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Criminologia crítica: aportes para uma distinção necessária

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Agenda 30/06/2018 às 14:30

Qual a diferença entre criminologia etiológica e a criminologia crítica.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. A CRIMINOLOGIA ETIOLÓGICA: A CRIMINOLOGIA DO DELINQUENTE; 3. A CRIMINOLOGIA CRÍTICA: "A CRIMINOLOGIA DA CRIMINOLOGIA"; 4. REFERÊNCIAS; 5. NOTAS.

RESUMO: A discussão a ser travada no presente texto envolve questões metodológicas que visam possibilitar a diferenciação entre Criminologia Etiológica e a Criminologia Crítica, a partir do seu percurso histórico, o exame da conservação de sua estrutura epistemológica e os seus reflexos no âmbito da Política Criminal. 

PALAVRAS-CHAVE: Criminologia. Criminologia Etiológica. Criminologia Crítica. Positivismo. Sociologia Jurídica. Labeling Approach.


1. INTRODUÇÃO

A discussão a ser travada no presente texto envolve questões metodológicas que visam possibilitar a diferenciação entre Criminologia Etiológica e a Criminologia Crítica. A análise da criminologia Crítica, nos dias de hoje, impõe não apenas o estudo e entendimento de um pensamento formulado com vistas à superação da Criminologia Etiológica, mas, sobretudo, o exame da conservação de sua estrutura epistemológica e seus reflexos no âmbito da Política Criminal.

Os pormenores dessa diferenciação impõem o transcurso histórico ao período de duelo de ideias entre as Escolas Clássica e Positiva, com vistas a situar a mudança de paradigma instaurado por essa última concepção. Já num segundo momento, haverá a explicação e os argumentos formulados pela criminologia crítica.


2. A CRIMINOLOGIA  eTIOLÓGICA: A CRIMINOLOGIA DO DELINQUENTE

Numa compreensão tradicional, de matiz positivista, a criminologia etiológica é entendida como estudo das causas (biológicas, sociais e psicológicas) do crime. O delito e a criminalidade constituem – conforme lição de Hassemer e Muñoz Conde – “fenômenos condicionados por fatores cientificamente investigáveis. A exclusão ou qualquer outro tipo de modificação de tais fatores influi, segundo essa concepção, também, na conduta desviada” [1].

Aliás, foi assim que inicialmente tomou fôlego no âmbito da história das ideias, como um corpo de teorias de índole determinista-causal, fundado sobre a tábua metodológica do positivismo, e dirigida a explicar o fenômeno do crime a partir de leis gerais e previsíveis, qualificando-se, por consequência, como ciência autônoma [2].

Essa estrutura do pensamento, cuja gênese histórica remonta aos fins do séc. XIX e início do séc. XX teve ampla margem de aceitação graças à transposição do recém-chegado método positivista das ciências naturais – na qual se destaca a obra de Darwin, The origin of species, de 1859 – às ciências humanas, sobremaneira pela divulgação dos escritos da Escola Positiva italiana, donde se situam os nomes de Cesare Lombroso, Enrico Ferri e Rafaelle Garófalo, cujas obras representam – conforme acentua Alessandro Baratta – forte oposição a Escola Clássica, também italiana, de Cesare Beccaria, Francisco Carrara e Rogmanosi, enraizada na tradição racionalista do iluminismo [3].

O positivismo propugnava que a vinculação a quaisquer critérios metafísicos possuía o condão de negar o status científico à determinada ciência. Tal status, que era imanente às ciências naturais (mensuráveis por excelência), imporia, durante o final do séc. XIX, a tentativa de definir um direito carente de valores. De outro jeito, restaria negada a sua própria legitimação.

Nesse período, Franz von Liszt já anunciava que “o direito penal, como qualquer ciência, só se ocupa com o homem empírico, e este absolutamente não é livre, determina-se por ideias e representações (motivos), e consequentemente está sujeito à lei da causalidade” [4]. Todos os fenômenos estão vinculados às leis naturais invariáveis, de modo que para se chegar as suas estruturas, as circunstâncias de sua produção, deve o fato ser objetivamente observável. Anote-se, que o patrono da filosofia positiva, Augusto Comte, reconhecia a absoluta desnecessidade de se chegar as causas primeiras ou finais. O seu objetivo era outro:

“Cada um sabe que, em nossas explicações positivas, até mesmo as mais perfeitas, não temos de modo algum a pretensão de expor as causas geradoras dos fenômenos, posto que nada mais faríamos então além de recuar a dificuldade. Pretendemos somente analisar com exatidão as circunstâncias de sua produção e vinculá-las umas às outras, mediante relações normais de sucessão e de similitude.” [5] 

No campo jurídico, como assinala Juarez Tavares, o positivismo rompe com a tese racionalista da correspondência entre entendimento e realidade, o que equivale a dizer que a tese do “ser” e do “dever ser” ganha relevo, identificando o direito com a própria norma positivada [6]. 

