Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Honorários advocatícios em mandado de segurança

Exibindo página 1 de 3
Agenda 09/03/2005 às 00:00

A melhor solução é revogar as Súmulas 512, do STF, e 105, do STJ, e aplicar o princípio da sucumbência ao mandado de segurança, condenando o vencido ao pagamento dos honorários advocatícios ao patrono da parte contrária.

RESUMO

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça foi pacificada no sentido de vedar a condenação do vencido ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência no mandado de segurança. A doutrina, em sua maioria, ao contrário, entende que não há dispositivo legal que vede a aplicação do princípio da sucumbência a esse tipo especial de ação. No meio desse antagonismo de posicionamentos, fica o cidadão, que tem seu direito violado, por um ato ilegal, e ainda tem de arcar com as despesas do processo. Os Tribunais devem pautar seus julgamentos pelas noções de justiça, e ir ao encontro dos anseios dos cidadãos, pois o direito deve reger a sociedade, mas acima de tudo, acompanhar sua evolução. Então, a melhor solução é revogar as Súmulas 512, do STF, e 105, do STJ, e aplicar o princípio da sucumbência ao mandado de segurança, condenando o vencido ao pagamento dos honorários advocatícios ao patrono da parte contrária.

Palavras-chave: mandado, segurança, honorários, advocatícios, sucumbência.


INTRODUÇÃO

Muito já se discutiu acerca da possibilidade de haver ou não condenação do vencido ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência na ação de mandado de segurança.

Hoje, a doutrina brasileira, em sua maioria, se inclina no sentido de ser possível essa condenação, sem que isso venha a arranhar a grandiosidade do instituto, que é o meio hábil a proteger o cidadão de atos abusivos ou ilegais, emanados de autoridades públicas.

Em posição diametralmente oposta, a jurisprudência se mantém surda às manifestações da sociedade, que considera injusto o fato de o cidadão que se socorreu do Poder Judiciário para ver seu direito reconhecido, mesmo que vitorioso na demanda, tenha de arcar com os honorários advocatícios de seu patrono.

Esse posicionamento jurisprudencial foi adotado no ano de 1969, quando o Supremo Tribunal Federal sumulou a matéria, através do verbete constante da Súmula 512. Posteriormente, com a promulgação da Constituição de 1988, em virtude da alteração da competência da Corte Suprema, o recém-criado Superior Tribunal de Justiça passou a decidir acerca da matéria.

Esse Tribunal não tardou a se posicionar, optando por manter o posicionamento adotado pela Corte Constitucional. E mais, acabou editando a Súmula 105, que praticamente repete os mesmos fundamentos utilizados pelo Supremo Tribunal Federal, quando da edição da Súmula 512.

Cabe lembrar que, durante muito tempo, o ordenamento jurídico brasileiro não previu, como regra geral, a condenação do vencido ao pagamento de honorários advocatícios do patrono da parte contrária. A possibilidade de haver essa condenação existia, mas limitada aos casos de comprovada culpa processual, ou seja, se uma das partes houvesse agido com deslealdade no processo.

Mais recentemente, porém, consagrou-se o princípio da sucumbência, substituindo a culpa pelo risco. Por este novo princípio, todo aquele que litiga, o faz a seu risco, ficando sujeito ao pagamento das despesas processuais pelo simples fato de sucumbir. Mas ainda persiste a possibilidade de imposição de multa quando houver culpa processual, que, agora, denomina-se litigância de má-fé.

Desse modo, o princípio da sucumbência, previsto no Código de Processo Civil, foi adotado como regra geral, em todos os processos cíveis, ressalvados os casos de vedação expressa de lei. Além de geral, é regra imperativa, isto é, o juiz, ao decidir a demanda, deve se manifestar acerca da responsabilidade do vencido pelo pagamento das despesas processuais, entre elas, os honorários de advogado, mesmo que não haja requerimento a esse respeito.

O fundamento desse princípio é a necessidade de se restaurar integralmente o direito do vencedor na demanda. Sempre que a parte vencedora tiver de arcar com os honorários de seu advogado, essa restauração terá sido incompleta, proporcionando uma diminuição patrimonial injusta.

As autoridades públicas, ou, em casos excepcionais, os agentes de pessoa jurídica de direito privado, quando investidos em uma função pública, podem no regular cumprimento de suas atribuições, agir com abusividade ou ilegalidade, causando, com isso, uma violação de direito líquido e certo do cidadão.

Tal é a gravidade dessa violação que a Constituição de 1988 elevou à categoria de direito e garantia fundamental a concessão de ordem de segurança, para fazer cessar imediatamente o ato ilegal ou abusivo, restituindo-se a situação jurídica do impetrante ao status quo ante. Mas, em função da vedação sumular, a restauração do direito do cidadão não é completa, pois não se condena o vencido ao pagamento dos honorários de advogado, embora a existência do princípio da sucumbência.

Neste trabalho, serão analisadas as possibilidades que tem o julgador ao se deparar com essa situação: a primeira, aplicar o princípio da sucumbência e condenar o vencido ao pagamento dos honorários advocatícios do patrono do vencedor. A segunda, acolher o entendimento sumulado pelos Tribunais Superiores, e não condenar em honorários advocatícios, em virtude de inexistência de previsão legal.

Para tanto, num primeiro momento, serão analisados conceitos e princípios, como ação, lide, sucumbência, aplicação subsidiária do Código de Processo Civil aos processos previstos em legislação extravagante, natureza jurídica dos honorários de advogado, base de cálculo e forma de execução da sentença no tocante aos honorários advocatícios, além de examinar alguns casos especiais em que há ou não condenação em honorários advocatícios.

Num segundo momento, será realizada uma análise mais aprofundada do mandado de segurança no direito brasileiro, abordando noções próprias, como natureza jurídica do instituto, as partes na relação processual, o Código de Processo Civil como fonte subsidiária de legislação, passando pela análise das Súmulas 512 e 105, do STF e STJ, respectivamente, e chegando aos honorários advocatícios, propriamente ditos, no mandado de segurança.

O método de abordagem utilizado será o dedutivo, pois se partirá de noções gerais, descendo até o caso particular. Dentre os métodos de interpretação, o escolhido foi o sistemático, uma vez que se trata da aplicação de um princípio ao caso específico. Quanto à técnica de pesquisa, serão utilizadas a bibliográfica e a documental.


1 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA NO DIREITO BRASILEIRO

1.1 Ação e lide

Ao estudar o direito processual, seja ele civil, penal ou trabalhista, é imprescindível o retorno às suas origens, para compreender o verdadeiro significado do termo ação, na sua acepção técnica, conceito basilar que sustenta toda a teoria geral do processo.

No antigo Direito Romano, podiam os cidadãos fazer justiça pelas próprias mãos. Vigia a Lei de Talião, que autorizava o sujeito lesado a impor, por conta própria, um suplício de igual monta ao causador do dano. Assim, aquele que tinha um filho morto, podia matar o filho do assassino. Aquele que tinha sua casa incendiada, podia atear fogo na casa do incendiário. Prevalecia a máxima do "olho por olho, dente por dente".

Porém, com a evolução da sociedade, tais práticas revelaram-se desconformes com os novos sentimentos de justiça. Que justiça era essa que combatia o mal com o próprio mal?

Então, para refrear essa violência institucionalizada, o Estado aparece com força total, e retira da sociedade o poder de fazer justiça com as próprias mãos, chamando a si o direito de fazer o julgamento de qualquer litígio, monopolizando, num primeiro momento, essa atividade. Com essa prática, não apenas o Estado se encarregou da tutela jurídica dos interesses dos seus cidadãos, como se obrigou a prestá-la, toda vez que fosse solicitado a fazê-lo.

Surgiu, assim, um direito subjetivo de chamar o Estado para resolver os litígios, sempre que ocorresse um: era o direito de ação. A obrigação do Estado de atender ao chamado de seus cidadãos foi denominada, então, de jurisdição, ou, no latim original, juris dicere, isto é, dizer o direito. Conjugando-se os dois pólos, tem-se que direito de ação é o direito que tem o cidadão de obter a tutela jurisdicional, esta prestada pelo Estado, através de seus órgãos jurisdicionais.

O conceito de ação foi evoluindo com o próprio direito, surgindo novos pontos de vista. ALVIM [1] nos fornece a sua definição de ação, nos seguintes termos:

"É o direito constante da lei processual civil, cujo nascimento depende de manifestação de nossa vontade. Tem por escopo a obtenção da prestação jurisdicional do Estado, visando, diante da hipótese fático-jurídica nela formulada, à aplicação da lei (material)."

THEODORO JÚNIOR, [2] por outras palavras, mas com significado praticamente idêntico, fornece-nos a sua definição:

"Tanto para o autor como para o réu, a ação é o direito a um pronunciamento estatal que solucione o litígio, fazendo desaparecer a incerteza ou a insegurança gerada pelo conflito de interesses, pouco importando qual seja a solução a ser dada pelo juiz."

CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, [3] por sua vez, a definem deste modo: "Ação, portanto, é o direito ao exercício da atividade jurisdicional (ou o poder de exigir esse exercício). Mediante o exercício da ação provoca-se a jurisdição, que por sua vez se exerce através daquele complexo de atos que é o processo."

Fazendo-se uma interpretação das diferentes definições apresentadas pelos doutos da matéria, pode-se chegar a uma síntese do que seja ação, ou direito de ação. Ação, então, é o direito que têm, tanto o autor como o réu, de exigir do Estado, através do Poder Judiciário, a prestação jurisdicional. Em síntese: o direito de fazer com que o Estado-juiz lhe forneça uma sentença que diga a quem pertence o direito posto a julgamento.

O Estado, então, pronuncia, por meio de uma sentença, o resultado acerca dessa dualidade de pretensões, pondo fim ao litígio que lhe foi apresentado, realizando sua tarefa de prestar a tutela jurisdicional, restabelecendo a paz social entre seus cidadãos.

Mas não bastava, ainda, dizer o direito. Muitas vezes, essa decisão era descumprida por aqueles que haviam tido suas pretensões rejeitadas pelo julgador. Havia a necessidade de dotar essa decisão de uma força que obrigasse as partes a cumpri-la. Para tanto, dotou-se essas decisões judiciais de executoriedade.

A executoriedade é o atributo da sentença que faz com que todo aquele que tenha uma decisão judicial favorável possa exigir seu cumprimento. Se a parte vencida descumprir essa decisão, o vencedor poderá, mais uma vez, invocar a tutela do Estado para fazer com que ela seja cumprida, mesmo que à força.

Porém, deve-se observar que a ação não se destina a analisar uma hipótese, abstratamente. Ao contrário, seu objeto deve ser um fato concreto, certo e determinado. Ao julgador cabe aplicar o direito material ao caso proposto, obedecendo sempre ao que disciplina o direito processual.

Mas, apesar disso, o direito de ação é autônomo. Não há vinculação entre o direito subjetivo material e o direito subjetivo processual. Este é o instrumento de que dispõe o cidadão para alcançar o reconhecimento daquele. O cidadão tem o direito de acionar o Estado para que este diga a quem pertence o direito material. Tanto é assim que existem ações, ou pretensões, que são julgadas improcedentes, o que seria impossível de acontecer, se o direito processual estivesse intrinsecamente vinculado ao direito material. Essa autonomia é ressaltada por MARCATO, [4] que disciplina: "O direito de ação, portanto, é um direito subjetivo dirigido contra o Estado, sem representar, todavia, o direito a uma prestação concreta, favorável, mas sim, jurisdicional."

No processo, há duas pretensões distintas: uma, de direito material, dirigida contra a parte contrária, que representa o mérito da ação; outra, de direito processual, dirigida contra o Estado, que lhe garante o direito de ver sua pretensão de direito material ser examinada pelo órgão jurisdicional competente.

A ação, no entanto, não se confunde com a lide. A primeira existe pelo simples exercício do direito subjetivo à tutela jurisdicional, sempre que a parte peticionar ao juiz, dando início ao processo. Porém, só existirá lide se houver resistência, pela parte contrária, à pretensão deduzida em juízo pelo autor.

O processualista THEODORO JÚNIOR [5] soluciona a questão ao afirmar que, para existir a lide, ou litígio, é necessário que ocorra uma pretensão resistida. Pode haver conflitos de interesses, sem, necessariamente, instalar-se a lide. Se uma das partes se curvar diante da pretensão da outra, existirá o conflito de interesses, mas não existirá lide, justamente pela falta do elemento indispensável ao litígio, que é a resistência de uma das partes à pretensão da outra.

Todos os dias ocorrem casos em que, ao ser citada para se defender, a parte contrária simplesmente comparece em juízo e manifesta sua concordância com a pretensão do autor, reconhecendo a procedência do pedido, acarretando, assim, a extinção do processo, com julgamento do mérito. Nesse caso, houve ação, pois a máquina judiciária foi acionada. Também houve conflito de interesses, pois se assim não fosse, não teria existido o processo. Mas não se instalou a lide, justamente devido à falta de resistência à pretensão demandada em juízo. CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO [6] sintetizam esse ponto ao afirmar:

"A existência da lide é uma característica constante na atividade jurisdicional, quando se trata de pretensões insatisfeitas que poderiam ter sido satisfeitas pelo obrigado. Afinal, é a existência do conflito de interesses que leva o interessado a dirigir-se ao juiz e a pedir-lhe uma solução; e é precisamente a contraposição dos interesses em conflito que exige a substituição dos sujeitos em conflito pelo Estado."

A lide, então, é o combate, a disputa, dentro do processo, pelo direito material. A ação inicia o processo, que deverá se desenvolver regularmente, culminando com a prestação jurisdicional, representada pela sentença, proferida ao final de toda uma seqüência de atos lógicos, asseguradas às partes a plenitude da defesa, a bilateralidade das manifestações e a imparcialidade do juiz, pondo fim à lide, ou litígio, declarando a quem pertence o direito disputado.

1.2 A sucumbência no CPC

Sucumbir, no entender de CAHALI, [7] "é ver a ação rejeitada, se se é o autor, ou ver pronunciadas as condenações contra si, se se é o réu."

Sucumbente é aquele que tem sua pretensão rejeitada pelo juízo. É o que decai do direito que pretendia ver reconhecido pelo Estado. É aquele contra o qual a sentença é proferida, não importando se a parte contrária ofereceu ou não resistência ativa a sua pretensão. Portanto, vencido será o réu, se a pretensão do autor for julgada procedente; se improcedente, vencido será o autor.

