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Casos na Corte: Povo Indígena Xucuru e seus membros

Agenda 09/03/2018 às 18:58

O presente artigo tem como objetivo detalhar a ocorrência do primeiro caso brasileiro que fora submetido à jurisdição da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH): "Povo Indígena Xucuru e seus Membros."

RESUMO

O escopo deste artigo é elaborar um estudo de caso, aprofundando sobre a ocorrência de um determinado fato submetido à jurisdição da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Caso este enumerado de 12.728, intitulado de Povo Indígena Xucuru e seus membros, na cidade de Pesqueira, estado de Pernambuco, a respeito da República Federativa do Brasil. Nele verifica-se a violação de diversos direitos deste povo Indígena denominados Xucuru, como o desrespeito ao direito à integridade pessoal, ao direito a propriedade coletiva, violação do direito às garantias judiciais, a proteção judicial, entre outros. O Brasil coeriu à Convenção Interamericana de Direitos Humanos na data do dia 25 de setembro de 1992 e aceitou a competência contenciosa da Corte em 10 de dezembro de 1998. No caso estudado, houve uma absurda demora de mais de dezesseis anos , com início no ano de 1989 até meados do ano de 2005, para ocorrer um reconhecimento, titulação, demarcação e delimitação de suas terras e territórios ancestrais. Todavia, o Estado alega que o processo de administrativo de demarcação, criado em 1989, já fora totalmente concluído. No entanto, o Estado brasileiro posterior a esta afirmação, admite que ainda não desobstruiu o território indígena com a retirada dos povos não indígenas. Contudo, o Estado afirma que todo o processo de demarcação fora realizado em um tempo adequado as condições da situação em que se encontrava os povos não indígenas, pois deve-se levar em consideração a complexidade da questão, a necessidade de garantir o devido processo legal e o direito que possuem de uma devida indenização. Resultou em um exame da posição de ambas as partes, onde ficara comprovado, de acordo com a CIDH que o Brasil é o causador das violações citadas inicialmente.

Palavras chaves: Direitos Humanos; Violação; Povo Indígena; Estado Brasileiro.

INTRODUÇÃO


 

O caso do Povo Indígena Xucuru e de seus Membros, ganhou grande destaque por ter sido o primeiro caso o qual fez o Brasil ser julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. É também a primeira vez que um povo indígena consegue processar o Brasil por desrespeito a eles. Houve a denúncia deste caso no ano de 2002 e somente no mês de Julho de 2015 saiu o relatório, o qual constava que o Brasil seria de fato, responsável por violações aos direitos e garantias do povo Xucuru e que até hoje não cumpriu com as os deveres e recomendações que foram impostos a eles. Sendo assim, a CDHI resolveu expor o caso a Corte Interamericana.


 

O Povo Xucuru durante um longo período de tempo, passou por espoliações e mortes, no Agreste de Pernambuco, em Pesqueira, mas precisamente na Serra de Ororubá. Com a nomeação do Cacique Xikão, por volta de 1980, começou uma grande mudança, pois houve uma melhor articulação desse povo, que após uma longa luta conjunta, conseguiram adquirir a homologação dos 27.555 hectares de terra em que vivem atualmente. Nestas terras diariamente há uma busca constante pela preservação da cultura e identidade desse povo, que ainda almejam a conclusão da detrusão total da área e a posse do território que é deles por direito em sua totalidade, pois ainda sofrem com a presença de posseiros indevidos.


 

JUSTIFICATIVA


 

O presente estudo se justifica pelo fato do grande impacto que a demora do processo administrativo a ser solucionado pelo país Brasil em demarcar as terras para os indígenas da tribo Xucuru, têm sobre a vida desses povos. Impede com que tenham paz, e vivam com liberdade. Diante do medo de sofrerem exploração ambiental em suas terras ancestrais, patrimônio único que tem. A FUNAI representante ativa dos povos indígenas teve tarefa árdua para agir para que esse caso chegasse a julgamento internacional, de competência da Corte Interamericana dos Direitos Humanos.


 

A propriedade é garantia fundamental dos cidadãos, esses povos indígenas são cidadãos e gozam de pleno direito de poderem reivindicar suas terras ancestrais. Esse povo merece ter seu direito satisfeito de forma célere, e não de ficarem sujeitos à negligência do Estado a que se submetem. Diante da importância

desses povos, no nosso país, para nossa cultura, e da grande repercussão desse caso, levado pela primeira vez ao julgamento dessa Corte Interamericana, torna-se necessário um aprofundamento sobre os principais pontos que fundamentam o reconhecimento do Brasil como violador dos direitos Humanos, por causa da demora, descaso que durante uma década teve com esse povo indígena da tribo Xucuru.

