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Terceirização: Leis n. 13.429/17 e 13.467/17 e a desconstrução da relação tradicional de emprego

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Agenda 19/10/2018 às 15:00

Entenda sobre o conceito de terceirização, seus pressupostos, implicações, e como ela está regulamentada atualmente, após o advento das Leis 13.429/17 e 13.467/17.

 “Desenvolver força, coragem e paz interior demanda tempo. Não espere resultados rápidos e imediatos, sob o pretexto de que decidiu mudar. Cada ação que você executa permite que essa decisão se torne efetiva dentro de seu coração. Julgue seu sucesso pelas coisas que você teve que renunciar para conseguir. ” Dalai Lama.

RESUMO: O presente trabalho trata do fenômeno da terceirização de serviços, a partir do advento da Lei 13.429/17 e da Lei 13.467/17. O problema principal do estudo é verificar se, com a permissão irrestrita da adoção do labor terceirizado para todas as atividades da empresa tomadora, pode-se entender como desconstruído o conceito clássico de relação de emprego. Com isso, o objetivo geral da pesquisa é verificar os efeitos práticos do novo conceito de terceirização. Não se analisa o instituto do trabalho temporário, embora a legislação objeto da pesquisa também o regule. Utilizando-se o método dedutivo, estuda-se a legislação relacionada ao fenômeno da triangulação de serviços, bem como os diferentes posicionamentos da doutrina e da jurisprudência trabalhistas, para se alcançar passíveis respostas ao problema. Conclui-se que a adoção do contrato tradicional de emprego sofrerá sensível diminuição, frente à possibilidade de utilização de serviços prestados por terceiros em todas as atividades da empresa tomadora. O presente estudo não tem propósito de esgotar o tema da terceirização de serviços, por ser muito recente a legislação surgida com as reformas do direito trabalhista brasileiro, e por isso merece ser aprofundado com o decorrer do tempo, com melhores investigações.

Palavras-chave: Terceirização de Serviços. Relação Tradicional de Emprego. Atividade-fim. Atividade-meio.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO.  2 RELAÇÃO TRADICIONAL DE EMPREGO. 2.1. Considerações Preliminares.2.2 Conceito. 2.3 VÍNCULO EMPREGATÍCIO.  2.3.1Pessoalidade. 2.3.2 Subordinação Juridica. 2.3.3   Onerosidade. 2.3.4 Não-eventualidade.2.3.5. Alteridade.2.4 RELAÇÃO TERCEIRIZADA DE TRABALHO. 2.4.1Introdução ao assunto. 2.4.2 Histórico. 2.4.2.1. Surgimento . 2.4.2.2 Terceirização no Brasil. TERCEIRIZAÇÃO SEGUNDO AS LEIS Nos 13.429/2017 E 13.467/2017. 3.1 Considerações Preliminares. 3.2 Características do novo conceito de terceirização – perspectivas hermenêuticas das Leis 13.429/17 e 13467/17.3.2.1  Segurança Jurídica. 3.2.2. Atividade-fim x Atividade-meio. 3.2.3   Responsabilidade Jurídica dos empregadores. 3.2.4 Quarentena. 3.2.4.1 Quarentena da empresa contratante. 3.2.4.2. Quarentena dos empregados. 3.2.5 Quarteirização de Serviços. 3.3. Incipientes divergências doutrinárias.3.4 Quadro Comparativo. 3.5 Posicionamento do TST acerca da aplicabilidade da nova legislação de direito material: estudo de caso. 4  CONSIDERAÇÕES FINAIS.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .


INTRODUÇÃO

O presente trabalho trata do fenômeno da terceirização de serviços, a partir do advento da Lei nº 13.429/2017 – Lei do Trabalho Temporário e Prestação de Serviços – e da Lei nº 13.467/2017 – Reforma Trabalhista. Trata-se de tema atual e há muito debatido pela doutrina e jurisprudência trabalhistas, em especial quanto às diferenciações existentes entre o contrato terceirizado de trabalho e o contrato clássico de emprego.

A relevância social do tema é facilmente dedutível e se encontra no fato de que a terceirização de serviços nunca teve instrumento normativo próprio que a regulasse, o que, para alguns operadores do direito, era motivo de Insegurança Jurídica, mesmo com a construção legislativa indireta feita pelo Tribunal Superior do Trabalho através da Súmula nº 331. Assim, apesar de ser tema de ampla relevância, objeto de uma das mais envolventes problemáticas do ambiente jurídico-trabalhista, a terceirização não possuía normativo legal que a regulasse.

Além do aspecto da Segurança Jurídica, a compreensão e o estudo do presente tema são justificáveis diante do constante crescimento do fenômeno da triangulação de serviços, tendência a ser confirmada a partir do advento das Reformas acerca do tema. Pode-se afirmar que o fenômeno da terceirização cresce, a cada ano, exponencialmente em nosso país. Segundo recentes estudos, o Brasil tem 12 milhões de trabalhadores terceirizados. O número deste tipo de trabalhadores corresponde, segundo a Dieese[1], 26,8% do número total de empregados tradicionais, que possuem carteira de trabalho assinada pelo empregador. Esse evidente crescimento provoca reflexos em nossa sociedade, especificamente nos âmbitos jurídico e socioeconômico.

Sob essa perspectiva, a discussão e o estudo são importantes também devido às diversas diferenças apontadas – por pessoas contrárias ao instituto – entre os contratos de trabalho do empregado clássico direto e do empregado terceirizado. Isto pois, para alguns, existem dois principais motivos para tais diferenciações. O primeiro deles se refere, principalmente, à sensível discrepância remuneratória existente entre tais tipos de operários. Dados apontam que o trabalhador terceirizado recebe, em média, 24,7% a menos do que o trabalhador que possui vínculo direto com determinado empregador.[2] A segunda razão, por sua vez, compreende a evidente diferença entre o interregno contratual do trabalhador terceirizado e a contratualidade típica da relação tradicional de emprego. O tempo de serviço do terceirizado em uma empresa prestadora costuma ser, em comparação, mais breve.