A sucumbência assumiu um papel importante no direito processual brasileiro, em virtude da evolução do instituto ao longo dos anos. A sociedade evoluiu, e o direito, como ciência social, também foi obrigado a evoluir, para preservar sua finalidade primordial, qual seja, a de pacificar os conflitos.

Para entender a sucumbência moderna, porém, faz-se necessária uma breve digressão histórica acerca da evolução desse instituto ao longo do tempo.

O direito brasileiro descende quase que diretamente do antigo Direito Romano. E é justamente entre os romanos que surgem as primeiras manifestações que podem ser consideradas como sucumbência, mas ainda muito longe do significado que alcançou o instituto, nos dias de hoje.

O processo romano, no início de seu desenvolvimento, não contemplava qualquer previsão de reembolso de despesas processuais. Isso se deve ao fato de que, àquela época, as partes compareciam pessoalmente em juízo, não necessitando, portanto, de alguém que as representasse ou defendesse seus interesses. Instalado o conflito, as partes se dirigiam pessoalmente ao julgador e deduziam suas pretensões, de regra, oralmente, através de fórmulas preestabelecidas.

ONÓFRIO [8] nos ensina que no período clássico da cultura romana, os litigantes eram responsáveis por suas próprias custas, e, acaso o vencido tivesse agido temerariamente no processo, eram-lhe impostas penas de ressarcimento de despesas e de danos causados ao vencedor. É o que hoje a doutrina chama de litigância de má-fé. [9]

Pouco a pouco, os processos foram se tornando mais complexos, exigindo, então, conhecimentos mais aprofundados do direito para uma defesa eficaz da pretensão perante o julgador, surgindo a necessidade de as partes se fazerem representar por advogados.

A compensação financeira pelo trabalho desses advogados foi estabelecida somente a partir de Diocleciano, quando surgiu o primeiro passo para a instituição da sucumbência, mas ainda muito longe dos moldes que conhecemos hoje.

Essa compensação ainda trazia ínsita um caráter de pena, ou seja, responsabilizava o litigante vencido, além da condenação sofrida no processo instaurado, por um outro ônus, distinto da simples perda da ação.

Instituiu, então, o Direito Romano, uma responsabilidade objetiva pelas despesas processuais, que foi evoluindo até surgir o sistema que chegou aos nossos dias.

No direito brasileiro, por sua vez, nem sempre a sucumbência foi como é hoje. Também o instituto foi evoluindo, representando, sempre, os anseios da sociedade em uma determinada época. Cabe ressaltar, aqui, as palavras de GRECO FILHO, [10] que afirma:

"No sistema do Código anterior, em sua redação primitiva de 1939, os honorários de advogado estavam ligados à atividade judicial indevida; mais tarde, adotou-se no Brasil o chamado princípio da sucumbência, segundo o qual as partes respondem pelas despesas processuais, inclusive honorários de advogado, desde que percam a demanda, estejam ou não usando abusivamente do meio jurisdicional."

Portanto, na vigência do Código de Processo Civil de 1939, [11] em sua redação original, somente havia condenação ao pagamento das despesas processuais se ficasse comprovado que a parte houvesse agido com deslealdade ou abusividade no processo.

Somente com a edição da Lei nº 4.632/65, [12] que alterou o art. 64 do estatuto processual citado, houve a desvinculação da condenação ao pagamento das despesas processuais da atividade abusiva dentro do processo. ONÓFRIO [13] comenta esse fato, fornecendo a seguinte explicação: "A lei citada introduziu o princípio da sucumbência em nosso ordenamento jurídico, que tem como pressuposto a submissão da parte vencida ao que foi decidido nos autos. Não cogita de culpa do litigante derrotado, basta-lhe o resultado negativo na ação."

Destarte, a partir do advento dessa Lei, o simples fato de a parte estar em juízo significa que já está exposta ao risco de responder pela sucumbência, desde que sua tese seja rejeitada, no todo ou em parte, pelo julgador do litígio.

O Código de Processo Civil de 1973, em vigor até hoje, reafirmou o princípio da sucumbência, distinguindo-o das hipóteses em que a parte litigar abusivamente ou com deslealdade no processo. Para esses casos, foi criada a possibilidade de aplicação de multa ao litigante de má-fé, além da responsabilidade pelos danos ou prejuízos causados à parte contrária, no ou em decorrência do processo. É o que está estabelecido no art. 18 e seus parágrafos do citado Código. [14]

O princípio da sucumbência é, então, o auge da evolução da legislação em questão, proporcionando ao vencedor a reintegração completa do direito violado, como se a decisão fosse proferida no mesmo dia da demanda. CAHALI [15] sustenta essa idéia, ao afirmar:

"Se as despesas tivessem de ser pagas pelo vencedor, a recomposição do direito reconhecido pela sentença seria, sem qualquer justificação, apenas parcial. A idéia de culpa se substitui, assim, a idéia do risco; quem litiga, o faz a seu risco, expondo-se, pelo só fato de sucumbir, ao pagamento das despesas."

A ausência de culpa, portanto, não ilide a responsabilidade do sucumbente pelo pagamento dos honorários ao advogado da parte contrária. O fundamento para a condenação do vencido nas despesas do processo e nos honorários advocatícios está consubstanciado no art. 20 do Código de Processo Civil, que assim dispõe: "A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Essa verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria."

Portanto, mesmo que a parte, por possuir habilitação, dispense a contratação de profissional, e exerça ela mesma sua defesa em juízo, terá direito aos honorários de sucumbência, se for vencedor no processo.

A decisão que põe fim ao processo, com ou sem julgamento do mérito, deve trazer ínsita a disposição a respeito da condenação do vencido ao pagamento das despesas do processo e dos honorários de advogado. É uma regra imperativa à qual não pode se furtar o juiz no momento de decidir. Isso é o que se depreende de uma leitura mais acurada do art. 20 do CPC, supracitado.

É dever de ofício do juiz, cabendo recurso, inclusive, para fazer com que ele se pronuncie acerca da responsabilidade pelas despesas do processo. Deve a parte vencedora recorrer da sentença, se omissa quanto à verba honorária e as despesas processuais, pena de ficar impedida de exigi-las, uma vez coberta a decisão pelo manto da coisa julgada.

Ressalte-se, porém, que a parte não tem direito garantido ao recebimento das despesas processuais que adiantou ou dos honorários de seu patrono. O que há de concreto é a obrigação de o juiz se pronunciar a respeito da sucumbência, podendo, inclusive, entender de não aplicar o princípio, por qualquer motivo, desde que fundamente sua decisão. Segundo CAHALI, [16] "a condenação em honorários não é ex lege; o dever do juiz é que é efeito da incidência da regra jurídica cogente."

Percebe-se, então, que, no momento em que o juiz prolata sentença, seja definitiva ou extintiva, se apreciou ou não o mérito, resta configurada a sucumbência, surgindo, aí, a obrigação de declarar quem deve responder pelas despesas do processo. É com o julgamento do processo que o direito é declarado, estabelecendo um vencedor e um vencido, no todo ou em parte, ou, na pior das hipóteses, extinguindo o processo sem julgamento do mérito, pela existência de vício formal, ou inexistência de condição da ação, ou de pressuposto processual.

A sentença, no tocante à sucumbência, tem natureza jurídica diferenciada, prevalecendo a carga de eficácia constitutiva. Leciona, nesse sentido, CAHALI: [17] "A sentença é sempre constitutiva no tocante à condenação em honorários, porque não certifica um direito existente aos mesmos, mas o constitui como direito, provendo-o, ao mesmo tempo, de executoriedade."

O pronunciamento judicial constitui o direito ao recebimento da sucumbência, não importando a carga de eficácia preponderante da sentença, quanto ao mérito. Pode ser uma sentença meramente declaratória da inexistência de uma relação jurídica, no mérito, mas manterá a eficácia constitutiva em relação aos honorários advocatícios e demais despesas processuais.

Outro princípio que também rege o dever de pagar honorários ao advogado da parte vencedora é o da restauração integral do direito do vencedor. Se este tiver de arcar com as despesas do processo, seu patrimônio estará sendo desfalcado da importância despendida para esse fim, sofrendo uma diminuição injusta, e tornando injusta também a própria decisão. Se o direito deve ser restaurado, há de sê-lo por inteiro, sem que nenhum prejuízo sofra o vencedor da demanda. O retorno ao status quo ante deve ser integral, para que realmente a justiça seja feita.

MACHADO [18] vai mais longe, e afirma que, em última análise, "o dever que se impõe ao vencido, de pagar honorários advocatícios ao vencedor, tem seu fundamento no princípio da justiça, pois não é justo sofra o vencedor tal desfalque em seu patrimônio."

Outra questão que anteriormente suscitava dúvidas, mas que restou pacificada, pela edição do Código Buzaid, [19] é a possibilidade de se condenar a Fazenda Pública ao pagamento de honorários advocatícios, quando for sucumbente no processo. A qualidade da parte não deve ter interferência na aplicação do princípio da sucumbência. Todos são iguais perante a lei, segundo a Constituição de 1988, [20] e, perante o processo, devem receber o mesmo tratamento.

CAHALI [21] espanca qualquer dúvida que ainda possa remanescer, ao afirmar:

"A administração pública, quando é parte na lide, não desfruta ordinariamente qualquer posição privilegiada em relação às despesas do processo. O caráter público da pessoa jurídica não exclui possa ela ter direito ou ser compelida ao reembolso das despesas, desde que a lei não disponha diferentemente."

A Fazenda Pública, justamente por ser responsável pelo erário, [22] já recebe proteção demasiada no tramitar do processo. Exemplo disso é o prazo em quádruplo de que dispõe para contestar e em dobro para recorrer e ajuizar ação rescisória. [23] O gigantismo do Estado o torna lento e pesado. Por isso, necessita de prazos maiores, devido à natureza pública das verbas que administra. Mas o dever de arcar com o pagamento das verbas sucumbenciais não representa qualquer violação às prerrogativas processuais da Fazenda Pública, quando for vencida em qualquer tipo de demanda judicial. Ao contrário, é a aplicação simples e direta do princípio da igualdade processual, uma vez que, as partes, ao se posicionarem no processo, estão sujeitas aos princípios do direito processual, como lealdade, igualdade, ampla defesa e contraditório.

1.3 Natureza jurídica dos honorários de advogado

Questão de suma importância no direito processual moderno é a natureza jurídica dos honorários de advogado.

Antigamente, não havia uma definição clara da natureza dessa verba, o que fazia com que, às vezes, acabasse confundida com o próprio direito da parte. Tanto é assim que o Código de Processo Civil [24] prevê a possibilidade de compensação dos honorários, quando forem vencidos em parte, tanto o autor como o réu. Portanto, julgada parcialmente procedente a pretensão, devem-se compensar entre si os honorários de cada um dos patronos, do autor, de um lado, e do réu, de outro.

Com a edição do atual Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil [25] restou espancada de vez a dúvida existente: ficou claro que os honorários advocatícios têm natureza de verba indenizatória, constituindo condenação própria e autônoma, não se confundindo com o direito da parte.

Diz a referida Lei, no seu art. 23, que "Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor." Prosseguindo, o mesmo diploma legal, dispõe no art. 24, § 1º, que "A execução dos honorários pode ser promovida nos mesmos autos da ação em que tenha atuado o advogado, se assim lhe convier."

Note-se que o novo Estatuto da Advocacia conferiu esse caráter de autonomia aos honorários advocatícios de sucumbência, facultando, inclusive, ao advogado credor dos honorários, a sua execução em nome próprio, nos próprios autos do processo principal.

Dentre outros autores, GRECO FILHO [26] corrobora a tese de autonomia dos honorários advocatícios de sucumbência, nestes termos:

"Os honorários de advogado têm natureza indenizatória e são aditados à condenação ou, não havendo condenação, constituem condenação própria e autônoma. O seu valor, fixado pelo juiz, é absolutamente independente do eventual contrato de honorários que o advogado tenha com seu cliente."

Na mesma linha, THEODORO JÚNIOR [27] leciona:

"A condenação do vencido ao pagamento de honorários é, em princípio, destinada a ressarcir os gastos que o vencedor despendeu com seu advogado. Mas a parte não tem disponibilidade dessa indenização, de modo que não pode renunciar a ela, nem fazer transação com o vencido a respeito dela, em prejuízo do causídico que o representou no processo."

Portanto, após a edição da Lei nº 8.906/94, ficou estabelecido que os honorários de sucumbência constituem direito próprio do advogado, não se confundindo com o direito da parte. Ficou essa, inclusive, impedida de convencionar a respeito dessa verba, sem a concordância do profissional, conforme consta no § 4º, do art. 24, [28] da citada Lei, mesmo que, a qualquer tempo, acordem as partes a respeito do objeto do litígio.

Dessa forma, mesmo não tendo havido revogação expressa do art. 21 do Código de Processo Civil, tornou-se essa regra incompatível com a constante dos arts. 23 e 24 do Estatuto da Advocacia e Ordem dos Advogados do Brasil. Como esta Lei é especial, e posterior, deve prevalecer sobre o Estatuto Processual, ficando vedada a compensação dos honorários de advogado em caso de pretensão julgada parcialmente procedente. Responderá, assim, cada uma das partes, pelos honorários do advogado da parte contrária.

Porém, não se confundem os honorários de sucumbência com os honorários contratuais. Estes, representam o pagamento efetuado pela parte que contrata o profissional, pelos serviços prestados durante a tramitação do processo. Os primeiros, por sua vez, constituem verba indenizatória, devida pela parte contrária, como complemento da condenação.

O advogado, exibindo cópia do contrato de honorários no processo, tem direito de exigir que, quando do pagamento realizado a seu constituinte, sejam retidos os valores necessários a cobrir a verba acordada. Essa faculdade está prevista também na Lei nº 8.906/94, que, em seu art. 22, § 4º, dispõe:

"Se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou."

