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O Direito do Trabalho e o assédio moral

I – Assédio Moral e o ambiente de trabalho

A globalização, com base em novas técnicas de seleção, inserção e avaliação do indivíduo no trabalho, fez uma reestruturação nas relações do trabalho.

O novo paradigma é o "sujeito produtivo", ou seja, o trabalhador que ultrapassa metas, deixando de lado a sua dor ou a de terceiro. É a valorização do individualismo em detrimento do grupo de trabalho.

A valorização do trabalho em equipe assume um valor secundário, já que a premiação pelo desempenho é só para alguns trabalhadores, ou seja, os que atingem as metas estabelecidas, esquecendo-se que o grupo também é o responsável pelos resultados da empresa.

O individualismo exacerbado reduz as relações afetivas e sociais no local de trabalho, gerando uma série de atritos, não só entre as chefias e os subordinados, como também entre os próprios subordinados.

O implemento de metas, sem critérios de bom-senso ou de razoabilidade, gera uma constante opressão no ambiente de trabalho, com a sua transmissão para os gerentes, líderes, encarregados e os demais trabalhadores que compõem um determinado grupo de trabalho.

As conseqüências dessas tensões (= pressões) repercutem na vida cotidiana do trabalhador, com sérias interferências na sua qualidade de vida, gerando desajustes sociais e transtornos psicológicos. Há relatos de depressão, ansiedade e outras formas de manifestação (ou agravamento) de doenças psíquicas ou orgânicas. Casos de suicídio têm sido relatados, como decorrência dessas situações.

Esse contexto gera o assédio moral [1], ou seja, um conjunto de comportamentos abusivos (gesto, palavra e atitude), os quais, por sua reiteração, ocasionam lesões à integridade física ou psíquica de uma pessoa, com a degradação do ambiente de trabalho.

O assédio moral pode ser vertical e horizontal. O vertical pressupõe uma relação de autoridade, com o predomínio do desmando, da competitividade e da instauração do medo pelo superior em relação ao subordinado. [2]

O horizontal é o que se instaura em pessoas de mesma hierarquia, tendo como característica básica à pressão para produzir com qualidade e baixo custo. É a humilhação presente nas relações cotidianas entre os mais produtivos e os menos produtivos.


II – Assédio Moral e as Relações de Trabalho

De forma específica, a legislação trabalhista nada contempla a respeito do assédio moral nas relações individuais e coletivas trabalhistas.

Contudo, por uma interpretação sistemática, pode-se extrair da ordem jurídico-trabalhista uma série de dispositivos legais, objetivando a adequação da solução legal para o assédio moral.

2.1 – Dispensa Indireta

Dispensa indireta é o término do contrato de trabalho por decisão do empregado tendo em vista justa causa que o atingiu e que foi praticada pelo empregador [3]. Isto significa que o empregado pode considerar o contrato rescindido e solicitar a indenização.

Cabe ao empregado provar em juízo os motivos alegados na demanda trabalhista em que solicita a decretação da rescisão contratual em face da justa causa do empregador (art. 818, CLT; art. 333, I, CPC).

O assédio moral pode ser enquadrado nas seguintes hipóteses legais da dispensa indireta:

a) a exigência de serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato (art. 483, a). O vocábulo "forças" não deve ser analisado de forma restrita, ou seja, para indicar que se trata de força muscular. A expressão engloba as acepções de força muscular, aptidão para a tarefa, capacidade profissional. Serviço defeso em lei envolve as atividades proibidas pela lei penal ou que oferecem risco à vida do trabalhador ou do próximo. Trabalho contrário aos bons costumes é aquele que é ofensivo a moral pública. Serviços alheios ao contrato representam a realização de tarefas exigidas pelo empregador que estão contrárias aos serviços pelos quais o trabalhador foi contratado;

b) o tratamento pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo (art. 483, b). Essa figura legal compreende a presença de repreensões ou medidas punitivas desprovidas de razoabilidade, configurando uma perseguição ou intolerância ao empregado. É comum a implicância na emanação das ordens ou a exigência de tarefas anormais na execução dos serviços. Deve ser respeitado o princípio da proporcionalidade entre a natureza da falta e a penalidade aplicada ao trabalhador. Por exemplo: se o empregado atrasa por alguns minutos, não sendo rotina tais atrasos, e vem a sofrer uma suspensão de dez dias, denota-se o rigor excessivo;

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c) perigo de mal considerável (art. 483, c), o qual ocorre quando o empregado é compelido a executar suas tarefas sem que a empresa faça a adoção das medidas necessárias para que o local de trabalho esteja dentro das normas de higiene e segurança do trabalho.

