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Responsabilidade por dano processual à luz da reforma trabalhista

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Quais as implicações das más condutas das partes no curso do processo e qual a natureza das sanções legais? Que comportamentos são considerados abusivos pelo direito processual trabalhista?

1. INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem como objetivo proceder a uma análise do abuso do direito processual, à luz da reforma trabalhista, que, atualmente, é uma prática recorrente das partes, tanto para se esquivarem de certos deveres atinentes à relação jurídica processual, quanto para a obtenção de vantagens processuais.

A efetiva tutela jurisdicional tem como escopo aplicar efeitos úteis às partes litigantes e interessados, observando sempre a duração razoável do processo. No entanto, a tutela efetiva, muitas vezes, é prejudicada, tendo em vista que o equilíbrio deste binômio – aplicação útil dos efeitos da tutela jurisdicional e duração razoável do processo – se torna inviável, em razão da conduta de uma das partes dessa relação processual que, por sua vez, utiliza de forma desleal os meios processuais.

Apesar do instituto do abuso do direito estar previsto no Código Civil e no Direito Processual Civil e, com a alteração da CLT, agora também no Direito do Trabalho, sua incidência se produz sobre todas as relações jurídicas de direito público e privado, previstas ou não em lei especial. Além disso, tem como principal fundamento o dever de responsabilidade, concernente a fonte de obrigações em todo o Direito Público e Privado, seja no sistema de Direito Civil, no de Direito Processual Civil e Trabalhista, seja nos microssistemas e relações jurídicas nos quais incidem leis especiais.

Nada obstante a grande extensão do tema em abordagem, esta pesquisa se restringe à análise das situações de incidência na seara trabalhista, que se justificam com a inclusão dos artigos 793-A a 793-D, pela Lei 13.467/2017, que tratam especificamente da responsabilidade por dano processual, posto que o uso abusivo dos meios ou instrumentos processuais acarreta excessiva duração do processo e problemas na estrutura do Poder Judiciário, que se encontra congestionado de demandas protelatórias.

Busca-se, mediante a análise da aplicabilidade da teoria do abuso do direito no Direito Processual, através de doutrinas e jurisprudências a respeito tema, demonstrar quais as implicações das más condutas e a natureza de suas sanções, bem, como, identificar as situações ou comportamentos considerados abusivos e, em contrapartida, listar meios repressivos e preventivos de coibição dessas condutas, dos quais os magistrados podem se utilizar.

Em primeiro plano, se faz necessário verificar como o tema é tratado no âmbito dogmático do direito, mediante uma breve análise de sua evolução história, até se alcançar o conceito constante no artigo 187 do Código Civil de 2002, que é a primeira cláusula geral da responsabilidade objetiva; após, analisar-se-ão os princípios como instrumentos de aplicação ao direito material dessa cláusula, não deixando de abordar como o dolo e a culpa são aplicáveis.

Após, será feito um estudo acerca da natureza jurídica dos deveres das partes, da litigância de má-fé e apenação à testemunha, mais especificamente no que tange à aplicação e adequação de cada um desses aspectos quanto ao dano processual na seara trabalhista, considerado o título que a Lei 13.467/2017 reservou para este tema de extrema importância.

Conforme se verifica no decorrer do texto, a lei tem como principal objetivo o caráter repressivo de punir o abuso de direito, haja vista a expressa responsabilização por perdas e danos àquele que litigar de má-fé como reclamante, reclamado ou interveniente, bem assim responsabilizar a testemunha que intencionalmente altera a verdade dos fatos ou omite fatos essenciais ao julgamento da causa, tudo no sentido de enfatizar a necessidade e obrigação de observância da lealdade e boa-fé por parte de todos que participam do processo judicial.

Por fim, é analisada como é feita essa identificação do abuso do direito pelo magistrado e, ainda, como são aplicadas as sanções ou providências de natureza processual àquele que agir de forma contrária ao disposto em lei, utilizando os instrumentos legais de forma a prejudicar o processo e, consequentemente, a outra parte litigante.


2. ABUSO DE DIREITO: CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A doutrina e a jurisprudência sempre enfatizaram, com veemência, o tema da reparação do dano em sede de responsabilidade civil, no que tange à reparação de prejuízo, pelo causador do dano, à vítima, com o objetivo de equilibrar jurídica e economicamente as relações[3]. Na hipótese de não ser possível o retorno ao status quo ante, o causador do dano é obrigado a indenizar a vítima, proporcionalmente ao dano causado[4].