Ademais, a justificativa para a escolha do tema é a recente normatização acerca do instituto. Como somente há pouco foi inserida regulação direta quanto à terceirização de serviços no nosso ordenamento jurídico, o aplicador do direito não tem certeza quanto à extensão da aplicação da legislação em questão, já que vai de encontro à construção jurisprudencial histórica do Egrégio Tribunal Superior do Trabalho, ao permitir a terceirização da atividade-fim da empresa. A partir disso, urge que se analisem as embrionárias consequências dos instrumentos normativos em comento, sob a ótica do direito trabalhista, no que encontra respaldo o presente estudo.

Com isso, os problemas apresentados são:

1) com a permissão da terceirização irrestrita do labor – ante o término da diferenciação entre atividades-fim e atividades-meio como forma de se entender qual atividade terceirizante seria lícita –, haverá maior adoção do contrato de trabalho terceirizado em detrimento do contrato direto de emprego?

2) a partir do cenário apresentado, pode-se entender como desconstruído o conceito clássico da Relação Tradicional de Emprego?

Tem-se como hipóteses à solução do problema apontado:

1) o conceito clássico de contrato direto de emprego pode-se entender parcialmente desconstruído, com a permissão irrestrita do labor terceirizado, frente à tendência de que os contratos tradicionais de emprego sofram diminuição em termos de sua adoção, preteridos em comparação às relações terceirizadas de trabalho;

2) a relação tradicional de emprego não sofrerá sensíveis alterações, ante a adoção concomitante das duas formas de contrato de trabalho comparadas;

3) conceito clássico de relação de emprego sofrerá uma desconstrução total, por ser integralmente substituído pela relação terceirizada de trabalho.

O objetivo geral da pesquisa é verificar os efeitos prático-jurídicos da terceirização. Para isso, serão expostas as características da terceirização, bem como seus aspectos positivos e negativos. O objetivo específico, por sua vez, é demonstrar como serão aplicados os novos institutos referentes à terceirização de serviços, expondo as peculiaridades da incipiente legislação em comparação com o ordenamento jurídico anterior.

Para uma melhor compreensão, a presente monografia foi dividida em dois capítulos. No primeiro capítulo, em uma perspectiva geral, são abordados os diferentes tipos de relação empregatícia, em uma construção conceitual que culmina na análise da relação terceirizada de trabalho. Para tanto, faz-se uma diferenciação conceitual entre o gênero relação de trabalho e a espécie relação de emprego, distinguindo-se os tipos de relação laboral: o trabalho autônomo, o trabalho informal, o trabalho avulso, a empreitada, a parceria, a relação de trabalho terceirizado e, por fim, a relação tradicional de emprego. Especificamente quanto a esta última figura, o primeiro capítulo também aborda os requisitos para a caracterização do vínculo empregatício, principal caracterizador da relação clássica de emprego. Ao fim do capítulo, entra-se na análise da relação terceirizada de trabalho propriamente dita, expondo-se o histórico do fenômeno em âmbito mundial e em âmbito nacional, para depois analisar seu mérito.

No segundo capítulo, por sua vez, dá-se enfoque às novidades legislativas acerca da terceirização: a Lei 13.429/17 e a Lei 13.467/17. Para tanto, trata-se das características do novo conceito de terceirização, segundo as perspectivas hermenêuticas dos instrumentos legais referidos, em especial quanto à segurança jurídica, quanto à dualidade atividade-fim/atividade-meio, quanto à responsabilidade jurídica dos empregadores, e em relação aos períodos de quarentena – da empresa contratante e do empregado. Em continuação, analisam-se as incipientes divergências doutrinárias, bem como se faz um quadro comparativo-cronológico acerca do tema. Por fim, faz-se um estudo de caso, analisando-se jurisprudência recente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.

É importante frisar, aqui, que a monografia não abordará o instituto do Trabalho Temporário, ainda que ele seja também regulado pela Legislação objeto do estudo. Isto porque se busca que a abrangência do trabalho seja específica em relação à Terceirização de Serviços. A intenção, dessa forma, é a de que todo o foco seja atribuído às relações terceirizadas de trabalho, de forma a não desviar do tema proposto.

Quanto à metodologia utilizada, fez-se um amplo estudo à legislação relacionada ao fenômeno da terceirização de serviços, desde esparsas leis antigas de nosso ordenamento – que permitiam determinados tipos de terceirização – às Leis 13.429/17 e 13.467/17. No início, foi utilizado o método histórico, a fim de analisar a evolução histórica da utilização do mecanismo da terceirização como forma de trabalho.

Após, foi realizada consulta à jurisprudência e pesquisa à doutrina, baseada no método de pesquisa bibliográfica, através de um estudo exploratório-interpretativo, a fim de buscar conceitos, elementos e entendimentos sobre o tema. Verificou-se, ainda, através de uma abordagem de forma qualitativa, os diferentes tipos de posicionamento de aplicadores do direito acerca da novidade do instituto, de forma a melhor sistematizar de que maneira está sendo tratado o assunto. Esclarece-se, por fim, que o método geral empregado no presente trabalho foi o método dedutivo.


2 RELAÇÃO TRADICIONAL DE EMPREGO

2.1 Considerações Preliminares

 Na sociedade em que vivemos, os indivíduos se inter-relacionam por diversas formas, de acordo com os variados âmbitos da vida civil. O enfoque do primeiro capítulo é a relação jurídica havida nos diferentes tipos de trabalho, desde o conceito tradicional de emprego, até a mais recente figura positivada em nosso ordenamento: a relação terceirizada de trabalho.

Para a realização do presente estudo, adotam-se os conceitos tradicionalmente utilizados pela doutrina e jurisprudência trabalhistas, em relação às figuras componentes da relação terceirizada de trabalho: empregado e empregador; empresa prestadora de serviços e empresa tomadora de serviços; trabalhador terceirizado e empregado tradicional – estes últimos, especificamente, para distinguir os dois tipos de trabalhador que serão abordados ao longo da monografia.