2.2 – Assédio moral e o Dano Moral

O empregado, vítima de assédio moral, pode e deve procurar a Justiça do Trabalho, pleiteando a indenização relativa ao dano moral. [4]

É inegável que o assédio moral ocasiona danos à imagem, à honra, à liberdade do trabalhador (art. 5º, V e X, CF), logo, a sua reparação é questão de justiça (art. 186, CC).

O empregado poderá cumular os pedidos de rescisão indireta do contrato de trabalho e do dano moral.

Caberá ao empregado provar o dano moral, logo, deverá os meios de prova que justificam o assédio moral. A título exemplificativo, tem-se: a) cópias autenticadas de atestados médicos que registrem problemas físicos ou psicológicos atribuídos às condições de trabalho; b) e-mails e cartas ofensivas do agressor; c) anotações quanto aos dias e datas dos atos do assédio moral; d) a elaboração de boletim de ocorrência contra o agressor.

Não se pode esquecer que o dano moral e a conseqüente indenização implicam na caracterização da responsabilidade subjetiva do empregador ou de preposto (Súmula n. 341, STF), exigindo-se, para tanto, a prova do ato omissivo ou comissivo, o nexo causal, o dano moral e a culpa (dolo ou em sentido restrito - negligência, imprudência ou imperícia).

Como a legislação não fixa o valor do dano moral, a postulação, a nosso ver, há de ser ilíquida, ficando a critério do magistrado, o qual irá fixá-la, de acordo com a gravidade do fato, a capacidade econômica do ofensor, a capacidade de entendimento da vítima. Porém, nada obsta que a própria parte dê um valor pecuniário ao dano moral pelo assédio moral.


Notas

1 Não há legislação criminal que tipifique o assédio moral como crime.

Porém, há o Projeto de Lei Federal n. 4.742/01, da autoria do Deputado Federal Marcos de Jesus, o qual estabelece o art. 146-A no Código Penal, com a seguinte redação: "Desqualificar, reiteradamente, por meio de palavras, gestos ou atitudes, a auto-estima, a segurança ou a imagem do servidor público ou empregado em razão de vínculo hierárquico funcional ou laboral."

A pena fixada é de detenção de três meses a um ano, além da multa.

O relator desse projeto, o Deputado Aldir Cabral, alterou o texto original e após uma série de justificativas, entendeu que a matéria deveria ser tratada no Capítulo Relativo a Periclitação da Vida e da Saúde, logo após o crime de maus-tratos, com o número 136-A, com a seguinte redação: "Depreciar, de qualquer forma e reiteradamente a imagem ou desempenho de servidor público ou empregado, em razão de subordinação hierárquica funcional ou laboral, sem justa causa, ou tratá-lo com rigor excessivo, colocando em risco ou afetando sua saúde física ou psíquica".

O que há de concreto, como diplomas legislativos, são leis municipais dispondo a respeito do assédio moral no âmbito da Administração Pública Direta e Indireta. Por exemplo, a Lei Municipal n. 13.288, de 10 de janeiro de 2002, da cidade de São Paulo, entende por assédio moral: "Para fins do disposto nesta lei considera-se assédio moral todo tipo de ação, gesto ou palavra que atinja, pela repetição, a auto-estima e a segurança de um indivíduo, fazendo-o duvidar de si e de sua competência, implicando em dano ao ambiente de trabalho, à evolução da carreira profissional ou à estabilidade do vínculo empregatício do funcionário, tais como: marcar tarefas com prazos impossíveis; passar alguém de uma área de responsabilidade para funções triviais; tomar crédito de idéias de outros; ignorar ou excluir um funcionário só se dirigindo a ele através de terceiros; sonegar informações de forma insistente; espalhar rumores maliciosos; criticar com persistência; subestimar esforços".

O servidor público responsável pelo assédio moral poderá sofrer as penalidades de suspensão, multa ou demissão.