Dessa forma, todo aquele que praticar ato lícito e ilícito e, em razão disso, violar direito de outro, tem o dever de reparar o dano causado, pois é dever jurídico originário, de todos, não causar danos a outrem e, ao violar este dever jurídico originário, repará-lo[5].

Atualmente, a compreensão que se tem do instituto do abuso do direito é a de que o seu sentido ultrapassa os limites de um direito que se tem em prejuízo de outrem e que ofende os princípios da finalidade da lei, consubstanciado no excesso do exercício regular do seu direito[6]. O abuso do direito consiste, portanto, no exercício do direito subjetivo de forma aparentemente regular, mas que, ao extrapolar os limites impostos pela lei, ultrapassa os limites intrínsecos, que são a finalidade social, econômica, a boa-fé e os bons costumes.

Portanto, a compreensão do abuso de direito parte da raízes da responsabilidade civil que, por sua vez, direciona o legislador à melhor aplicação da lei. Importante frisar que a Lei 13.467/17 incorporou praticamente todo o texto dos artigos 70 a 81 do Código de Processo Civil, dando ênfase, a CLT, à responsabilidade pelos danos causados pela litigância de má-fé.

Destarte, conclui-se que a criação da teoria do abuso do direito é fruto do repúdio ao caráter individualista que consagrava o direito subjetivo como absoluto e não por sua missão social. Assim, o direito subjetivo não é um direito-poder, não podendo ser empregado em qualquer direção, mas um direito-função, que tem o indivíduo para auferir as benesses legais, sem, entretanto, atuar em prejuízo do interesse social[7].

2.1. Abuso do Direito Processual na Legislação Trabalhista Pátria:

Primeiramente, destaque-se a conceituação trazida por Pontes de Miranda[8] de um dos pilares do conceito de abuso do direito processual:

Há limites aos direitos e há abusos sem traspassar limites. Não se confundam limitação aos direitos e reação ao abuso do exercício do direito, ou melhor, o exercício lesivo. Quando o legislador percebe que o contorno de um direito é demasiado, ou que a força, ou intensidade, com que se exerce, é nociva, ou perigosa a extensão em que se lança, concebe as regras jurídicas que o limitem, que lhe ponham menos avançados os marcos, que lhe tirem um pouco da violência ou do espaço que conquista.

O civilista Caio Mario da Silva Pereira, em sua obra, destaca que se houvesse abuso de direito que precisasse ser impedido, existiam ainda outros motivos pelos quais se condenavam o uso absoluto do direito. Dessa forma, pode-se dizer que, em Roma, já havia indícios do abuso do direito em um aspecto antigo, pois já existiam noções que delimitavam os direitos subjetivos e outras ainda que os consideravam absolutos[9].

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Todas essas ponderações acerca da existência de indícios de abuso de poder não ensejavam proibição absoluta à prática de ato abusivo, pois não existia alguma norma geral que regulasse isso. Eram, portanto, limitações pontuais e objetivas ao exercício de alguns direitos, como o uso das águas e relações de vizinhança, por exemplo.

As violações de normas de caráter particular eram chamadas, na Roma Antiga, de ato emulativo, que se distingue do abuso do direito. Por isso, a doutrina majoritária sustenta o entendimento de que o abuso do direito não nasceu na Roma Antiga, pois não era o abuso de poder um instituto de caráter geral e autônomo.

Por outro lado, no Código Civil Napoleônico, a teoria do abuso do direito, nada obstante não conter expressamente a definição de uma forma de coibição dos atos abusivos, teve, anos depois, a firmação da teoria, com a sua aplicação, principalmente, na França[10].

A partir daí, com o sugimento do pensamento liberal capitalista, que destacou os princípios individuais e foram firmadas as codificações do século, a renovação que se operava no terreno político precisava da noção absolutista dos direitos subjetivos para se erguer contra o absolutismo do antigo regime[11].

Toda essa exposição é pra dizer que o abuso do direito é um instituto que surgiu como forma de manifestação acerca do individualismo jurídico e da visão absolutista dos direitos subjetivos e ficou consagrado como um limite moral à concepção egoísta que, por muito tempo, circundou a esfera dos direito subjetivos[12].

Partindo do pressuposto de que, para se entender um instituto jurídico, é de extrema importância conhecer as teorias que o fundamentam, cabe ressaltar que as Teorias Subjetiva e Objetiva ou Finalista, e, ainda, a contribuição de Louis Josserand com a Teoria Mista do abuso do direito, foram os principais marcos iniciais para o estudo do tema. A partir daí, estuda-se a aplicação da teoria do dano processual, como se desenvolveu no Direito Brasileiro e, como principal aspecto, a sua correlação com o dolo e a culpa do causador do dano, verificando-se se tais danos causados têm o condão de responsabilizá-lo ou não.

