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Direito digital:paradigmas para uma nova realidade

Agenda 02/02/2018 às 22:01

O artigo procura estabelecer um contato entre o Direito e a tecnologia. Usa a história como contexto social e jurídico


 

INTRODUÇÃO        

            A proposta principal deste artigo será a de estabelecer quais os impactos que Revolução Tecnológica a partir da consolidação da Internet e das redes sociais têm sobre o Direito. Como o Direito enxerga as constantes e impactantes transformações na área tecnológica e qual o seu posicionamento a respeito. Para tanto, é necessário estabelecer um contexto histórico que delimite as fronteiras de ambas e qual o seu ponto de contato, como elas se estabelecem e quais as consequências sociais, jurídicas, econômicas e políticas na pós-modernidade.

            

             EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA – BREVE PANORAMA

         

   O homem enquanto ser social e político conseguiu se destacar diante dos outros animais por ser capaz de criar tecnologias que favorecessem a sua sobrevivência. Foi assim quando dominou o fogo, quando criou a agricultura, a matemática e o próprio Direito; a fim de organizar a convivência entre diferentes clãs e culturas. É errado pensar que a evolução científica e tecnológica ocorre de tempos em tempos; ela é constante, as vezes imperceptível, outras não.

            Na Idade Média, diferente do que se imagina, as transformações tecnológicas tiveram um alcance extraordinário. O próprio conceito de heliocentrismo, as leis da física, e a astronomia abriram caminho para uma nova realidade humana e consequentemente do Direito que sempre acompanhou essas Revoluções e a partir delas criou novas normas, leis e códigos.

            Já na Era das Revoluções, (Hobsbawm) os intensos avanços permitiram o nascimento da sociedade atual, marcada pela Industria, operariado, transportes rápidos, comunicações quase que instantâneas, dentre outras. Permitiu o alcance planetário de todos os bens produzidos pela indústria moderna, gerando conflitos entre países, continentes e povos. 

            Por fim, estamos vivendo a mais das importantes Revoluções tecnológicas criadas pelo homem, a Revolução Digital. Ela permitiu avanços até então nunca imaginados em todos os aspectos da vida contemporânea. Televisões inteligentes, telefones smarts, carros com computadores de bordo, computadores extremamentes versáteis e potentes, enfim, alterou sobremaneira nossa percepção do mundo e de nós mesmos. Até que ponto essa Revolução irá continuar? Seremos capazes de se adaptarmos a mudanças infinitas? Qual será o papel do Direito frente a essas constantes transformações; como vamos definir novas leis que acompanhem essas mudanças? Ou o Direito será o mesmo Direito de nossos pais e avós?

            

CIBERCULTURA

Pierre Levy em sua famosa obra Cibercultura (1999) descreve de forma brilhante a Revolução Tecnológica que se iniciou ainda no final do séc. XX. Como o aperfeiçoamento tecnológico têm permitido cada vez mais o homem deixar de frequentar espaços físicos (shoppings, cafés, cinemas) em troca de espaços virtuais coletivos ou individuais. Quais impactos essa substituição do analógico pelo digital gera nas nossas relações humanas? É a mais importante como o homem se vê e se representa diante desse fenômeno? São essas as indagações que permitiram elaborar um panorama sociológico e histórico, onde o presente se virtualiza e o virtual se presencializa no nosso cotidiano.

Uma das características mais importantes dessa Revolução é a interatividade entre pessoas que estão distantes fisicamente e geograficamente. Esse hiato geográfico alterou a percepção do indivíduo e do coletivo. Temos como consequência imediata a intersecção do público e do privado em um mesmo ambiente. Como o homem passa a se representar culturalmente perante essa continua transformação. Estamos criando uma cultura multivariada, uma diversidade linguística e histórica? Essas questões preocupam o Direito enquanto dogma, doutrina.? Sendo o Direito uma ciência social aplicada, qual será o seu papel epistemológico frente a mudanças tão rápidas? O Direito também se virtualizará em algum momento histórico?

            Todas essas indagações estão sendo respondidas lentamente, até porque quando um conhecimento humano (sociologia, história, geografia, antropologia, economia e educação) tenta interpretar determinado momento,  já está prestes a nascer um novo. Pierre Levy destaca como uma das possíveis respostas é a que o homem se torna coletivo no espaço individual e se torna individual no espaço coletivo, graças ao espantoso desenvolvimento tecnológico vivenciado nos últimos dez anos. Outra possível resposta indica que o homem alterou sua forma de aprender o mundo, principalmente no que diz respeito as novas invenções, aos novos modelos de aprendizagem cultural

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            Nunca na humanidade o homem pode manter contato com culturas tão distantes e complexas como o atual momento. As inovações técnicas permitiram um contato quase que físico com culturas longínquas, oferecendo possibilidades de interação, como também de ódio, xenofobia e violência. Transações financeiras e comerciais que levavam dias e meses; hoje podem ser realizadas em questões de minutos. 