2.2 Conceito

O direito do trabalho, desde seu início, tem como objeto de estudo a relação que surge quando uma determinada pessoa presta serviços de qualquer natureza a outra, conhecida como relação de trabalho. Quando o labor prestado preenche alguns requisitos de especificação da relação laboral, surge o que caracterizamos como relação empregatícia.

Podemos conceituar a relação de emprego, de acordo com a doutrina da mestre Carmen Camino[3], como sendo:

(. .) a relação de trabalho de natureza contratual, realizada no âmbito de uma atividade econômica ou a ela equiparada, em que o empregado se obriga a prestar trabalho pessoal, essencial à consecução dos fins da empresa, e subordinado, cabendo ao empregador suportar os riscos do empreendimento econômico, comandar a prestação do trabalho e contraprestá-lo através do salário.” 

Assim, com base em tal ensinamento, podemos extrair que a relação de emprego nada mais é do que uma espécie do gênero relação de trabalho, o qual pode ser entendido como toda a relação jurídica em que uma pessoa se sub-roga à outra mediante trabalho, com a expectativa do recebimento de determinada contraprestação.

Quanto a este ponto, Délio Maranhão[4] manifesta sua crítica em relação ao tratamento dado em equívoco pela legislação trabalhista aos institutos de contrato de trabalho e contrato de emprego, afirmando que, girando em um círculo vicioso, nada esclarece a respeito daquilo que pretende explicar, na medida em que não define nem contrato de trabalho, nem relação de emprego.

Alice Monteiro de Barros[5], por outro lado, afirma que a relação de emprego e a relação de trabalho são sub-modalidades de relação jurídica, pressupondo-se a existência de ao menos duas pessoas, cuja relação é regulada por uma norma jurídica. Para a autora, o que as diferencia é a natureza estritamente contratual da relação de emprego, por surgir a partir do contrato de trabalho.

Com efeito, do gênero relação de trabalho, são considerados espécies o trabalho autônomo, o trabalho informal, o trabalho avulso, a empreitada, a parceria, a relação de trabalho terceirizado e a relação tradicional de emprego.

Trabalhador autônomo[6] é o indivíduo que exerce sua atividade profissional sem vínculo de emprego com outrem, por conta própria. Sua atividade, via de regra eventual, não é prestada a determinada pessoa com habitualidade. Subespécie do trabalho autônomo, o labor informal é aquele que, autônomo ou não, é realizado sem vínculo legal, sem qualquer registro em órgãos regulamentadores tais como o INSS e o Ministério do Trabalho, por exemplo.

Neste ponto, cabe referir a doutrina de Alice Monteiro de Barros[7]:

O contrato de trabalho é um acordo expresso (escrito ou verbal) ou tácito firmado entre uma pessoa física (empregado) e outra pessoa física, jurídica ou entidade (empregador), por meio do qual o primeiro se compromete a executar, pessoalmente, em favor do segundo um serviço de natureza não eventual, mediante salário e subordinação jurídica. Sua nota típica é a subordinação jurídica. É ela que irá distinguir o contrato de trabalho dos contratos que lhe são afins e, evidentemente, o trabalho subordinado do trabalho autônomo.

Por outro lado, o trabalhador avulso[8] é aquele que, normalmente com amparo do Sindicato de sua categoria, presta serviços a diversos tomadores, em uma espécie de sistema de rodízio. O trabalho prestado, aqui, é desprovido de pessoalidade, já que pode ser prestado ao mesmo tomador por diferentes serventuários. Outra característica desta relação de trabalho[9] reside no fato de que o pagamento aos trabalhadores avulsos, geralmente, é feito, na visão de Vólia Bonfim Cassar[10], “ em forma de rateio, procedido pelo Sindicato ou OGMO (Órgão Gestor de Mão de Obra).”

A empreitada, por sua vez, é uma relação de trabalho que se caracteriza através do firmamento de um contrato[11], por meio do qual o proprietário de determinada obra contrata um empreiteiro, que se obriga a realizá-la, pessoalmente ou por meio de sub-rogação, mediante contraprestação, geralmente em pecúnia.

Na empreitada, a partir do exposto, o objeto da prestação de serviços não é o tempo do empregado à disposição, mas a obra em si. A contraprestação em pecúnia, de igual forma, não é calculada de acordo com o tempo gasto no trabalho, e sim com relação ao adimplemento do objeto pactuado em contrato.

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Prosseguindo-se, o contrato de parceria caracteriza-se como uma espécie de contrato agrário, em que uma determinada pessoa se compromete a ceder à outra o uso de imóvel rural (ou de parte deste), para fins de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal ou mista. De igual forma, tipifica o contrato de parceria a entrega de animais ou matéria prima de origem animal por parte de um dos contratantes ao outro, em favor do empreendimento rural, mediante assunção conjunta de riscos.[12]

No que diz respeito ao tema central do presente estudo, a relação terceirizada de trabalho se caracteriza, em uma análise superficial, como uma triangulação do emprego. Nesta, existem três pessoas componentes da relação de trabalho: um tomador de serviços, uma empresa prestadora de serviços e um empregado terceirizado, que executa suas atribuições, via de regra, nas instalações da empresa tomadora do labor terceiro.

Por fim, chegamos ao tipo mais comum de relação de trabalho: a relação tradicional de emprego. Ela pode ser conceituada como o vínculo bilateral estabelecido por meio de um contrato firmado entre duas pessoas - um empregado e um empregador -, no tocante à prestação de trabalho específico; este, por sua vez, continuo e pessoal, realizado sob subordinação direta do obreiro ao patrão, mediante pagamento de salário. Assim, temos que a relação jurídica empregatícia é bilateral, equiparando-se a uma moeda, na qual se tem de um lado o poder diretivo (empregador) e, do outro, a subordinação (empregado).[13]

Em uma relação de emprego, assim, o que é contratado é o serviço de determinado prestador, e não o produto final[14]. Sua principal característica, com isso, é a existência de uma forte ligação entre as partes componentes da relação, o vínculo empregatício, objeto de estudo do tópico seguinte.

