2. Política Nacional dos Recursos Hídricos
A lei 9.433/1997 instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), com isso permitiu a criação de diversos instrumentos legais de proteção, exigindo uma atuação efetiva do poder público. Assim, podemos verificar os seguintes instrumentos legais.
2.1. Água como bem de domínio público
O primeiro fundamento da PNRH é a natureza pública das água, inalienável, sendo permitida apenas a sua utilização, pois são bens de uso comum do povo federal, estadual e municipal.
Dessa forma, prevalece que inexistem águas de propriedade particular no Brasil, uma vez que, está previsto expressamente na lei 9.433/1997 como bem de domínio público. Ademais, a Constituição Federal nos artigos 20, III, VI e VIII, e 26,I prevê que quando não forem bens da União, as águas serão bens dos Estados e, por analogia, do Distrito Federal. Dessa forma, muitos dispositivos do Código de Águas (decreto 24.643/1934) não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988 por constarem águas de titularidade privada.
2.2. Instrumentos Básicos
Ainda são considerados aspectos relevantes da Lei Federal 9.433/97, o estabelecimento dos instrumentos de política para o setor. Com efeito, todo programa governamental necessita de instrumentos, que são planos diretores que visam fundamentar e orientar a implementação da PNRH, devendo ser elaborado por bacia hidrográfica, por Estado e nacionalidade.
O primeiro instrumento da Lei Federal 9.433/97 são os Planos de Recursos Hídricos – Federal e para cada uma das Unidades Federadas – que são o documento programático para o setor, considerando o espaço da bacia hidrográfica considerada unidade básica de gerenciamento dos recursos hídricos ou UGRHI. Trata-se não só de uma atualização das informações disponíveis que influenciam a tomada de decisão na bacia hidrográfica como unidade básica de planejamento, mas também procura definir a repartição da gota d’água disponível entre os diferentes usuários, considerando-se sempre um uso cada vez mais eficiente.
O segundo instrumento definido pela Lei Federal 9.433/97 é o enquadramento dos corpos d’água em classes de usos preponderantes. Desta forma, visa-se estabelecer uma ligação entre a gestão indissociável da quantidade e da qualidade da água.
O terceiro instrumento é a Outorga de Direito de Uso dos Recursos Hídricos, mecanismo pelo qual o usuário recebe uma autorização, ou uma concessão, para fazer uso da água para fins econômicos. Entretanto, o processo de outorga necessita considerar as diferentes alternativas de gestão integrada ou de obtenção de água na bacia hidrográfica em questão – superficiais, subterrâneas, captação de chuvas, umidade do solo que dá suporte ao desenvolvimento da biomassa, reuso de água, principalmente – as condições de uso e conservação julgadas mais adequadas, além dos níveis de produtividade que deverão ser alcançados, a critério do respectivo comitê.
O quarto instrumento é a Cobrança pelo uso da água, essencial para criar as condições de equilíbrio entre as forças da oferta da demanda, promovendo, em consequência, o abastecimento das necessidades vitais do indivíduo e a harmonia entre os usuários competidores, ao mesmo tempo em que promove a redistribuição dos custos sociais, a melhoria da qualidade dos efluentes e esgotos domésticos lançados, a de ensejar a formação de fundos financeiros para as obras, programas e intervenções no setor. Verifica-se, assim, uma tendência de centralização, com a criação da ANA, daquilo que se pretendia descentralizar ao se criar as Agências de Água e os Comitês de Bacia Hidrográfica. Certamente, os advogados irão se debruçar sobre o problema cada vez que este surgir. Todavia, o que já se aprendeu neste processo é que não se poderá ter uma única legislação de gestão da água numa bacia hidrográfica ou UGRHI.
O quinto instrumento da Lei Federal 9.433/97 é o Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos, destinado a coletar, organizar, criticar e difundir a base de dados relativa aos recursos hídricos, seus usos, o balanço hídrico de cada bacia hidrográfica, unidade de planejamento, provendo aos gestores, usuários, sociedade civil e outros segmentos interessados às informações necessárias ao processo decisório.
2.3. Regime Jurídico de Utilização da Água
Em regra, para se utilizar a água é necessário outorga do poder público. O objetivo dessa medida é assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água pelo poder público.
Assim, o artigo 12 da lei 9.433/1997 exige outorga dos poderes públicos para as seguintes hipóteses:
I - derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo de água para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo produtivo;
II - extração de água de aqüífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo;
III - lançamento em corpo de água de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final;
IV - aproveitamento dos potenciais hidrelétricos;
V - outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo de água.
O rol transcrito é exemplificativo, pois o último item é uma verdadeira hipótese aberta aos “outros usos, a ser regulamentado com razoabilidade e de maneira fundamentada pela Administração Pública, devendo ser demonstrada a necessidade de controle estatal de outras formas de utilização das águas".