Como a Escola Clássica partia do paradigma filosófico racionalista do iluminismo, aliada a uma concepção liberal da política e do Estado, o objeto de estudo residia no desenvolvimento do sistema penal, e precipuamente o delito (visto como ente jurídico; uma violação do direito), como ato de vontade que “surgia da livre vontade do individuo, não de causas patológicas, e por isso, do ponto de vista da liberdade e da responsabilidade moral pelas próprias ações, o delinquente não era diferente, segundo a escola clássica, do individuo normal [7]”. Adotava-se, portanto, um método dedutivo de investigação.

Valiosa para a Escola Clássica era a visão do Direito Penal como instrumento de proteção da sociedade contra o crime, aplicado conforme a necessidade e utilidade, e justaposto ao princípio da legalidade [8]. Sobressai desse perfil a obra de Cesare Beccaria, Dei delitti e delle pene (1794), no qual o autor busca fundamentar a legitimidade do direito de punir, assentado nas premissas iluministas do contrato social e critérios de utilidade e necessidade, quando da aplicação da pena [9]. 

Acentuava, o autor, a ideia de livre arbítrio, ou seja, o crime como um ato de vontade do sujeito, concepção essa repugnada mais tarde pela Escola Positiva de C. Lombroso, para quem a origem do delito deveria ser buscada não na abstração metafísica da vontade do ser humano, senão em fatores naturais, passíveis de investigação biológica, precisamente a hereditária [10].

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Com o advento da Escola Positiva, cujo marco tem sido fixado com a publicação da obra L’Uomo delinquente (1876), de Cesare Lombroso, transmuda-se o objeto de observação e estudo, que passa a se identificar com o homem delinquente. Deve-sepontuar, ademais, que o cenário político é totalmente distinto de quando da proliferação dos ideais racionalistas do iluminismo. Contrariamente, observava-se um descrédito quanto às reformas penais envidadas pelo iluminismo, sobremaneira pelas altas taxas de criminalidade e reincidência [11], por isso a razão da mudança de perspectivas.

Defensor do entendimento do delito como um ente natural, a tese antropológica de C. Lombroso referia ao elemento atávico, i.é, “o criminoso atávico, exteriormente reconhecível, corresponderia a um homem menos civilizado que os seus contemporâneos, representando um enorme anacronismo [12]”.

Por seu turno, E. Ferri inaugura uma classificação tipológica de sujeitos: criminoso nato, ocasional, passional, habitual e louco, alterando a perspectiva monista-antropológica de Lombroso para uma visão multifactorial (vários os defeitos e as causas do crime), nos quais se destacava fatores antropológicos, físicos e sociais [13].

Em continuação, atribui-se a Rafaelle Garófalo a construção da teoria do delito natural, consoante o qual o delito constituía uma violação dos sentimentos básicos e universais; tributa ao estudo do elemento psicológico humano a possibilidade de explicação do crime, defendendo, inclusive, a pena de morte nos casos em que determinada anomalia mental torne o criminoso inoperante a conviver no círculo social [14].

Desse modo, assentando em relevo que as causas do desvio residiam em condições ambientais, biológicas, antropológicas (Cesare Lombroso), sociais (Enrico Ferri) ou psicológicas (R. Garófalo), e guarnecidos, agora, com um método de investigação próprio das ciências naturais, os positivistas possuíam um terreno fértil de investigação até então não explorado no âmbito das ciências sociais. Há, portanto, uma cisão entre os sujeitos “normais” e os “anormais” (delinquentes), reservando-se, para esses últimos, medidas de correção e tratamento.

A partir disso, o delinquente é clinicamente observável na ânsia de se buscar caracteres comuns a todos, ou ausente em tantos outros, enfim, condicionamentos e leis gerais, concretamente especificadas. O crime é compreendido como uma realidade ontológica, ínsita aos “anormais”, como uma doença e por isso deve ser diagnosticada e tratada. Daí o ineditismo na afirmação de que a criminologia ganhava “status” de ciência.

