer esse direito, mediante uma ação outorgada pelas próprias normas consagradas de direitos fundamentais, no sentido de impor ao Estado, por efeito de alta significação social, o reconhecimento de tais direitos, com a obrigação do Estado em criar condições normativas e materiais que possibilitem, de maneira concreta, o efetivo exercício, pelas pessoas, a tais direitos, sob pena de configurar uma inaceitável omissão estatal.[21]

 Nesse contexto de necessidades sociais, surge o papel do judiciário como agente promovente de direitos sociais, pautado na necessidade de se materializar os preceitos constitucionais, de modo a se fazer uma verdadeira constituição normativa, principalmente na parte que toca aos direitos sociais. Nesse sentido Andréas J. Krel:

Em princípio, o poder Judiciário não deve intervir na esfera reservada a outro poder para substituí-lo em juízos de conveniência e oportunidade, querendo controlar as opções legislativas de organização e prestação, a não ser, excepcionalmente, quando haja uma violação evidente e arbitrária, pelo legislador, da incumbência constitucional.

No entanto, parece-nos cada vez mais necessária a revisão do vetusto dogma de Separação dos Poderes em relação ao controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços básicos do Estado Social, visto que os poderes legislativo e executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir um cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais.[22]

Com isso, o Poder Judiciário, ao acolher direitos fundamentais sociais consagrados na constituição, suprime a omissão material do executivo e a falta de atuação do Poder Legislativo, sem que com isso haja usurpação de poderes, demonstrando verdadeira operacionalidade nos poderes que lhe foram investidos pela carta constituinte.

 A judicialização é a própria necessidade de redemocratização do Estado constitucional de direito, elaborado com a Carta Política de 1988, sendo executada em sua inteireza. Com a nova constituição federa o “Judiciário deixou de ser um departamento técnico-especializado e se transformou em um verdadeiro poder político, capaz de fazer valer a Constituição e as leis, inclusive em confronto com os outros Poderes”[23] o ambiente democrático que se instalou reavivou a cidadania, dando maior nível de informação e de consciência de direitos aos vários seguimentos sociais, que passaram a buscar a proteção de seus interesses junto aos órgãos judicias.

Outro aspecto da constituição que torna a judicialização como centro de um novo modo de se ver a implementação de políticas sociais é o extenso rol de direitos e a abrangência dos mesmos, que foram garantidas pelo legislador constituinte. Esses direitos sociais expostos são verdadeiras políticas afirmativas, que, com o intuito de se verem concretizadas foram alçadas à mandamentos constitucionais. Por exemplo: se a Constituição assegura o direito de acesso ao ensino fundamental ou ao meio-ambiente equilibrado, é possível judicializar a exigência desses dois direitos, levando ao Judiciário o debate sobre ações concretas ou políticas públicas praticadas nessas duas áreas.

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Outro aspecto que torna a judicialização verdadeiro centro de afirmação de direitos sociais, pode ser verificado no controle de constitucionalidade das leis. Nossa constituição adota um sistema hibrido, o que permite que determinadas matérias sejam levadas imediatamente ao Supremo Tribunal federal para apreciação. Nesse sentido temos a ADPF 347/DF[24] que versa inteiramente sobre direitos sociais previstos na Constituição Federal.

Com isso, judicialização de políticas sociais nada mais é do que o Judiciário, guardião da Constituição, atuando em nome dos direitos fundamentais e dos valores e procedimentos democráticos, inclusive em face dos outros Poderes. Eventual atuação contra majoritária, nessas hipóteses, se dará a favor, e não contra a democracia.


ÚLTIMAS CONSIDERAÇÕES

Com tudo o que foi discutido, não há dúvidas que pairem sobre a legitimidade da atuação judiciária no controle de políticas públicas. A carta constitucional foi a responsável por garantir que o Judiciário pudesse agir sobre a falta de atuação do Executivo em áreas sociais de extrema necessidade.

A efetivação do Estado do bem-estar social, através de prestações sociais a toda a sociedade, é indispensável para a garantia do próprio direito à vida, bem como para a concretização do próprio princípio basilar da dignidade da pessoa humana e para a construção de uma sociedade justa e igualitária.

O Poder Judiciário Brasileiro, de maneira tardia, iniciou o controle de políticas públicas. Esse controle já era uma realidade em países como os EUA, que utilizam de controle judicial desde meados da segunda metade do século XX. Atualmente o judiciário brasileiro, com os poderes da nova constituição, demonstrou que tem “levado a sério” a concretização dos direitos sociais, tratando-os como autênticos direitos fundamentais, ao passo que a via jurisdicional se transformou efetivamente em um dos principais instrumentos de efetivação desses direitos.

Destaca-se ainda que, em se tratando a constituição federal de uma verdadeira carta política de interesses, nada mais obvio do que aceitar que seus órgãos de cúpula possuem atribuições políticas. Na medida em que a regulação de poderes pressupõe que exista uma fiscalização entre os órgãos constitucionais, que convergem para um bem comum, o judiciário, exercendo seu papel político-constitucional, possui legitimidade para interferir na esfera dos outros poderes para concretizar necessidades sociais mais urgentes, sem que com isso haja usurpação de poderes. Trata-se de exercício constitucional das atribuições do judiciário, garantidor de direitos sociais de primeira necessidade.

A judicialização de políticas públicas, no contexto apresentado, é a demonstração pelo judiciário que, o governo está violando a constituição, através de uma omissão inconstitucional passível de provocar graves prejuízos sociais. Se existe inconstitucionalidade no controle judicial de políticas públicas, ela está justamente na inexistência desse controle, não em sua promoção.

Ao se defender a possibilidade do Judiciário intervir em políticas públicas, não se quer colocar o primeiro como salvador da pátria ou como protagonista de um processo de transformação e de redução de desigualdades em nossa sociedade, e sim que ele atue junto com os outros poderes e possa, por meio da efetivação dos direitos fundamentais sociais, melhorar o processo democrático existente.[25]

Nosso país, ainda com uma constituição jovem na idade e envelhecida pelas sucessivas reformas ao bel prazer dos governos, vem também passando por sua fase de incremento da Justiça nos assuntos que, na teoria original, seriam de outros poderes. Atravessamos fases de ajustes, o país não conseguiu consolidar-se ainda em vários aspectos sociais, econômicos e políticos, e em alguns momentos, o Judiciário vem agindo com maior ingerência, mas sempre tentando funcionar em prol da sociedade. Se excessos eventualmente parecem ocorrer, o caminho virá natural e serenamente, com decisões motivadas e providas da imprescindível razoabilidade, eis que o interesse público deve sempre prevalecer, por ser o norte natural dos que atuam nos vários setores da Administração Pública.


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Sobre o autor
Samuel de Jesus Vieira

Advogado, especializando em Direito Constitucional e Administrativo pela instituição de ensino PUC - GO. Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário de Goiás - Uni - ANHANGUERA (turma 2011-2015), possui especialização lato sensu em Direito Constitucional e Direito Administrativo na instituição de ensino Pontifícia Universidade Católica de Goiás (turma 2016-2017). Tem Experiência em Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Civil e Direito do Consumidor. Foi membro da Comissão de Direito Constitucional e Legislação (CDCL) da Ordem dos Advogados Do Brasil, Seção de Goiás, no ano de 2016, e Membro da Comissão de Processo Legislativo e Políticas Públicas (CPLPP) da Ordem dos Advogados Do Brasil, Seção de Goiás, no ano de 2016. Atualmente é Advogado Inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados Do Brasil, Seção de Goiás (45445 OAB/GO).

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