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DESENVOLVIMENTO


 

Foi diante das barbáries ocorridas no período da Segunda Guerra Mundial, que nações se uniram e proclamaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. Embora tenha definido e dado amplitude aos direitos, não elencou a punição aos violadores desses direitos. Apesar dessa lacuna, a Declaração Universal dos Direitos Humanos torna-se um marco no desenvolvimento do movimento de proteção internacional de direitos humanos, e consequentemente, de compromissos assumidos pelos países que assinaram e ratificaram tratados sobre a garantia da proteção dos direitos humanos a Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica consolidou um regime de liberdade pessoal e de Justiça Social , com o resguardo da proteção dos direitos Reconhecendo-se que os direitos essenciais da pessoa humana não derivam do fato de ser ela nacional de determinado Estado, mas sim do fato de ter como fundamento os atributos da pessoa humana, razão por que justificam uma proteção internacional. Essa Convenção determinou as medidas a serem tomadas em caso de descumprimento pelos Estados-partes quanto ao respeito dos direitos humanos essenciais, um dos instrumentos criados para certas providências foi a Corte Interamericana de proteção dos direitos humanos.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos tem a função de julgar os casos de violação dos direitos humanos ocorridos em países participantes da Organização dos Estados Americanos (OEA) e que reconheçam sua competência. É um órgão judicial autônomo, que analisa os casos de suspeita de que os Estados-membros tenham violado um direito ou liberdade protegido pela Convenção.


 

A corte Interamericana de Direitos Humanos foi ratificada pelo Brasil em 1992, mas somente em 1988 teve reconhecida sua jurisdição perante o país.

A Corte possui um caráter complementar ao dos tribunais internos, valendo como salvaguarda para os casos em que esses tribunais não adotarem as medidas devidas contra as violações de direitos humanos.

Aproximadamente seis mil pessoas há mais de um século, pelo menos desde a Guerra do Paraguai (1864-1870), vêm lutando pelo reconhecimento de suas terras ancestrais. Apesar disso, o processo administrativo de demarcação do território indígena Xucuru só teve início no final da década de 1980, mediante as pressões do povo liderado pelo chefe, Cacique Xicão. Em oito de janeiro de 1996 o Poder Executivo promulgou um novo decreto (Decreto No. 1.775 de 1996) que introduziu mudanças significativas no procedimento de demarcação de terras indígenas

Sobre o caso 12.728, Povo Indígena Xucuru e seus membros, a respeito da República Federativa do Brasil foram dirigidos a Comissão interamericana de direitos humanos para ser submetido ao julgamento pela Corte Interamericana de direitos humanos.

O caso está relacionado com a violação do direito à propriedade coletiva do povo indígena Xucuru pelos seguintes motivos i) da demora de mais de dezesseis anos, entre 1989 e 2005, no processo administrativo de reconhecimento, titulação, demarcação e delimitação de suas terras e territórios ancestrais e ii) da demora na regularização total dessas terras e territórios, de maneira que o mencionado povo indígena possa exercer pacificamente tal direito. E, por fim o caso relacionava-se com a violação dos direitos às garantias judiciais e proteção judicial, decorrente do descumprimento da garantia de prazo razoável no mencionado processo administrativo, assim como da demora em resolver ações civis iniciadas por pessoas não indígenas em relação a parte das terras e territórios ancestrais do povo indígena Xucuru.

O Estado do Brasil violou o direito à propriedade consagrado no artigo XXIII da Declaração Americana e no artigo 21 da Convenção Americana, assim como o direito à integridade pessoal consagrado no artigo 5 da Convenção Americana, com relação aos artigos 1.1 e 2 da mesma, em prejuízo do povo indígena Xucuru e seus membros.

A Negligência do Brasil quanto à proteção dos povos indígenas, quilombolas e das comunidades tradicionais

O órgão responsável pela promoção e proteção dos direitos dos povos indígenas de todo o território nacional é a Fundação Nacional do Índio - FUNAI, órgão que sofre com a falta de orçamento e pessoal. Possui atualmente 2.142 funcionários e, conforme o Instituto de Estudos Socioeconômicos, o total de cargos autorizados pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão é de 5.965.

Entre 2012 e 2014 foram registrados pelo menos 251 assassinatos de indígenas em todo o país, sendo mais de 40% dos casos no Mato Grosso do Sul. Em 2016, foram pelo menos três ataques armados às comunidades de Kurusu Ambá, Taquara e Caarapó.

Dentre as preocupações mais latentes, já apontadas pelo anterior Relator Especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas27 e reiteradas no âmbito do mecanismo de Exame Periódico Universal da ONU em 200828 e 201229 e pela atual Relatora da ONU em 2016, estão a paralização dos processos de demarcação de terras indígenas e a ameaça de mudanças das previsões constitucionais para fragilizar e até reverter demarcações.

A Corte Interamericana (2017) observou o seguinte sobre o direito de propriedade dos povos indígenas:

Utilizando os critérios indicados, este Tribunal considerou que a estreita vinculação dos integrantes dos povos indígenas com suas terras tradicionais e os recursos naturais ligados à sua cultura que aí se encontrem, assim como os elementos incorpóreos que se desprendam deles devem ser protegidos pelo artigo 21 da Convenção Americana. A cultura dos membros das comunidades indígenas corresponde a uma forma de vida particular de ser, ver e agir no mundo, constituída a partir de sua estreita relação com suas terras tradicionais e recursos naturais, não somente por serem estes seu principal meio de subsistência, mas também porque constituem um elemento integrante de sua cosmovisão, religiosidade e, deste modo, de sua identidade cultural

Tanto a CIDH como a Corte Interamericana já estabeleceram que, em virtude do artigo 21 da Convenção Americana, os povos indígenas são titulares de direitos de propriedade e domínio sobre as terras e recursos que hajam ocupado historicamente e, portanto, têm direito de ser reconhecido juridicamente como os donos de seus territórios, obterem um título jurídico formal de propriedade de suas terras, e que esses títulos sejam devidamente registrados.

