INTRODUÇÃO
A criminologia é uma ciência autônoma, empírica e interdisciplinar, que estuda as causas e os efeitos da criminalidade baseada no estudo do homem delinquente, observando o seu comportamento, sua personalidade e sua conduta, buscando métodos de prevenção e tratamento utilizando-se das ciências humanas e sociais para reeducá-lo. Esta ciência baseia-se em investigações da realidade reunindo informações confiáveis em relação ao problema social, buscando dados do delito e seu autor, comparando, analisando e classificando os resultados dessas investigações, facilitando o trabalho da justiça quanto à aplicabilidade das medidas punitivas.
A criminologia moderna, após ser consagrada como ciência autônoma, passa a ter como principal objetivo descobrir a gênese do crime, ou seja, o porquê do comportamento criminoso, para então fazer sua respectiva prevenção. Mas não só isso, a doutrina moderna é uníssona ao estabelecer que o crime é um problema social.
O crime é problema social porque o criminoso é fruto das condições sociais defeituosas que o cercam, fazendo com que ele seja um produto da sociedade em que vive. Assim, o crime afeta não só a vida do criminoso, mas afeta a sociedade como um todo.
O que define um ato como criminoso é a reação da sociedade em relação a este. O desvio pode ser definido como a não conformidade com as regras seguidas pela maioria da sociedade. O indivíduo delinquente é, portanto, aquele que não se encaixa no conceito que a maioria das pessoas tem de padrões normais de aceitabilidade.
Um dos maiores marcos do século passado foi o surgimento e a disseminação da internet. Com ela, praticamente, todos os tipos de interação humana foram dinamizados e acelerados, sendo responsável por novos tipos de relações sociais, ou seja, a sociedade vem passando por mudanças comportamentais em diversas áreas do convívio social: pessoal, profissional, comercial, acadêmico, político, etc.
A sociedade atual em que vivemos já é conhecida como Sociedade da Informação[1], pois é inegável que a internet já foi difundida pelos quatro cantos do mundo e já é uma realidade na vida de grande parte da população.
No entanto, apesar desses benefícios, como acesso à informação e à cultura, essa facilidade de comunicação mundial também tem seus impactos negativos. A internet se transformou em um terreno fértil para a prática dos mais diversos crimes, o que faz com que a sociedade fique mais exposta a esse tipo de delito.
Ademais, a internet não só facilitou a prática de crimes existentes, como também, trouxe consigo novas formas de praticar ilícitos, atingindo diversos direitos e causando prejuízos em todo o mundo.
Este trabalho tem como tema “A subcultura delinquente nos crimes informáticos”, portanto o objetivo aqui é dissertar, não de uma maneira científica, mas com um viés de fomentar o raciocínio e o debate desta nova modalidade de crimes, os crimes informáticos, e estabelecer se há uma ligação entre eles e a referida teoria.
Para fazer esse estudo, faremos uma breve análise das escolas sociológicas ou das escolas macrocriminológicas para entendermos um pouco da sociologia criminal até chegarmos ao estudo da teoria da subcultura delinquente.
Tendo em vista estes dados, este artigo procurará explicar a teoria da subcultura delinquente, do autor Albert K. Cohen, para tentar relacionar aos grupos que cometem esses delitos, colocando em evidência suas características diferenciadoras, tais quais seus aspectos pessoais, seus valores e a maneira como interpretam o seu comportamento desviante como sendo um comportamento regular.
1. ESCOLAS SOCIOLÓGICAS
As escolas sociológicas foram as escolas responsáveis pelos estudos da sociologia criminal, criando as teorias criminológicas ou macrocriminologia.
Essas escolas foram divididas em duas teorias, sendo uma consensual e outra conflitiva.
Segundo Nestor Sampaio Penteado Filho[2], “a moderna sociologia partiu para uma divisão bipartida, analisando as chamadas teorias macrossociológicas, sob enfoques consensuais ou de conflito.”
Essa distinção se dá baseado nos pressupostos de cada teoria, em relação ao papel que a criminalidade cumpre na sociedade.
De acordo com Sérgio Salomão Shecaira[3]:
“Para a perspectiva das teorias consensuais a finalidade da sociedade é atingida quando há um perfeito funcionamento das suas instituições de forma que os indivíduos compartilham os objetivos comuns a todos os cidadãos, aceitando as regras vigentes e compartilhando as regras sociais dominantes.”
Portanto, para a teoria do consenso, existe uma universalidade de valores que são aceitos por todas as pessoas na sociedade, sendo que as normas que tutelam estes valores são justas, ou seja, as regras que determinam o convívio social por parte da classe dominante representam de fato a vontade do povo.