O contrato de honorários firmado entre o advogado e seu constituinte tem natureza de prestação de serviços, e não se confunde com o mandato, gratuito, previsto no art. 1.290 do Código Civil. [29]

Portanto, assim como em qualquer outro contrato de prestação de serviços, tem o advogado direito de receber pelos serviços prestados na defesa dos direitos de seu cliente, inclusive com retenção do valor a ser levantado quando do julgamento definitivo da ação, salvo em caso de descumprimento do acordo firmado, caso em que responderá por perdas e danos, ficando sujeito às sanções civis e penais, além das administrativas.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Observe-se que a obrigação do advogado não é de resultado, [30] mas sim, de meio. [31] Isso significa que ele não tem a obrigação de sair vencedor na disputa processual. A obrigação que assume perante seu cliente é a de empregar todos os meios de que dispõe, respeitada a ética profissional, para defender o direito de seu cliente, não podendo ser imputada a ele, advogado, a derrota no litígio, pelo simples fato de a parte que representa ter saído vencida. É claro que existe a possibilidade de o advogado agir com desídia [32] no processo, caso em que poderá ser demandado por seu cliente, em virtude dos prejuízos a que tenha dado causa. Mas isso constitui situação anômala, e deverá ser comprovada cabalmente, observados os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, em processo administrativo, conforme disposto no Título III, Capítulo II, da Lei nº 8.906/94. [33]

Assim, tem o advogado direito a duas remunerações distintas: a primeira, representada pelos honorários contratuais, estabelecidos entre ele e seu cliente; a segunda, representada pelos honorários de sucumbência, pagos pelo vencido ao advogado do vencedor. São direitos autônomos e que não se confundem, não podendo a parte alegar o recebimento, pelo advogado, dos honorários sucumbenciais para se eximir do pagamento dos honorários contratuais, ou querer se apoderar dos honorários sucumbenciais, alegando que o advogado já recebeu seu pagamento, representado pelos honorários contratuais.

1.4 Base de cálculo dos honorários de sucumbência

O Código de Processo Civil é claro em relação ao percentual e à base de cálculo dos honorários do advogado: serão calculados entre dez e vinte por cento sobre o valor da condenação. [34]

Portanto, tratando-se de sentença com carga de eficácia preponderantemente condenatória, e que tenha um conteúdo econômico determinado, ou determinável, através de cálculos aritméticos, resolvida está a questão.

Mas nem todas as sentenças são condenatórias. Há casos em que a sentença tem carga de eficácia preponderantemente declaratória, ou mandamental, sem um conteúdo econômico mensurável, tornando delicada a fixação dos honorários advocatícios, justamente pela falta de limites objetivos para sua determinação.

Prosseguindo, o Código de Processo Civil determina que a fixação do quantum da verba honorária deverá ser feita de forma eqüitativa, obedecidos "o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, e a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço". No entanto, essa fixação não constitui tarefa fácil. Ao adentrar no campo do grau de zelo do profissional e o tempo exigido para a realização do trabalho no processo, embrenha-se o juiz em terreno inconsistente. Trata-se de questões que envolvem uma valoração subjetiva, não dispondo o julgador de elementos suficientes, dentro dos autos, para fazer uma análise objetiva de todas as circunstâncias do trabalho realizado.

O advogado, para elaborar a petição inicial de determinado processo, devido aos intricados meandros que o direito possui, pode ter de estudar e trabalhar durante um mês inteiro, até que atinja o grau de perfeição necessário à vitória na demanda. Porém, ao ajuizar uma segunda demanda, idêntica à primeira, cujo titular do direito seja outro, bastará que faça pequenas alterações em relação a nomes e datas, e seu trabalho estará pronto, despendendo, às vezes, apenas uma hora de trabalho para que a tarefa esteja concluída. Terá o juiz como analisar, ao julgar o caso, se é o primeiro trabalho, ou é o centésimo? Com certeza que não.

O juiz, então, ao decidir a causa, deverá aplicar as regras objetivas existentes, combinadas com o critério eqüitativo, obedecendo ao que dispõe o Código de Processo Civil, fixando a condenação dos honorários advocatícios utilizando-se como base de cálculo o valor da causa. [35]

Toda causa deve ter um valor certo, embora não tenha um conteúdo econômico mensurável, e deverá, esse valor, corresponder, em regra, ao benefício patrimonial pretendido. É obrigação da parte atribuir um valor à causa, segundo a regra imperativa do art. 258 do Código de Processo Civil. [36] Portanto, deve atentar o próprio profissional do direito, no momento da elaboração da petição inicial, de fazer corresponder o valor atribuído à causa com o valor real do benefício, patrimonial ou não, pretendido.

Portanto, no caso de uma ação com pretensão condenatória, que reste julgada improcedente, é sobre o valor da causa que deverão ser calculados os honorários advocatícios do procurador da parte vencedora. O autor terá, então, que arcar com as despesas do processo, entre elas, a remuneração do advogado da parte ré. Nada mais justo que se utilize, então, o valor da causa como base de cálculo dos honorários advocatícios, uma vez que, se a pretensão fosse julgada procedente, os honorários seriam calculados sobre o valor da condenação, que, numa última análise, seria aproximadamente o valor da causa, se obedecidos os arts. 258 e 259 do CPC. [37]

Com essa prática, não se impõe um ônus excessivo a quem tem de arcar com essa despesa e, por outro lado, não se desvaloriza o trabalho do profissional que teve sua tese jurídica acolhida, o que denota o zelo com que se dedicou à causa e sua competência profissional.

Outra ressalva a ser feita se refere à forma de cálculo da verba honorária, quando vencida for a Fazenda Pública, e que consta do mesmo § 4º do art. 20 do Código de Processo Civil. [38] Na prática, o cálculo será realizado do mesmo modo como se fosse vencido o particular: em caso de sentença condenatória, sobre o valor da condenação; ao contrário, se a sentença não é condenatória, ou a condenação não tem um valor econômico mensurável, sobre o valor da causa. Em terceira e última análise, se a causa tiver valor inestimável, pela apreciação eqüitativa do juiz.

1.5 Execução da sentença – custas e honorários

Ao julgar a lide, decidindo ou não o mérito da causa, o juiz realiza sua tarefa primordial, qual seja, a de prestar a tutela jurisdicional às partes que acorreram ao Poder Judiciário, na intenção de ver sua pretensão acolhida e ser declarada vencedora sua tese jurídica.

Sentenciado o feito, e esgotados todos os recursos cabíveis, reveste-se a sentença de uma característica que lhe dá imutabilidade. É o que chamamos de coisa julgada material, isto é, a sentença não poderá mais ser modificada, em qualquer grau de jurisdição.

Embora esgotados os prazos para recurso, poderá a sentença ser modificada, se ocorrer qualquer das hipóteses permissivas de ajuizamento de ação rescisória, previstas no art. 485 e incisos do Código de Processo Civil. [39] Pode ocorrer, ainda, que a sentença prolatada no feito seja nula de pleno direito, em virtude de falta ou nulidade de citação, que não reclama a via da ação rescisória, mas simples oposição da exceção de nulidade da sentença, prevista no art. 741, I, do CPC, [40] em sede de embargos à execução, conforme leciona THEODORO JÚNIOR. [41]

Afora essas duas exceções, o que foi decidido no processo torna-se lei entre as partes, impondo ao vencido a obrigação de cumprir o julgado.

A parte vencida poderá, em alguns casos, e desde que lhe seja conveniente, cumprir, de imediato, o que foi decidido, realizando o que se chama comumente de auto-execução, ou cumprimento voluntário da sentença. A parte vencedora, por sua vez, obterá, no plano concreto, o bem jurídico pleiteado no processo. São casos raros, uma vez que, mesmo a parte vencedora obtendo uma decisão que lhe é favorável, que vem ao encontro de suas expectativas de direito, poderá optar por não exigir o seu cumprimento.

Às vezes, a parte vencedora não pretende exigir da outra que cumpra o que foi decidido, contentando-se apenas com a declaração judicial de que sua pretensão era procedente, renunciando ao direito de fazer cumprir essa decisão.

Mas, ao contrário, e na maioria dos casos, a parte vencedora efetivamente irá exigir que a parte vencida cumpra aquilo que foi determinado pelo juiz, na sentença. Como não poderá ela própria invadir o patrimônio do vencido e buscar o bem jurídico que lhe foi conferido, em virtude da vedação da realização da justiça pelas próprias mãos, deverá, mais uma vez, socorrer-se do Poder Judiciário, e pedir ao Estado que exija do vencido o cumprimento da decisão prolatada, desta vez, em um processo de execução.

No processo de conhecimento, há uma pretensão resistida; no de execução, uma pretensão insatisfeita. O direito já está determinado, assim como declarado a quem pertence. Já se sabe quem tem razão. Mas o vencido ainda não efetivou a prestação que lhe foi determinada na sentença.

Em função disso, o Estado dota essa sentença de uma força executória, para que as decisões judiciais sejam efetivamente cumpridas e a justiça seja realizada plenamente. Dotada, então, a parte de um título executivo judicial, [42] promover-lhe-á a execução propriamente dita.

Esse novo processo se desenvolverá nos mesmos autos, no dizer do art. 589, do CPC, [43] desde que se trate de execução definitiva. No entanto, a prática cartorária revela que, na maioria das vezes, essa execução se dará em autos apartados dos principais, principalmente na Justiça Estadual.

Sendo a condenação composta por verba principal, custas e honorários, por exemplo, poderá o advogado optar por um único processo de execução, englobando todos os valores constantes da sentença. Nesse caso, deverá promover a execução em nome de seu cliente, pois, no entender do disposto no art. 6º do Código de Processo Civil, "Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei." Embora o direito aos honorários seja seu, o direito às custas e à verba principal é de seu cliente, não podendo o advogado, em seu nome, executar esse valor. Poderá, no entanto, o advogado, optar por executar a verba honorária separadamente, em um processo de execução distinto, se assim lhe for mais favorável, em virtude da autonomia conferida à verba honorária de sucumbência pelo Estatuto da Advocacia, conforme já abordado no título 1.3, supra.

Tratando-se, por outro lado, de condenação somente em honorários, a execução deverá ser proposta em nome próprio do advogado, facultada essa execução ser realizada nos próprios autos da ação principal, ou em autos separados.

1.6 Casos especiais de condenação em honorários advocatícios

A regra geral, no tocante ao princípio da sucumbência, é a que consta do art. 20 do Código de Processo Civil, ou seja, o vencido deverá responder pelas despesas do processo e os honorários de advogado.

No entanto, como exceção à regra geral, existem alguns casos em que não há condenação em honorários advocatícios. Vejamos alguns desses casos.

Nos procedimentos de jurisdição voluntária, por exemplo, o princípio da sucumbência não é aplicado. A explicação para esse fato é simples: como se trata de procedimento sem litígio, não existem, tecnicamente falando, vencido e vencedor. A respeito da natureza jurídica desse tipo de procedimento, leciona THEODORO JÚNIOR: [44]

"A designação "jurisdição voluntária" tem sido criticada porque seria contraditória, uma vez que a jurisdição compreende justamente a função pública de compor litígios, o que, na verdade, só ocorre nos procedimentos contenciosos. Na chamada "jurisdição voluntária", o Estado apenas exerce, através de órgãos do Judiciário, atos de pura administração, pelo que não seria correto o emprego da palavra jurisdição para qualificar tal atividade."

Nesse tipo de procedimento, o que pode haver é eventual controvérsia acerca do ato jurídico pretendido pelo requerente. Tanto é assim que o Código de Processo Civil determina, em seu art. 1.105, [45] que deverão ser citados todos os interessados, bem como o Ministério Público, pois, mesmo não havendo litígio, esse tipo de procedimento leva à constituição de situações jurídicas novas, que podem produzir efeitos em relação a terceiros. Daí a obrigatoriedade de sua citação. Observe-se que o legislador processual optou por utilizar a expressão interessados, justamente porque não se trata de réus, uma vez que nesse tipo de procedimento não há partes.

Nos procedimentos de interdição, por exemplo, pode ocorrer que o interditando se oponha à declaração de sua interdição. No entanto, essa oposição não pode ser considerada um litígio, mas controvérsia entre os interessados. Esse é o posicionamento referendado por CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, [46] que afirmam:

"Num procedimento de interdição, por exemplo, pode o interditando discordar frontalmente do requerente e nessa discordância reside a controvérsia (dissenso de opiniões, não conflito de interesses). Na jurisdição voluntária, o juiz age sempre no interesse do titular daquele interesse que a lei acha relevante socialmente, como, na hipótese figurada, é o interditando."

Assim, não havendo sucumbência, tecnicamente falando, cada um dos interessados suporta os honorários do respectivo procurador, além do que, as despesas serão rateadas entre os interessados, nos termos do art. 24, do Código de Processo Civil. [47]

Especial atenção deve ser dada aos processos de inventário, quanto à existência ou não de litígio. Se todos os herdeiros forem concordes em relação à partilha dos bens deixados pelo de cujus, embora seja obrigatória a presença de um advogado no processo, os honorários desse profissional devem ser considerados como encargos do espólio, não recaindo a obrigação pelo seu pagamento a nenhum dos herdeiros em especial, mesmo que tenha sido contratado por apenas um deles. Portanto, concorrem todos os herdeiros na proporção de seus quinhões. Havendo, por outro lado, divergência, deverá o vencido arcar com os ônus da sucumbência, entre eles, os honorários advocatícios.

Nas ações de separação judicial, regidas pela Lei do Divórcio, [48] não deve haver, também, e em regra, condenação em honorários de advogado. Porém, se o cônjuge demandado se opuser injustificadamente ao pedido formulado, deverá ser condenado ao pagamento dos honorários do advogado do cônjuge requerente. Da mesma forma, mas em sentido contrário, se o pedido vem a ser julgado improcedente, deverá o cônjuge requerente responder pelos honorários do advogado da parte contrária. Também, nesse caso, o elemento diferenciador é a existência ou não de litígio: havendo resistência à pretensão do demandante, instalada está a lide, aplicando-se ao caso a regra geral, ou seja, o princípio da sucumbência, uma vez que a própria Lei do Divórcio, em seu art. 34, determina que a separação que não seja consensual deverá observar o procedimento ordinário. [49]

Em relação às ações de divisão, por se tratar de exercício de um direito potestativo, previsto no art. 629 do Código Civil, [50] também não deve haver aplicação do princípio da sucumbência. O autor, ao propor a ação de divisão, não dirige uma pretensão contra ninguém. Apenas exercita seu direito. A propósito, ensina-nos CAHALI [51]:

"O juízo divisório advém do interesse de todos os condôminos; pelo simples fato de ter sido instaurado por um só dos condôminos, se um só o pretendesse, ou se tivesse sido recusada uma divisão amigável, nem por isso se pode considerar a existência de vencedores e vencidos no juízo da divisão. No que o condômino exerce o seu direito, a sentença apenas declara a quota de cada um, mas nenhum direito dele contra os demais. Assim, não há sucumbência, de modo que as despesas seguem sendo a cargo da massa, o que quer dizer, vão diminuir a coisa dividida, e cada um as suporta pro modo emolumenti."