            Levy, contudo, destaca que a facilitação da tecnologia na redução do espaço e do tempo, também abre caminho para uma profunda dominação econômica, social e jurídica. É a partir dessa colonização tecnológica levada a sério pelos países centrais que os conflitos étnicos, religiosos, linguísticos, têm se expandido ano após ano. Como o Direito trata tais questões? Quais caminhos a doutrina, a jurisprudência, os tribunais nacionais e internacionais devem tomar no sentido de equacionar conflitos cada vez mais exacerbados? Como será positivado as relações familiares, escolares, comerciais e principalmente jurídicas diante de mudanças quase que diárias? Frente a tantas interrogações o Direito ainda está se perguntando: Como vou resolver isso.

            

O DIREITO E A TECNOLÓGIA

            Para a convivência social o homem teve que estabelecer regras de conduta, o zoon politikon na visão de (Aristóteles). Estabeleceu regras de comportamento, para que todos do grupo pudessem sobreviver e assim perpetuar a espécie. Foi assim também com a evolução tecnológica desde a Idade da Pedra até a pós-contemporaneidade, onde toda a evolução cientifica foi sucedida de leis e normas que pudessem favorecer o convívio social e coletivo.

Ainda na Mesopotâmia foram criados os primeiros códigos que passaram a existir a fim de favorecer o pleno desenvolvimento agrícola, arquitetônico e matemático. O Direito era criado antes de muitos eventos científicos se tornarem realidade; O Direito andava quase que lado a lado com o desenvolvimento tecnológico. No entanto ao longo dos séculos as normas que estabeleciam a convivência foram perdendo espaço para as constantes e inevitáveis evoluções cientificas e tecnológicas. Foi na Idade Média com o Direito canônico que ele estacionou, levando consequentemente para a fogueira muitos cientistas que avançavam na interpretação dos fenômenos físicos.

Somente após a Iluminismo e com a Revolução Francesa o Direito voltou a acompanhar as mudanças sociais e principalmente cientificas, tudo para o favorecimento da classe burguesa, agora detentora do poder político. Nesse sentido boa parte das normas ainda existentes e que estão em vigor no ordenamento jurídico pátrio e de muitas nações nasceram sob a filosofia Iluminista, e isso perdurou durante mais de duzentos anos.

O grande salto, todavia, foi dado com a Revolução Industrial, quando todas as transações econômicas, políticas e comerciais passaram a ter uma fundamentação legal, garantindo segurança para os contratantes e a autonomia do Estado, detentor do poder jurídico. É de se destacar que durante todo esse período o Direito oferecia respostas para quase todo tipo de litigio, o Direito estava adaptado às condições materiais de produção desse momento, e foi assim até o final do século XX.

DIREITO DIGITAL – UM NOVO PARADIGMA

Foi com a liberação pelos Estado Unidos da internet civil que todo o mundo moderno veio ruir. O seu desenvolvimento e expansão foram vertiginosos nas últimas duas décadas, oferecendo para a população uma gama infinita de redes de interação, redes de jogos, de negócios, de exposição cultural, de navegação terrestre, etc. O Direito que estava fundado em Instituições consolidadas (Direito Civil, Penal, Comercial, Tributário), a séculos,  depara-se agora com um novo paradigma social, as relações virtuais dos mais variados contextos. A fronteira cientifica toca na fronteira jurídica. O que fazer agora?

            O nascimento de uma nova disciplina jurídica que regule o espaço virtual, somente começou a ser pensada a pouco mais de dez anos (2005), a necessidade de uma regulação jurídica tornou-se essencial perante a realidade. Como garantir direitos e deveres, como estabelecer uma pena criminal quando os agentes estão separados por milhares de quilômetros. Foi pensando nisso que os países do hemisfério norte criaram as primeiras normas (legaltechs / lawtechs) que garantissem segurança e privacidade para os usuários da rede mundial, normas que ainda precisam de aperfeiçoamento filosófico e jurídico, contudo o Direito passou a dar os primeiros passos no sentido de acompanhar o mundo virtual.

            

DIREITO DIGITAL NO BRASIL - PERSPECTIVAS

Vale lembrar que o Brasil somente a pouco tempo atrás, tomou as primeiras iniciativas legais de regulação eletrônica. Lei: 12.965/14 – Marco civil da Internet e a Lei: 12.737/12 – Lei Carolina Dieckmann, que alterou o Código Penal, incluindo agora os crimes cibernéticos como tipo penal.  Ainda há a ausência de normas até de caráter constitucional que ofereçam uma principiologia que oriente normas infralegais. O Marco Civil da Internet pode ser  considerada uma lei de vanguarda no cenário jurídico nacional e internacional, pois, disciplina os direitos e deveres de provedores, de usuários, da proteção de dados pessoais, da intimidade, da violação de correspondência; garante a liberdade de expressão respeitados os limites legais, criminaliza condutas antes desconsideradas.