2.3 Vínculo Empregatício

Como tratado no tópico supra, observamos que a relação de emprego firmada entre duas pessoas distintas –  por meio de um contrato de trabalho verbal ou escrito, tácito ou expresso –  é identificada através do preenchimento dos requisitos da relação de emprego, caracterizadores do vínculo empregatício, através de um contrato de trabalho[15].

Tais requisitos podem ser extraídos dos artigos. 2º e 3º da CLT[16]. Vejamos:

Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

(. .)

Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. (grifo nosso)

A partir destes dispositivos, temos que, para ser considerado empregado, pela CLT, o trabalhador deve prestar serviços de natureza contínua, não-eventual, a determinado empregador. Este serviço é realizado sob dependência jurídica – esta entendida como subordinação direta – e econômica – mediante contraprestação em pecúnia – do empregado ao empregador.

Por sua vez, o empregador é aquele que assume os riscos[17] de sua atividade econômica, estes decorrentes do estabelecimento; dos contratos de trabalho firmados e de sua execução; da própria empresa.

Amauri Mascaro Nascimento[18] afirma que o contrato de trabalho cria o vínculo entre o empregado e o empregador, caracterizando com isso a relação de emprego. Alega, ainda, que o vínculo é uma relação jurídica contratual, pelo que não é possível alguém ser empregado de outrem senão por sua própria vontade, bem como ninguém terá outrem como seu empregado senão também quando for da sua vontade.

Maurício Godinho Delgado[19], tratando do contrato de trabalho, define-o como “o negócio jurídico expresso ou tácito mediante o qual uma pessoa natural obriga-se perante pessoa natural, jurídica ou ente despersonificado a uma prestação pessoal, não-eventual, subordinada e onerosa de serviços”

Com isso, temos que o vínculo empregatício é o laço jurídico entre dois sujeitos, e cria obrigações para ambos, empregado e empregador. Com efeito, para a existência do vínculo empregatício entre obreiro e patrão, é imprescindível o preenchimento concomitante dos seguintes requisitos fático-jurídicos: pessoalidade, subordinação, onerosidade, não eventualidade e alteridade, os quais serão esmiuçados nos próximos tópicos.[20]

2.3.1 Pessoalidade

 O contrato de emprego é formado intuito personae, isto é, é um contrato individual formado diretamente com determinada pessoa, a qual não pode ser simplesmente substituída no trabalho por outra, sem quaisquer critérios.

Pontes de Miranda[21] define pessoa, para a relação jurídica: "Pessoa é apenas conceito, o universal, com que alude à possibilidade, no sistema jurídico, de ser sujeito. Pessoa é quem pode ser sujeito de direito, quem põe a máscara para entrar no teatro do mundo jurídico está apto a desempenhar o papel de sujeito de direito."

Haverá pessoalidade na prestação de serviços, assim, quando o trabalho houver de ser prestado necessariamente pela pessoa que fora contratada para tal fim. Isto quer dizer que, na execução do serviço, o empregado não pode se fazer substituir por outra pessoa. Isso, pois, conforme ensinamento de César Basile[22], no contrato empregatício há uma relação de fidúcia entre empregado e empregador, uma espécie de confiança depositada por um na capacidade produtiva, qualidades e aptidões do outro.

Entretanto, tal afirmativa não é absoluta, ao passo que, em duas situações específicas, a substituição do empregado por outro não acarretará no fim da pessoalidade do contrato. A primeira delas é a eventual substituição do empregado por outra pessoa com a autorização do empregador; a segunda, por sua vez, ocorre nas substituições autorizadas por leis, normas coletivas ou regulamentos das empresas, como no caso da gestante que, durante a sua licença, pode se fazer substituir por outra pessoa, sem que seu contrato se extinga por ausência do requisito da pessoalidade. Nestes últimos casos, o contrato do substituído apenas fica suspenso ou interrompido, sem prejuízo à relação empregatícia.

Para Maurício Godinho Delgado[23], caso a aludida substituição ocorra com frequência, demonstrando impessoalidade e fungibilidade, estará descaracterizada a relação de emprego, por ausência do referido requisito fático-jurídico.

Por outro lado, muitos operadores do direito, em alguns momentos, de forma equivocada conceituam o requisito da pessoalidade como sendo exclusivamente o trabalho prestado por pessoa física. Assumir tal posição afirmativa é perigoso e errado, já que a mera prestação de serviços por pessoa física é insuficiente para se afirmar que houve pessoalidade. Ainda que ligado em parte com o conceito de trabalho prestado por pessoa física, a pessoalidade, como antes afirmado, caracteriza-se quando não se puder fazer substituir o empregado, sem que se altere as características do contrato de emprego.

Quanto ao trabalho prestado por pessoa física, entende Sérgio Pinto Martins[24] que “o empregado somente poderá ser pessoa física, pois ao existe contrato de trabalho em que o trabalhador seja pessoa jurídica, podendo ocorrer, locação de serviços, empreitada, etc.”

Assim, entende-se que um conceito mais completo de pessoalidade no contrato de trabalho seria o de que há pessoalidade no trabalho prestado por pessoa física de forma direta a determinado empregador, nos moldes do contrato de emprego.

Ainda, a pessoalidade é muito relevante no que tange à extinção do contrato de emprego, ao passo que, com a morte do empregado, descaracteriza-se a relação de emprego e consequentemente se extingue o contrato, pela quebra do requisito fático-jurídico da pessoalidade.

2.3.2 Subordinação Jurídica

 Segundo requisito da relação tradicional de emprego, a Subordinação Jurídica é a figura que pode ser traduzida como a imposição de ordem por determinada pessoa (empregador) a outra (empregado), devido à hierarquização da relação operária. Isto é, para o trabalhador ser considerado empregado, deve estar em condição de dependência hierárquica em relação a seu patrão.

Para Amauri Mascaro Nascimento[25], a presença de tal requisito é um dos principais diferenciadores das relações de emprego quanto aos outros tipos de relação de trabalho, justamente por estar presente apenas naquelas e, por consequência, ausente nestas.

Nesse ponto, é importante frisar que a hierarquia do trabalho se concretiza por meio do poder de comando do empregador, o qual detém a direção e a fiscalização da prestação de serviços, bem como da punição, para determinadas situações.

