RESUMO: Trazemos neste texto uma reflexão sobre a realidade familiar a partir de um olhar sistémico sobre a convivência humana dos membros da família, tendo presente que cada membro está em interação com todos os outros. A visão sistémica considera a família como um todo. Sendo assim, será abordado no presente artigo as diferentes formas de família na atualidade brasileira, fazendo uma análise sobre a união estável e os regimes de bens no casamento, o qual para alguns é a forma originária de se constituir uma família. Por fim será feito uma análise sobre a dissolução da sociedade e do vínculo conjugal.
PALAVRAS-CHAVES: Família; União estável; Regime de bens no casamento; Dissolução; Sociedade Conjugal; Vínculo Conjugal.
ABSTRACT: We bring in this text a reflection on the family reality from a systemic view on the human coexistence of family members, bearing in mind that each member is in interaction with all the others. The systemic view considers the family as a whole. Thus, in this article the different forms of family in the Brazilian context will be approached in this article, making an analysis about the stable union and the regimes of goods in the marriage, which for some is the original form of constituting a family. Finally, an analysis will be made of the dissolution of society and of the conjugal bond.
KEYWORDS: Family; Stable union; Scheme of goods in marriage; Dissolution; Conjugal Society; Conjugal bond.
Introdução
O século XXI trouxe consigo inúmeras mudanças na instituição familiar, visto que desde os tempos greco-romanos à concepção que se tinha era de que o “pater famílias” conhecido como poder familiar era uma prática exclusiva do homem e a mulher por sua vez era criada para desempenhar as obrigações de casa. Enquanto o relacionamento com os filhos era marcado pelo poder do chefe que se valia de violência no tratamento com estes.
Com as mudanças ocorridas ao longo do tempo essa instituição familiar passou a receber proteção especial do Estado fazendo surgir à igualdade de condições entre os cônjuges para exercer o poder familiar de forma equilibrada.
Como resultado dessas transformações que a sociedade passou apareceram novas conjunturas de família, de modo que, atualmente, esta instituição pode ser constituída por pessoas que moram no mesmo lugar, a fim de construir um lar, baseado apenas nos vínculos afetivos, independente de matrimônio já que foi reconhecida pela Constituinte de 1988 a união estável como forma de entidade familiar, contudo, é importante ressaltar que junto a essas inovações na sociedade atual, aumentaram também o número de separações, divórcios, assim como crianças concebidas fora do casamento ou união estável, dentre outros, de modo a interferir diretamente na estrutura familiar de cada indivíduo.
O objetivo principal deste texto é fazer uma análise sobre as diferentes formas de família existentes atualmente, fazendo também uma breve explanação sobre o que vem a ser a união estável e discutir os tipos de regimes de bens adotados no casamento; além mais foi feito uma abordagem sobre a questão da dissolução da sociedade do casamento e o fim do vínculo conjugal.
Por fim, para alcançar os resultados acerca da pesquisa do tema foi usado um procedimento metodológico, pesquisa bibliográfica e qualitativa, utilizando fontes escritas como livros, jornais, revistas, relatórios e outros documentos, inclusive de fontes digitais como sites especializados que abordam o tema.
2. Das diferentes formas de família
Origem e forma do casamento
O conceito de família não pode ser definido de forma restrita, uma vez que existem diversos fatores que interferem na sua definição; dessa forma não há que se determinar um modelo familiar uniforme, já que tal instituto vem passando por grandes transformações ao longo do tempo.
A Constituição de 1988, em seu artigo 226, veio amparar e proteger as formas de família existentes, deixando de ser a família advindo do casamento a única modalidade protegida pelo Estado; são três as espécies de famílias amparadas pelo ordenamento jurídico magno brasileiro
Art.226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
§2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
BRASIL. Constituição (1988)
Fazendo uma análise acerca do instituto do casamento, desde quando o homem passou a viver em sociedade, pode se dizer que a religião era um dos alicerces constitutivos do casamento, sendo ele uma forma de dar continuidade a religião e a propriedade das famílias, que a partir da união dos seus passava a ser única.
Percebe – se que o casamento não levava em conta o afeto existente entre duas pessoas para a construção de uma família, o único interesse era a junção do patrimônio de duas pessoas, o casamento era celebrado para dar continuidade a uma família, simplesmente com o intuito de procriação.
