Os benefícios fiscais de ICMS, independentemente da denominação que a eles seja atribuída, sempre foram instrumento de fomento para a malfadada “guerra fiscal”. Durante diversos anos tiveram sua sorte regulada pela LC 24/75 que jamais conseguiu seu intento em mitigar o fenômeno iconoclasta da disputa fiscal entre os Estados.
Com o advento da Constituição Federal de 88, a matéria passou a ser prevista pelo artigo 155, parágrafo 2º, XII, g, que determinou caber à Lei Complementar regular a forma como, mediante os Estados e o Distrito Federal, isenções, incentivos fiscais e benefícios fiscais seriam concedidos e revogados.
Surgiu então a dúvida a respeito da recepção da Lei Complementar 24/75, se seria ela a norma apta a preencher as exigências do artigo 155, parágrafo 2º, XII, g. Nessa senda, dois grandes doutrinadores se dividiam. De um lado, o mestre Paulo de Barros Carvalho defendia a tese da recepção da Lei e, de outro, Ives Gandra da Silva Martins considerava a regra analisada como plenamente recepcionada, sendo esse o posicionamento ao qual a jurisprudência do STF aderia.
A maior problemática envolvendo a LC 24/75 era a exigência, em seu artigo 2º, parágrafo 2º, da unanimidade de todos os Estados e do Distrito Federal para que um determinado benefício fiscal fosse concedido. Obrigatoriedade essa que se aproximava bastante de uma absoluta impossibilidade lógica, pois os interesses dos Estados das cinco Regiões do país sempre se mostraram conflitantes, razão pela qual nunca se vislumbrou a possibilidade de um fim à “guerra fiscal”, fato esse que leva ao raciocínio de que o Federalismo Brasileiro é de ocasião, mais especificamente no que se refere às operações interestaduais de ICMS.
O polo frágil no cenário da “guerra fiscal” entre os Estados e o Distrito Federal eram os sujeitos passivos: contribuintes e responsáveis tributários, para quem as consequências eram as mais dramáticas possíveis, resultando desde a glosa dos benefícios concedidos por outros Estados até o estorno de benefícios outrora concedidos pelas mais diversas razões, sem mencionar a tendência que o STF apresentava de rejeição a essas benesses em razão do até então lógico desrespeito ao artigo 155, parágrafo 2º, XII, g. Nascida estava pois a maior das quimeras no que se refere ao ICMS, carregando um nó górdio jurídico de homéricas proporções.
Certo é que, inobstante a desobediência aos parâmetros traçados pela LC 24/75 e a tendência da jurisprudência do STF em considerar os benefícios fiscais contrários à Constituição e à referida Lei Complementar como inválidos, esses institutos produziam efeitos e acarretavam consequências para o ordenamento jurídico, especialmente porque esses benefícios fiscais mudavam o curso natural do processo de aplicação das normas regulamentadoras e instituidoras do ICMS, normas essas classificadas como gerais e abstratas, através de um desvio de curso diante da existência de normas instituidoras dos benefícios fiscais, que diante de suas especificidades e das características desoneradoras, passam a possuir natureza jurídica de normas individuais e abstratas.
Ora, significa que, mesmo sem atenderem aos requisitos mínimos para a existência no ordenamento jurídico, os benefícios fiscais de ICMS provocavam consequências jurídicas devastadoras, como se houvessem os beneficiados pelas benesses ingressado em um universo paralelo jurídico. Malgrado a absoluta ausência de respeito a esta determinação especificamente para que os ditos benefícios pudessem existir validamente no ordenamento jurídico, sempre houve todas as sortes de benefícios fiscais concedidos aos sujeitos passivos de ICMS sem que existisse qualquer convênio e se apresentando com as mais diferentes denominações.
Nesse cenário esxurge a LC 160/17, que seguida do tão esperado Convênio ICMS 190, tinham intento de pacificar, na medida do possível e da lógica jurídica, a disputa fiscal entre os Estados e o Distrito Federal, trazendo consigo diversas obrigações e requisitos de validade para a existência dos regimes especiais de ICMS ou de benefícios fiscais como denomina o referido convênio.
A questão da denominação é algo que, dos impasses apresentados no que se refere aos benefícios fiscais do ICMS, parecia ser a menos conflituosa, já que o nome dado ao instituto que desonera os contribuintes do ICMS não interfere, de forma alguma, em sua natureza jurídica. A polissemia ligada aos regimes especiais ou benefícios de ICMS foi reconhecida pelo Convênio ICMS 190/17 na cláusula primeira, parágrafo 1º, que determina que a expressão “benefícios fiscais” considera-se relativa a “isenções, incentivos e benefícios fiscais ou financeiro-fiscais. Mais adiante, no parágrafo 4º da mesma cláusula, mencionam-se diversas expressões utilizadas para nomear os benefícios de ICMS, deixando uma abertura para considerar benefícios fiscais, sob qualquer forma, condição ou denominação da qual resulte direta ou indiretamente a desoneração total ou parcial do imposto devido, mesmo que o cumprimento da obrigação se vincule à realização de operação ou prestação posterior ou, ainda, qualquer outro evento futuro.