Nesse sentido, afirma o mestre Maurício Godinho Delgado[26] que o poder empregatício é o conjunto de prerrogativas asseguradas pela ordem jurídica e tendencialmente concentradas na figura do empregador. De tal figura, decorrem os conceitos de poder diretivo, poder regulamentar, poder fiscalizatório e poder disciplinar.

O poder diretivo se constitui na capacidade do empregador em determinar as atividades do trabalhador, de acordo com as finalidades da empresa. O poder regulamentar, por sua vez, é a faculdade do patrão de estabelecer e organizar a estrutura econômica e técnica de sua empresa, através da determinação de estratégias e rumos. O poder fiscalizatório consiste na fiscalização do ambiente de trabalho e das atividades desempenhadas pelos funcionários. Por fim, o poder disciplinar se traduz no arbítrio do empregador de estabelecer punições aos empregados, devido às suas condutas.

As figuras acima tratadas, assim, caracterizam o poder de comando do empregador, e traduzem o requisito da subordinação jurídica. Por meio desta construção, com isso, temos que a subordinação é o dever de obediência ou estado de dependência na conduta profissional, por meio da sujeição a regras, orientações e normas, estabelecidas pelo empregador.[27]

Com efeito, para existir um contrato de emprego, é imperioso o preenchimento do requisito da subordinação. Pode a subordinação, no entanto, variar de intensidade, sendo mais ou menos presente em um contrato de emprego, de acordo com a possibilidade de controle do empregador.

Por outro lado, parte da doutrina conceitua a subordinação não só como a jurídica/hierárquica (adotada pela legislação brasileira), mas também como subordinação técnica e econômica. A subordinação técnica diz respeito à inferioridade técnica do empregado com relação ao patrão – quem, a princípio, detém o domínio do procedimento. Por outro lado, a subordinação econômica significa que o operário está em posição de desvantagem econômica em relação ao empregador, já que depende do seu salário para a sua subsistência.

Nesse sentido, entendem Francisco Rossal de Araújo e Rodrigo Coimbra Santos[28] que a dependência de viés técnico representa suposto monopólio sobre o conhecimento técnico para a produção por parte do empregador, que se firma em posição hierarquicamente superior, em relação ao empregado.

Explicando a dependência econômica, entendem os autores[29] que ela caracteriza a assimetria econômica existente entre o empregado, que se sub-roga na busca da remuneração como forma de garantia de sua sobrevivência, e o empregador, o qual espera a prestação do serviço.  

A partir do exposto, portanto, observamos a importância da subordinação do empregado ao empregador nas relações tradicionais de emprego e, a partir disto, podemos inferir o porquê de ser a Subordinação Jurídica um dos seus principais requisitos.

 2.3.3 Onerosidade

 O próximo elemento fático-jurídico caracterizador da relação empregatícia a ser analisado, a Onerosidade, pode ser conceituado como a ocorrência da dualidade prestação/contraprestação nas relações de trabalho. Como é sabido, o contrato de trabalho é sinalagmático, isto é, pressupõe deveres e obrigações recíprocas entre as partes contratantes, empregador e empregado. O requisito da onerosidade, com isso, nada mais é do que a caracterização da contraprestação econômica do contrato de trabalho.

O contrato de trabalho, assim, pressupõe o sinalagma da relação laboral, caracterizado pela assunção de obrigações de ambas as partes contratantes.

Nesse sentido, ensina Orlando Gomes[30] que o sinalagma do contrato ocorre quando “as duas partes ocupam, simultaneamente, a dupla posição de credor e devedor. Cada qual tem direitos e obrigações. À obrigação de uma corresponde o direito da outra”.

Ainda quanto ao sinalagma econômico da relação de emprego, traduzida pelo requisito da onerosidade, Alice Monteiro de Barros[31] afirma que ele é “a retribuição devida e paga diretamente pelo empregador ao empregado, de forma habitual, não só pelos serviços prestados, mas pelo fato de se encontrar à disposição daquele, por força do contrato de trabalho”.

Entretanto, aplicadores do direito, em não raras oportunidades, equivocam-se ao conceituar o requisito da Onerosidade da relação empregatícia como a mera contraprestação objetiva frente a determinado serviço. Isto, pois se atêm apenas ao aspecto objetivo-econômico da relação sociojurídica, a pecúnia.

De fato, a remuneração possui papel muito importante na caracterização da relação empregatícia, porém não é a única caracterizadora da onerosidade. Em alguns casos, o elemento fático-jurídico da onerosidade pode ser concretizado sem que haja um pagamento de fato, desde que tenha o trabalhador a intenção onerosa – considerada aqui como o intuito de receber uma contraprestação pelo trabalho prestado –, o que ocorre, por exemplo, nos casos de servidão branca, trabalho voluntário, religioso ou até forçado, em que há a efetiva prestação de serviços, sem uma contraprestação onerosa real, conforme ensinamento de Maurício Godinho Delgado[32].

Assim, entende-se que a Onerosidade não deve ser conceituada pura e exclusivamente como a contraprestação em pecúnia por determinado serviço prestado, mas sim considerando o aspecto subjetivo do sinalagma econômico – a intenção de receber algo em troca, pelo empregado, e a intenção de receber a prestação de um serviço e por ele pagar, sob a ótica do empregador.

2.3.4 Não-eventualidade

 Também conhecida como habitualidade ou continuidade, a não-eventualidade se traduz na constância da prestação de serviços pelo empregado em favor do empregador. Isto significa, noutras palavras, que, para haver a configuração de uma relação empregatícia, o trabalho prestado pelo operário deve ser contínuo, prestado com regularidade durante o tempo.

Temos, assim, que a habitualidade é o antônimo da eventualidade, isto é, o trabalho não-eventual é aquele acerca do qual se tem certeza ou previsão de quando e como irá acontecer.  Em outras palavras, espera-se, a princípio, que o empregado compareça ao trabalho dia após dia. Assim, a continuidade na prestação de serviços possui caráter de sequência de trabalho e de labor ininterrupto – com exceção de férias e descansos –, de forma que o empregador não possua dúvidas acerca do comparecimento diário do seu empregado.[33] O que ocorre, aqui, é expectativa de retorno ao trabalho gerada pelo operário, bem como seu ânimo de prestar serviços de maneira permanente ao patrão.