A outorga de direito de uso de recursos hídricos é definida como o ato administrativo mediante o qual a autoridade outorgante competente faculta ao requerente o direito de uso dos recursos hídricos, por prazo determinado, nos termos e condições expressas no respectivo ato, considerada as legislações específicas vigentes.
A outorga do uso da água terá como prazo de até 35 anos, renovável, devendo ser onerosa, ficando condicionada às prioridades de uso estabelecidas nos Planos de Recursos Hídricos e deverá respeitar a classe em que o corpo de água estiver enquadrado e a manutenção de condições adequadas ao transporte aquaviário, quando for o caso, consoante determinações do artigo 13, da Lei 9.433/1997.
De acordo com o artigo 6º, da Resolução 16/2001- CNRH, deverão ser respeitado os seguintes limites de prazo, que serão prorrogáveis:
I- até dois anos, para início da implantação do empreendimento objeto da outorga;
II- até seis anos, para implementação do empreendimento projetado.
Já a outorga de direito de uso de recursos hídricos para concessionárias e autorizadas de serviços públicos e de geração de energia hidrelétrica, bem como suas prorrogações, vigorará por prazo coincidente com o do correspondente contrato de concessão ou ato administrativo de autorização.
Se a água for bem da União, competirá a ANA outorgar o seu uso, mediante autorização, cabendo delegação aos Estados e Distrito Federal. Se a água for estadual ou distrital, aos seus entes competirá tal função. Vale lembrar que não há titularidade de águas para municípios.
A outorga de direito de uso de recursos hídricos poderá ser suspensa parcial ou totalmente, em definitivo ou por prazo determinado, nas seguintes circunstâncias:
I - não cumprimento pelo outorgado dos termos da outorga;
II - ausência de uso por três anos consecutivos;
III - necessidade premente de água para atender a situações de calamidade, inclusive as decorrentes de condições climáticas adversas;
IV - necessidade de se prevenir ou reverter grave degradação ambiental;
V - necessidade de se atender a usos prioritários, de interesse coletivo, para os quais não se disponha de fontes alternativas;
VI - necessidade de serem mantidas as características de navegabilidade do corpo de água.
Dessa maneira, sendo permitida a suspensão do ato de outorga, fica evidente que ele não passa a integrar o patrimônio do beneficiário, sendo ato precário passível de revogação ou suspensão nas hipóteses acima listada, razão pela qual ostenta a natureza de autorização administrativa, conquanto tenha prazo limite a sua precariedade, desnaturando, em parte, o seu regime jurídico, pois a revogação somente poderá se dar nas hipóteses acima. O seu pagamento não possui índole tributária, podendo se enquadrar como um preço público.
Excecionalmente, independente de outorga o uso da água para acumulação de volumes, derivações, captações e lançamentos considerados insignificantes, assim como o uso para a satisfação das necessidades de pequenos núcleos populacionais rurais.
Na visão de Frederico Amado, andou bem o legislador ao nao definir genericamente o que é considerado como uso insignificante da água para fins de dispensa de outorga, uma vez que essa análise deve ser casuística.
Ademais, insta lembrar que a concessão de outorga nao dispensa o prévio licenciamento ambiental, inclusive a elaboração do EIA-RIMA, caso a atividade seja apta a causar significativa degradação ambiental.
Por fim, a outorga de uso de recursos hídricos é pressuposto para a concessão da licença de instalação e de operação para empreendimentos que utilizem recursos hídricos acima dos limites de isenção, devendo ser previamente exigida pelo órgão do SISNAMA.
3. Infrações Administrativas
A Lei de Recursos Hídricos previu várias condutas ilícitas consideradas como infrações administrativas, com o objetivo de evitar que condutas humanas afete esse importante recurso natural.
Dessa forma, buscou o legislador punir o degradador com sanções de advertência; ou imposição de multas (simples ou diárias) que variam de R$ 100,00 a R$ 10.000,00; ou embargo ( provisório ou definitivo)
Assim, por exemplo, constitui sanção administrativa:
I - derivar ou utilizar recursos hídricos para qualquer finalidade, sem a respectiva outorga de direito de uso;
II - iniciar a implantação ou implantar empreendimento relacionado com a derivação ou a utilização de recursos hídricos, superficiais ou subterrâneos, que implique alterações no regime, quantidade ou qualidade dos mesmos, sem autorização dos órgãos ou entidades competentes;
IV - utilizar-se dos recursos hídricos ou executar obras ou serviços relacionados com os mesmos em desacordo com as condições estabelecidas na outorga;
V - perfurar poços para extração de água subterrânea ou operá-los sem a devida autorização;
VI - fraudar as medições dos volumes de água utilizados ou declarar valores diferentes dos medidos;
VII - infringir normas estabelecidas no regulamento desta Lei e nos regulamentos administrativos, compreendendo instruções e procedimentos fixados pelos órgãos ou entidades competentes;
VIII - obstar ou dificultar a ação fiscalizadora das autoridades competentes no exercício de suas funções.