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O perigo de fazer justiça com as próprias mãos: aplicabilidade da justiça sob o olhar do direito processual penal brasileiro.

Agenda 05/03/2018 às 16:00

Crime é todo fato típico,antijurídico,praticado seja com dolo(intenção),culpa(negligência,imprudência ou imperícia) ou ainda preterdolo(dolo na conduta inicial e culpa na final),que ocasiona prejuízos morais,fatais,materiais,uns reversíveis e outros não.Podem os delitos ser considerados de maior potencial ofensivo como ocorre no homicídio,no estupro;podem ser de menor potencial ofensivo como por exemplo o crime de ameça e as contravenções penais,previstas no Decreto-lei 3688/41 como perturbar sossegou ou trabalho alheios.Toda infração penal destrói e gera consequências de natureza física e psicológica,incitando a luta pelo direito e a busca incessante pela justiça,inegavelmente.

O conceito de fazer justiça pode ser analisado sob dois aspectos: sendo o primeiro pertinente a aplicabilidade do Direito Penal aliado ao Direito Processual Penal e o segundo correspondente às opiniões e ações mencionadas e praticadas pela população.

Não obstante,é importante que se esclareça que a legislação não tem como objetivo  não punir aquele que pratica ato ilícito,mas agir em conformidade com o Direito Positivo,que indica quais os caminhos a serem seguidos quando há a incidência de delitos,sejam de menor ou maior complexidade.Para se apurar quem é ou pode ser o autor de um ou mais delitos,temos o chamado inquérito policial que é um procedimento sigiloso,inquisitório e administrativo  e presidido pelo delegado de polícia;já em outras situações é verificável crimes de ação penal pública condicionada e  de ação penal privada.Para melhor compreensão,exemplifica-se o delito de difamação,que fere a honra do indivíduo,cabendo ao mesmo invocar  tutela estatal,sendo o referido artigo 139 do Código Penal,crime de ação penal privada,porque a honra é bem jurídico disponível.Se alguém imputa fato ofensivo à reputação de outrem,somente esse último,nessa situação e caso queira,deve procurar seus direitos,o Estado não fará “justiça”se não for provocado pela vítima.

Já o homicídio no artigo 121 do Código Penal ocasiona lesão a vida e é de ação penal pública incondicionada, a autoridade policial tendo conhecimento desse crime deve instaurar o inquérito policial e concluí-lo, encaminhá-lo ao Ministério Público que tem a competência para oferecimento da denúncia e encaminhá-la ao juiz, cabendo aceitá-la ou não.Se aceitar estará proposta a ação penal.

A legislação possui vários princípios a serem aplicados no tocante ao exercício do direito, assegurando  em um deles,aos acusados, a aplicabilidade do contraditório e ampla defesa, significa que se alguém for acusado de ser sujeito ativo(autor) de um crime, terá esse indivíduo o direito de defender-se diante do Poder Judiciário e que enquanto não houver uma sentença penal com trânsito em julgado todos serão considerados inocentes (Princípio da Presunção da Inocência) e que na dúvida é melhor absolver um culpado que condenar um inocente.

Existem muitos procedimentos a serem adotados até a apuração da chamada “verdade real dos fatos” e para que isso ocorra muito sigilo,discricionariedade,preparo, concentração e imparcialidade devem figurar no cenário criminoso da história a ser desvendada e pessoas devem estar e ser preparadas para tanto,não podendo punir por simples suspeitas ou aparências,que é o que ocorre infelizmente quando a  população opta por fazer ‘justiça com as próprias mãos”machucando  e até matando pessoas inocentes.Não se tira de uma sociedade o direito de gritar por justiça,mas não pode a ela ser concedido o direito à barbárie,ao antigo Código de Talião onde vigorava o princípio do “olho por olho e dente por dente”.Deve sim as vítimas e/ou seus familiares lutarem por seus direitos,buscarem e cobrarem a justiça em toda sua plenitude,mas fazendo uso dos meios legais para que outras injustiças nãos sejam cometidas também,principalmente as irreversíveis.O Código Penal em seu artigo 345 tipifica essa conduta como sendo :Exercício arbitrário das próprias razões, denominada popularmente como acima já mencionado.

É sabido por pesquisas e reportagens televisivas o descontentamento da população frente a tamanha criminalidade, mas “atirar pedras” em alguém também é muito perigoso, ao partirmos do contexto de que a violência só tem o poder de gerar mais raiva, briga e descontrole emocional acarretando vítimas em sua maioria das vezes, inocentes, tal qual já ocorreu quando pessoas foram acusadas de estupro e depois ficou comprovado que as suspeitas eram infundadas.

Ser acusado ou suspeito de um crime não significa ser culpado, para tal certeza ser absoluta há a necessidade de todo um caminho a ser averiguado, haja vista achar literalmente que os “traços” de uma pessoa são parecidos com os de outrem, não significa que os mesmos sejam idênticos, apenas semelhantes.

O nosso direito processual penal é acusatório, mas respeita a Constituição e os princípios que lhe são inerentes.Acusar é uma das ações praticadas pelo processo penal, que por sua vez entende que o acusado tem o  seu direito de defesa, tanto a técnica como também a autodefesa, por pior que seja o fato praticado, de ser julgado por alguém que seja habilitado para isso (Princípio do juiz natural), de recorrer a um outro grau de jurisdição se for o caso (Princípio do duplo grau de jurisdição),logo há o ato de acusar ,mas também o de escutar,analisar para depois julgar e se for o caso,condenar ou absolver.

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O que a sociedade pode fazer consiste no ato de compreender que ser acusado não é ser culpado, que existem regras escritas e sair por aí fazendo as próprias leis acreditando estar fazendo justiça não é procedimento certo.

Por um outro aspecto há pessoas que compreendem que a justiça é feita quando o réu é “direcionado para a cadeia”, devendo ali permanecer, apanhar e sofrer até que venha a óbito, pois essa seria a melhor interpretação em relação ao criminoso pagar pelo que fez.

Inegável, porém é o fato de que o controle emocional influi e muito nas decisões do dia a dia, no cometimento de crimes passionais e no extravasamento da fúria quando alguém da família foi vítima de um delinquente.

O Direito, no entanto, é uma ciência racional, mas rodeada por emoções afloradas: sentimentos de justiça, ira, raiva, indignação que escapam ao controle de quem sente e já sentiu na pele o crescimento impressionante da violência e em certos casos a racionalidade confronta com sentimentos que ultrapassam os limites inclusive da sabedoria.

Alguns diriam que   a teoria nem sempre caminha com a prática, outros poderiam insistir apenas na justiça dos homens e certo número de pessoas lutariam pelo direito sob a alegação da falta de justiça! São pensamentos, conceitos e entendimentos que se mesclam a todos os dias em muitos lares desconsolados,sendo aceitados,criticados,compreendidos e não passíveis de julgamento diante do sofrimento.

Sobre a autora
Kelly Moura Oliveira Lisita

Advogada.Membro da Comissão de Direito das Famílias da OAB GO.Docente Universitára nas áreas de Direito Penal e Direito Civil.Tutora em EAD.Articulista.

Informações sobre o texto

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