Por outro lado, o fato de o empregado não prestar seus serviços de forma intermitente ao empregador não afasta, por si só, a caracterização da não-eventualidade. Isto pois, muito além da continuidade nos serviços prestados, a habitualidade está diretamente relacionada com a necessidade permanente da empresa em relação ao trabalho do operário. Em outras palavras, não é necessário o trabalho rígido durante todos os dias úteis da semana, mas sim a prestação de serviços de forma a satisfazer a necessidade operária da empregadora, ainda que de forma intermitente.

Para a configuração do elemento fático-jurídico da não-eventualidade, além da habitualidade na prestação laboral, deve haver uma espécie de fixação jurídica do empregado ao empregador, isto é, o trabalhador deve se fixar a uma única fonte de trabalho, ofertando sua força de serviço a apenas um tomador.[34]

Neste sentido, Gustavo Filipe Barbosa Garcia[35] entende que “Trabalho não eventual, num primeiro enfoque é aquele habitual, contínuo. Pode-se dizer, entretanto, que a não-eventualidade significa a prestação de serviços ligados às atividades normais do empregador. A não-eventualidade também pode significar a fixação do empregado em certa fonte de trabalho, que toma os seus serviços.”

Com isso, portanto, para que se tenha uma relação de emprego com vínculo empregatício, é imprescindível que o trabalho seja prestado de forma não-eventual, com a fixação do empregado a determinada base laboral.

2.3.5 Alteridade

O último dos elementos fático-jurídicos caracterizadores da relação tradicional de emprego é a Alteridade. Segundo tal requisito, os riscos do empreendimento correm por conta do empregador, ou seja, é do patrão a assunção dos riscos do negócio.

Com isso, no caso de insucesso da empresa, é apenas o empresário quem arca com os prejuízos. Assim sendo, não se pode transferir eventuais dívidas da empresa aos empregados, por exemplo.

A assunção de riscos pelo empregador está diretamente relacionada à responsabilidade objetiva do empregador pelos seus empregados, estudada diretamente em Responsabilidade Civil. Diversos tribunais do trabalho, inclusive, têm adotado o entendimento de que, em casos de acidente de trabalho, a responsabilidade do empregador é objetiva, independendo da configuração de dolo, especificamente pelo princípio da alteridade. Vejamos:

ACIDENTE DE TRABALHO. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. REQUISITOS. CULPA. LINHA DE PRODUÇAO EM FRIGORÍFICO. ABATE E INDUSTRIALIZAÇAO DE CARNE. SERVIÇO PROLONGADO EXERCIDO E EM PÉ. ATIVIDADE DE RISCO.De acordo com o parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, se a atividade desenvolvida pelo empregador expuser seus empregados a risco, aquele responderá objetivamente pelos eventuais danos causados, isto é, independentemente de culpa. Nesse passo, cumpre salientar que os trabalhadores que atuem na linha de produção de frigorífico, em funções típicas de abate e industrialização de animais, de forma prolongada e em pé, exercem uma clara atividade de risco, haja vista que é considerável a probabilidade de acidentes, acima da média. Em casos como tais, é de se aplicar a responsabilidade objetiva, desobrigando a comprovação da culpa empresarial, principalmente por conta do princípio da alteridade, em que os riscos do empreendimento correm por conta do empregador. Assim, caso fique demonstrada a comprovação dos demais pressupostos básicos de configuração da responsabilidade civil (impulso do agente, dano e nexo de causalidade), o causador do infortúnio deve ser condenado numa indenização equivalente(109800 RO 0109800, Relator: DESEMBARGADOR VULMAR DE ARAÚJO COÊLHO JUNIOR, Data de Julgamento: 09/09/2010, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DETRT14 n.0165, de 10/09/2010) (grifo nosso) 

Nesse sentido, assim, para que se configure o vínculo empregatício, de que advém a relação tradicional de emprego, é necessário o preenchimento concomitante dos elementos fático-jurídicos pessoalidade, subordinação, onerosidade, não-eventualidade e alteridade.

2.4 RELAÇÃO TERCEIRIZADA DE TRABALHO

2.4.1 Introdução

Nos tópicos passados, estudaram-se os tipos de relações de trabalho, bem como se conceituou a relação de emprego e como se dá a sua caracterização. Agora, será tratado o tema central da presente monografia, a Relação Terceirizada de Trabalho.

A terminologia terceirização surgiu como um neologismo a partir da palavra terceiro, compreendido como o ente que entra como nova pessoa na relação de emprego.[36] Em palavras superficiais, a Relação Terceirizada de Trabalho se caracteriza – diferentemente da Relação Tradicional de Emprego – como uma triangulação no trabalho, isto é, insere-se um novo indivíduo na relação pessoal de labor, o que permite a formação de uma pirâmide de três entes – empregado terceirizado, empresa tomadora e empresa prestadora de serviços.

O triângulo da relação terceirizada de labor, assim, configura o modelo trilateral da relação socioeconômica e jurídica, diferentemente do caráter estritamente bilateral em que se funda a relação tradicional de emprego. O que ocorre é uma dissociação entre a relação econômica (estabelecida junto à empresa tomadora de serviços) e a relação jurídica de emprego (estabelecida com a empresa prestadora).[37]

Para Alice Monteiro de Barros[38], pode-se conceituar terceirização como o ato de “transferir para outrem atividades consideradas secundárias, ou seja, de suporte, atendendo-se a empresa tomadora à sua atividade principal. Assim, a empresa tomadora se concentra na sua atividade-fim, transferindo as atividades-meio.”

Tal modelo de relação de trabalho não é novo em nosso ordenamento, conforme veremos no próximo tópico, e desde o seu surgimento causa diferentes reações aos operadores do direito, desde contrárias a favoráveis à estrutura triangular da Terceirização de serviços.