Nas ações demarcatórias, por sua vez, há uma fase inicial semelhante à da ação de divisão. Porém, neste tipo de ação, é mais comum haver resistência por parte de um dos interessados, que pode se sentir lesado em sua propriedade, ou posse, em virtude do pedido de demarcação da área pelo seu confinante. Embora o art. 569 do Código Civil [52] estabeleça que devem ser rateadas entre os interessados as despesas do procedimento, se ficar comprovado que uma das partes se opôs infundadamente à pretensão da outra, deverá ser aplicado o princípio da sucumbência, impondo-se ao vencido o dever de arcar com o ônus do pagamento dos honorários do advogado da parte contrária, além das demais despesas ordinárias do processo.

Nos processos de usucapião, a sentença tem carga de eficácia preponderantemente declaratória. Através dela não é conferido o direito de propriedade. Este já existe, uma vez preenchidos os requisitos para tanto, ou seja, a posse e o decurso do tempo. Assim, se não houver oposição ao pedido deduzido em juízo, não há condenação em honorários. Havendo, no entanto, contestação ao pedido do usucapiente, haverá litígio e, conseqüentemente, a aplicação do princípio da sucumbência.

Ultrapassada a análise dos procedimentos em que, de regra, não há condenação ao pagamento da verba honorária, examinemos, agora, os casos em que, mesmo se tratando de procedimentos especiais, deve haver a aplicação do princípio da sucumbência.

Em se tratando de ação possessória, em qualquer de suas modalidades (manutenção, reintegração ou interdito), a sentença que a julga procedente não pode ser considerada como condenatória, pois não impõe ao vencido uma obrigação. Trata-se, sim, de sentença executória, pois não está sujeita a um processo de execução de sentença. Ao contrário, possui como característica a execução imediata. Assim, deve haver aplicação do princípio da sucumbência, observando, no tocante à fixação da verba honorária do advogado do vencedor, o disposto no § 4º do art. 20 do Código de Processo Civil.

No processo falimentar, houve uma consolidação do entendimento de que, efetuado o depósito elisivo da falência, deve o requerido responder pelos honorários advocatícios do requerente. Dispõe a Lei de Falências [53] que a massa não responde pelos honorários dos advogados dos credores. No entanto, deve-se fazer uma interpretação sistemática do que dispõe a lei.

Se o requerido, citado, efetua o depósito elisivo, susta o prosseguimento do processo de falência, antes mesmo da decretação judicial da quebra. Assim, não havendo a quebra, não haverá massa. E, nos termos da lei, esta não responde pelos honorários do requerente. Não há, na legislação falimentar, disposição expressa que impeça a condenação do requerido ao pagamento dos honorários do advogado do requerente, em caso de elisão da falência. A melhor interpretação, nesse caso, é a aplicação, pela via subsidiária, do princípio da sucumbência, previsto no art. 20 e seus parágrafos do Código de Processo Civil. Mesmo que o requerido não tenha contestado o pedido, no prazo de que dispõe para tanto, a realização do depósito do valor do débito, com todos os seus acréscimos legais, importará em pagamento, extinguindo o processo, pela satisfação do crédito do requerente, que terá direito aos honorários de seu patrono.

Em caso contrário, se o requerente tiver denegado o pedido de falência, deverá arcar com os honorários do advogado do requerido. Isso ocorre quando há oferecimento de contestação, e que vem a ser acolhido pelo juízo. A Lei de Falências [54] dispõe que aquele que requerer dolosamente a falência de outrem, ficará obrigado a indenizar as perdas e danos a que haja dado causa, nada referindo aos casos em que o requerente não age de má-fé, mas tem sua pretensão rejeitada pelo juízo. O silêncio da lei, nesse caso, não impede a aplicação do princípio da sucumbência, uma vez que, tecnicamente falando, existam vencedor e vencido, mesmo que não haja disposição que determine a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ao processo de falência. Sustenta WAGNER [55] que "denegado o pedido de falência, impõe-se a condenação do requerente em honorários."

Seguindo a mesma esteira de pensamento, o Superior Tribunal de Justiça acabou por pacificar a jurisprudência, através da edição da Súmula nº 29. [56]

Caso sui generis na jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal, era o do processo de execução fiscal, antes da edição da Lei de Execuções Fiscais atual. [57] O procedimento era, então regido, pelo Decreto-Lei nº 960/38, [58] que nada referia aos honorários de advogado, apenas fazendo uma remissão genérica ao direito processual comum. Não obstante isso, decidiu a Corte Suprema, que, nesse tipo especial de processo, deveria haver condenação em honorários de advogado, inclusive, unificando a jurisprudência, através da Súmula nº 519. [59] Note-se que à época da uniformização de jurisprudência, vigorava o Estatuto Processual de 1939, [60] cujo art. 64 tinha recebido a redação dada pela Lei nº 4.632/65. [61] Assim, assumiu o Egrégio Supremo Tribunal Federal uma postura considerada ética, uma vez que assegurou ao executado o direito ao recebimento da verba honorária quando a tese esposada em embargos do devedor fosse vencedora, extinguindo, portanto, o executivo fiscal. A Lei de Execuções Fiscais, que rege atualmente o processo de execução fiscal, também não faz menção expressa aos honorários de advogado, permanecendo válido o entendimento do Egrégio Supremo Tribunal Federal, consubstanciado na Súmula nº 519, antes referida.

Por fim, cabe analisar a incidência do princípio da sucumbência no processo trabalhista. Neste tipo especial de ação, forçoso é reconhecer, por força do disposto no art. 791, caput, da CLT, [62] e sem embargo do que dispõe a Constituição da República, [63] a capacidade postulatória para a instauração do dissídio trabalhista individual.

Essa possibilidade de a parte postular diretamente em juízo, deduzindo sua pretensão, afastou, em regra, a aplicação do princípio da sucumbência, previsto no direito processual comum, ao processo trabalhista.

Nesse sentido, inclusive, é a lição de CAHALI: [64]

"Reconheça-se que esse entendimento então majoritário acabou prevalecendo em definitivo, para afastar de vez a incidência nas reclamações trabalhistas do princípio da sucumbência estabelecido no direito processual comum (art. 20 do CPC), no pressuposto de que, naquela esfera, as partes desfrutavam do jus postulandi, e que, na sua sede, existiria legislação extravagante específica estatuindo os casos em que, excepcionalmente, haveria responsabilidade pelos encargos do processo."

Assim, em se tratando de processo trabalhista, a sucumbência somente tem aplicação se o empregado litigar sob o pálio da assistência judiciária gratuita, devidamente representado por advogado do sindicato profissional a que pertencer o trabalhador, e o empregador for vencido na demanda. Os honorários, nesse caso, não são do advogado, mas deverão ser recolhidos aos cofres sindicais.

A respeito da matéria, preconiza WAGNER: [65]

"A assistência é prestada pelo sindicato profissional a que pertencer o trabalhador e será devida ainda que este não seja sindicalizado. Dispõe a CLT que os honorários reverterão para o sindicato assistente. Não haverá honorários se a assistência sindical não estiver formalizada. O sindicato é obrigado a dar assistência, mas recebe os honorários. O advogado é compelido a recolher a verba honorária aos cofres sindicais por determinação legal."

Além disso, o Tribunal Superior do Trabalho pacificou esse entendimento ao editar o Enunciado 219, [66] referendado, após a edição da Constituição de 1988, pelo Enunciado 329, [67] do mesmo Colegiado.

Quanto aos honorários advocatícios no mandado de segurança, os mesmos serão objeto de análise mais detalhada, no segundo capítulo deste trabalho.

2 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIANO MANDADO DE SEGURANÇA

2.1 Conceito e natureza jurídica do mandado de segurança

O mandado de segurança [68] passou a fazer parte do ordenamento jurídico brasileiro somente a partir de sua inclusão no texto da Constituição de 1934. Após passar por várias emendas, o anteprojeto acabou por receber a redação definitiva, que constou do art. 113, nº 33, daquela Carta, [69] nestes termos:

"Dar-se-á mandado de segurança para defesa do direito, certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade. O processo será o mesmo do habeas corpus, devendo ser sempre ouvida a pessoa de direito público interessada. O mandado não prejudica as ações petitórias competentes."

No entender de MATIELO, [70] essa primeira espécie de mandamus consistia em "remédio endereçado à proteção de direito certo e sobre o qual pairasse a qualificação de incontestável." Assim, desde o primeiro momento, exigiu-se que o direito tutelado por essa modalidade especial de ação fosse certo e incontestável.

A regulamentação do dispositivo constitucional surgiu logo em seguida, pela Lei nº 191, [71] de 16 de janeiro de 1936. A partir daí, o mandado de segurança demonstrou sua importância. Provou ser um remédio com características de celeridade e presteza, estas reveladas na possibilidade de haver, inclusive, a concessão de medida liminar, de caráter provisório. MATIELO [72] ressalta a importância dessa inovação, ao afirmar: "Como controlador da conduta das autoridades, acabou sendo de significância ímpar, embora não tivesse o condão de substituir a autoridade em si, nem os atos por ela praticados."

A partir dessa inserção no direito positivo, o instituto evoluiu, fazendo parte das Cartas Constitucionais posteriores, de 1946 e 1967, e da Emenda Constitucional nº 1, de 1969, até chegar ao modelo constante da Constituição de 1988.

Atualmente, há dois dispositivos legais que definem o mandado de segurança. O primeiro é o constante do art. 1º da Lei nº 1.533/51, [73] que assim dispõe:

"Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, alguém sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for ou sejam quais forem as funções que exerça."

O segundo dispositivo, mais recente, praticamente reproduz o texto do primeiro, e está contido na Constituição de 1988, [74] art. 5º, inciso LXIX, nos seguintes termos:

"Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público."

O Código de Processo Civil de 1973, [75] em vigor até hoje, ao contrário do seu antecessor, de 1939, [76] não tratou da matéria, que, portanto, ficou regulada apenas pela lei especial e pela Constituição Federal.

Afora a definição constante dos dispositivos legais já citados, há doutrinadores que definem o mandamus of writ a partir de seus requisitos. CRETELLA JÚNIOR [77] afirma:

"O mandado de segurança, no sistema jurídico brasileiro, é conceituado como a ação civil, de rito sumariíssimo, de que pode utilizar-se pessoa física, jurídica privada, jurídica pública ou qualquer entidade que tenha capacidade processual, para a proteção de direito líquido, certo e incontestável, não amparado por "habeas-corpus", ameaçado ou violado por ato ou fato, oriundo de autoridade responsável pela ilegalidade ou abuso de poder."

MEIRELLES [78] também dá sua definição do instituto, nos seguintes termos:

"Mandado de segurança é o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça."

Prosseguindo na análise, vejamos o conceito do writ fornecido por FLAKS: [79] "Ação judiciária de origem constitucional e rito específico, destinada a amparar direitos violados ou ameaçados por ato ilegal de autoridade, mediante provimento cautelar, cognição sumária e execução indireta."

Do cotejo dessas definições conclui-se que o mandado de segurança é uma ação de natureza constitucional, cuja finalidade é proteger a pessoa física ou jurídica de qualquer ato ilegal ou abusivo, emanado de uma autoridade pública ou privada, investida esta em uma função pública, que viole direito líquido e certo, desde que esse direito não seja protegido por habeas corpus [80] ou habeas data. [81]

Em relação à natureza jurídica do instituto, cabe ressaltar as palavras de SILVA: [82]

"Sendo, como indiscutivelmente é ação o mandado de segurança, objetiva a composição de uma lide, subjetivamente integrada pelo titular da pretensão resistida pela Administração (sujeito ativo) e por aquele que opõe resistência à satisfação da mesma pretensão (sujeito passivo)."

FERRAZ, [83] por sua vez, também defende, embora de maneira sintética, que "o mandado de segurança é uma ação. Como tal, insere-se na teoria das ações, dela haurindo suas coordenadas fundamentais."

SANTOS [84] propugna que o remédio heróico se ajusta ao conceito de causa, embora não defina sua natureza jurídica:

"O Mandado de Segurança, como o veículo através do qual os interessados põem em movimento o seu pretenso direito, seja titulado de ação, feito ou demanda, causa é. Constituindo, como constitui, o meio jurídico que movimenta o pedido de proteção legal, tido mais amplo e mantém harmonia com a clássica acepção romana constante das Institutas."

FLAKS, [85] por sua vez, embora de modo superficial, sustenta que o mandado de segurança é uma ação, de "rito especial apta a produzir a coisa julgada material, desde que o mérito da causa seja enfrentado."

Outro que opta por uma classificação despida de maiores fundamentações é GONÇALVES, [86] que prefere simplesmente dizer que "toda ação tem começo com petição inicial. Logo, mandado de segurança é ação." É claro que essa tese, apesar de defender a natureza de ação do mandamus of writ, não se sustenta, devido à pobreza de seus argumentos. Mas, por outro lado, corrobora a tese de que o mandado de segurança é ação.

CRETELLA JÚNIOR [87] conclui que a natureza jurídica do writ, no direito brasileiro, não comporta discussão: "Trata-se de ação, seja o vocábulo tomado no sentido antigo, seja tomado no sentido tradicional, quer na acepção subjetiva, quer na acepção objetiva."

BARBOSA MOREIRA [88] propugna que não se pode deixar de considerar o mandamus como ação, pois "sem duvidar-se que a concessão da segurança constitua providência jurisdicional, pouco razoável seria deixar de reconhecer que, ao impetrá-la, é uma ação que se propõe."