Entretanto, com a evolução da sociedade e a mudança dos valores que a regem, o casamento passou a ser tratado de forma diferente, nas palavras de Jefferson Daibert:
Casamento é o ato solene pelo qual se unem duas pessoas de sexo diferente, com a finalidade de legitimar a prole resultante de sua união sexual, sob solene compromisso de fidelidade recíproca, mútua assistência e ampla proteção aos filhos. (DAIBERT, 1980. p.24)
Sendo assim, percebe – se que o casamento tem uma grande importância na vida social, por isso ele é conhecido como o negócio jurídico mais solene conhecido, sendo, portanto, celebrado entre duas pessoas capazes que são capazes de entenderem seus direitos e obrigações.
Acerca da natureza jurídica do casamento, atualmente, é aceita a ideia de que existem três correntes doutrinárias: a primeira que define o casamento como um negócio jurídico, a segunda que preceitua que o casamento é um acordo e a terceira que o define com um ato-condição. Mesmo existindo variadas correntes jurídicas, apenas duas são as mais utilizadas, a contratualista e institucionalista.
Pela doutrina contratualista o casamento tem natureza contratual, sendo um acordo livre e espontâneo entre as partes, não podendo as partes determinarem o conteúdo o ato jurídico; já a doutrina institucionalista prevê o casamento como uma instituição social na qual as pessoas aceita o estatuto matrimonial definido pelo Estado, não havendo como, por comum acordo, alterar qualquer regra determinada.
[..] vê no matrimônio um estado em que os nubentes ingressam. [...] as partes são livres, podendo cada uma escolher o seu cônjuge e decidir se casa ou não; uma vez acertada a realização do matrimônio, não lhes é permitido discutir o conteúdo de seus direitos e deveres, [...] tendo uma vez aderido ao estado matrimonial, a vontade dos nubentes é importante, sendo automáticos os efeitos da instituição por serem de ordem pública ou cogentes as normas que a regem, portanto iniludíveis por simples acordo dos cônjuges. (DINIZ, 1999, vol.5. p.37).
Por fim, no que tange a discussão sobre a natureza jurídica do casamento é importante o esclarecimento que Domingos Sávio Brandão Lima nos dá, já que ele nos explica que ‘ a natureza jurídica do casamento é, uma interminável disputa, uma inconciliável polêmica, por ser assunto que vem se prolongando ao longo do tempo e também por não ter ainda um entendimento unânime. ’
No que tange sobre as finalidades do casamento, elas variam de acordo com as correntes doutrinárias concernentes a natureza jurídica do referido instituto.
Para o doutrinador Sílvio Rodrigues o casamento possui três finalidades: ‘ primeira – disciplinação das relações sexuais entre os consortes; segunda – proteção da prole; terceira – assistência mútua entre os cônjuges. ’ (1998, p.21)
O casamento possui fins individuais e sociais que são harmônicos entre si, já que o mesmo busca a formação de família, geração e educação dos filhos, relação de afetos entre os cônjuges e a realização pessoal.
Em relação ao que tange a questão da prole, é importante ressaltar que a lei permite o casamento entre pessoas que não podem gerar filhos por fatores adversos, nos levando a entender que a procriação é um fim natural do casamento e não um fim jurídico.
Para entender o instituto do casamento e da família no ordenamento jurídico, o jurista precisa reconhecer que a influência da igreja na norma jurídica, nas palavras de Leite:
A análise do casamento até agora examinada garante-nos uma certeza inicial, que o jurista tem dificuldade de reconhecer e apreciar: a influência decisiva da Igreja. Não é possível estudar a lei civil, desvinculada de sua fonte principal: as normas estabelecidas pelo direito canônico. (LEITE, vol. 1. 1991, p.255)
É importante frisar que antes do reconhecimento da igreja, de que o casamento era a forma originária de família, o mesmo não era considerado uma instituição católica como acontece nos dias atuais.
[...] a evolução da união familiar continuou com o crescimento das civilizações, como acontece com todas as instituições que sustentam determinada sociedade, com a utilização de diferentes povos, as interferências religiosas, no Ocidente, primeiro com a Lei Mosaica e depois com o Cristianismo, que aceitava as relações sexuais somente no matrimônio com o único objetivo a procriação. (FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J.A. Guilhon Albuquerque. 15 eds. Rio de Janeiro: Edições Graal Ltda. 2003, p.41)
Todavia, com a evolução da sociedade a família patriarcal se enfraqueceu, já que com a industrialização, modernização, avanços tecnológicos, a liberdade que a mulher passou a ter e com o enfraquecimento da interferência da igreja no Estado este modelo de família foi dando espaço a outras espécies de família.