2.4.2 Histórico

2.4.2.1 Surgimento

As relações terceirizadas de trabalho surgiram nos Estados Unidos, durante a recuperação da indústria durante a Segunda Guerra Mundial.[39] As empresas tinham de se concentrar na produção bélica, notadamente de projéteis e armamentos que seriam utilizados pelas forças dos Aliados. Neste período, as indústrias de armamento não tinham capacidade pessoal de suprir as necessidades bélicas do mercado, decorrentes da guerra em curso.

Nesse contexto, Ophir Cavalcante Junior[40]:

A terceirização originou-se nos Estado Unidos, logo após a eclosão da II Guerra Mundial, pois as indústrias bélicas tinham que se concentrar no desenvolvimento da produção de armamentos e passaram a delegar algumas atividades a empresas prestadoras de serviços. Alguns seguimentos no Brasil, como a indústria têxtil, a gráfica se utilizaram da contratação de serviços. 

Dessa forma, à época restou evidente a necessidade de concentração da mão produtiva principal das empresas na confecção de subsídios de guerra, de modo que algumas outras atividades – de suporte, secundárias em relação à principal –  passaram a ser delegadas para empresas terceiras, prestadoras de serviços específicos, por meio de seus próprios empregados.

Passado este período, a técnica da terceirização[41] continuou a ser utilizada ao longo do tempo nos países industrialmente competitivos, especialmente a partir da internacionalização das empresas multinacionais.  Isto, pois chegou-se à conclusão de que a transferência para terceiros da execução de atividades consideradas secundárias à principal aumentaria a produtividade, tornando o mercado mais ágil e eficaz.[42]

Neste ínterim, surgiu o modelo toyotista de horizontalização da empresa, que visava a elevar a produtividade do trabalho e a capacidade de adaptação por parte da empresa a contextos de competitividade econômica.[43]

A utilização de tal modelo consolidou-se mundialmente em meados da década de 1980, sob a ótica de que, nesse modo de gestão empresarial, reduziam-se os custos de mão de obra e se garantiam aumentos em termos de especialização de serviços, qualidade e eficiência. Ademais, o outsourcing[44] ocasionava um aumento da competitividade, de forma consequente ao crescimento da produtividade das empresas.

Dessa forma, diante de tais aspectos considerados à época positivos da contratação de serviços de terceiros, a terceirização difundiu-se ao redor do mundo de forma progressiva, principalmente após o surgimento do modelo toyotista.

No Brasil, de igual forma, a mão de obra terceira foi implantada de forma lenta e gradual, conforme se analisará no próximo tópico.

2.4.2.2 Terceirização no Brasil

A implantação da terceirização no Brasil seguiu o fluxo internacional pós Segunda Guerra Mundial, notadamente a partir do desenvolvimento da indústria automobilística nacional, em meados do século XX. Nessa época, todas as peças dos automóveis comercializados no país eram produzidas em outros países, e apenas a montagem do produto era realizada em solo brasileiro. O intuito da aplicação do modelo terceirizante emergente era, à época, a redução de custos com a produção.

Com efeito, o mercado interno brasileiro encontrava-se em um momento favorável para a tímida adoção da emergente terceirização de serviços. No entanto, o modelo básico de organização das relações de produção nacionais continuou atrelado ao vínculo bilateral empregado-empregador, sem que houvesse um significativo aumento, no mercado privado brasileiro, da relação empregatícia triangular da terceirização.[45]

De tal modo, observamos que a terceirização teve sua propagação iniciada no Brasil de forma modesta, lenta e gradual. Pode-se inferir isto, inclusive, a partir do fato de que a CLT, em sua redação original, tratou da subcontratação de mão de obra em apenas duas oportunidades: a empreitada e a sub-empreitada, figuras estas que podem ser confundidas como o início da terceirização no País.

Tal espécie de subcontratação de mão de obra, trazida pelo art. 455 da CLT, permite a subcontratação de operários pelo empreiteiro principal, dono do empreendimento. Determina o dispositivo legal[46] supracitado:

Art. 455 - Nos contratos de subempreitada responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar, cabendo, todavia, aos empregados, o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro.

Parágrafo único - Ao empreiteiro principal fica ressalvada, nos termos da lei civil, ação regressiva contra o subempreiteiro e a retenção de importâncias a este devidas, para a garantia das obrigações previstas neste artigo. 

O intermediador, com isso, seria o subempreiteiro, aquele que estaria obrigado para com as obrigações trabalhistas do trabalhador subcontratado, com a previsão de responsabilidade subsidiária[47] do empreiteiro principal em caso de inadimplemento daquele[48].

A previsão acerca da subempreitada do art. 455 da CLT foi a única hipótese expressa de terceirização constante no nosso ordenamento jurídico, no interregno entre a criação da legislação celetista - em 1943, no governo de Getúlio Vargas -, até o surgimento do Decreto-Lei nº 200/67.

Em seu art. 10º[49], o referido Decreto-Lei tratava apenas do fenômeno da terceirização no âmbito do setor público, notadamente com relação à Administração direta e indireta do país. Assim dispunha:

Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada.

§ 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução. (grifo nosso) 

A partir da leitura do transcrito artigo, nota-se a visível intenção da Administração Pública de descentralizar determinadas atividades, objeto de execução indireta, sob a justificativa de evitar o crescimento desmensurado da máquina estatal.

De igual forma, determinou a Lei nº 5.645/70[50] - no parágrafo único de seu art. 3º - que seriam compreendidas por atividades objeto de execução indireta aquelas relacionadas com transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas. Vejamos:

Art. 3º Segundo a correlação e afinidade, a natureza dos trabalhos, ou o nível de conhecimentos aplicados, cada Grupo, abrangendo várias atividades, compreenderá

(. .) Parágrafo único. As atividades relacionadas com transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas serão, de preferência, objeto de execução indireta, mediante contrato, de acôrdo com o artigo 10, § 7º, do Decreto-lei número 200, de 25 de fevereiro de 1967. 