O mandamus é um dos remédios constitucionais mais importantes, ao lado do instituto do habeas corpus. Tem a finalidade precípua de preservar as garantias constitucionais, e de defender o cidadão, ou a pessoa jurídica, de direito público, inclusive, de qualquer ato lesivo emanado de autoridade pública. Cabe, por isso, destacar as seguintes palavras de FERRAZ: [89]

"Doutra parte, contudo, não é uma ação comum: desfruta ela de berço constitucional, encartada entre as garantias fundamentais e direitos individuais e meta-individuais. Esse nascimento nobre determina a compreensão do instrumento processual com nobreza, amplitude e generosidade."

O mandado de segurança, justamente em virtude dessa natureza de remédio ou ação constitucional, não se presta a promover reparações subsidiárias ou recomposições de ordem pecuniária. Procura-se, sempre, ao manejar o writ, a restauração concreta do bem lesado ou ameaçado. Trata-se de tutela específica, que não comporta substituição. Isso não impede, no entanto, que o impetrante busque, por ação própria, eventuais efeitos patrimoniais decorrentes do ato ilegal ou abusivo, conforme dispõe o art. 15 da Lei nº 1.533/51. [90]

A propósito, FERRAZ [91] revela essa natureza intrínseca do writ, afirmando:

"Não é medida que se contente com a reparação de natureza subsidiária, com a tutela substitutiva. Através do mandado de segurança, o que se busca realmente é a restauração do direito tal como ele foi conferido. Não se busca e não se admite uma simples substituição daquilo que é direito, por pecúnia."

Portanto, da análise dessa gama de argumentos, pode-se concluir que o mandado de segurança é uma ação, de natureza constitucional, que se distingue das demais por seu procedimento sumário, que não comporta dilação probatória. O único meio de prova admitido é o documental, [92] que deve ser produzido, em regra, já com a petição inicial.

Uma vez concluído que o mandado de segurança tem natureza jurídica de ação, resta perquirir que tipo de ação ele pode ser considerado.

Cabe ressaltar, de plano, a existência de divergência acerca dos tipos de ações existentes no direito brasileiro. No entender de THEODORO JÚNIOR, [93] existem três tipos de ações, classificadas como constitutivas, declaratórias e condenatórias. [94] Por sua vez, MIRANDA [95] acrescenta a essa classificação mais dois tipos de ação: as executivas [96] e as mandamentais. [97]

Ao tentar situar o instituto do mandamus of writ dentro do quadro geral das ações, MATIELO [98] afirma o seguinte:

"O mandado de segurança termina, via de regra e cumpridos os pressupostos para tanto, com a expedição de uma sentença, onde o julgador dirá o direito, ofertando a prestação devida pelo Poder Judiciário. Não há negar, portanto, o caráter de ação de conhecimento ao mandado de segurança, conquanto às vezes deixe expostas nuanças de executoriedade ou cautela, meros complementos que não ilidem o que foi exposto."

É cristalino que, ao fazer essa afirmação, o jurista acaba confundindo os conceitos de ação [99] e de processo, [100] que possuem classificações distintas, [101] em virtude da natureza jurídica de cada um dos institutos.

BARBI, [102] por sua vez, ressalta o conteúdo variável do writ:

"O mandado de segurança tem conteúdo variável, podendo a pretensão do autor ter objetivos diversos; quando o pedido for para abstenção de um ato, como no caso do mandado de segurança preventivo, ter-se-á uma sentença condenatória; se visa à anulação do ato administrativo que lesou direito do impetrante, a sentença será constitutiva."

Prosseguindo, o mesmo autor chega à conclusão do tipo de processo a que pertence o mandamus, embora também confunda o conceito de ação com o de processo, ao denominá-lo de "ação de cognição": "O mandado de segurança é ‘ação de cognição’, que se exerce através de um procedimento especial da mesma natureza, de caráter documental, pois só admite prova dessa espécie, e caracterizado também pela forma peculiar da execução do julgado." [103]

Posicionamento semelhante assume CRETELLA JÚNIOR, [104] ao afirmar que o mandado de segurança é ação de conteúdo variável:

"Dentro da doutrina das ações, de acordo com o tipo da providência suscitada – ‘constitutiva’, ‘condenatória’ ou ‘meramente declaratória’ –, a natureza do mandado de segurança será, respectivamente, a da ação de conhecimento paralela, a saber, ação de conhecimento constitutiva, condenatória ou meramente declaratória."

Prosseguindo, o mesmo autor sustenta que é a natureza do ato, e não do pedido, que determina a natureza da sentença:

"O que poderia dizer-se é que a natureza do ato (não do pedido) é que ditará a natureza da sentença. Se o ato atacado for nulo, a sentença que reconhece a sua nulidade será de natureza declaratória; se o ato for apenas anulável, a sentença será de natureza constitutiva, já que modifica estado jurídico existente." [105]

MIRANDA, [106] por sua vez, diverge dos primeiros, pois afirma que a sentença de mérito, proferida em ação de mandamus of writ, tem uma carga de eficácia preponderantemente mandamental. Sustenta ele: "A pretensão ao mandado de segurança é exercício de pretensão mandamental e de pretensão à condenação, se houve violação, ou de pretensão mandamental e exercício de pretensão à declaração, se se trata de ameaça."

Prosseguindo, afirma que "a prestação jurisdicional, no mandado de segurança, é mandamento. O juiz ou tribunal manda; o que ele manda já é conteúdo dessa prestação." [107] Assim, o julgador manda que a autoridade faça ou deixe de fazer alguma coisa, ao mesmo passo em que declara o direito do impetrante.

FLAKS [108] reafirma a idéia de que o mandamus é um misto de processo de conhecimento, cautelar e de execução, pois é o único procedimento "que comporta fases cautelar (medida liminar), cognitiva (instrução e julgamento) e executória (expedição da ordem judicial), sem necessidade de processos autônomos."

ARRUDA ALVIM [109] defende uma classificação mista para a sentença do writ:

"A sentença do mandado de segurança apresenta efetivamente uma especificidade tal que é correto falar-se em sentença mandamental, que não raro reveste-se também de um caráter constitutivo (desconstituindo-se o ato impugnado da autoridade coatora), mas, mais do que isso, envolve uma determinação inescusável à autoridade coatora, insuscetível de ser convertida em simples perdas e danos."

Por sua vez, FERRAZ [110] defende a idéia de que a sentença do mandado de segurança assume várias feições, indo desde a condenatória, passando pela executória, sendo sempre, em maior ou menor grau, mas nunca exclusivamente, declaratória:

"Cumpre ponderar que não se trata de uma carga declaratória aberta, de cunho normativo, invocável como regra regedora para situações administrativas análogas: a força declaratória dirige-se unicamente ao ato coator já praticado, atingindo, no máximo, outros idênticos, já em vias de consumação. Nesses limites, a segurança poderá ter, a um só tempo, feição corretiva e preventiva."

Mas, acima de todos os demais efeitos, para o mesmo autor, tem a sentença no writ, natureza mandamental:

"O caráter mandamental dessa sentença traduz-se em que ela contém uma determinação inescusável à autoridade competente para a prática do ditame judicialmente posto. É a cominação, em si, que há de ser cumprida, não se admitindo qualquer via subsidiária reparatória ou satisfativa." [111]

De regra, não há execução da sentença, em sentido próprio, no writ. No entender de ARRUDA ALVIM, [112] "não há necessidade de acesso a uma nova ação (executiva), bastando que remeta o ofício à autoridade coatora, nos termos do art. 11 da Lei 1.533/51, não havendo lugar para oferecimento de embargos nos termos do art. 738, IV, do CPC."

MEIRELLES [113] distingue o mandamento contido na sentença, que deve ter cumprimento imediato, com a execução das verbas sucumbenciais: "Cumprida a ordem judicial, exaure-se o conteúdo mandamental da sentença, restando apenas seu efeito condenatório para o pagamento das custas e honorários, a ser exigido nos mesmos autos, na forma processual comum".

Portanto, o mandado de segurança não é processo cautelar nem de execução, mas de conhecimento, uma vez que o julgador, de regra, decide o mérito da questão, afora os casos de extinção sem julgamento do mérito. Além disso, sua sentença tem conteúdo variável, de acordo com o ato impugnado, podendo assumir feições de ação declaratória, constitutiva ou condenatória, além dos conteúdos intrínsecos mandamental e executório. [114] Caberá execução de sentença se houver condenação ao pagamento de custas e honorários advocatícios.

2.2 Partes e capacidade postulatória

O mandamus of writ, como visto anteriormente, no título 2.1, é uma ação. No entanto, há quem afirme que nesse tipo especial de ação inexistem partes.

Nesse sentido, leciona CARVALHO: [115]

"Essa singular situação em que foi estruturado o mandado de segurança em que, na sua primeira fase, até a sentença, a lei não cogita de réu nem de partes, impossibilita, evidentemente, a aplicação do art. 64 do CPC que ordena que a parte vencida seja condenada a pagar honorários à parte vencedora."

Embora esse posicionamento extremado, é forçoso reconhecer, nesse tipo especial de ação, a existência de partes, ativa e passiva.

A parte ativa não demanda maiores considerações. Será sempre o impetrante, pouco importando se é pessoa física, pessoa jurídica de direito público, pessoa jurídica de direito privado, ou, até mesmo, ente sem personalidade jurídica, mas com capacidade ad causam, como é o caso, por exemplo, do espólio. [116]

Nesse sentido, inclusive, é o posicionamento de BARBI: [117]

"Quanto ao "autor", a capacidade de ser parte obedece, em princípio, às mesmas regras aplicáveis às ações em geral, isto é, podem ser autores em mandado de segurança a pessoa natural, a pessoa jurídica, a massa falida, a herança, a sociedade sem personalidade jurídica, o condomínio de edifício e a massa do devedor civil insolvente."

Em relação à parte passiva, ao contrário, não há unanimidade. Surgem, no campo doutrinário, divergências imensas.

Em primeiro lugar, há que se conceituar autoridade. Para isso, devemos nos socorrer em FLAKS: [118] "Pode-se conceituar autoridade, para fins da ação de segurança, como o órgão ou agente estatal com o poder de praticar atos decisórios, por forma de competência originária ou delegada."

Alguns doutrinadores sustentam que o pólo passivo no mandamus deve ser dividido em dois: a autoridade coatora, e a pessoa jurídica a que ela esteja vinculada. Entre esses, está CRETELLA JÚNIOR, [119] que afirma: "No mandado de segurança, sujeito passivo da lide é a pessoa jurídica pública, o Estado (União, Estado-Membro, Município); sujeito passivo da ação é a autoridade coatora."

Defende ele que a autoridade coatora é substituta processual do Estado, e que comparece em juízo para defender, em nome próprio, direito daquele. Sustenta, ainda, que a autoridade coatora não é representante do Estado, pois se assim fosse, defenderia o direito do Estado em nome deste, ou seja, direito do representado em nome do representante. Portanto, no seu entender, a autoridade coatora é parte no processo, mas sem o ser na ação. Justifica essa posição ao citar a relação existente, no processo, entre a parte e seu procurador. O advogado é o representante da parte, sem ser parte na ação. Parte é o representado. Voltando ao mandado de segurança, sustenta ele que a autoridade coatora não é a titular do direito sub judice, prestando informações sobre o ato, em nome do Estado, na qualidade de substituto processual.

Em relação à pessoa jurídica, explica sua posição no processo:

"Parte passiva da lide, a pessoa jurídica é atingida pela sentença prolatada na causa do substituto e produzindo os efeitos da imutabilidade da coisa julgada para o substituído, não interessando, no caso, a pessoa física do titular do cargo do qual emanado, a qual pode ter falecido, ou ter sido transferida, não importando isso para o caso." [120]

A celeridade do mandado de segurança é o que impede a citação da pessoa jurídica a qual a autoridade coatora está vinculada, pena de comprometimento desse tipo especial de ação. Somente a autoridade coatora é notificada, cabendo a ela encaminhar ao responsável pela defesa dos interesses da pessoa jurídica a que está vinculada, a cópia do mandado notificatório, acompanhada de todos os elementos necessários à defesa do ato ou à suspensão da medida. [121]

Se, além da notificação da autoridade coatora, fosse obrigatória a citação da pessoa jurídica, essa comunicação se tornaria inútil. Deve-se observar, também nesse caso, que a lei não contém palavras inúteis.

Criticando o modo como tem sido conduzido o mandado de segurança, prossegue FERRAZ: [122]

"O que tem havido é uma cumplicidade doutrinariamente nefanda: dos juízes, que não aplicam a lei do mandado de segurança, na moldura da garantia constitucional do direito de defesa – com o quê teriam de exigir a citação do réu verdadeiro, não obstante o silêncio da Lei 1.533; dos impetrantes, que se querem beneficiar da ausência de um litigante poderoso; do Poder Público, omisso em exigir seu chamamento como a parte passiva real; do Ministério Público, que, fiscal da lei, não poderia deixar prosperar um processo capenga."

BARBI [123] atribui as dificuldades de se identificar a parte passiva do writ à imprecisão legislativa existente. Segundo ele, na vigência da Lei nº 191/36, [124] era encaminhada ao representante legal da pessoa jurídica uma cópia da inicial e dos documentos, assim como à autoridade coatora, que tinham o prazo de dez dias para apresentar defesa e informações. Posteriormente, no sistema do Código de Processo Civil de 1939, [125] houve uma divisão de atribuições, pois era notificada a autoridade para prestar informações, e citado o representante legal da pessoa jurídica para apresentar contestação, ambos no prazo de 10 dias. A Lei nº 1.533/51, [126] que rege o procedimento atualmente, apenas determina a notificação da autoridade, que deverá ser acompanhada de cópia da inicial e dos documentos, fixando o prazo de dez dias para a apresentação das informações, sem fazer referência à citação da pessoa jurídica de direito público.

Mas BARBI [127] esclarece a questão, ao indicar quem é realmente a parte passiva:

"A parte passiva no mandado de segurança é a pessoa jurídica de direito público a cujos quadros pertence a autoridade apontada como coatora. (...) A circunstância de a lei, em vez de falar na citação daquela pessoa, haver se referido a "pedido de informações à autoridade coatora" significa apenas mudança de técnica, em favor da brevidade do processo: o coator é citado em juízo como ‘representante’ daquela pessoa, como notou Seabra Fagundes, e não como parte."