Antes de adentrar ao estudo da reparação de dano por abuso do direito no Dirieto do Trabalho, é necessário fazer uma breve distinção entre a responsabilidade subjetiva e objetiva. A primeira é identificada comprovação da ação ou omissão do agente, do próprio dano experimentado pela vítima e da relação de causalidade entre a ação e omissão do agente e o dano causado e, principalmente, da prova da culpa do agente. Por outro lado, na responsabilidade objetiva, se exclui a culpa dos requisitos para caracterização da responsabilidade[13].

A regra da responsabilidade civil, insculpida no artigo 927 do Código Civil, pela qual a responsabilidade somente é imputável a uma pessoa que tenha procedido culposamente ou de forma intencional na ação, é a regra no nosso ordenamento jurídico. Na responsabilidade subjetiva, a culpa do agente é presumida, ou seja, a vítima precisa comprovar que o agente agiu com dolo, negligência, imprudência ou imperícia[14].

Insta salientar que, no Código Civil Brasileiro de 1916, em seu artigo 159, a culpa era o principal pressuposto da responsabilidade civil subjetiva e, com o advento do Código Civil de 2002, assim permaneceu, mas com a inclusão da responsabilidade civil objetiva, que tem em seu escopo importantes cláusulas gerais[15].

A responsabilidade civil objetiva, ao contrário caracteriza-se pela obrigação de reparar danos, independentemente de qualquer ideia de dolo ou culpa, pois surge da prática de fatos antijurídicos. Dessa forma, como a responsabilidade precisa da prova da culpa, não se admite à pessoa responsabilidade de fazer prova em contrário, que são os casos de presunção de culpa absoluta[16].

Apesar das modificações trazidas pelo Código Civil de 2002, quanto à responsabilidade objetiva, cumpre esclarecer que foi com a vigência do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, que a responsabilidade civil objetiva conquistou um campo de incidência mais abrangente, em comparação à responsabilidade subjetiva[17].

Destarte, a responsabilidade civil subjetiva permanece como cláusula geral no ordenamento brasileiro e, apenas nas hipóteses previstas em lei, a responsabilidade objetiva vem sendo aplicada, com a admissão da teoria do risco.

Conforme já mencionado, o Código Civil de 1916 não fazia menção ao instituto do abuso do direito, mas conceituava ato ilícito, na medida que havia texto expresso no sentido de que os atos ilícitos são aqueles praticados no exercício regular de um direito. No entanto, a doutrina já vinha comentando a respeito, pois se constava na lei que o exercício regular do direito constitui ato lícito, o contrário, dessa forma, seria o exercício irregular do direito, fortalecendo a tese do abuso do direito[18].

Tendo em vista os limites estruturais do art. 160, inciso I, do Código Civil de 1916, ou mesmo por ser um apêndice da cláusula geral de responsabilidade civil do artigo 159 do mesmo Código, não houve um estudo da teoria do abuso do direito em sua  noção objetiva, sendo “uma figura tímida, ainda subjetivada e fundamentalmente assistemática”[19]. Por outro lado, o Código Civil de 2002 consagra o artigo 187, sob a forte influencia da teoria objetiva, dispensando o elemento subjetivo, conforme já aludido.

Na transição do Código Civil de 1916 ao Código Civil de 2002, podem ser notadas duas grandes diferenças entre ambos. Primeiramente, pode-se notar a separação entre a definição de ilicitude e responsabilidade civil e, ainda, a surgimento de duas cláusulas gerais de ilicitude, com a inclusão do artigo 187, que regula o abuso do direito.

Observa-se que, no Código Civil de 2002, houve a presença de normas que buscam a “formulação da hipótese legal mediante emprego de conceitos cujos termos têm significados intencionalmente imprecisos e abertos, os chamados conceitos jurídicos indeterminados”[20].

A cláusula geral presente no artigo 187 do Código Civil orienta a boa-fé objetiva como garantia das legítimas expectativas e de prática de atos pautados na probidade e correção na condução do processo. Assim, passa o juiz a ter mais liberdade para atuar no processo, considerando que as cláusulas gerais funcionam como um instrumento à aplicação do direito propriamente dito, impondo ao magistrado a pesquisa de soluções dentro do próprio sistema, através da análise da jurisprudência e/ou doutrina, no intuito de criar o regramento aplicável ao caso concreto[21].