Por fim, além do casamento que foi exposto neste tópico, a Constituição Federal também protege a união estável, que será assunto do próximo tópico.
2.1.União estável
A união estável é aquela decorrente da convivência contínua, pública e duradoura, entre homem e mulher, com o intuito de constituir família. Tal instituto é regulado por força da Lei nº 8.9771/94 que conceitua e dispõe de requisitos para validar a união estável.
Art. 1º A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade.
Parágrafo único. Igual direito e nas mesmas condições é reconhecido ao companheiro de mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva.
Além da lei citada acima, existe também a Lei nº 9.278/96 que traz outro conceito para a união estável “art. 1º É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”.
Conjuntamente, com tais leis, o artigo 1.723 do Código Civil de 2002 dá suporte legal à união estável “art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. ” (BRASIL. CC, 2002).
Percebe-se que nenhuma das leis reconhece a união entre pessoas do mesmo sexo, o que é um retrocesso para o ordenamento jurídico, já que em vários países tal união é reconhecida, e no Brasil ainda estamos tentando regular tal instituto (mesmo havendo decisões de Corte Superiores ainda não existe lei que proteja a união homoafetiva).
Uma incoerência entre as Leis 8.971/94 e 9.278/96 está relacionado com o lapso temporal para se caracterizar a união estável, a primeira pede um tempo de 5 anos e que haja filhos decorrentes desta convivência, enquanto a segunda não faz nenhum tipo de exigência no tocante a tempo.
Álvaro Villaça Azevedo dá uma importante lição acerca do lapso temporal
[...] sobre o tempo da existência da união estável, devendo – se em cada caso, observar – se a efetiva configuração desta união através da posse recíproca dos companheiros com intenção de formação do lar, desde que a convivência seja duradoura, e capaz de demonstrar a existência de família. (AZEVEDO, 2002, p.339)
Como se percebe há a necessidade de se analisar cada caso no que tange a união estável, não levando em conta o lapso temporal de 5 anos, uma vez que se já ficar comprovado os requisitos da união estável não há como negar a mesma.
Da mesma forma, o atual Código Civil não define prazo para o tempo de convivência nas hipóteses de união estável, apenas exigindo que a convivência seja pública, continua e duradoura, ou seja, o legislador preferiu não fixar um prazo para se caracterizar a união estável, apenas exigiu que a mesma fosse duradoura.
Inclusive o Tribunal de Justiça de Goiás, não usa mais o lapso temporal da lei 8.971/94 nos casos de reconhecimento e/ou dissolução da união estável, como se observa no julgado abaixo:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. Comprovação da convivência pública, contínua, duradoura e com o objetivo de constituir família. Artigo 1º da Lei nº 9.278/96. 1. Deve ser reconhecida a união estável havida entre as partes, quando há convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família, no período devidamente comprovado nos autos, em atenção ao que preceitua o artigo 1º da Lei nº 9.278/96. 2. Não tendo o Réu/ora Apelante se desincumbido do ônus que lhe competia, deixando de apresentar a existência de fato impeditivo, modificativo, extintivo do direito da Autora, nos termos como preceitua o artigo 333, inciso II, do Código de Processo Civil/1973 (o qual estava vigente à época da prolação da sentença), não há falar-se em reforma da sentença. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA.
(TJGO, APELACAO CIVEL 120628-35.2012.8.09.0175, Rel. DES. FRANCISCO VILDON JOSE VALENTE, 5A CAMARA CIVEL, julgado em 22/09/2016, DJe 2123 de 03/10/2016)
No tocante aos requisitos da união estável, quanto à publicidade é interessante o seguinte esclarecimento.
Como um fato social, a união estável é tão exposta ao público como o casamento, em que os companheiros são conhecidos, no local em que vivem, nos meios sociais, principalmente de sua comunidade, pelos fornecedores de produtos e serviços, apresentando-se, enfim, como se casados fossem. (AZEVEDO, 2002, p.43)
Já em relação ao quesito de continuidade, o mesmo também é importante para que se configure a união, havendo inexistência de interrupções, as quais lhe tirariam a característica de permanência; uma vez que términos e recomeços evidenciam a instabilidade da união, indo contra o requisito da durabilidade.