Portanto, o objetivo do legislador ordinário, ao omitir do texto da lei a citação da pessoa jurídica, foi o de dar mais celeridade ao processo, além do que, a apresentação de dois tipos de resposta (informações, pela autoridade coatora, e defesa, pela pessoa jurídica) representaria perda de tempo e de trabalho. A esse respeito, BARBI [128] afirma: "A defesa da pessoa jurídica de direito público é feita nas informações prestadas pela autoridade coatora, no prazo de dez dias, e que têm, assim, natureza de contestação. A circunstância de não assumir a roupagem desta é destituída de influência."

MACHADO, [129] por sua vez, reafirma a peculiaridade da situação da autoridade coatora no processo: "Nossa conclusão, portanto, é no sentido de que a autoridade coatora tem no processo do mandado de segurança uma posição peculiar, como peculiar também é a situação da pessoa jurídica de direito público a cujos quadros pertence."

Lúcia Valle Figueiredo, na obra organizada por FERRAZ, [130] em comemoração aos cinqüenta anos do mandado de segurança, sustenta que sujeito passivo no mandado de segurança é a pessoa jurídica de Direito Público, por ser justamente quem vai suportar os encargos decorrentes da ação, levantando a existência de situações distintas no mandado de segurança: "Uma parte em que ele é uma ordem dirigida ao funcionário, e outra, o que nós chamaríamos a sucumbência no Mandado de Segurança, que seria o problema já reflexo da ordem judicial."

ARRUDA ALVIM [131] se posiciona no sentido de que "a autoridade coatora é o órgão designado pela lei para presentar a pessoa jurídica de Direito Público no início do processo de mandado de segurança; porém já não o será, de regra, no momento da interposição de eventual recurso, em caso de sentença concessiva da ordem."

Tanto não se sustenta a teoria de que a autoridade coatora possa ser admitida como parte no processo de mandado de segurança, que não tem ela legitimidade para recorrer da sentença, em caso de concessão, parcial ou total da ordem. Como um dos requisitos para a interposição de recurso é a sucumbência, somente será legitimada para recorrer a pessoa jurídica a cujos quadros pertence a autoridade coatora. Se esta não sofre os efeitos da sentença, também não sofre os efeitos da sucumbência. Estes serão suportados pela pessoa jurídica de direito público.

Por essa interpretação, a autoridade coatora não é parte no writ, embora seja o impetrado.

Nesse sentido, conclui ARRUDA ALVIM: [132] "Essa premissa é fundamental para a conclusão que se firma no sentido de que a parte legítima para recorrer será a pessoa jurídica de direito público, não a autoridade coatora."

Portanto, parte no processo de mandado de segurança é a Pessoa Jurídica, por ser justamente quem vai sofrer os efeitos, patrimoniais ou não, de uma eventual sentença de procedência, concessiva da ordem de segurança. É sobre ela que vão recair os ônus da condenação.

Para melhor ilustrar o fato, o autor retrocitado nos acena com um exemplo prático: "Numa hipótese de auto de infração tributária, desconstituído via mandado de segurança, quem, em última análise, deixará de ver recolhido para seus cofres o valor correspondente àquela autuação será a pessoa jurídica de Direito Público." [133]

Também há muitas divergências acerca da natureza jurídica das informações prestadas pela autoridade coatora. Não têm elas a função de defesa do direito, mas simplesmente defesa do ato praticado, razão porque não precisam ser apresentadas por advogado. Nada impede, no entanto, que a par da defesa do ato, a autoridade faça também a defesa do direito.

A falta de apresentação de informações não importa revelia, tal como em geral ocorre no processo de conhecimento, se a parte ré não responde aos termos da ação. Portanto, fica claro que não se trata de peça obrigatória no processo. Ao contrário, são dispensáveis. A autoridade as presta ou não, não advindo para ela, pelo menos no campo processual, qualquer sanção. É claro que a autoridade poderá responder administrativamente por essa falta. No campo processual, o que há é o risco de má instrução do processo, o que pode levar a uma sentença contrária ao ato da autoridade, que está sendo julgado. Em virtude da falta de informações da autoridade, resta ao juiz somente uma versão dos fatos, e que, provavelmente, prevalecerá no momento do julgamento da demanda, podendo ser concedida uma ordem que poderia ser denegada, se as informações fossem prestadas. Disso podem decorrer prejuízos, de ordem financeira ou não, à pessoa jurídica que vai sofrer os encargos dessa sentença.

FERRAZ [134] propugna que a autoridade coatora não é chamada a se defender no mandamus of writ, justamente por não ser o "réu", mas apenas a prestar as informações acerca do ato praticado e dos motivos que o levaram a praticá-lo. Essas informações gozam de presunção relativa de veracidade e podem conter ou não matéria de direito, podendo se ater exclusivamente ao fato. A par disso, o dever de prestar informações é indelegável, justamente por se tratar de ato pessoal, embora haja aceitação de que possam ser oferecidas por representante, desde que sejam úteis à causa, e não prejudiquem a celeridade do procedimento.

De mais a mais, a autoridade coatora sempre poderá se socorrer dos procuradores que fazem parte dos quadros funcionais da pessoa jurídica a que pertença, para que a defesa seja realmente eficiente, sempre que não tiver habilitação jurídica suficiente. Não há impedimento na lei de que proceda dessa maneira. Basta que a autoridade subscreva, juntamente com o procurador, as informações que prestar ao juiz da causa.

Outra questão, surgida logo no início da aplicação do mandado de segurança, em virtude de seu parentesco com o habeas corpus, foi se havia ou não a possibilidade de a ação ser impetrada pela própria parte, sem a representação por um advogado.

Em primeiro lugar, cabe ressaltar que no habeas corpus não há um rigor acentuado quanto à forma de impetração, podendo ser impetrado por qualquer pessoa, em favor daquele que se encontra ilegitimamente privado do seu direito de ir e vir, inclusive pelo próprio preso, conforme dispõe o Código de Processo Penal. [135] As demais hipóteses que permitem à própria parte postular em Juízo, sem a presença de advogado, também são expressas, como ocorre no processo trabalhista [136] e nos Juizados Especiais. [137]

No writ, por sua vez, deve-se obedecer às formalidades prescritas pela lei. Assim, não havendo regra permissiva, para impetrar mandado de segurança se exige capacidade postulatória. Isso quer dizer que o mandamus somente pode ser impetrado por advogado, no pleno exercício de sua atividade profissional.

Ratificando esse entendimento, BARBI [138] sinaliza que "é pacífico, hoje, que a inicial do mandado deve ser subscrita por pessoa que tenha o jus postulandi, isto é, a capacidade de requerer em juízo, a qual, entre nós, é atribuída aos advogados inscritos na Ordem dos Advogados."

GONÇALVES [139] é outro que nos dá sua contribuição acerca da necessidade de advogado para o manejo do writ: "Entretanto, no campo do mandado de segurança civil, a matéria, que sempre será necessária a intervenção de advogado, para a ação que visa proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data."

Também NUNES [140] ressalta que não se deve confundir os requisitos de impetração do mandamus of writ com os do habeas corpus, nos seguintes termos:

"Expressava o art. 6º da lei nº 191: ‘por pessoa habilitada na forma do Dec. nº 20.784, de 14 de novembro de 1931, com as modificações ulteriores’. Devia-se entender: pessoa habilitada, isto é, aquela que legalmente possa postular em juízo, observado o regulamento da Ordem dos Advogados, com as exceções aí previstas. Entendiam alguns que, semelhantemente ao habeas corpus, o mandado de segurança poderia ser requerido por qualquer pessoa, dispensado o ministério do advogado. Mas inexistem neste último as razões que militam em favor da exceção admitida naquele."

Assim, até pela uniformidade de entendimento dos doutrinadores acerca da matéria, fica claro que, para a impetração do remédio heróico, é obrigatória a participação de advogado legalmente habilitado, nos termos do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, [141] embora a semelhança do instituto com o habeas corpus.

2.3 As Súmulas 512 do STF e 105 do STJ

O Pleno do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 61.097/SP, [142] em 12 de setembro de 1968, decidiu, por maioria de votos, que não deveria haver condenação ao pagamento de honorários advocatícios em ação de mandado de segurança. Essa decisão acabou resultando na edição, em 3 de outubro de 1969, da Súmula 512 [143] daquele Colegiado.

Numa rápida síntese do processo em questão, cabe ressaltar que a sentença de primeira instância acolheu o pedido, concedendo a segurança, mas excluiu os honorários advocatícios. Em sede de apelação, a Primeira Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a concessão da segurança e condenou a Fazenda do Estado ao pagamento dos honorários de advogado. Interposto Recurso Extraordinário pela sucumbente, o processo foi remetido à Suprema Corte, tendo sido nomeado Relator o Ministro Amaral Santos. Nas razões de recurso, a recorrente sustentou a inaplicabilidade do princípio da sucumbência, insculpido no art. 64 do Código de Processo Civil (de 1939), com a redação dada pela Lei nº 4.632/65, [144] ao processo de mandamus of writ, afirmando que o mandado de segurança não constitui uma "ação", por não existir réu, nem condenação no sentido formal e processual. Sustentou, ainda, a íntima ligação do mandamus com o habeas corpus.

Após relatar de maneira sucinta o feito, o Ministro Amaral Santos proferiu voto neste sentido:

"(...). Em relação aos honorários de advogado, não tendo sido indicada decisão divergente, não posso também conhecer do recurso, pois entendo que a verba advocatícia é devida ainda no processo de mandado de segurança, que, apesar de regulado por lei especial, submete-se às normas gerais do Código de Processo Civil. (...)"

Acompanhou o Relator o Ministro Adaucto Cardoso, que, em voto preliminar, manifestou-se nestes termos:

"Acompanho, data venia dos Srs. Ministros que discrepam do seu voto, o Sr. Ministro Amaral Santos. O princípio da sucumbência, que deve ser entendido com as cautelas naturais à interpretação de todas as leis, é um ideal cuja aplicação devemos dilatar quanto possível e sempre que autoridade arbitrária ou prepotente for responsável por atos que se corrijam por meio de mandado de segurança. Também a condenação nos honorários de advogado deve ser pronunciada com a concessão da segurança, a fim de que a autoridade arbitrária seja solidariamente responsável com a Administração. Voto com o eminente Ministro Relator."

Em sentido contrário, conhecendo do recurso e lhe dando provimento, votou o Ministro Eloy da Rocha, conforme excerto a seguir:

"O princípio da sucumbência, consagrado no art. 64 do Código de Processo Civil, com a redação da Lei nº 4.632, de 18-5-65, vale nos processos regulados pelo Código de Processo Civil; não em mandado de segurança, que é disciplinado por lei especial."

Prosseguindo, o Ministro Eloy da Rocha sustenta a ausência de partes no procedimento especial do mandamus: "Não se depara, no mandado de segurança, a rigor, a caracterização de autor e réu, das ações em geral, nomeadamente quanto ao sujeito passivo." Além disso, aponta como outro fator impeditivo da condenação em honorários no remédio heróico, a similaridade deste com o habeas corpus, ao afirmar: "Não há condenação, em nenhuma hipótese, ao pagamento de honorários advocatícios no mandado de segurança, como no habeas corpus, duas medidas que constituem duas garantias constitucionais irmãs." Neste último ponto, foi rebatido pelo Ministro Amaral Santos: "No habeas corpus, não é possível, mesmo condenar, porque a lei é para matéria civil, e não para matéria penal."

A decisão final do Recurso Extraordinário em questão foi no sentido de conhecer do recurso, e dar-lhe parcial provimento, para excluir da condenação os honorários advocatícios, contra os votos dos Ministros Amaral Santos (Relator), Adaucto Cardoso, Djaci Falcão e Aliomar Baleeiro. Estavam presentes à sessão, além dos já mencionados, os Ministros Thompson Flores, Themístocles Cavalcanti, Barros Monteiro (impedido), Eloy da Rocha, Oswaldo Trigueiro, Adalício Nogueira, Evandro Lins, Hermes Lima, Victor Nunes, e Gonçalves de Oliveira, sob a Presidência do Ministro Luiz Galotti.

Com a promulgação da Carta Maior de 1988, e a criação do Superior Tribunal de Justiça, modificou-se a competência do Supremo Tribunal Federal, que passou a apreciar somente questões constitucionais, ficando o Tribunal recém criado com a competência para a apreciação de questões relativas a leis ou tratados federais. Assim, a competência para apreciar pedidos de honorários em ações de mandado de segurança, por não envolver matéria de natureza constitucional, ficou a cargo do STJ, pela via do Recurso Especial, nos termos do art. 105 da Constituição Federal. [145]

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, acabou seguindo a mesma orientação jurisprudencial adotada pelo Supremo Tribunal Federal, pacificando a matéria através da Súmula 105, [146] que praticamente reproduz o texto da Súmula 512, da Corte Suprema.

Um dos julgamentos que serviram de base à edição dessa Súmula pelo STJ foi o dos Embargos de Divergência nº 880-2/RS, [147] em 23 de setembro de 1993, cujo Relator foi o Ministro José Dantas, e que teve a seguinte ementa:

"Processual. Mandado de segurança. Sucumbência. Honorários advocatícios. Em conta a natureza especial da ação, no mandado de segurança, não cabe condenação em honorários (Súmula 512-STF, e acórdãos unânimes de Turmas do Superior Tribunal de Justiça). Embargos de divergência recebidos por maioria de votos."

O Estado do Rio Grande do Sul havia sido condenado ao pagamento de honorários advocatícios pelo Tribunal Estadual. Dessa decisão foi interposto Recurso Especial, o qual foi improvido por maioria de votos, pela Primeira Turma do STJ. Manejados, então, os embargos de divergência, em virtude de decisões em sentido contrário do próprio STJ, unificou-se a jurisprudência acerca da matéria.

Nesse julgamento, o Superior Tribunal de Justiça, por sua Corte Especial, limitou-se a analisar os fundamentos que embasaram a decisão do Supremo Tribunal Federal, que resultou na edição da Súmula 512.

Tanto é assim que o Ministro José Dantas justificou deste modo seu voto, no sentido de receber os embargos: "Faço-o, sobretudo, porque, ao largo da indagada afinidade ontológica, de tamanha preocupação doutrinária, a mim parecem convincentes os fundamentos básicos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria afinal sumulada."