Quanto à sua aplicação, a teoria do abuso do direito foi sendo aplicada em diversos campos do Direito Civil, e não somente no campo dos direitos patrimoniais, como a princípio se supôs. No entanto, foi em torno do direito de propriedade que giraram as primeiras elaborações teóricas e os primeiros precedentes judiciais relacionados com o tema do abuso do direito. Já o princípio da relatividade dos direitos foi usado no campo do direito de propriedade por ser mais propício ao exercício anormal pela significação que se lhe atribuía.[22].

Nessa toada, a noção de abuso é tributária da série de decisões francesas do final do século XIX e meados do século XX, nas quais, tendo-se em discussão o direito de propriedade, questionava-se seu exercício pelo titular diante da ausência de utilidade do mesmo. A teoria do abuso do poder, que serviu como base para o intitituto da litigância de má-fé, como bem salientado, se estendeu a todoas as áreas do Direito, inclusive no direito de propriedade.

Quanto ao tema, pode ser citados os casos Lingard, Mercy e Lacante, relativos a fumos e maus cheiros de fábricas, e o caso Grosheintz, que girou sobre escavações no terreno do próprio titular que provocaram o desmoronamento do terreno vizinho. Ainda, o caso Doerr, dizendo respeito à construção de uma chaminé em terreno próprio com o fito exclusivo  de retirar luz do terreno vizinho; o caso Savart, em que o proprietário de um terreno construiu uma estrutura de madeira com dez metros de altura, pintada de negro, com o objetivo de sombrear e entristecer o terreno vizinho; e, talvez, o mais citado deles, o caso Clément-Bayard, em que o proprietário construiu em seu terreno um dispositivo de espigões de ferro com o objetivo de destruir os aeróstatos lançados pelo proprietário vizinho[23].

No campo dos direitos extrapatrimoniais, também pode se destacar o uso da teoria, como desvio da conduta de conduta proba e leal. Um exemplo disso, citado por Orlando Gomes, é a proibição de visita aos avós, sem qualquer motivo, constituindo abuso do exercício do pátrio poder. O poder marital pode ser exercido abusivamente e, de resto, todo e qualquer direito, uma vez que, de acordo com a concepção relativista, o exercício deve ter sempre uma causa[24].

Quanto à finalidade da teoria do abuso do direito, sabe-se que, desde o seu surgimento, a sua função primordial é ser instrumento de efetivação de justiça social e equilíbrio do ordenamento jurídico, considerando que havia a necessidade de fixação de regras que evitem a prática de danos ao outro, para que seus objetivos sejam alcançados[25]. Ademais, cabe ressaltar que o abuso do direito somente pode ser configurado no caso de o agente causador do dano, ao exercer um direito que seja legítimo, ultrapasse os limites desse direito, com a intenção de prejudicar a outra parte.

Segundo Fernando Noronha, o sistema brasileiro dá grande importância à autonomia privada, alargando a margem de discricionariedade no exercício de direitos, tendo o juiz que identificar como ato de má-fé a manifesta desproporção que, para ele, seria a desconformidade entre o interesse que o agente visa realizar e aquele da pessoa afetada, ou, dizendo de outro modo, entre as vantagens do titular do direito e os sacrifícios suportados pela outra parte[26]. Assim, deve haver a devida proporcionalidade, posto que ninguém pode se locupletar ao ter causado dano a outrem, nem mesmo deve deixar de ser responsabilizado pelo mal que eventualmente cause quando proceda no exercício de seu próprio direito.

Portanto, a compreensão do abuso de direito parte das raízes da responsabilidade civil que, por sua vez, direciona o legislador à melhor aplicação da lei. Importante frisar que a Lei 13.467/17 incorporou praticamente todo o texto dos artigos 70 a 81 do Código de Processo Civil, dando ênfase, a CLT, à responsabilidade pelos danos causados pela litigância de má-fé.

Observa-se, assim, que o exercício regular do direito deve ser precipuamente fundado em motivos legítimos, na finalidade social e no espírito do direito, diferentemente de uma conduta prejudicial ou maliciosa, a qual constitui motivo ilegítimo sendo, portanto, abuso do direito.

2.2. A boa-fé e a lealdade processual: conceito e princípios norteadores

O Direito Processual do Trabalho, como qualquer outra ciência, está sujeito aos princípios, expressos ou não, consagrados na Constituição da República, em razão da supremacia das normas constitucionais, devendo ser aplicados sempre.