Todavia existe ainda a ausência de diferentes normas que garantam segurança jurídica para diferentes atores sociais, que hoje usam como plataforma de trabalho a rede mundial de computadores. Como exemplo destacamos as startups que buscam na inovação tecnológica sua sobrevivência financeira. Cada dia mais presentes nas universidades do Brasil, as incubadoras de negócio ainda se sustentam sobre um Direito criado e pensado nos moldes da Revolução Industrial.

STARTUP

Conhecidas como empresas emergentes as startups revolucionaram o diálogo da ciência com o Direito. Toda startup nasce de uma ideia, uma ideia que  para se transformar em realidade exige, tempo, investimento, criatividade e perseverança. Atualmente é um dos ramos mais interessantes na aplicação de novas tecnologias que logo chegam ao público em forma de aplicativos, telemarketing, atendimento virtual e hoje na área do Direito os famosos programas de software que ajudam a maximizar a administração de um escritório.

No entanto mesmo sendo utilizada para diferentes fins as startups necessitam de amparo legal, para que não enfrentem problemas futuros com seus clientes ou com os órgãos governamentais que por lei fiscalizam o recolhimento de tributos, a violação de direitos do consumidor ou mesmo direitos pessoais.

Como no Brasil a legislação que regula o trabalho via internet ainda é escassa, aplica-se por analogia outras instituições jurídicas que garantem o funcionamento adequado dessas empresas iniciantes. Desta forma para que uma empresa emergente possa funcionar legalmente será necessário uma assessoria jurídica que mostre como o Direito aplica-se, possíveis riscos e possíveis demandas judiciais. Um exemplo claro disso é o uso de aplicativos de mobilidade urbana (Uber) que têm gerado fortes e acaloradas discussões jurídicas, econômicas e políticas, já que quebrou uma reserva de mercado dominada a anos pelos clássicos taxis. Quando o Direito deve ser aplicado em situações como essas, onde não há um amparo legal claro e objetivo que ofereça segurança jurídica para os trabalhadores taxistas e garanta ao mesmo tempo a liberdade de concorrência, a livre iniciativa. 

Esse exemplo é só a ponta do iceberg do que está por vir, pois na ausência de um ordenamento legal, corre-se o risco do uso da força por aqueles que desejam ter seus direitos garantidos sobre os demais, o que é inadmissível em um Estado pautado pelo Direito.

Cabe ao advogado como garantidor dos direitos individuais e coletivos, fomentar a discussão com toda a sociedade, com o Estado, com a iniciativa privada na busca de uma solução legal e amparada pela constituição que garanta o pleno funcionamento das inovações tecnológicas a cada dia mais presentes em nossas vidas.

São poucos advogados no Brasil que sabem interpretar as mudanças do mundo digital, entender seus conceitos, seus objetivos e adapta-los à dogmática jurídica. Necessariamente haverá pelos próximos anos normas legais que tenham não somente direitos e deveres, penas (texto jurídico apenas) mas que também contenha elementos (Expressões, palavras) de natureza eletrônica; e que para o operador de Direito formado na escola clássica será um grande obstáculo, pois, aplicar o Direito sobre aquilo que pode mudar a qualquer instante é um desafio para os operadores do Direito, para as Universidades, Tribunais, e para toda a sociedade, que depende desse profissional para a garantia de seus direitos.

CONCLUSÃO

O presente artigo buscou discutir de forma panorâmica a influência que a Revolução Tecnológica trouxe para o Direito, partindo de um contexto histórico traçou o desenvolvimento paralelo de duas formas de conhecimento indispensáveis para a sobrevivência humana. Procurou esclarecer quanto de impacto a Tecnologia exerce sobre o Direito e como o Direito enxerga tais mudanças. Fez um recorte especifico nas startups que hoje desenvolvem tecnologias que logo serão usadas pela população e qual a regulação jurídica que discipline essa nova forma de produzir.

Trouxe também a atual realidade do Brasil, que como outros países ainda não desenvolveram normas legais que ofereçam segurança jurídica para os usuários da internet e o papel do advogado na aplicação do direito perante tais transformações tecnológicas.

O artigo não se esgota em si. A proposta aqui é abrir caminho para um diálogo saudável e construtivo em uma nova área jurídica que logo em breve será tema de investigações, doutrinas e jurisprudências.

BIBLIOGRAFIA

HOSBAWM. Eric. A Era das Revoluções – Companhia da Letras. 2000

Lei. 12.965 – Planalto.

Lei. 12.737 – Planalto.

LEVY, Pierre. Cibercultura – Editora 34. 1999.

Sobre o autor
Ricardo Pacheco

Advogado e professor. Direito comercial, tributário empresarial.Cursa especialização em Direito Eletrônico pela Candido Mendes.

Informações sobre o texto

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