O Ministro Bueno de Souza, ao proferir seu voto, sustentou que não deveria condenar-se o Estado do Rio Grande do Sul, porque teria de ser adotado o mesmo procedimento nos casos inversos, ou seja, condenar os impetrantes quando a ordem fosse denegada:

"Contudo, penso que a mudança de orientação jurisprudencial nesta matéria não se presta a atender aos interesses superiores das partes que litigam, em termos de seus direitos subjetivos líquidos e certos, porquanto haveria, em contrapartida, a conseqüente aplicação dos honorários às partes sucumbentes – também eles impetrantes no mandado de segurança – e a recíproca também haveria de ser aplicada, obviamente."

Os Ministros Pedro Acioli e Américo Luz simplesmente acompanharam o voto do Relator, sem tecer maiores comentários. O Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, por sua vez, reportou-se à exposição que fez no Instituto dos Advogados de São Paulo, em 27-05-93, onde se posicionou contrário à aplicação do princípio da sucumbência no processo de mandamus of writ, por uma razão de ordem prática:

"Admitir-se a condenação em honorários em mandado de segurança ensejará, em última análise, o congestionamento do Judiciário. (...) Nesse contexto, resulta claro que, embora as ações de segurança não percam a sua magnitude de garantia constitucional, despir-se-ão de parte de sua grandiosidade, porquanto o seu respectivo processo deixará sempre um resíduo, de alto poder poluidor, cujo saneamento só poderá ser feito à custa do alto preço decorrente da maior demora na administração da Justiça."

O Ministro Costa Leite, ressalvando posicionamento pessoal contrário ao adotado pelo STF, acabou acompanhando o voto do Relator:

"A despeito de discordar da orientação estampada na Súmula nº 512, do STF, certo é que vem balizando os rumos da jurisprudência de longa data. Posição contrária do STJ acabaria se constituindo em fator de insegurança. A esta altura, só se justifica modificação via legislativa. Limitando-me a ressalvar o meu ponto de vista, acompanho o eminente Relator."

Embora tenha sido voto vencido, o Ministro Eduardo Ribeiro rebateu os fundamentos da Súmula 512:

"O primeiro, é de que se trataria de lei especial, só regendo o instituto as normas por ela expressamente invocadas.

Peço vênia para manifestar frontal divergência com tal assertiva. Se não se aplicar, subsidiariamente, o Código de Processo Civil ao mandado de segurança, simplesmente não haverá processo de mandado de segurança, porque imensos os vazios que restarão. A lei especial não pretendeu, de modo algum, regular tudo, mas apenas o peculiar ao instituto de que cuidou."

Prosseguindo, o mesmo Ministro chama a atenção para outra hipótese em que há condenação em honorários advocatícios, mesmo sem previsão legal, reportando-se à Súmula 29 daquela Corte: [148]

"Este Tribunal, vale notar, consagrou em Súmula o entendimento de que são devidos honorários, em processo falimentar, quando se trata de elisão da falência, aplicando-se, subsidiariamente, o Código de Processo Civil, embora a lei específica absolutamente não o preveja."

O Ministro Assis Toledo, adotando posicionamento contrário à condenação, optou por fundamentar seu voto na segurança da vida jurídica:

"Embora não sejam vedadas as tentativas de ressuscitar a matéria, penso que a jurisprudência dos tribunais, sem que haja um fato novo, não deve submeter-se a movimento pendular. Isso introduz na vida jurídica do País inseguranças e incertezas."

Outro voto vencido foi o do Ministro Peçanha Martins, que defendeu a condenação do vencido ao pagamento dos honorários advocatícios:

"No momento, então, em que vai aos Tribunais na defesa desse direito, e só pode ir acompanhado de advogado, terá que desembolsar recursos para o pagamento dos honorários mesmo na hipótese em que vencedor na causa, ou seja, quando os Tribunais reconhecem o ato abusivo do Estado."

Criticando o posicionamento adotado pelo STF, sem ainda saber que prevaleceria no STJ, manifestou-se o Ministro César Rocha:

"Não é lógico nem é justo que o vitorioso na contenda, depois de ter direito líquido e certo agredido, após passar por todos os conhecidos e naturais constrangimentos, senão vexames, sempre presentes, ínsitos mesmos, em todas as pelejas judiciais, ainda sofra uma diminuição patrimonial, tendo que arrostar com a remuneração do trabalho do seu patrono.

Ademais, condenar o vencido em todas as parcelas da sucumbência, é, sem dúvida, a solução mais conveniente, na medida em que, por um lado, refreia o uso impertinente do mandamus pelo particular, e, por outro, estimula a autoridade a decidir, em instâncias administrativas, de modo mais refletido, sobre postulações eventualmente envolventes de direito líquido e certo."

A final, depois de toda a discussão estabelecida, os embargos de divergência foram recebidos, por maioria, pelos votos dos Ministros José Dantas (Relator), Torreão Braz, Bueno de Souza, Pedro Acioli, Américo Luz, Antônio de Pádua Ribeiro, Jesus Costa Lima, Costa Leite, Nilson Naves, Assis Toledo, Edson Vidigal, Demócrito Reinaldo, Milton Pereira e Adhemar Maciel, vencidos os Ministros Eduardo Ribeiro, Peçanha Martins, Gomes de Barros e César Rocha.

Embora pacificada a jurisprudência nos dois principais tribunais do país, a doutrina, ao contrário, e em sua maioria, nunca aceitou esse posicionamento, fazendo severas críticas aos argumentos utilizados para impedir que se condene o vencido ao pagamento dos honorários advocatícios no processo do writ. Iniciaram-se as críticas logo após a publicação da Súmula 512, do STF, e, posteriormente, alcançaram também a Súmula 105, do STJ.

A primeira voz a se levantar contra a Súmula 512 da Corte Suprema foi a de BARBOSA MOREIRA, [149] que ensaiou nestes termos:

"Se êsse processo especial se rege subsidiàriamente pelas normas codificadas; se nêle existe ação e, «a fortiori», causa; se há partes e, por conseguinte, parte vencedora e parte vencida, ambas representadas por advogados – então é insustentável a proposição segundo a qual descabe, aí, a condenação em honorários. Ela parece refletir ùnicamente a subsistência mal disfarçada, e a esta altura, incompreensível, de velhos preconceitos que se costumavam opor ao reconhecimento da cidadania processual do mandado de segurança." (sic)

Seguindo a mesma esteira de pensamento, outros doutrinadores, talvez influenciados por Barbosa Moreira, também formularam críticas à Súmula 512, as quais são estendidas, sem embargo, à Súmula 105. Entre eles, destaca-se ARRUDA ALVIM: [150]

"Muitos autores se insurgiram contra esse entendimento, invocando até mesmo, e ao que nos parece com pertinência, o § 6º do art. 37 da CF/88, segundo o qual as pessoas de Direito Público e as de Direito Privado prestadoras de serviços públicos respondem pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros."

BARBI [151] também manifesta seu repúdio ao mandamento constante da indigitada Súmula, principalmente após a entrada em vigor do Código Buzaid, de 1973:

"Essa posição do novo Código reforça a nossa convicção expressa mais acima. Acrescente-se que no § 4º do seu art. 20 regula ele a condenação em honorários, quando a Fazenda Pública for vencida, e não exclui de sua incidência os procedimentos regulados por lei especial.

Cumpre acrescentar, ainda, que a Lei nº 1.533 nada dispõe acerca da atribuição de honorários de advogado, isto é, não determina que a sentença se abstenha de decidir a esse respeito. E não existe nenhum princípio geral em nosso direito que mande que cada uma das partes fique responsável pelas despesas com seu advogado.

Por todos esses motivos, entendemos que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, consolidada na Súmula 512, não deu a melhor solução possível ao assunto e desatende ao princípio da sucumbência, que é geralmente adotado no direito das nações cultas."

Outro que não deixou de repudiar o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal foi ONÓFRIO, [152] o qual suscita a real intenção da Súmula 512:

"Resguardo dos interesses nem sempre bem determinados e precisos da União, Estados, Municípios, administradores ou representantes de autarquias e de entidades paraestatais e, ainda, no de pessoas naturais ou jurídicas com funções delegadas, como são os concessionários de serviços de utilidade pública e outros, contra as quais cabe mandado de segurança".

Prosseguindo, ONÓFRIO [153] lembra, com muita propriedade, que a referida Súmula só proíbe a condenação em honorários, mas permite a condenação no tocante às custas processuais:

"Não estendeu a súmula a exclusão às custas processuais, desconsiderando o princípio da sucumbência, previsto no art. 20 do nosso Código de Processo Civil. Não cogitou sequer de conceder as duas verbas em caráter indenizatório. Tal fato não deixa de ser uma forma de proteção em favor das entidades ou pessoas sujeitas às ações mandamentais."

Outro ponto que merece destaque é a injustiça da situação criada pela Súmula 512, criticada severamente por FERNANDES: [154]

"A injustiça é maior ainda em um país em que os desmandos se dão, no mais das vezes, contra pessoas de menor poder aquisitivo, e a classe média assolapada pela inflação descontrolada. Estas pessoas, muitas das vezes, tem que despender, com advogado, numerário que não possuem para ver protegidos direitos que foram agredidos por desmandos de maus administradores e, após sofrerem um empobrecimento inaceitável, não conseguem reaver o que despenderam."

Portanto, todas as críticas endereçadas à Súmula 512 atacam também a Súmula 105, uma vez que seus fundamentos são praticamente os mesmos.

Oportuno ressaltar que no Direito Brasileiro as súmulas não têm efeito vinculante, embora a maioria dos julgados siga a orientação já pacificada pelos Tribunais Superiores. Sem dúvida que se trata de uma base segura para os juízes e desembargadores proferirem suas decisões, embora, às vezes, as peculiaridades de cada caso fiquem relegadas a segundo plano. Mas devemos observar que essa pseudo-segurança das decisões não pode vir em prejuízo da justiça, devendo esta prevalecer sobre aquela, no entender de MACHADO: [155]

"Mas, se é certo que no plano da abstração as idéias de segurança e de justiça não são excludentes, e sim complementares, é certo também que diante de situações concretas muita vez a solução de um conflito exige que se estabeleça uma preferência, pois diante da situação específica se estabelece um conflito. A idéia de justiça conduz a uma solução, enquanto a idéia de segurança conduz a solução oposta." (sic)

Embora esse posicionamento de submissão aos Tribunais Superiores possa parecer cômodo, é duramente criticado por STRECK, [156] que afirma:

"Na medida em que o Direito não pode ser desindexado das estruturas da sociedade, de cujo contexto o operador jurídico não pode se isolar – uma vez que, inexoravelmente, é por elas influenciado -, a "entrada em vigor" de uma Súmula não deveria ter o condão de ilidir/tolher/aprisionar a atividade hermenêutica dos juristas. A prática, porém, demonstra o contrário, ou seja, a de que a auto-suficiência sumular/jurisprudencial – fruto de uma uniformidade propiciada pelos tribunais superiores – desempenha uma função aglutinadora, calibradora e padronizadora. Esse processo objetiva (e proporciona) uma uniformização de sentido – espécie de consenso extorquido -, na medida em que tem uma relação direta com um fator normativo de poder."

Não se pode deixar de reconhecer que é uma prática que acelera o trâmite dos processos, tornando a justiça mais ágil e prestativa. Mas, por outro lado, acaba tolhendo a própria atividade jurisdicional, que passa a ser tão-somente uma repetição de decisões que, embora justas quando foram proferidas, podem não mais condizer com a realidade atual, se considerado o caráter eminentemente dinâmico da sociedade e, por conseqüência, do direito que a rege.

STRECK [157] prossegue em sua crítica, afirmando que "as Súmulas funcionam, assim, como mecanismo de controle do discurso jurídico dominante no plano dos tribunais superiores."

Portanto, ficou comprovado que a doutrina, em sua maioria, censura os posicionamentos adotados pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, no tocante às Súmulas 512 e 105, respectivamente, clamando por sua revisão e revogação, permitindo que haja condenação em honorários advocatícios de sucumbência nas ações de mandado de segurança .

2.4 A subsidiariedade do CPC

É regra que as normas gerais do Código de Processo Civil têm aplicação subsidiária a todos os demais procedimentos judiciais, previstos em leis esparsas ou no próprio estatuto processual, naquilo em que não for incompatível ou no que a lei ou parte especial do código não disponha.

Tanto é assim que as leis que tratam de procedimentos especiais não dispõem a respeito da capacidade das partes, ou da necessidade de representação por advogado para o ajuizamento da demanda.

Questões como atos e prazos processuais, capacidade ou representação, salvo os casos em que há ressalva expressa nas leis especiais, são regidas pelas regras gerais do Código de Processo Civil. Nesse sentido se posiciona GOMES DA SILVA, [158] quando afirma: "O Código de Processo Civil é, reconhecidamente, lei geral, subsidiária e supletiva das especiais."

Com o mandamus of writ, não há de ser diferente.

A lei do mandado de segurança não dispõe a respeito da capacidade do impetrante, ou da legitimidade do impetrado, menos ainda acerca da representação obrigatória por advogado para sua impetração.

É essencial, para o processamento do writ, a utilização do CPC como fonte subsidiária, no entendimento de MACHADO, [159] quando afirma que "é inteiramente inconsistente a tese segundo a qual somente os dispositivos do CPC especificamente referidos na Lei 1533/51 seriam aplicáveis ao mandado de segurança."

Sem a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, é impossível processar o mandado de segurança. Como seriam contados os prazos? Quais os requisitos da sentença que o julga? Qual o Juízo competente? Quais são os vícios que podem nulificar o procedimento? Todas essas respostas são encontradas nas normas gerais do Código de Processo Civil.

BARBOSA MOREIRA [160] professa no mesmo sentido:

"No que concerne ao mandado de segurança, impende notar que nas leis especiais nada se dispõe, «verbi gratia», sôbre a contagem dos prazos judiciais, sôbre a capacidade do impetrante e os modos de suprir-lhe a falta, sôbre a nulidade dos atos processuais e vários outros tópicos que, à evidência, não podem ficar, nesse processo, sem disciplina... Onde encontrá-la, todavia, senão no Código de Processo Civil?" (sic)

É claro que há regras especiais, e que, portanto, prevalecem sobre as regras gerais do Estatuto Processual, como o prazo para informações e a obrigatoriedade de apresentação de cópia da petição inicial e de todos os documentos que a instruem, para o fim de acompanhar a notificação da autoridade coatora.