O ponto chave, ao qual se refere Figueiredo Dias, é compreender o pressuposto fundamental do positivismo, comum aos seus adeptos: “a negação do livre-arbítrio e a crença no determinismo e no postulado da previsibilidade dos fenômenos humanos, recondutíveis a leis; a separação entre ciência e a moral e a reivindicação da neutralidade axiológica da ciência; a unidade do método, como método indutivo-quantitativo” [15], em oposição ao método dedutivo clássico.

Na realidade contemporânea as teorias etiológicas podem ser vistas nas mais distintas manifestações. Pode-se agrupar a criminologia tradicional da seguinte maneira [16]: 1) teorias biológicas: analisam o delinquente em busca da identificação de caracteres biológicos defeituosos; 2) teoria da socialização: empreende a análise na célula familiar, em busca de falhas na construção social; 3) teorias da subcultura (chamadas técnicas de neutralização): atribui a construção do delinquente a um defeito na adaptação às leis; 4) teoria da anomia: buscam-se as falhas na própria estrutura social; 5) teorias multifatoriais: atribui a uma variedade de causas a origem do crime.

A todas essas teorias devem-se anotar as críticas formuladas por Hassemer e Muñoz Conde no sentido de que essas teorias não se interessam no conceito de conduta desviada, mas na causa do desvio (o que será feito apenas com o advento do labeling approuch); as causas ou condições de desvio residem no sujeito ou nos fatores circundantes a esses sujeitos (a família, os grupos sociais, a sociedade), excluindo quem decide (órgãos judiciários) ou sanciona o delito; a criminologia tradicional é insuficiente para explicar fenômenos como a delinquência de transito, a juvenil ou a econômica [17].

No entanto, com o passar do tempo observou-se que o entendimento da criminologia reduzida à perspectiva etiológica mostrou-se fragilizada em suas bases. A condução da explicação do crime por meio da formulação de leis gerais e obtidas por meio da previsibilidade de certas condições acabou por ser contestada a partir do início da década de 60, com o acolhimento de novas perspectivas teóricas ao estudo da criminologia.

Peter-Alexis Albrecht, recordando Mazta, lembra que o fato de a Criminologia tradicional pegar de empréstimo a máxima da prevenção – do direito penal – acabou por tornar estéril a própria compreensão do seu objeto de estudo (desvio), pois o que se buscava era justamente a sua eliminação [18].

Ao contrastar definitivamente as teses da escola clássica de expansão de garantias e redução do poder punitivo, o positivismo alicerça as bases de um direito penal de combate ao delinquente, em defesa da sociedade, caminhando para manifestações extremas da prevenção especial, abrindo as portas dos manicômios e do cárcere ao trancafiamento. Do encarceramento em massa deriva a crise atual da ressocialização, cuja crítica conduziu ao mito da prevenção especial positiva.

Assim como em outros países, o Brasil cedeu, na lavra de seus estudiosos, a influência da cultura positivista, destacando-se, no âmbito penal [19], entre outros, os estudos de João Viera de Araújo, Código Criminal Brasileiro (1889); Viveiros de Castro, A Nova Escola Penal (1894); Adelino Filho, A Nova Escola de Direito Criminal (1891); Phaelante da Câmara, Algumas Ideias expendidas ao começar o curso do Processo Criminal na segunda cadeira da quarta série jurídica (1891); Aurelino Leal, Germens do Crime (1896); Moniz Sodré, As Três Escolas Penais. Clássica, Antropológica e Crítica (1907); Roberto Lyra, Novas Escolas Penais (1936).


3. A CRIMINOLOGIA CRÍTICA: "A CRIMINOLOGIA DA CRIMINOLOGIA"

Na década de 1960 surgiu nos EUA uma orientação criminológica, sustentada a partir de novos pressupostos teóricos, que ficou denominada como nova criminologia ou criminologia crítica. Conquanto divirjam os autores, quanto a uma classificação eficaz, podem-se destacar como integrantes desse movimento a teoria do labeling approach (de fundo interacionista simbólico) e a etnometodologia (versão criminológica da fenomenologia sociológica) na década de 60, e a criminologia radical (de matiz marxista) em meados dos anos 70.

Houve, na verdade, total inversão de interpretação no tocante ao objeto da criminologia, que se transfere do delinquente (ou do crime) para o sistema de controle criminal. Isto é, a análise passa a recair acerca dos critérios de seleção, da origem de legitimidade dos órgãos ou agencias de controle, e, sobretudo, as consequências da intervenção punitiva. Ou, como resume Albrecht, “prioritariamente ao Estado, ao Direito e aos órgãos de persecução penal” [20].