Assim, para que se possa elencar os requisitos essenciais para a existência e validade dos benefícios fiscais de ICMS, deve ser feita uma leitura em conjunto do artigo 155, parágrafo 2º, inciso XII, G, da CF, da LC 160/17, da LC 24/75 na parte que não foi revogada por esta última, bem como do convênio ICMS 190/17, exigido pelas duas Leis Complementares que regulam a matéria.
Existentes e válidos os veículos introdutores no parágrafo anterior referidos, passa a ser possível a enumeração de requisitos que os benefícios fiscais de ICMS devem preencher para que sejam considerados válidos pelo Ordenamento Jurídico.
Claro está que o primeiro requisito, que seria a criação de um convênio, foi cumprido quando da celebração do Convênio ICMS 190/17, tendo sido atendidos as outras exigências expostas no artigo 2º da LC 160/17, quais sejam ratificação de 2/3 das unidades federadas e 1/3 das unidades federadas integrantes de cada uma das 5 regiões do Brasil. Importante mencionar que na LC 24/75 exigia-se uma pouco provável ou até impossível unanimidade para a concessão de um benefício.
Observe-se que existem dois direcionamentos da LC 160/17 no que diz respeito aos regimes especiais ou benefícios fiscais de ICMS: i) um para o passado, dirigido aos benefícios fiscais que estariam em desacordo com o artigo 155, parágrafo 2º, XII, g; para que sejam convalidados, estejam vigentes ou não, e ii) um outro para o futuro, para os benefícios que viessem a ser reinstituídos.
Frise-se que a Lei Complementar 160/17 e o Convênio ICMS 190/17 resolvem a questão da zona cinzenta na qual se encontravam os benefícios fiscais de ICMS outrora concedidos pelos Estados e Distrito Federal, quando dispõe a remissão de créditos tributários, constituídos ou não, decorrentes das isenções, dos incentivos e dos benefícios fiscais ou financeiro-fiscais instituídos em desacordo com o disposto na alínea “g” do inciso XII do § 2º do art. 155 da Constituição Federal, bem como sobre as correspondentes reinstituições.
No convênio ICMS 190/17, foram expostos os seguintes requisitos comuns às duas espécies acima referidas, ou seja, para a remissão e anistia dos créditos de ICMS decorrentes de benefícios fiscais, bem como para sua reinstituição a serem obedecidos pelas entidades federadas:
- Criação de convênio, implementado pelo Convênio ICMS de número 190/17 com a obediência ao artigo 2º da LC 160/17 e ao artigo 1º da LC 24/75;
- Publicação, em diário oficial do respectivo Estado ou Distrito Federal, da relação de todos os atos normativos relativos às isenções, aos incentivos e aos benefícios fiscais ou financeiro-fiscais abrangidos pelo artigo 1º da LC 160 e em desacordo com o artigo 155, parágrafo 2º, inciso XII, G, da CF e em obediência ao Anexo Único do convênio 190/17;
- Registro e depósito da documentação comprobatória dos benefícios na Secretaria Executiva do CONFAZ correspondente aos atos concessivos e atos normativos dos benefícios fiscais nos prazos previstos pela cláusula quarta do convênio ICMS 190/17 até 29/06/2018 para os atos vigentes em na data do registro e do depósito ou 28/12/2018 para os atos não vigentes na data do registro e do depósito;
- Publicação nos diários oficiais dos Estados e do Distrito Federal dos atos concessivos e atos normativos no Portal da Transparência até o dia 29/03/2018 dos atos vigentes em 8/08/2017 e 30/09/2018 para atos não vigentes em 8/08/17;
- Publicação no Portal Nacional da Transparência Tributária, em até 30 dias após o depósito, da documentação comprobatória relativa aos atos concessivos dos benefícios fiscais instituídos até 08 de agosto de 2017 e publicados em legislação estadual ou distrital em desacordo com o disposto na alínea “g”, inciso XII do parágrafo 2º do artigo 155da CF;
- Prestação de informações no Portal da Transparência Tributária, devendo conter os dados previstos no parágrafo 1º da cláusula 7ª do convênio ICMS 190/17 em até 30 dias após o respectivo registro e depósito;
- Manutenção de informações atualizadas junto à Secretaria do CONFAZ, referentes a quaisquer alterações, conforme previsão no parágrafo 1º da cláusula 7ª do convênio ICMS 190/17, até o último dia útil do mês subsequente ao da publicação do ato normativo ou concessivo que os instituiu, concedeu, alterou ou revogou;
- No caso de reinstituição ou modificação, exige-se a publicação da respectiva legislação em diário oficial estadual ou distrital, contendo ato normativo editado pela própria unidade federada e publicados até 08 de agosto de 2017 e que ainda se encontrem em vigor, devendo haver a informação nos termos da cláusula 7ª, parágrafo 2º do Convênio ICMS 190/17;
- Revogação dos atos normativos e concessivos que não tenham sido reinstituídos até 28 de dezembro de 2018;
- Readequação dos prazos de fruição aos limites temporais previstos os máximos de fruição.