Na lição do jurista Sérgio Pinto Martins, os princípios são as proposições básicas que fundamentam as ciências, que as informam e as orientam, ou seja, são os princípios que fundamentam o Direito, a base que irá informar e inspira as normas jurídicas[27].

Na mesma linha, Maurício Godinho Delgado define princípio como “proposições fundamentais que informam a compreensão do fenômeno jurídico. São diretrizes centrais que se inferem de um sistema jurídico e que, após inferidas, a ele se reportam, informando-o”.[28]

No entanto, para efetivação desses princípios basilares do Direito, a norma infraconstitucional tem que impor deveres e condutas a serem respeitados pelos sujeitos do processo. Conforme se verifica da Lei Consolidada, quando se trata de conduta ética pelos litigantes e interessados na relação processual, há princípios e normas comuns a todo o Direito, ou seja, há princípios gerais que norteiam a conduta do participante do processo, de forma a conduzir uma saudável relação jurídica.

Dessa forma tem-se que há princípios aplicáveis ao abuso de direito que orientam o magistrado e operadores do direito para a interpretação correta do instituto e mostram de que forma esses conceitos podem ser aplicados diante de uma situação abusiva. Obtempere-se que, nada obstante, os Tribunais venham aplicando o instituto de responsabilização por dano processual aos litigantes de má-fé há muitos anos, este instituto somente passou a ser expresso na CLT com a reforma trabalhista, ou seja, é natural que os princípios norteadores da lealdade processual estejam também insculpidos no CPC, pois a fundamentação para aplicação de tal instituto pelos magistrados do Tribunais advém da Lei de Ritos.

A boa-fé processual está insculpida no artigo 5º do CPC, como norma fundamental do processo civil, que dispõe que “aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”. Noutro giro, na CLT, foi incluído o artigo 510-B, inciso II, no qual consta expresso que uma das atribuições da comissão de representantes dos empregados é aprimorar o relacionamento entre a empresa e seus empregados, com base nos princípios da boa-fé e do respeito mútuo. Além disso, há vários artigos no decorrer do CPC e da CLT que fazem remissão a tais princípios da lealdade e da boa-fé processual.

O jurista Humberto Theodoro Junior afirma que as noções de lealdade e probidade não são jurídicas, mas advindas da experiência social. Continua afirmando que o que são censuradas pela lei apenas as atitudes cujos limites ultrapassam daquilo que moral social estabelece[29].

Há uma grande discussão na doutrina acerca de se há, ou não, distinção entre boa-fé e lealdade processual. Como a intenção não é fazer uma análise aprofundada desse tema, que exigiria um estudo específico, cabe faze uma breve observação quanto aos dois princípios que, certamente, têm grande influência sobre a criação deste instituto de responsabilização por dano processual, considerando ser o processo, em todos os campos do Direito, uma grande ferramenta de justiça social.

A lealdade, portanto, em sua essência, é legalidade, mas nem todas as leis são regras jurídicas. Há regras que são pautadas na ética e nos costumes. O termo lealdade, com base nisso, deve ser entendido como sinceridade e fidelidade. Destarte, conforme se verifica, o termo lealdade e boa-fé nasceram antes da própria lei[30].

A palavra “lealdade” originou-se do latim, quer dizer “legalis” e, para Arruda Alvim, quando a lei fala em lealdade processual, o significado que ela quer dar vai além do seu sentido “legalidade”. A lei exige conduta leal como forma de impor aos litigantes uma conduta honesta na relação processual e contratual, não podendo, do outro lado, praticar atos desonestos para obter qualquer vantagem[31].

Noutra toada, a boa-fé, na lição Rui Stoco, por se tartar de um conceito social e ético, possui duas vertentes: a boa-fé lealdade e a boa-fé crença. A boa-fé-lealdade é praticamente sinônimo do exposto até aqui acerca de lealdade, se confundindo com ela, considerando que significa honestidade e probidade[32]. Por outro lado, a boa-fé crença, na lição de Judith Martins Costa, se traduz no “estado de consciência ou convencimento de obrar em conformidade ao direito aplicável, em regra, ao campo dos direitos reais, especificamente em matéria possessória”[33].