Figueiredo Dias refere-se à transição metodológica que emerge da criminologia crítica, como maior contribuição, pois, até então, atribuía-se uma elevada carga valorativa às estatísticas oficiais como instrumento de pesquisa da realidade [21]. Esse método, comum às doutrinas etiológico-deterministas, muitas vezes significavam uma barreira insuperável para uma análise crítica da realidade, especialmente pela etiqueta oficial que lavrava tais procedimentos.

Assim, com a criminologia crítica há a adoção de um ponto de vista dinâmico e contínuo, até porque vai colher o substrato teórico de outras áreas do conhecimento, notadamente, a psicologia, a economia, a geografia etc, bem como bases teóricas da sociologia e filosofia.

Essa mudança de paradigma foi fomentada pela turbulência acadêmica dos anos 60, nas universidades americanas, ambiente no qual floresceu discussões acerca da emancipação da sociologia do terreno da filosofia social. Como lembra Sykes, se a discussão sobre a autonomia da sociologia ainda estava em aberto, por outro lado, não mais se discutia seu caráter objetivo, em face de seus métodos de investigação e neutralidade [22].

O aparente consenso que dominou a década de 1950 havia dado lugar a um locus de conflituidade, registrada no decurso da década seguinte. Passeatas organizadas pelo movimento negro ou estudantes reivindicavam novos direitos sociais e cívicos, o clima beligerante da época reduziu o prestígio político das instituições, e por consequência, o predomínio de doutrinas dominantes. A crítica acadêmica afirmava a subjetividade que imperava no âmbito sociológico, e passava a rechaçar o mito de ciência pura. “A pretensão de neutralidade da ciência era uma farsa”  [23], dizia Sykes.

A recusa ao monismo cultural, fundante de uma criminologia do consenso, passa a ser revisado a partir de um pluralismo axiológico ou de perspectiva de conflito, possibilitando a encarar o direito penal como instrumento dos detentores do poder [24]. Nesse ponto, afirma-se que a estrutura social fora interpretada apenas em termos de consenso, esquecendo-se que é o conflito que reside no íntimo das organizações sociais [25]. Foi um duro golpe nos especialistas da sociologia argumentar a favor dos pressupostos de uma ciência (criminologia) que estava inteiramente pautada em juízos de valor, totalmente destoante com a sociologia value-free.

A crítica, portanto, converteu-se na tônica da discussão, mostrando outros caminhos metodológicos que suscitassem modelos de análise sensitivos com a realidade. O reencontro com Marx, a rejeição da teoria funcionalista e o rechaço a neutralidade cientifica da sociologia integram o núcleo comum das novas orientações metodológicas [26].

Como antecipado, a criminologia crítica, pela gama de valores que congrega, pode ser vista a partir de três orientações científicas: o labeling approach, a etnometodologia e a criminologia crítica.

Distanciando-se de uma concepção ontológica de conduta e rejeitando o determinismo, o labeling approach surge como uma concepção teórica que compreende o delinquente como uma figura estigmatizada, ao cabo de um processo de interação entre indivíduos ou grupos. O ponto de partida não se contenta – como o fazia a Criminologia tradicional – em combinar no mesmo panorama a seleção da população desviante com a seleção biológica. Como recorda Alessandro Baratta, com o labeling approach o direito penal passa de pressuposto interpretativo de definição para objeto de análise criminológica, o que significa uma verdadeira transição de um paradigma liberal ao crítico [27].

Com o enfoque macrossociológico, a crítica é dirigida a se verificar as consequências, não apenas da produção das normas penais, mas de sua aplicação no ambiente social, suscitando a discussão de pelo menos três mecanismos, referidos por Baratta [28]: 1) mecanismo de produção das normas (criminalização primária); 2) mecanismo de aplicação das normas (processo penal e agências de controle, polícia juízo criminal, o qual caracteriza a criminalização secundária); 3) mecanismo da execução da pena (pena e medidas de segurança).