Além disso, a CIDH observa que o Brasil ratificou a Convenção No. 169 sobre Povos Indígenas e Tribais nos Países Independentes da OIT (“Convenção Nº169”) em 25 de julho de 2002. Com a ratificação da Convenção No. 169, o Estado obrigou-se a adotar medidas especiais para garantir aos povos indígenas o gozo efetivo dos direitos humanos e liberdades fundamentais sem restrições, respeitando sua identidade social e cultural, seus costumes, tradições e instituições. Em virtude dos artigos 21 e 29 da Convenção Americana, a CIDH também leva em consideração a Convenção Nº 169 em sua análise do presente caso. Em relação com o direito de propriedade, o artigo 14.1 da Convenção Nº 169 estabelece que:

Deverão ser reconhecidos aos povos interessados o direito de propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Além disso, nos casos apropriados, devem ser tomadas medidas para salvaguardar o direito dos povos interessados de utilizar terras que não estão ocupadas exclusivamente por eles, mas às quais eles tradicionalmente tiveram o acesso para suas atividades tradicionais e de subsistência

A Corte concluiu que o Brasil violou direitos de propriedade inerentes aos povos indígenas da tribo Xucuru, e, portanto recomendou que os Brasil através da demarcação desses territórios ancestrais garantam aos membros do povo que possam continuar vivendo de maneira pacífica seu modo de vida tradicional, conforme sua identidade cultural, estrutura social, sistema econômico, costumes, crenças e tradições particulares.

CONCLUSÃO

O caso apresentando na presente pesquisa teve grande repercussão, no qual foi marcada pelo fato de ter sido a primeira vez que o Brasil foi julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, foi um caso inédito, pois nunca um povo indígena tinha conseguido ter seus direitos discutidos em âmbito internacional em comparação a outros casos peticionados. O povo Xukuru sofre com mais de três séculos de espoliação e morte, na Serra do Ororubá, em Pesqueira, agreste de Pernambuco, por não terem garantidos sua propriedade ancestral, estas também habitadas por não indígenas.

Essa demora na conclusão de demarcação dessas terras viola o princípio da dignidade humana, já que para garantir uma vida digna mínima a estes índios, é preciso que eles tenham garantidos sua propriedade e assim viverem bem, sem medo de serem massacrados pela exploração ambiental feita onde habitam.

A Comissão interamericana ao analisar o mérito da petição feira sobre esse caso, em seu juízo de admissibilidade, durante um longo período de tempo, concluiu que o Brasil violou o direito à propriedade consagrado no artigo XXIII da Declaração Americana, e no artigo 21 da Convenção Americana, assim como o direito à integridade pessoal consagrado no artigo 5 da Convenção Americana, em relação com os artigos 1.1 e 2 da mesma, em detrimento do povo indígena Xucuru e seus membros.

O caso deste povo em Pernambuco tem pelo menos dois traços comuns a quase todos os povos indígenas brasileiros: a) a insegurança fundiária suscita invasões e ataques armados, com assassinatos das lideranças; b) o Judiciário brasileiro provoca insegurança fundiária, com as funestas consequências pagas em sangue pelos povos indígenas.

Portanto conclui-se que o povo indígena da tribo Xucuru tem por direito a garantia de que futuramente não ocorram fatos similares ao ocorrido contra eles, durante tanto tempo, e que possam reivindicar suas terras demarcadas e delimitadas pelo Estado.

REFERÊNCIAS

BARCELOS, Iuri; BARROS, Ciro. A Funai pede socorro. Carta Capital, 23 jun. 2016. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-funai-pede-socorro.

Acesso em: 10 de dez. 2017.

BASCH, Fernando; FILIPPINI, Leonardo; LAYA, Ana; NINO, Mariano; ROSSI, Felicitas; SCHREIBER, Bárbara. A eicácia do Sistema Interamericano de Proteção de Direitos Humanos: uma abordagem quantitativa sobre seu funcionamento e sobre o cumprimento de suas decisões. Sur, São Paulo, v. 1, n. 12, 2010. Disponível em: . Acesso em: 10 de dez. 2017

Brasil, PL 1606/2015: Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, para dispor sobre as zonas mistas de ocupação rural. 19 de mai. 2015. apensado ao PL 1218/2007: Disciplina a demarcação das terras indígenas, nos termos estabelecidos pelo art. 231 da Constituição Federal. 31 de mai. 2015. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=353847&ord=1. Acesso em 10 de dez. 2017.

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Mershed, Elizabeth Abi. Caso Nº 12.728: Povo Indígena Xucuru e seus membros

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