Com a ascensão ao poder de Donald Trump, nos Estados Unidos; o reaparecimento de líderes ultranacionalistas, na Europa; e a possível candidatura do militar da reserva Jair Bolsonaro, no Brasil, o tema “populismo” se encontra em alta, sendo recorrente nas colunas de opinião dos grandes jornais, pelos quais se observa que cada autor parece possuir o seu próprio conceito do que seja populismo – o que também ocorre dentro das Ciências Sociais –, e a obra “La tentación populista. Una vía al poder en América Latina”, de Flavia Freidenberg, trata da questão com maestria. Ainda que o livro tenha sido publicado em 2007, em 2018, com o aparecimento de novos líderes populistas no cenário mundial, a temática do populismo se encontra em um de seus auges.
Freidenberg introduz os vinte e um capítulos (divididos em cinco partes) do livro abordando a importância que o populismo teve no período de redemocratização da América Latina (início da década de 90), assim como a forma antidemocrática como seus líderes governaram (a exemplo de Collor, no Brasil). Na parte um, a autora reconhece o conceito “camaleônico” do termo populismo, que pode significar, por vezes, um tipo de liderança política, um tipo de política, um projeto econômico ou o apelo carismático de um líder às massas.
Há autores que usaram outros termos para tratar de regimes que poderíamos considerar populistas. O’Donnell (1994), ao criar o conceito de “democracia delegativa” – um tipo de democracia que se pode considerar como sinônimo de democracia populista –, estabeleceu que os líderes delegativos creem que são os únicos capazes de salvar o seu país, ou seja, os únicos capazes de tomar qualquer decisão política (já que receberam delegação por parte dos cidadãos através das eleições), de maneira que o controle por parte das outras instituições de poder constituiria um entrave à sua agenda política. Esse foi o caso de Fernando Collor de Melo, no Brasil, quem Freidenberg define como sendo um populista neoliberal. A autora considera que foram os populistas neoliberais que deram origem ao que ficou conhecido como democracia delegativa.
Na parte dois, Freidenberg propõe uma definição de populismo que se caracterizaria por
un estilo de liderazgo, caracterizado por la relación directa, carismática, personalista y paternalista entre líder-seguidor, que no reconoce mediaciones organizativas o institucionales, que habla en nombre del pueblo y potencia la oposición de éste a “los otros”, donde los seguidores están convencidos de los métodos redistributivos y/o al intercambio clientelar que tienen con el líder (tanto material como simbólico), conseguirán mejorar su situación personal o la de su entorno (FREIDENBERG, 2007, p. 25).
A definição de Freidenberg é bem completa e útil para que se evite alguns equívocos. No Brasil, v.g., o presidente Lula foi, com frequência, tachado de populista por autores que utilizaram tal termo enquanto sinônimo de “demagogo”, ou por quem considerava populista quem focava seu programa de governo em políticas públicas voltadas às classes mais populares, ou seja, aos mais desfavorecidos economicamente.
Conforme as definições de líder delegativo, de O’Donnell, e de líder populista, de Freidenberg, é possível compreender que o populista tenta passar por cima das demais instituições de poder, ou seja, um populista buscaria controlar os demais Poderes, inclusive o Judiciário. Dificilmente um líder populista se deixaria ser investigado pelo Ministério Público e posteriormente condenado por um tribunal (v.g., é uma situação que dificilmente ocorreria com Maduro, na Venezuela).
Nas partes dois, três e quatro, Freidenberg analisa os casos específicos de alguns líderes latino-americanos que podem ser enquadrados como populistas. Em um primeiro momento se encontram os “velhos populistas”, a exemplo de Getúlio Vargas, quem se utilizou muito do discurso direto às massas, enaltecendo as suas qualidades pessoais (personalista) e fazendo pouca referência ao seu programa de governo. Em um segundo momento, encontram-se os “novos populismos neoliberais”, a exemplo de Fernando Collor de Melo, que se apresentava como “a encarnação da nação” ou “defensor dos pobres” e que atuava à margem dos partidos políticos, dos sindicatos e demais organizações, inclusive empresariais. Essa categoria criada pela autora é de especial importância, pois há quem considere o populismo como sendo um fenômeno de esquerda. Mais recentemente, tiveram lugar as “expressões contemporâneas do populismo”, estando aí incluídos Noboa, Chávez, Morales e Correa.
Em sintonia com a definição de populismo de Freidenberg está o Novo Constitucionalismo Latino-americano, doutrina constitucional que surgiu na Venezuela, e logo foi adotada pelo Equador e pela Bolívia. Chávez, Correa e Morales, ao chegarem ao poder, trataram logo de convocar uma assembleia constituinte para redigir uma nova constituição. Embora a grande bandeira dessas novas Cartas tenha sido a incorporação de novos direitos (sobretudo para a população indígena), os poderes legislativos do Executivo foram consideravelmente aumentados, em especial o poder de o Presidente convocar a população para plebiscitos e referendos, sendo essa característica plebiscitária comum à maioria dos regimes de traço populista (BARROS, 2017).
Essa relação paternalista entre líder-seguidor, assim como a tentativa de dividir a sociedade em bandos, queda clara não só nos três períodos populistas latino-americanos analisados por Freidenberg, mas também na forma de liderança de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, quem, a cada dia, segrega mais a sociedade estadunidense (v.g., colocando os norte-americanos de origem europeia contra os norte-americanos de origem latina, africana ou asiática) e cujo discurso político quase sempre carrega algum conteúdo de ódio, como ao propor a construção de um muro separando os Estados Unidos do México. Em seu discurso inaugural, considerou a sua ascensão ao poder como sendo “o dia em que o povo se transformou de novo no governante da nação”, ou seja, um discurso altamente delegativo e populista.
Nesse mesmo sentido, o possível candidato à presidência do Brasil, atual Deputado Federal e militar da reserva, Jair Bolsonaro, possui uma relação extremamente paternalista com seus simpatizantes, que o consideram o grande salvador da pátria e único capaz de acabar com a corrupção no Brasil. Muitos de seus seguidores o chamam “carinhosamente” de “Bolsomito”, como se ele fosse realmente um herói com superpoderes que os demais candidatos não possuem, muito embora ele, com habitualidade, profira declarações antidemocráticas, racistas, machistas e homofóbicas.
Na quinta e última parte de seu livro, Freidenberg compara as diversas experiências populistas e sublinha que, embora com políticas econômicas e bases de apoio distintas, todos os momentos populistas tiveram como denominador comum uma liderança política personalista, que dividiu a sociedade e desconsiderou o papel das organizações sociais e políticas. Conclui destacando que, embora uma maior participação das massas possa ampliar e fortalecer as estruturas e práticas democráticas, também pode levar a uma transição para um regime ditatorial personalista.
REFERÊNCIAS
BARROS, Ana Tereza Duarte Lima de. A armadilha da democracia direta: uma análise qualitativa dos poderes legislativos do presidente na América do Sul. 2017. 100 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Política). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2017.
FREIDENBERG, Flavia. La tentación populista. Una vía al poder en América Latina. Madrid: Editorial Síntesis, 2007.
O’DONNELL, Guillermo. Democracia delegativa. Journal of Democracy, v. 5, n. 1, p. 7-23, 1994.