A união estável nasce com o afeto entre os companheiros, e com isso não há como fixar um prazo certo para existir ou terminar, sendo que em casos judiciais cabe ao magistrado determinar se houve ou não duração suficiente para a existência da união estável.
Inclusive em casos que há falta dos requisitos citados não há como descaracterizar a união estável.
Dessa forma, fica caracterizado que na união estável os laços afetivos são mais importantes do que os seus requisitos, já que foi essa afetividade que união o casal; sendo assim, a união estável vai de encontro a um dos princípios norteadores do direito de família: o princípio da afetividade.
Portanto, compreende – se que a Constituição Brasileira protege a família independente de ela ser formada pelo matrimônio, por esse motivo é que o texto constitucional fala em entidade familiar, já que tal termo remete a vínculos afetivos; sendo assim, a união estável entre homem e mulher e o convívio destes com a prole do outro são considerados como família.
2.2. Regime de bens no casamento
O Código Civil dispõe sobre a forma de regime de bens e demais assuntos relacionados. A partir do artigo 1.639, que preceitua o seguinte: “ É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver. ”
Segundo o doutrinador Carlos Roberto Gonçalves
O regime de bens disciplina as relações econômicas entre os cônjuges durante o casamento. Essas relações devem se submeter a três princípios básicos, sendo estes: a irrevogabilidade, a livre estipulação e a variedade de regimes. (GONÇALVES, 2007, p.67)
Em relação à imutabilidade e a irrevogabilidade ambas garantem o interesse dos cônjuges, evitando que haja vantagens de um sobre o outro. Entretanto a imutabilidade não é absoluta, já que o artigo 1639, § 2°, do Código Civil, impõe que o regime de bens pode ser alterado mediante decisão judicial.
Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.
§ 1o [...]
§ 2o É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros. (BRASIL. CC, 2002).
É importante ressaltar que a motivação para a alteração do regime deve ser feita por ambos os cônjuges, e não somente unilateralmente.
Já sobre a livre estipulação, ela é encontrada no caput do artigo 1.639 do Código Civil, permitindo aos nubentes escolher o regime de bens antes da celebração do casamento; e dessa forma, o parágrafo único do artigo 1.640 vem também auferir livre arbítrio aos nubentes ao preceituar que
Art. 1.640. [...]
Parágrafo único. Poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que este código regula. Quanto à forma, reduzir-se-á a termo a opção pela comunhão parcial, fazendo-se o pacto antenupcial por escritura pública, nas demais escolhas. (BRASIL. CC, 2002).
Contudo, a exceção ao princípio da livre escolha está no artigo 1.641 que expressa as situações em que o regime de separação de bens deverá ser obrigatório
Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:
I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;
II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;
III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial. (BRASIL. CC, 2002).
A escolha dos regimes do casamento se dá a partir do momento em que a lei autoriza aos nubentes escolher um dentre os diversos regimes que podem ser adotados. São quatro os regime de bens estabelecidos pelo Código Civil: os de comunhão parcial, comunhão universal, separação convencional ou legal e participação final nos aquestos.
2.2.1. Comunhão parcial
A comunhão parcial de bens é aquela que estabelece que os bens adquiridos antes da constância do casamento não serão comuns entres os cônjuges, ou seja, apenas os bens adquiridos após o casamento entrarão em uma possível partilha. Ela está prevista no artigo 1.658, do Código Civil que preceitua: “No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes. ” (BRASIL. CC, 2002).
Este modelo é estabelecido por lei quando os nubentes escolhem um regime diferente daquele estabelecido quando há um pacto antenupcial ou se o regime adotado for nulo ou ineficaz
Deste regime decorrem três tipos de bens: os comuns (pertencentes ao casal), os do marido e os da esposa. E, sendo assim, estes bens são classificados como incomunicáveis ou comunicáveis; é importante ressaltar que os bens incomunicáveis são aqueles que constituem o patrimônio particular de um dos cônjuges e estão previstos nos artigos 1.659 e 1.661 do CC, enquanto os segundos são os introduzidos na comunhão.
Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:
I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;
III - as obrigações anteriores ao casamento;
IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
[...]
Art. 1.661. São incomunicáveis os bens cuja aquisição tiver por título uma causa anterior ao casamento. (BRASIL. CC, 2002).
Insta salientar que os bens incomunicáveis não são apenas os adquiridos antes da celebração do casamento, mas também todo bem adquirido a título gratuito (por doação ou sucessão) e os sub-rogados em seu lugar.