O convênio ICMS 190/17 também estipulou requisitos relativos exclusivamente aos casos de remissão e anistia dos créditos tributários decorrentes dos benefícios fiscais instituídos por legislação Estadual ou Distrital publicada até 8 de agosto de 2017 em desacordo com o artigo 155, parágrafo 2º, inciso XII, G, da CF, ainda que desconstituídos judicialmente por não atenderem ao comando constitucional, de forma cumulativa às exigências de números i a ix, acima explicitados:
- Serem os benefícios decorrentes de:a) concessão pela unidade federada a contribuinte localizado em seu território com base em ato normativo vigente em 08 de agosto de 2017, observadas suas condições e limites;b) prorrogação pela unidade federada de ato normativo ou concessivo;c) modificação pela unidade federada de ato normativo ou concessivo, para reduzir-lhe o alcance ou montante.
- Desistência: a) de ações ou embargos à execução fiscal relacionados com os respectivos créditos tributários, com renúncia ao direito sobre o qual se fundam, nos autos judiciais respectivos, com a quitação integral pelo sujeito passivo das custas e demais despesas processuais; b) de impugnações, defesas e recursos eventualmente apresentados pelo sujeito passivo no âmbito administrativo; e c) pelo advogado do sujeito passivo da cobrança de eventuais honorários de sucumbência da unidade federada.
Para os casos de reinstituição, eis os requisitos:
- Prazo para realização de reinstituição de 8 de agosto de 2017 até 28 de dezembro de 2018 por meio de legislação estadual e distrital;
- Publicação nos diários oficiais do ato normativo de reinstituição decorrente de ato normativo que senha sido originariamente publicado até 8 de agosto de 2017 e que ainda se encontrem em vigor
- Em casos de prorrogação, pelo CONFAZ, do prazo até 28 de dezembro de 2017, conforme cláusula terceira, parágrafo único, para a publicação dos atos normativos e cláusula quarta, parágrafo único, para o registro e depósito dos atos concessivos, o prazo para reinstituição passa a ser o último dia do terceiro mês subsequente aquele em que se realizou o depósito e o registro, prevalecendo o prazo de 28 de dezembro de 2018, caso superior;
- Obediência ao Prazo de fruição previsto no artigo 3º, parágrafo 2º da LC 160/17 e na cláusula décima do Convênio ICMS 190/17:
- 31 de dezembro de 2032, quanto àqueles destinados ao fomento das atividades agropecuária e industrial, inclusive agroindustrial, e ao investimento em infraestrutura rodoviária, aquaviária, ferroviária, portuária, aeroportuária e de transporte urbano;
- 31 de dezembro de 2025, quanto àqueles destinados à manutenção ou ao incremento das atividades portuária e aeroportuária vinculadas ao comércio internacional, incluída a operação subsequente à da importação, praticada pelo contribuinte importador;
- 31 de dezembro de 2022, quanto àqueles destinados à manutenção ou ao incremento das atividades comerciais, desde que o beneficiário seja o real remetente da mercadoria;
- 31 de dezembro de 2020, quanto àqueles destinados às operações e prestações interestaduais com produtos agropecuários e extrativos vegetais in natura;
- 31 de dezembro de 2018, quanto aos demais.
No caso de reinstituição ou modificação, exige-se:
a) publicação da respectiva legislação em diário oficial estadual ou distrital, contendo ato normativo editado pela própria unidade federada e publicados até 08 de agosto de 2017 e que ainda se encontrem em vigor, devendo haver a informação nos termos da cláusula 7ª, parágrafo 2º do Convênio ICMS 190/17.
b) Readequação dos prazos de fruição aos limites temporais máximos previstos na cláusula décima do artigo 3º, parágrafo 2º da LC 160/17 e na cláusula décima do Convênio ICMS 190/17, caso os prazos dos atos normativos ou concessivos ultrapassem o referido prazo.