Portanto, pelo que se denota, a boa-fé crença é a chamada boa-fé subjetiva, posto que a conduta do agente é considerada para averiguação da conduta contrária ao que se espera, ou seja, a má-fé somente pode ser caracterizada se houver dolo do agente causado da lesão. A lealdade processual é o nome dado à boa-fé, pois significa transparência e a sinceridade. A boa-fé processual é a lealdade com o dever de se fazer o que é justo, mantendo-se o equilíbrio.

São vários os princípios que regem o processo do trabalho, mas aqueles que norteiam a boa-fé a lealdade processual se confundem com os princípios que regem todos os campos do direito. No centro de tudo está o princípio do devido processo legal, expresso no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, que dispõe que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. É dizer que ninguém poderá ser privado de sua liberdade e bens, a não ser pela tutela jurisdicional do Estado, que deverá se utilizar de normas previamente elaboradas, vedando, outrossim, os Tribunais de exceção.

Pelo que se percebe, o princípio do devido processo legal muito se assemelha ao princípio da razoabilidade que vem insculpido no artigo 8º do CPC, da seguinte forma: “ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”.

Neste sentido, tais princípios visam a garantia de pleno acesso à justiça e, mais ainda, acesso à ordem jurídica justa, assegurando mais do que a garantia de proposição de demanda perante o Poder Judiciário, mas efetiva tutela jurídica e justiça social[34].

Sergio Cavalieri Filho[35], ao tratar do tema “abuso de direito”, aduz que o mesmo não pode ser usado como limite à garantia do devido processo legal, nem mesmo pode limitar o acesso à justiça, a garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa.

O estudo das implicações relativas às condutas de abuso de direito processual tem como fundamento o princípio da proteção judiciária, do qual advêm várias garantias constitucionais, tais como o direito de ação e de defesa, o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório.

Importante mencionar que o abuso do direito não precisa estar expresso na lei, mas que a sua proteção se baseia em condutas que não estão de acordo com o fim social desejado. Ademais, a repreensão e prevenção de tais condutas devem ser feitas pelo juiz, que, por sua vez, analisará se tais condutas ultrapassam os limites do bom costume, da boa-fé e o fim econômico e social do processo.

Outro princípio a ser analisado é o da tempestividade da tutela jurisdicional, inserido no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal que, por sua vez, tem um papel muito importante no estudo do tema em questão, porquanto assegura a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Nessa toada, o Judiciário tem que fiscalizar os atos praticados pelas partes e intervenientes para, assim, evitar a prática de ações que sejam protelatórias e prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça, tudo sob pena de aplicação das sanções constantes nos artigos 793-A a 793-D, da CLT.

Como o objeto de análise desta pesquisa se adstringe às consequências advindas do abuso de direito na relação processual, que ocorre quando uma das parte tem o objetivo de obstaculizar o andamento do processo, extrapolando os limites da boa-fé, deve-se ter em mente que o processo, hoje, busca proporcionar às partes uma justiça que propicie resultados práticos compatíveis com os direitos subjetivos envolvidos na lide (efetividade), e que se realize de forma célere e com menos custos possível[36].

Por outro lado, não se pode olvidar que, em nome da celeridade do processo ou da maior efetividade da tutela jurisdicional, é possível haver dilações, desde que essas não sejam meramente dolosas, com o fito de prejudicar a outra parte, para se adquirir uma vantagem. Tem que ser respeitado o trâmite do processo, para que tudo o que seja necessário seja feito para se alcançar o melhor resultado possível para ambas as partes, como reflexo do princípio do devido processo legal[37].

No mesmo ponto de vista, o ato abusivo gera inquestionavelmente um prejuízo à relação processual, dado que sempre terá como consequência a demora na efetivação da tutela jurisdicional. Devendo o magistrado analisar a verificação da conduta abusiva, as consequências, estabelecer o prejuízo e, ainda, sancionar o litigante para repará-lo, é inegável que durante esse tempo o processo encontra-se dependente dessa situação e há um inconveniente anormal decorrente do abuso[38].

Sobre os autores
Gerlane Cristina da Silva Bossi d’Oliveira

Advogada. Pós-graduada em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Pós-graduanda em Advocacia Pública pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Bruno Loureiro Bossi d'Oliveira

Advogado. Pós-graduado em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pela Universidade Candido Mendes (UCAM). Doutorando em Direito pela Universidade Nacional de Lomas de Zamora/Argentina (UNLZ).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

D’OLIVEIRA, Gerlane Cristina Silva Bossi; D'OLIVEIRA, Bruno Loureiro Bossi. Responsabilidade por dano processual à luz da reforma trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5368, 13 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63945. Acesso em: 2 nov. 2024.

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