Enfim, com a recente adesão da Rússia, ocorrida em novembro último, entrou em vigor o Protocolo de Kyoto. Fruto da terceira Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – firmado em 1997 no Japão – esse importante documento constitui fundada esperança para estabilização das emissões atmosféricas de gases causadores do efeito-estufa. O apoio da Rússia foi fundamental, já que os Estados Unidos, poluidores por excelência, se retiraram das negociações em março de 2001, com anúncio oficial da Agência de Proteção Ambiental (EPA – Environmental Protection Agency), alegando não haver disposição para afrontar os custos políticos e econômicos necessários para reduzir as emissões.
Para atingir os objetivos de contenção de emissões atmosféricas, o Protocolo prevê que os Estados industrializados (relacionados no anexo II da Convenção) devem, num primeiro período de empenho - 2008/2012 - reduzir as emissões dos gases previstos no anexo B, conhecidos como gases do efeito estufa ou greenhouse gases (GHG) em 5,2%, comparativamente aos níveis de 1990, data individuada como de referência. Nesse primeiro período, os países não-industrializados têm o dever de apresentar apenas inventário de emissões dos mencionados gases, aspecto que tem gerado sérias discussões, pois China, Índia e México, ocupam, respectivamente, 2º, 5º e 11º lugar nas emissões mundiais, sabendo-se que, em conjunto, China, Índia e Brasil, representam 40% da população mundial e alcançam 18% das emissões de CO2.
Entretanto, para atingir as metas de redução e considerando que os efeitos nefastos são globais e não locais, o Protocolo prevê que os países industrializados devam não só abater as emissões de forma direta, mas também utilizar, de maneira acessória, outros mecanismos, e tornar menos onerosa a atuação de cada um deles.
Quatro são os mecanismos, conhecidos pela nomenclatura em inglês: Joint Implementation (JI), Joint Fulfillment (JF) ou bubble, International Emissions Trading e Clean Development Mechanism (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo). Todos eles, exceto o joint fulfillment, geram créditos a quem utilizá-lo, calculados em unidades de medida, a seguir mencionadas.
O mecanismo de Joint Implementation (Projetos de Atuação Conjunta), disciplinado pelo artigo 6 do Protocolo, prevê a realização de projetos de abatimento de emissões antrópicas em um Estado incluído no anexo I, mas diverso daquele que promove o projeto. Tais projetos dão lugar à aquisição de "Créditos de Emissão" (Emission Reduction Units – ERUs);
O Joint Fulfillment (JF) ou bubble, da mesma forma, é limitado aos países do anexo I e prevê a realização conjunta – por isso a denominação bolha – da parte de dois ou mais países, para a redução das emissões, ou seja, as Partes realizam conjuntamente o empenho. A União Européia, por exemplo, constituiu uma única "bolha" para fazer frente aos limites estabelecidos pelo Protocolo.
O terceiro mecanismo - International Emissions Trading (Troca Internacional dos Direitos de Emissão) - previsto no artigo 17 do Protocolo - confere aos países do anexo B, a prerrogativa de reduzir as emissões em medida maior do que a prevista no próprio target e de vender este plus a outros países constantes do anexo B para atingir os próprios objetivos. Essas emissões - representadas por Assigned Amount Units (AAUs), isto é, quotas que vêem conferidas aos Estados com base na obrigação de reduzir assumida com o Protocolo - podem ser adquiridas por Estados que, ao contrário, não consigam respeitar o próprio objetivo. Em prática, serão atribuídas quotas de emissão a determinados entes, como empresas, por exemplo. Uma vez reduzidas as emissões aquém da quota prevista, será facultado transferir o excesso disponível para outros que tenham maior dificuldade em respeitar os próprios limites a que se obrigaram. Com isto, cada empresa poderá melhorar seu sistema para vender o excesso no mercado, com efeitos positivos para o ambiente.