Ademais, para o caso de extensão da concessão dos benefícios fiscais a outros contribuintes sediados no território dos Estados e do Distrito Federal e não contemplados com as benesses fiscais mantidas por unidade da federação, devem-se obedecer as mesmas condições e o mesmo prazo de fruição, bem como o referido ato concessivo da extensão e sua respectiva documentação comprobatória devem ser registrados e depositados junto à Secretaria Executiva do CONFAZ, na forma prevista na cláusula segunda, até o último dia do primeiro mês subsequente ao da sua edição.
Por fim, os Estados e o Distrito Federal podem aderir aos benefícios fiscais, reinstituídos, concedidos ou prorrogados por outra unidade federada desde que:
- Sejam da mesma região;
- Prazo para realização de adesão ao benefício fiscal de outro Estado ou do Distrito Federal de 8 de agosto de 2017 até 28 de dezembro de 2018 por meio de legislação estadual e distrital;
- Vigência do benefício fiscal objeto da adesão;
- No caso de adesão a benefício fiscal de outro Estado, exige-se a publicação da respectiva legislação em diário oficial estadual ou distrital, contendo o ato normativo originário da outra unidade federada e publicado até 08 de agosto de 2017 e que ainda se encontrem em vigor,
- Prestação de informações nos termos da cláusula 7ª, parágrafo 2º do Convênio ICMS 190/17, respeitadas as exceções previstas no Convênio ICMS 190/17;
- Prazo máximo para publicação da adesão aos benefícios fiscais de outra entidade federada é o último dia do terceiro mês subsequente aquele em que se realizou o depósito e o registro, prevalecendo o prazo de 28 de dezembro de 2018, caso superior;
- Registro e depósito da documentação comprobatória dos benefícios na Secretaria Executiva do CONFAZ correspondente aos atos concessivos e atos normativos dos benefícios fiscais até o último dia do primeiro mês subsequente ao de sua edição;
- Obediência ao Prazo de fruição previsto no artigo 3º, parágrafo 2º da LC 160/17 e na cláusula décima do Convênio ICMS 190/17:
- 31 de dezembro de 2032, quanto àqueles destinados ao fomento das atividades agropecuária e industrial, inclusive agroindustrial, e ao investimento em infraestrutura rodoviária, aquaviária, ferroviária, portuária, aeroportuária e de transporte urbano;
- 31 de dezembro de 2025, quanto àqueles destinados à manutenção ou ao incremento das atividades portuária e aeroportuária vinculadas ao comércio internacional, incluída a operação subsequente à da importação, praticada pelo contribuinte importador;
- 31 de dezembro de 2022, quanto àqueles destinados à manutenção ou ao incremento das atividades comerciais, desde que o beneficiário seja o real remetente da mercadoria;
- 31 de dezembro de 2020, quanto àqueles destinados às operações e prestações interestaduais com produtos agropecuários e extrativos vegetais in natura;
- 31 de dezembro de 2018, quanto aos demais.
Os benefícios fiscais concedidos por adesão podem vigorar, no máximo, nos mesmos prazos e nas mesmas condições do ato vigente no momento da adesão.
Assim, para atingir o objetivo de enumerar os requisitos para que os benefícios fiscais de ICMS sejam válidos no ordenamento jurídico, realizou-se uma análise conjunta das legislações que atualmente regulam a matéria, quais sejam: i) o artigo 155, parágrafo 2º, inciso XII, G, da CF; ii) a Lei Complementar 24/75 naquelas partes que não foram revogadas, iii) a Lei Complementar 160/17, e, iv) o Convênio ICMS 190/17.
As condições exigidas para a validade dos Benefícios fiscais, para um melhor entendimento, foram divididas em três grupos: i) os requisitos comuns aos casos de remissão, anistia e reinstituição; ii) requisitos exclusivos para os casos de remissão e anistia; iii) requisitos exclusivos para os casos de reinstituição, iv) requisitos para os casos de extensão dos benefícios fiscais a outros contribuintes da mesma unidade federada; e, por fim, iv) os requisitos para a adesão aos benefícios fiscais de outras unidades federadas.
Importante observar que os requisitos não se dirigem apenas aos Estados e ao Distrito Federal, mas também ao CONFAZ, aos sujeitos passivos, sejam eles contribuintes ou responsáveis, e até aos advogados desses sujeitos passivos.
Tais exigências demonstram que a complexidade do tema “guerra fiscal” está distante de ser solucionada, devendo-se reconhecer, contudo, que a legislação acima referida, sem dúvidas, é o primeiro passo para a tentativa de resolução pacífica e sem maiores traumas para os artífices envolvidos no mundo dos benefícios fiscais. Ademais, a convalidação dos benefícios fiscais demonstra que essas regras individuais e abstratas estão apenas renascendo como verdadeira fênix, sendo uma tendência sua permanência no ordenamento jurídico.