Mas, de um modo geral, o processamento do mandamus deve ser de acordo com o Código de Processo Civil. Vejamos o que diz ARRUDA ALVIM [161] a respeito da matéria:

"Temos defendido, como espinha dorsal deste trabalho, a aplicação subsidiária do CPC ao processo de mandado de segurança naquilo que os dispositivos da lei processual não se revelem incompatíveis com as regras próprias do instituto. Entendemos, por isso mesmo, que o art. 19 da Lei 1.533/51, que dispõe aplicarem-se ao processo do mandado de segurança os dispositivos do CPC atinentes ao litisconsórcio, não pode ser interpretado como excludente da aplicação subsidiária do CPC."

Prosseguindo, em suas conclusões, reafirma o mesmo autor:

"O art. 19 da Lei 1.533/51 dispõe no sentido de que se aplicam ao processo do mandado de segurança os artigos do CPC que tratam do litisconsórcio. Isto não quer dizer, como procuramos insistir em várias passagens deste trabalho, que o CPC não se aplique subsidiariamente ao processo de mandado de segurança. Absolutamente. Evidentemente, tal aplicação subsidiária só será viável no que não se revelar incompatível com este último." [162]

Idêntico posicionamento assume BARBOSA MOREIRA, [163] o qual contesta os que afirmam que, por se tratar de processo regido por lei especial, não se aplica o Código de Processo Civil subsidiariamente ao mandamus: "A isso se responde que as normas do Código constituem fonte subsidiária da disciplina de qualquer processo especial, regulado por lei anterior ou posterior a ele, e incidem em tudo que não contrarie o regime específico traçado pelo diploma pertinente."

GOMES DA SILVA [164] explica, de maneira sintética, o motivo de não haver referência ao princípio da sucumbência, na lei do mandado de segurança:

"Ocorre que a lei especial do mandado de segurança não se refere ao sucumbimento e nem podia fazê-lo, já que é anterior à instituição do princípio, introduzido também em lei especial, que deu nova redação ao art. 64 do estatuto revogado. Mas não é, de nenhum modo, incompatível com a regra geral e abrangente da sucumbência, que erigiu a honorária, juntamente com as custas, em sanção processual imponível pelo só fato objetivo da derrota judicial."

Afora isso, deve-se interpretar as regras de direito processual sempre de maneira sistemática. Se a lei especial não veda a aplicação subsidiária das regras gerais, não significa que estas não possam ser utilizadas. O fato de haver, na Lei nº 1.533/51, disposições remissivas ao Estatuto Processual, no tocante aos requisitos da petição inicial [165] e do litisconsórcio, [166] não significa que não possa ser utilizada, subsidiariamente, nenhuma outra regra geral.

Se assim fosse, e apenas para ilustrar o fato, para impetrar o writ, a parte não necessitaria socorrer-se de profissional habilitado, uma vez que não há disposição a esse respeito, na lei especial. Tampouco, há remissão aos artigos do Código de Processo Civil que tratam da capacidade postulatória.

Também o juiz, ao decidir a lide, não ficaria adstrito aos requisitos formais da sentença, previstos no Estatuto Instrumental, e disso não decorreria nenhuma nulidade processual.

Note-se que são várias as aplicações subsidiárias do Código de Processo Civil ao processamento do mandamus, mesmo sem disposição expressa, ou ainda, genérica, da lei especial.

Portanto, as remissões que existem na Lei nº 1.533/51 ao Código de Processo Civil devem ser entendidas como enunciativas, mas de forma alguma, exaustivas.

2.5 Honorários advocatícios no mandado de segurança

Muito já se discutiu e escreveu acerca da possibilidade de haver ou não condenação do vencido, em sede de mandado de segurança, ao pagamento dos honorários de advogado da parte contrária.

Os principais argumentos dos que defendem que não deve haver condenação nesse tipo especial de ação se repetem. Um deles é o que diz que o mandado de segurança é ação constitucional, regulado por lei especial, que lhe estabelece o procedimento, e determina em quais casos há aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, não havendo referência expressa ao princípio da sucumbência. Em seguida, vem a afirmação de que a relação processual no mandado de segurança é sui generis, não se caracterizando os sujeitos processuais autor e réu, mormente no tocante ao sujeito passivo, uma vez que é impetrado contra ato de autoridade. Além disso, há também o argumento de que a sentença proferida nesse tipo especial de ação é de natureza mandamental, e não condenatória, não podendo, portanto, haver condenação direta no processo, devendo os efeitos patrimoniais decorrentes ser pleiteados em ação própria, conforme previsão na Lei nº 1.533/51. [167] Por fim, o argumento de que o mandamus é instituto irmão do habeas corpus, e neste processo não há condenação em honorários.

Alguns desses argumentos já foram abordados anteriormente no presente trabalho, ficando esclarecido que o mandado de segurança é ação, de natureza constitucional, e, como tal, possui partes, tanto ativa quanto passiva, existindo, portanto, um vencedor e um vencido. Além disso, para sua impetração exige-se capacidade postulatória, que no direito brasileiro, salvo as exceções do processo trabalhista, do juizado especial e do habeas corpus, é privativa do advogado.

Quanto à aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ao processo do writ foi abordado no tópico anterior, restando espancada de vez a dúvida, pois as remissões presentes na Lei nº 1.533/51 são apenas enunciativas, não exaustivas.

Por outro lado, não há, na lei do mandado de segurança, nenhum dispositivo que vede, expressamente, a condenação do vencido ao pagamento dos honorários advocatícios da parte contrária. Somente se houvesse vedação expressa na lei é que não seriam devidos honorários, no entender de FARIAS: [168] "Somente seriam incabíveis os honorários se a lei especial os proibisse, até mesmo porque os demais dispositivos processuais do Código são aplicados automaticamente, sem necessidade de especial menção acolhedora."

MATIELO [169] também ressalta essa ausência de vedação expressa:

"Quisesse a lei evitar a aplicação do princípio da sucumbência na ação de mandado de segurança, estamparia essa intenção de forma expressa; silenciando, como de fato se omite, promove a inflexão dos ditames, não contrariados pelas normas exclusivas, sobre a ação. Se o rito é específico e a natureza é sui generis, muitas outras ações estão repletas das mesmas características e nem por isso desacolhem a condenação na verba honorária."

Além do que, o princípio da sucumbência é norma de direito processual de caráter público, de cunho imperativo, aplicando-se em todos os feitos, conforme nos relembra FARIAS: [170] "E, por isso, foi prevista, com clareza meridiana, a condenação do vencido nos ônus advocatícios, pelo nosso Ordenamento Positivo, sendo uma regra absoluta, imperativa, salvo nas hipóteses em contrário."

Ressalte-se que a interpretação da lei deve ser sistemática, conforme nos relembram CINTRA, GRINOVER E DINAMARCO: [171]

"Realmente, as peculiaridades da lei processual não são tais que sigam a utilização de cânones especiais de interpretação: basta que sejam convenientemente perquiridas e reveladas, levando em consideração as finalidades do processo e a sua característica sistemática. Daí o entendimento prevalente entre os processualistas no sentido de acentuar a relevância da interpretação sistemática da lei processual. Os princípios gerais do processo, inclusive aqueles ditados em nível constitucional, estão presentes em toda e qualquer norma processual e à luz dessa sistemática geral todas as disposições processuais devem ser interpretadas."

Quanto à afirmação de que o mandamus é instituto irmão do habeas corpus, não pode deixar de ser desconsiderada, pois a própria lei, ao definir a abrangência do writ, salienta que se destina a proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data. Só que no habeas corpus não se aplica o princípio da sucumbência por se tratar de processo penal, ao passo que a sucumbência está prevista no estatuto processual civil. Inclusive, BARBOSA MOREIRA [172] faz uma dura crítica àqueles que sustentam que não se condena em honorários de advogado no writ porque isso é vedado no habeas corpus:

"Manifesto absurdo seria invocar essa mesma razão a propósito do mandado de segurança. Por mais afins que se queira considerar, noutros aspectos, os dois institutos, é evidentíssimo que não se pode pôr em iguais têrmos, para um e outro, a questão da aplicabilidade de norma inserta na lei processual civil." (sic)

Hoje, a maioria quase absoluta dos doutrinadores defende que deve, sim, haver condenação em honorários advocatícios no mandamus of writ, sem que isso venha a dificultar seu manejo pelas pessoas que se sentirem lesadas por ato arbitrário ou ilegal dos agentes do Poder Público. Por outro lado, a aplicação do princípio da sucumbência a esse tipo especial de ação surtiria mais um efeito: o de fazer com que os agentes públicos se sintam intimidados a cometer atos que possam ferir os direitos dos cidadãos.

Vejamos o que MATIELO [173] diz a respeito:

"Concedida a segurança requerida, a condenação em honorários ao advogado do impetrante serve não apenas como remuneração ao profissional zeloso e reembolso ao vencedor, mas também como forma de alertar aos encarregados da prestação da atividade pública sobre os riscos e ônus econômicos acarretados pelo irregular agir no desempenho das funções atinentes à máquina estatal, de modo a refrear condutas impensadas ou propositadamente irresponsáveis, face à ausência de gravames."

Outro que não aceita a falta de aplicação do princípio da sucumbência no writ é MEIRELLES: [174]

"Na sentença o juiz deverá decidir sobre o pedido da inicial, condenando o vencido nas custas e honorários advocatícios, consoante determina o art. 20 do CPC, que firmou o princípio da sucumbência em substituição ao da culpa ou dolo processual. Desde que o mandado de segurança é uma causa, vale dizer, uma ação civil, impõe-se a condenação do vencido em honorários. Não importa que o rito dessa ação seja especial, mesmo porque nas demais ações especiais o princípio da sucumbência vem sendo aplicado sem restrições."

Não é o fato de haver condenação do vencido ao pagamento de honorários advocatícios que vai retirar do mandado de segurança sua importância dentro do quadro geral das ações para a defesa do cidadão frente aos abusos cometidos pelo poder público. Nesse sentido é o comentário de Lucia Valle Figueiredo, na obra organizado por FERRAZ: [175] "Não tem cabimento e acho que não elidiria, de forma alguma, a ampla possibilidade de proposição do Mandado de Segurança, se se dessem honorários advocatícios."

Sustentando a condenação do vencido, seja ele a Fazenda Pública, ou o impetrante, ARRUDA ALVIM [176] milita:

"Nessa hipótese, deve haver condenação tanto no caso de concessão, como de denegação (ou carência) do mandado de segurança, sob pena de violação do princípio da isonomia, sem que essa condenação do impetrante, em caso de denegação, arranhe a grandeza constitucional do instituto."

Também BARBI [177] defende a aplicação do princípio da sucumbência ao mandamus of writ:

"A nosso ver, mesmo na vigência do Código de 1939, com a modificação feita pela Lei nº 4.632, deveria ele ser aplicado ao mandado de segurança. Trata-se de disposição de caráter geral, aplicável a todos os procedimentos, e não apenas aos regulados no Código."

Não é diferente o posicionamento adotado por CAHALI, [178] que comunga da mesma opinião:

"Aliás, se nas ações comuns contra a Fazenda Pública responde esta por honorários advocatícios quando sucumbente nas condições do art. 20, § 4º, do CPC, revela-se até contraditório não assegurar similar direito de reembolso das despesas àquele que, lesado em seu direito líquido e certo, "quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente da pessoa jurídica no exercício das atribuições do Poder Público", busca perante os Tribunais a garantia que o art. 5º, LXIX, da Constituição da República, lhe concede. Negar-se ao impetrante o ressarcimento das despesas com o advogado que teve de contratar implica a própria negação do direito constitucionalmente assegurado, uma vez que, para a obtenção do seu reconhecimento, viu-se obrigado às despesas advocatícias, recuperando com desfalque o seu direito líquido e certo lesado. A se entender de outro modo, seria de admitir-se o reembolso dos honorários advocatícios pelo impetrante vencedor, por meio de ação de responsabilidade civil do Estado (fundada no art. 107 da Constituição anterior, e art. 37, § 6º, da Constituição atual), tese que não tem sensibilizado nossos julgadores, no pressuposto de que os honorários advocatícios da sucumbência representam matéria objeto do processo que lhes deu causa."

Também devem ser lembradas as palavras de FARIAS, [179] que defende ferrenhamente a aplicação do princípio da sucumbência ao mandado de segurança:

"Assim sendo, não é justo, nem admissível, que o particular ofendido não tenha direito aos honorários de advogado. O que se tem, no plano concreto, é que o particular ofendido (autor da ação mandamental) após ter um direito seu (e não um direito comum, porém um direito líquido e certo) vulnerado, agredido pela autoridade pública, ainda tenha de sofrer uma diminuição patrimonial, tendo de suportar o ônus de seu advogado – até mesmo porque não poderá, individualmente, ingressar em juízo para defender seus direitos, necessitando de advogado."

Para concluir, GOMES DA SILVA [180] sustenta que o princípio da sucumbência está intimamente ligado à necessidade de advogado para impetrar o mandamus:

"Exigir-se a intervenção de advogado e negar-se a aplicação do princípio da sucumbência é que me parece distanciar-se, nessa ótica, da natureza do instituto."

Portanto, o mandado de segurança, como ação constitucional que é, destinado à defesa dos cidadãos frente aos atos ilegais ou abusivos praticados pelos agentes das pessoas jurídicas de direito público ou investidas em uma função pública, merece que lhe seja aplicado o princípio da sucumbência, condenando o vencido ao pagamento dos honorários advocatícios do vencedor, sem que isso possa lhe aranhar o brilho com que se reveste, nem intimidar o cidadão a manejá-lo, sempre que houver necessidade.

Sobre o autor
Ronaldo Wolmar Machado Otero

Analista Judiciário da Justiça Federal de 1ª Instância,2ª Vara de Passo Fundo e Bel. em Administração pelo Instituto de Ensino Superior do Alto Uruguai – IESAU, hoje Universidade Regional Integrada – Campus de Frederico Westphalen/RS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OTERO, Ronaldo Wolmar Machado. Honorários advocatícios em mandado de segurança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 609, 9 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6426. Acesso em: 23 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!