O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL (art. 12 do Protocolo), trata de projetos que reduzam ou absorvam as emissões de GHG em países diversos daquele em que foram elaborados e não incluídos no anexo I, que relaciona os industrializados do anexo II e aqueles em transição para economia de mercado, como os do leste europeu, dos quais vários já aderiram à Comunidade Européia, em maio de 2004. É o único dos mecanismos que torna possível a participação, no Protocolo, de um país em vias de desenvolvimento, como o Brasil, mediante a obtenção de créditos de carbono (Certified Emission Reduction units, CERs).
Importante ressaltar que, em 2003, i.e. muito antes da assinatura pela Rússia, a União Européia demonstrou sua intenção em reduzir, já entre 2008 e 2012, em 8% as emissões dos gases causadores do efeito estufa, em relação ao nível de 1990, independentemente da vigência do Protocolo. Nesse sentido, aprovou a Diretiva 2003/87/CE, recentemente alterada pela Diretiva 2004/101/CE do Parlamento e do Conselho Europeu, a fim de incluir, entre outras medidas, o mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL), visto que, inicialmente, previa-se apenas o regime de troca internacional de direitos de emissão (international emissions trading).
Esta foi uma clara demonstração, pela Comunidade Européia, de racionalidade e vontade de modificar a alarmante situação das mudanças climáticas. Demonstrou, também, confiança nos organismos da comunidade internacional, em resposta à desastrosa e negativa decisão norte-americana de se afastar do Acordo.
No que concerne especificamente ao MDL - parte do Protocolo que mais interessa aos negócios do Brasil, deve-se ressaltar que há três modalidades de projetos para implementá-lo: a) reduzir emissões (p.ex. substituir óleo diesel por álcool); b) evitar emissões (p.ex. em aterro sanitário, aproveitar o gás metano, que iria para a atmosfera) e c) absorver emissões.
Esta última modalidade - absorção de emissões - vincula-se, fundamentalmente, ao setor LULUCF - land use, land-use change, forestry (i.e. uso da terra, mudança de uso da terra e florestas), ou seja, atividades ligadas ao patrimônio florestal e agrícola. A absorção de emissões, embora ofereça maiores vantagens ambientais quanto à sustentabilidade, é a mais complexa para mensurar a suplementariedade dos projetos. Imagine-se o grau de dificuldade em quantificar o carbono absorvido pela floresta, pela interação de múltiplos fatores externos, como variações climáticas, tipo de solo, temperatura local etc.
Nos objetivos do Protocolo, o Brasil tem incomparável potencial para projetos MDL e, por isso, já é um dos principais alvos dos paises com deveres de redução de emissões atmosféricas. Ademais, diferentemente da grande maioria dos paises em situação análoga, o Brasil já recepcionou o Protocolo em seu ordenamento jurídico e estabeleceu procedimentos para acolher tais projetos. Aliás, previsões do Banco Mundial antecipam que o comércio internacional de títulos de redução de emissões certificadas (CERs) poderá chegar a U$ 20 bilhões ao ano.
Nesse contexto, vale assinalar que os países, com deveres de redução de emissões, poderão implementar projetos, de imediato e utilizar os respectivos títulos no primeiro período de compromisso, ou seja, em 2008/2012. No Brasil, já foram apresentados projetos à Comissão Interministerial de Mudança do Clima, nos termos da Resolução nº 1. Dois deles já aprovados.
Vê-se que, com o Protocolo e em termos de estabilização de emissões - que aumentam rapidamente - o uso mais austero e racional dos recursos naturais necessários à produção e ao desenvolvimento, poderá ter bom êxito em termos de diminuição dos agentes causadores das mudanças climáticas, além de uma manifesta oportunidade de mercado. Outrossim, a alternativa MDL, será um ótimo veículo de transferência de tecnologia limpa e moderna aos países não-industrializados. Portanto, de interesse direto do Brasil.
Para concluir esses comentários, podemos nos valer das palavras de Neil Armstrong, ao pisar na lua, dizendo que a vigência do Protocolo de Kyoto representa, seguramente, "um pequeno passo para o homem, um grande passo para humanidade".