Ralf Dahrendorf[4] elenca algumas premissas que são comuns à teoria do consenso:
“Toda sociedade é uma estrutura de elementos relativamente persistente e estável; toda sociedade é uma estrutura de elementos bem integrada; todo elemento em uma sociedade tem uma função, isto é, contribui para sua manutenção como sistema; toda estrutura social em funcionamento é baseada em um consenso entre seus membros sobre valores.”
Em relação às teorias do conflito, nos ensina Sérgio Salomão Shecaira[5]:
“[...] a coesão e a ordem na sociedade são fundadas na força e na coerção, na dominação por alguns e sujeição de outros; ignora-se a existência de acordos em torno de valores de que depende o próprio estabelecimento da força.”
Deste modo, as teorias do conflito põem em xeque o consenso social, pois, a sociedade está marcada pelo conflito de classes, submetendo o povo à imposição de uma classe dominante. Assim, as normas vigentes nada mais são do que a materialização dessa imposição, perdendo assim o caráter de vontade geral do povo, passando a representar a vontade da classe que exerce o poder.
E Ralf Dahrendorf[6] também elenca as premissas das teorias de conflito:
“Toda a sociedade está, a cada momento, sujeita a processos de mudança; a mudança social é ubíqua; toda sociedade exibe a cada momento dissensão e conflito e o conflito social é ubíquo; todo elemento em uma sociedade contribui de certa forma para sua desintegração e mudança; toda sociedade é baseada na coerção de alguns de seus membros por outros.”
As teorias do consenso são subdivididas em: Escola de Chicago; Teoria da Associação Diferencial; Teoria da Anomia e Teoria da Subcultura Delinquente.
Já as teorias do conflito são subdivididas em: Teoria da Rotulação ou Etiquetamento (Labelling Approach); Teoria Crítica ou Radical.
1.1 Escola de Chicago
A Escola de Chicago é uma homenagem ao grupo de professores e pesquisadores da Universidade de Chicago, que surgiu na década de 1920.
Ela inicia um processo que aborda os estudos em antropologia urbana, pois tem no meio urbano seu foco de análise principal, desencadeando estudos relacionados ao surgimento de favelas, a proliferação do crime e da violência, ao aumento populacional, ou seja, ela constata a influência do meio ambiente no cometimento de crimes.
Sérgio Salomão Shecaira[7] estabelece que:
“Entre as contribuições dessa escola destacam-se as do campo metodológico associando a pesquisa a formulação de políticas criminais. No âmbito da metodologia instituíram a análise estatística evidenciando a distribuição espacial. Os estudos realizados apontavam para a necessidade de mudanças efetivas na condições econômicas e sociais das crianças. Evidenciaram também as demandas de melhorias sanitárias e manipulação do ambiente físico, considerando inclusive as oportunidades de realização dos delitos, como estratégias de prevenção que deveria ser priorizadas em detrimento das repressivas.”
E complementa Wilson Donizeti Liberati[8]:
“O estudo da criminalidade, oriundo dessa Escola, mostrou, de maneira ampla, que existiam áreas naturais dentro da cidade, de diferentes estruturas, composição populacional, estilos de vida e diversos problemas sociais. Por meio da análise empírica, a Escola de Chicago caracterizou-se pela finalidade pragmática, ou seja, pela observação direta empregada nas investigações, que possibilitava um diagnóstico seguro dos problemas sociais da sociedade norte-americana daquela época.”
A Escola de Chicago, dentre outras contribuições para a criminologia, teve duas principais teorias que marcaram a moderna sociologia criminal: a teoria ecológica e a teoria da desorganização social.
1.2 Teoria da Associação Diferencial
Desenvolvida pelo sociólogo americano Edwin Sutherland[9] (1883-1950), esta teoria sustenta que o crime é fruto de aprendizado e seus praticantes são diferenciados em virtude de possuírem conhecimentos técnicos e habilidades de cunho intelectual.
Surgiu a partir de preceitos da Escola de Chicago, no entanto Sutherland buscou explicar o porquê dos crimes de colarinho branco (white colar crimes). Segundo ele, as teorias da Escola de Chicago (distribuição ecológica e desorganização social) não seriam capazes de explicar os crimes cometidos pelos poderosos, pois eles moravam nas melhores regiões da cidade e não sofreram problemas de desadaptação social ou cultural.
Conforme ensina Álvaro Mayrink da Costa[10]:
“A aprendizagem é feita num processo de comunicação com outras pessoas, principalmente, por grupos íntimos, incluindo técnicas de ação delitiva e a direção específica de motivos e impulsos, racionalizações e atitudes. Uma pessoa torna-se criminosa porque recebe mais definições favoráveis à violação da lei do que desfavoráveis a essa violação. Este é o princípio da associação diferencial.”