2 "Assédio moral – Configuração. O que é assédio moral no trabalho? É a exposição dos trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias, onde predominam condutas negativas, relações desumanas e anti-éticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigidas a um subordinado, desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização. A organização e condições de trabalho, assim como as relações entre os trabalhadores, condicionam em grande parte a qualidade de vida. O que acontece dentro das empresas é fundamental para a democracia e os direitos humanos. Portanto, lutar contra o assédio moral no trabalho é contribuir com o exercício concreto e pessoal de todas as liberdades fundamentais. Uma forte estratégia do agressor na prática do assédio moral é escolher a vítima e isolá-la do grupo. Neste caso concreto, foi exatamente o que ocorreu com o autor, sendo confinado em uma sala, sem ser-lhe atribuída qualquer tarefa, por longo período, existindo grande repercussão em sua saúde, tendo em vista os danos psíquicos por que passou. Os elementos contidos nos autos conduzem, inexoravelmente, à conclusão de que se encontra caracterizado o fenômeno denominado assédio moral. Apelo desprovido, neste particular. Valor da indenização. Critério para a sua fixação. A fixação analógica, como parâmetro para a quantificação da compensação pelo dano moral, do critério original de indenização pela despedida imotivada, contido no artigo 478 consolidado, é o mais aconselhável e adotado pelos Pretórios Trabalhistas. Ressalte-se que a analogia está expressamente prevista no texto consolidado como forma de integração do ordenamento jurídico, conforme se infere da redação do seu artigo 8º. Ademais, no silêncio de uma regra específica para a fixação do valor da indenização, nada mais salutar do que utilizar um critério previsto na própria legislação laboral. Assim, tendo em vista a gravidade dos fatos relatados nestes autos, mantém-se a respeitável sentença, também neste aspecto, fixando-se que a indenização será de um salário – o maior recebido pelo obreiro –, por ano trabalhado, em dobro. (TRT – 17ª R – RO nº 1142.2001.006.17.00-9 – Rel Juiz José Carlos Rizk).

3 As situações legais da justa causa do empregador estão previstas no art. 483 da CLT. Nas hipóteses de não cumprimento das obrigações contratuais pelo empregador (art. 483, d, CLT) e redução do trabalho (art. 483, g), é facultado ao empregado, quando pleitear a rescisão indireta do contratual e o pagamento das verbas devidas, permanecer no serviço até o final do processo (art. 483, § 3º). Ao limitar as hipóteses nas quais o empregado possa ficar trabalhando, mesmo após o ajuizamento da ação, para alguns significa prejuízo ao trabalhador. O correto, em nosso entendimento, é a interpretação sistemática. A opção deve ser válida para todas as hipóteses legais previstas no art. 483 da CLT. As hipóteses previstas nas alíneas d e g refletem situações de menor gravidade, logo, mais fáceis de serem aceitas e suportadas pelo empregado, portanto a autorização é expressa. Nas demais, a opção é implícita, pois seria um absurdo exigir o afastamento quando o salário é elemento vital para a subsistência do empregado, bem como, inclusive, arcando com os riscos de eventual improcedência da alegação em juízo. Comprovados os motivos da dispensa indireta, o empregado fará jus ao recebimento do saldo de salário; aviso prévio; décimo terceiro salário; férias vencidas e proporcionais, acrescidas de um terço, liberação do fundo de garantia, multa de 40% e entrega da guias do seguro desemprego. Se a ação for julgada improcedente, o empregado não terá direito às verbas rescisórias, recebendo somente o saldo de salário e as férias vencidas. No caso do empregado continuar trabalhando após a propositura da ação, a decisão judicial que reconhecer a dispensa indireta, poderá considerar o contrato rescindido na data do trânsito em julgado ou no momento do ajuizamento da demanda.

4 "Assédio moral – Contrato de inação – Indenização por dano moral. A tortura psicológica, destinada a golpear a auto-estima do empregado, visando forçar sua demissão ou apressar a sua dispensa através de métodos que resultem em sobrecarregar o empregado de tarefas inúteis, sonegar-lhe informações e fingir que não o vê, resultam em assédio moral, cujo efeito é o direito à indenização por dano moral, porque ultrapassada o âmbito profissional, eis que minam a saúde física e mental da vítima e corrói a sua auto-estima. No caso dos autos, o assédio foi além, porque a empresa transformou o contrato de atividade em contrato de inação, quebrando o caráter sinalagmático do contrato de trabalho, e por conseqüência, descumprindo a sua principal que é a de fornecer o trabalho, fonte de dignidade do empregado. Recurso improvido" (TRT – 17ª R – RO nº 1315.2000.00.17.00-1 – Relª. Sônia das Dores Dionísa).