No que tange a responsabilidades pelos débitos provindos na constância do casamento ela é de ambos, e a administração do patrimônio comum compete a qualquer um deles. Dispõe o artigo 1.664 do CC que "os bens da comunhão respondem pelas obrigações contraídas pelo marido ou pela mulher para atender aos encargos da família, às despesas de administração e às decorrentes de imposição legal”. (BRASIL, CC, 2002).
Este regime será considerado extinto, conforme prevê o artigo 1.571 do Código Civil, pela morte de um dos cônjuges; pela nulidade ou anulação do casamento; ou pelo divórcio.
{C}2.2.2. Comunhão universal
Neste regime resta instituído que todos os bens dos nubentes irão se comunicar após a celebração do casamento, independentemente de serem atuais ou futuros, e mesmo que adquiridos em nome de um único cônjuge, assim como as dívidas adquiridas antes do casamento. “Art. 1.667. O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte. ” (BRASIL. CC, 2002).
Somente não se comunicarão os bens expressamente excluídos pela lei ou por convenção das partes no pacto antenupcial, conforme preceitua o artigo 1.668 e seus incisos.
{C}2.2.3. Regime de participação final nos aquestos
Esta modalidade de regime está prevista no artigo 1.672 do Código Civil:
Art. 1.672. No regime de participação final nos aquestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento. (BRASIL. CC, 2002).
Na definição de Carlos Roberto Gonçalves, este regime:
é misto: durante o casamento aplicam-se todas as regras da separação total e, após sua dissolução, as da comunhão parcial. Nasce da convenção, dependendo, pois, de pacto antenupcial. (GONÇALVES, 2007, p.135)
Cada cônjuge ficar responsável pela administração de seus bens e poderá aliená-los livremente, quando móveis. E, em caso de ocorrer a dissolução do casamento, deverá ser apurado o montante dos aquestos e excluir da soma dos patrimônios próprios dos cônjuges: os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se sub-rogaram; os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade; e as dívidas relativas a esses bens.
Se os cônjuges houverem adquiridos bens pelo trabalho conjunto, cada um terá direito a uma quota igual no condomínio ou no crédito e, não sendo de uso pessoal de um cônjuge, as coisas móveis serão presumidas do domínio do cônjuge devedor, em face de terceiros. Já os bens imóveis são de propriedade do cônjuge cujo nome consta no registro.
Quando da dissolução do regime de bens por divórcio, o montante dos aquestos deverá ser verificado à data em que cessou a convivência.
Não sendo possível ou sendo inconveniente a divisão de tais bens, deverá ser calculado o valor de alguns ou de todos para que o cônjuge não-proprietário reponha em dinheiro. A ressalva desta disposição está no parágrafo único do artigo 1.685 do CC, o qual dispõe que "não se podendo realizar a reposição em dinheiro, serão avaliados e, mediante autorização judicial, alienados tantos bens quantos bastarem".
Por fim, determina o artigo 1.686 do CC que "as dívidas de um dos cônjuges, quando superiores à sua meação, não obrigam ao outro, ou a seus herdeiros".
{C}2.2.4. {C}Separação de bens
A separação legal ou obrigatória independe do pacto antenupcial, posto que este regime é determinado por lei. O Código Civil, em seu artigo 1.641, estabelece que este regime é obrigatório no casamento:
Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:
I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;
II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;
III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial. (BRASIL. CC, 2002).
Em relação às causas suspensivas do casamento, as mesmas estão a expressar no artigo 1.523 do Código Civil:
Art. 1.523. Não devem casar:
I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;
II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;
III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal;
IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.(BRASIL. CC, 2002).
E, por fim, em relação as pessoas maiores de 70 anos tal dispositivo gera controvérsias, já que o intuito deste inciso é não permitir que haja algum tipo de golpe contra as pessoas dessa faixa etária, entretanto, a Constituição Federal não permite que haja nenhum tipo de discriminação no país, e sendo assim, exigir que o regime de bens seja o da separação total de bens demonstra que está havendo preconceito contra os idosos.
2.3. Da dissolução da sociedade e do vínculo conjugal
Pode-se dizer que sociedade conjugal, em seus diversos tipos, está ligada à sua possível dissolução. Dessa forma, pode – se que casamento também se relaciona com o divórcio.
Sendo assim, quando se fala em dissolução da sociedade conjugal devem ser respeitados os requisitos para que a mesma tenha validade jurídica.