Assim, Edwin Sutherland expôs as características criminais das classes superiores, demonstrando que a teoria da desorganização social (da Escola de Chicago) não se aplica a qualquer criminalidade, muito pelo contrário, pois aquele que comete crime se valendo de sua capacidade intelectual e sua posição social, mostra que a criminalidade não é um defeito meramente social, e sim de uma socialização carente de valores morais. E esse valores podem ser aprendidos em qualquer classe social.
1.3 Teoria da Anomia
Na lição de Sérgio Salomão Shecaira[11]:
“A teoria da anomia pode ser considerada a réplica mais significativa das teorias estruturais de obediência marxista. Ela se distancia do modelo médico e patológico de interpretação do crime por não interpretá-lo como anomalia, como fizeram os primeiros estudiosos da criminologia.”
Etimologicamente, anomia, significa “ausência de leis”, ou seja, uma ausência ou desintegração de normas sociais.
Os principais percussores dessa teoria foram Émile Durkhein[12] e Robert Merton[13].
Na perspectiva de Durkhein, anomia consiste na dissociação do indivíduo e na consciência coletiva, em que a motivação para o cometimento de crimes se dá em razão da impossibilidade de o indivíduo atingir as metas desejadas por ele, influenciados por um desejo de sucesso econômico ou status social.
Para Merton, anomia é o comportamento desviado por um sintoma de dissociação entre as aspirações socioculturais e os meios desenvolvidos para alcançar tais aspirações, ou seja, o fracasso no atingimento das aspirações ou metas culturais em razão da impropriedade dos meios institucionalizados pode levar à anomia, isto é, a manifestações comportamentais em que as normas sociais são ignoradas ou contornadas.
A teoria da anomia somada à teoria da associação diferencial foram as inspiradoras da próxima teoria: a subcultura delinquente.
1.4 Teoria da Subcultura Delinquente
O precursor dessa teoria é o sociólogo norte-americano Albert K. Cohen (1918-2014). Durante a graduação, Cohen teve contato com os estudos de Edwin Sutherland e foi aluno de Robert Merton, que tinham desenvolvido as duas principais teorias em criminologia até o momento, a das associações diferenciais e a da anomia, respectivamente. Em 1955, com a publicação do livro Delinquent Boys: the culture of the gang (Jovens Delinquentes: a cultura das gangues), Cohen agrupou esses dois pontos de vistas diferentes em uma única teoria.
1.5 Teoria do Etiquetamento (Labelling Approach)
Segundo entendimento de Nestor Sampaio Penteado Filho[14]:
“A teoria do labelling approach (interacionismo simbólico, etiquetamento, rotulação ou reação social) é uma das mais importantes teorias de conflito. Surgida nos anos 1960, nos Estados Unidos, seus principais expoentes foram Erving Goffman e Howard Becker.”
Marco das teorias de conflito, este modelo busca compreender a consequência da estigmatização do indivíduo, posicionando-se desfavoravelmente contra o sistema penal repressivo como forma de punição.
E complementa, o próprio Nestor Sampaio Penteado Filho[15]:
“Por meio dessa teoria ou enfoque, a criminalidade não é uma qualidade da conduta humana, mas a consequência de um processo em que se atribui tal “qualidade” (estigmatização).”
Seu foco está na reação social frente ao delito, pregando amena punição do infrator nos delitos menos graves por meio da aplicação de medidas alternativas, com a finalidade de não estigmatizar o individuo, indo ao encontro da teoria do minimalismo penal.
1.6 Teoria Crítica ou Radical
Essa teoria foi criada em 1973, por Ian Taylor, com a obra “Nova Criminologia” e foi consagrada e, 1975 pela obra “Criminologia Crítica”.
Esse modelo conflitivo surgiu como uma nova tendência da criminologia ao implementar os ideais de Karl Marx[16].
Nesse sentido Nestor Sampaio Penteado Filho[17]:
“[...] essa teoria, de origem marxista, entende que a realidade não é neutra, de modo que se vê todo o processo de estigmatizacão da população marginalizada, que se estende à classe trabalhadora, alvo preferencial do sistema punitivo, e que visa criar um temor da criminalização e da prisão para manter a estabilidade da produção e da ordem social.”
A teoria crítica rechaça o modelo econômico capitalista e propõe a abolição da desigualdade social, estabelecendo medidas de caráter abolicionista ou minimalista, uma vez que acredita, novamente, que o modelo capitalista que é o principal fator gerador da criminalidade.