"I – Dinâmica grupal – Desvirtuamento – Violação ao patrimônio moral do empregado – Assédio moral – Indenização. A dinâmica grupal na área de Recursos Humanos objetiva testar a capacidade do indivíduo, compreensão das normas do empregador e gerar a sua socialização. Entretanto, sua aplicação inconseqüente produz efeitos danosos ao equilíbrio emocional do empregado. Ao manipular tanto a emoção, como o íntimo do indivíduo, a dinâmica pode levá-lo a se sentir humilhado e menos capaz que os demais. Impor pagamentos de prendas publicamente, tais como, ‘dançar a dança da boquinha da garrafa’, àquele que não cumpre sua tarefa a tempo e modo, configura assédio moral, pois, o objetivo passa a ser o de inferiorizá-lo e torná-lo ‘diferente’ do grupo. Por isso, golpeia a sua auto-estima e fere o seu decoro e prestígio profissional. A relação de emprego cuja matriz filosófica está assentada no respeito e confiança mútua das partes contratantes, impõe ao empregador o dever de zelar pela dignidade do trabalhador. A CLT, maior fonte estatal dos direitos e deveres do empregado e empregador, impõe a obrigação de o empregador abster-se de praticar lesão à honra e boa fama do seu empregado (art. 483). Se o empregador age contrário à norma, deve responder pelo ato antijurídico que praticou, nos termos do art. 5º, X, da CF/88. (Recurso provido). II – Empresa de telefonia – Atendente – Intervalo intrajornada – Equiparação a digitador. O serviço prestado pelo operador telefônico, se equipara àquele desenhado no art. 72 da CLT, pois, é fato público e notório, que o atendente de companhia telefônica, desenvolve simultaneamente tanto o atendimento telefônico, quanto o serviço de digitação. Portanto, se o atendimento telefônico é seguido dos serviços de digitação, ou seja, um complementando o outro, as atividades realizadas se equiparam aos serviços previstos no art. 72 da CLT" (TRT – 17ª R – RO n. 1294.2002.007.17.00.9 – Relª. Juíza Sônia das Dores Dionísio).

"Dano moral – Empregado submetido a constrangimentos e agressão física, em decorrência de sua orientação sexual, praticados por empregados outros no ambiente de trabalho e com a ciência da gerência da empresa demandada – Imputabilidade de culpa ao empregador. Se a prova colhida nos autos revela, inequivocamente, que o autor sofrera no ambiente de trabalho discriminação, agressões verbais e mesmo físicas por sua orientação homossexual, mesmo que não pudesse o empregador impedir que parte de seus empregados desaprovassem o comportamento do reclamante e evitassem contato para com ele, não poderia permitir a materialização de comportamento discriminatório grave para com o autor, e menos ainda omitir-se diante de agressão física sofrida pelo reclamante no ambiente de trabalho; mormente se esta agressão fora presenciada por agentes de segurança do reclamado, os quais não esboçaram qualquer tentativa de coibi-la. Se o reclamante, como empregado do demandado, estando no estabelecimento do réu, sofre, por parte de seus colegas de trabalho, deboches e até chega a sofrer agressão física, e se delas tem pleno conhecimento a gerência constituída pelo empregador, este último responderá, por omissão, pelos danos morais causados ao reclamante (CCB então vigente, art. 159 c/c art. 5º, X, da CF). Sendo o empregador pessoa jurídica (e não física), por óbvio os atos de violação a direitos alheios imputáveis a ele serão necessariamente praticados, em sentido físico, pelos obreiros e dirigentes que integram seus quadros. Recurso ordinário do reclamado conhecido e desprovido" (TRT – 10ª R – 3ª T – RO n. 919/2002.005.10.00-0 – Rel. Paulo Henrique Blair – DJDF 23.5.2003 – p. 51).

Sobre os autores
Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante

advogado, professor de Direito da Faculdade Mackenzie, ex-procurador chefe do Município de Mauá, mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestrando em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP)

Francisco Ferreira Jorge Neto

Juiz do Trabalho em São Paulo, mestre em Direito das Relações Sociais – Direito do Trabalho pela PUC/SP, professor convidado da pós-graduação lato sensu da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Escreveu vários livros sobre Direito do Trabalho. Foi professor concursado do Instituto Municipal de Ensino Superior de São Caetano do Sul (IMES).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALCANTE, Jouberto Quadros Pessoa; JORGE NETO, Francisco Ferreira. O Direito do Trabalho e o assédio moral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 638, 7 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6457. Acesso em: 21 nov. 2024.

Mais informações

Texto também publicado em: RDT – Revista do Direito do Trabalho, n. 6, junho/2004; Jornal Trabalhista Consulex n. 1027, julho/2004; Revista Justilex n. 30, junho/2004.

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