O divórcio é o meio jurídico pelo qual é dado fim ao casamento e suas diversas maneiras, ele é considerado voluntário. Em se tratando do divórcio, este se dá pelo meio jurídico, sendo judicial ou extrajudicial, consensual ou litigioso.
No Código Civil de 1916, não se falava em divórcio e sim em desquite, que era apenas uma autorização para a separação de corpos. Com tal instituto não havia fim do casamento, e sim a separação de corpos, ainda era necessário que a partilha do patrimônio conquistado em conjunto, era definido como seria a questão da guarda dos filhos gerados com o casamento, no geral, a guarda ficava com as mães, e qualquer deslize era possível que perdessem a mesma, e assim, era definido como seria distribuído os alimentos. Na época, o próprio desquite já poderia ser litigioso ou amigável.
A partir do ano de 1977 é que o divórcio passou ser considerado legal no Brasil, permitindo, de uma vez por todas, a dissolução completa do casamento. Em comparação com as legislações anteriores, o casamento era resolvido de uma forma muito mais jurídica do que familiar.
Atualmente o divórcio é cada vez mais comum, devido ao grande número de vínculos conjugais que surgem a cada ano.
Em se tratando da dissolução da união estável o Código Civil de 2002 foi omisso, dessa forma o entendimento é que a união estável pode ser dissolvida por vontade das partes e por resolução, que decorre de culpa pelo inadimplemento de obrigação legal contratual.
Sobre tal assunto Luiz Augusto Gomes Varjão faz a seguinte análise:
Os conviventes podem extinguir a união estável por escrito, estabelecendo as regras que passarão a vigorar a partir da data da dissolução. Trata-se de resilição bilateral, ou distrato, possível, mesmo que não tenho havido escrito e independente de lei. (VARJÃO,1999. p. 129)
Inclusive, há entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a possibilidade de dissolução da união estável:
Súmula 380 do STF– Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.
Por fim, cumpre dizer que a dissolução poderá ocorrer de maneira consensual ou litigiosa.
Sobre a dissolução consensual:
Como qualquer outra relação amorosa, a união estável pode também ter o seu término final e, de forma pacífica e madura, de marcar-se consensualmente sobre todos os pontos da separação:
Bens, guarda/visita de filhos (convivência familiar), alimentos e até mesmo o sobrenome da companheira. (PEREIRA, 2001. p. 126.)
Já no que diz respeito à dissolução litigiosa, há a presença da figura da ação cautelar de separação de corpos, onde um dos conviventes irá ajuizá-la com o intuito de afastar o outro convivente da morada do casal.
Após essas breves explicações fica demonstrado que há a possibilidade de se extinguir o vínculo criado pela união estável através da sua dissolução.
Por fim, vale esclarecer que a sociedade conjugal e o vínculo matrimonial são inconfundíveis, uma vez que a sociedade conjugal, significa o convívio e os deveres entre os cônjuges, e o vínculo conjugal é o casamento válido propriamente dito, sendo o vínculo conjugal um instituto maior que a sociedade conjugal.
Conclusão
Não há como negar que com a evolução da sociedade a família passou por enormes mudanças, advindas do progresso dos costumes, da tecnologia, das ciências, enfim, são vários os fatores que ajudaram para a evolução da família.
Dessa forma, é importante que se façam estudos acerca da evolução da família e dos reflexos dessas modificações no ordenamento jurídico; já que, a título exemplificativo, a legislação brasileira já aceita a união estável como uma das formas de formar família.
O objetivo principal deste artigo foi elucidar as constantes dúvidas acerca dos assuntos aqui abordados, explicando de forma sucinta as diferentes formas de família, os regimes de bens no casamento, a questão da união estável e a diferença entre o fim do vínculo conjugal e da dissolução da sociedade matrimonial.
Por fim, restou demonstrar que a Constituição Federal consagrou a pluralidade da família, deixando claro que, como base da sociedade, a família deve ser considerada, como uma união de indivíduos, independente de sexo e quantidade, que se juntam com o intuito de constituir família, unidas pelo afeto que possuem uma com a outra. Em razão deste fato merece proteção do Estado. O desenvolvimento constitucional da família destacou a sua natureza de democratização, que, redimensionando o centro da família, admite direitos as distintas espécies de família, protegendo os princípios da liberdade, igualdade, e não discriminação, já que a importância maior da dignidade da pessoa humana.
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