A compreensão do labeling perpassa a análise que a identidade do indivíduo é moldada no percurso da interação social com os grupos e não um dado cuja análise permita decifrar causas pressupostas [29]. Indagam-se, assim, as formas de legitimação que atribuem às instâncias de reação e controle selecionar e etiquetar o indivíduo com a pecha de desviante. Embora seja encontrada fragmentariamente em trabalhos anteriores (Tannebaum, Lemert, H. Garfinkel, J. Kitsuse, E. Goffman, K. Erikson etc), a obra que inaugura a sistematização do labeling approach foi escrita por Howard Becker – Outsiders (1963).

Anote-se que a contribuição do labeling approach vai adiante, quando espraia seu espectro de análise para a crítica às instituições totais como locus de estigmatização. Nesse terreno pode-se situar a obra de E. Goffman, Asylums, de 1961.

A expressão etnometodologia, por sua vez, foi cunhada por Garfinkel – em Studies in Ethnomethodology (1967) – e refere-se a uma perspectiva baseada no estudo da “intersubjetividade do cotidiano, como ele é verdadeiramente vivido pelos seus participantes” [30]. É analisar as regras e rituais que se embrincam no dia a dia do indivíduo.

Como refere Dias: 

“o comportamento desviante esgota-se no quadro de significações assumidas pelos participantes, devendo suspender-se todo o juízo sobre a realidade das normas ou da própria estrutura social (...). O crime é visto como uma construção social realizada na interação entre o desviante e as agências de controle, que a etnometodologia estuda como “organizações”: polícia, tribunal, prisão, hospital psiquiátrico etc” [31].

De outro lado, a criminologia radical, conforme noticia Dias, surge na década de 1970, nos EUA, pela lavra de Schwendinger e T. Platt, da escola criminológica de Berkeley e na Inglaterra, por influencia dos estudos de I. Taylor, P. Walton e J. Young – sobretudo sua obra The New Criminology: For a Social Theory of Deviance, de 1973 –, espraiando-se na Alemanha (F. Sack, J. Feest, G. Smaus, M. Baurman), Itália (D. Mellossi, M. Pavarini, M. Simondi e A. Baratta), Holanda, França, o restante da Europa e Canadá. No Brasil é visível na obra de Roberto Lyra – Criminologia Dialética (1972) –, e a partir das obras de J. Cirino dos Santos – A Criminologia da Repressão (1979) e A Criminologia Radical (1981).

Surge como uma criminologia eminentemente marxista, tecendo críticas tanto ao interacionismo, quanto aos estudos de etnometodologia, sobretudo em face de seus pressupostos conservadores do status quo. A criminologia radical ou, como afirma Baratta ao referir-se aos pressupostos da criminologia crítica, que, no entanto, também se aplicam aqui, é “uma teoria materialista, econômico-política, do desvio, dos comportamentos socialmente negativos e da criminalização, um trabalho que leva em conta instrumentos conceituais e hipóteses elaboradas no âmbito do marxismo” [32].

Visa à redefinição do objeto da criminologia e por isso, como diz Dias, é uma “criminologia da criminologia”, pela crítica que encerra [33]. Mas não só isso. Rechaça o próprio mecanismo capitalista que permeia a sociedade contemporânea. Por isso mesmo, não pretende proteger a sociedade do crime, mas o próprio indivíduo da sociedade punitiva. São claras as palavras de J. Cirino dos Santos quando a define:

“a criminologia radical vincula o fenômeno criminoso à estrutura das relações sociais, mediante conexões diacrônicas entre criminalidade e condições sociais necessárias e suficientes a sua existência. Como se vê, muda o objeto de análise para o conjunto das relações sociais, mostrando que, primeiramente, são criminosos (e criminógenos) os sistemas sociais que produzem, através de suas estruturas econômicas e instituições jurídicas e políticas do Estado, as condições necessárias e suficientes para a existência do comportamento criminoso (...)” [34]

Para além de um século de história do lançamento da obra L’Uomo delinquente (1876), o determinismo endógeno das teorias antropológico-causais ainda persiste, não tanto como parâmetro de investigação metodológica, mas na ideologia de tratamento, objetivando substituir a sanção pela terapia impositiva, cujo apoio teórico se faz presente no meio acadêmico, e sentido mais drasticamente no discurso dos políticos e representações sociais, quando do avistar de reformas político-criminais.

Sobre o autor
Gerôncio Ferreira Macedo Júnior

Analista Processual na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão - Ministério Público Federal. Graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador, especialista em Direito Penal e Criminologia pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal – ICPC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JÚNIOR, Gerôncio Ferreira Macedo. Criminologia crítica: aportes para uma distinção necessária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5477, 30 jun. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64800. Acesso em: 22 dez. 2024.

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