Em momento posterior, em meados da década de 70, sobreveio o primeiro instrumento normativo a tratar de forma específica da terceirização no setor privado da economia: a Lei do Trabalho Temporário (Lei nº 6.019/74). Em seu texto, a norma trazia a previsão de utilização do trabalho terceirizado no trabalho temporário, exercido por meio de contratos com cronologia determinada.

Especificamente, a lei nº 6.019/74, em seu art. 2º, autorizava a intermediação de mão de obra para atender necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente do tomador de serviços. Além, previa também a possibilidade de aumento temporário no quadro de funcionários em casos de acréscimo extraordinário de serviços, como ocorre, no âmbito do comércio, em épocas festivas como o Natal e a Páscoa.[51]

Exigia-se, formalmente, que o contrato de trabalho temporário fosse firmado por escrito pelo empregado e a empresa prestadora. De igual forma, um contrato de natureza civil igualmente deveria ser firmado pelo prestador e pela empresa tomadora de serviços.

Quem detinha a responsabilidade pelo adimplemento das obrigações trabalhistas decorrentes do trabalho temporário, segundo a ótica da legislação de 1974, era a empregadora real do empregado temporário, a empresa especializada em prestação de serviços. Porém, a lei previa que, no caso de falência da empresa de trabalho temporário, a empresa tomadora seria solidariamente responsável pelas obrigações laborais decorrentes do tempo em que o trabalhador tenha estado sob suas ordens.[52]

Apesar de todas as considerações feitas acima, o ponto mais importante aqui se encontra no fato de que foi somente com o advento da Lei em comento que se previu a possibilidade de terceirização de serviços por meio de empresa interposta no setor privado.

Conforme ensina Vólia Bonfim Cassar[53], alguns anos após a edição da Lei 6.019/74, sobreveio a segunda terceirização regulamentada e autorizada por lei específica, prevista na Lei 7.102/83[54].

A partir da referida legislação, autorizou-se a contratação de trabalho terceirizado no âmbito dos serviços de segurança e vigilância bancários.[55] Diferentemente da Lei nº 6.019/74, a legislação de 1983 autorizava a terceirização dos serviços de segurança privada em caráter permanente.

Um caráter interessante trazido pela Lei nº 7.102/83 paira na intenção do legislador de restringir a contratação de vigilantes[56] apenas a determinadas empresas especializadas em segurança privada, o que, por si só, impossibilitava a contratação de um vigilante diretamente por uma pessoa física, por exemplo. Assim, o trabalhador terceirizado de segurança só podia ser contratado pelas pessoas mencionadas expressamente na lei.[57]

Nos últimos trinta anos, o mercado interno passou a incorporar a contratação de mão de obra terceira com frequência, para atender as demandas da indústria e comércio. Com efeito, a terceirização no Brasil entrou em estado de ebulição. Conforme leciona o mestre Maurício Godinho Delgado[58], inclusive, esse movimento terceirizante se deu “. . independentemente da existência de texto legal autorizativo da exceção ao modelo empregatício clássico.”

Assim, apesar da edição de regulamentações sobre o assunto nas Leis 6.019/74 e 7.102/83 - sobre trabalho temporário, com previsão da subcontratação de trabalhadores temporários, e sobre terceirização de atividades de vigilância no setor privado, respectivamente -, tais instrumentos normativos foram escassos e insuficientes para suprir o crescimento desenfreado da adoção da relação terceirizada de trabalho.

Como exemplo do crescimento da adoção da terceirização à época, temos a ampla utilização da mão de obra terceirizada nos setores de conservação e limpeza, mesmo sem haver autorização legal para tanto.

Mesmo diante da necessidade de edição de uma legislação geral sobre o assunto, tivemos um limbo legislativo sobre o trabalho terceirizado nas décadas seguintes. A dúvida pairava sobre os alcances da terceirização no mercado privado, notadamente sobre quando se poderia terceirizar e quais atividades que permitiam a adoção de tal prática.

Como forma de suprir a lacuna legislativa existente, a jurisprudência trabalhista utilizou, no período, diversas interpretações para resolver casos práticos envolvendo o crescente tema[59]. Essas construções jurisprudenciais foram fundamentadas com base na precária legislação existente, escassa e superficial, conforme anteriormente analisado.

Com efeito, o grande número de posicionamentos da magistratura trabalhista, dada a falta de uniformização, gerou grande insegurança jurídica aos operadores do direito, no início da década de 1980.

Na tentativa de solucionar o impasse existente, e, consequentemente, unificar a orientação dos tribunais do trabalho, o Tribunal Superior do Trabalho editou o Enunciado nº 256/86, o qual restringia fortemente as hipóteses consideradas lícitas para a adoção do modelo terceirizante no mercado privado. Assim determinava o referido entendimento sumular:[60]

Salvo os casos previstos nas Leis ns. 6.019, de 3.1.74 e 7.102 de 20.6.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços. 

Observamos assim que, com a edição do Enunciado nº 256, as hipóteses de contratação de trabalhadores por empresa interposta se limitavam às hipóteses previstas na Lei do Trabalho Temporário de 1974, assim como ao particular caso da contratação de vigilantes, prevista na legislação de 1983. Nessa linha, o Egrégio Tribunal Superior do Trabalho uniformizou a jurisprudência acerca do tema de maneira bastante limitativa, permitindo-se a terceirização apenas como exceção.

Dessa forma, sendo ilícita a terceirização no caso concreto, invariavelmente se reconhecia por ação judicial o vínculo empregatício. A ideia de que a terceirização é exceção da regra contrato bilateral de empregos, a partir do Enunciado tratado, se manteve fortemente arraigada na doutrina e jurisprudência trabalhistas nos anos seguintes.

O primeiro posicionamento do órgão máximo da Justiça do Trabalho acerca do tema, entretanto, causou polêmicas e foi objeto de críticas por parte dos representantes das empresas e operadores do Direito. Isto se deu, principalmente, pois, conforme tratado anteriormente, a mencionada súmula restringiu as hipóteses de terceirização a um rol taxativo de exceções, com apenas as previsões das Leis nos 6.019/74 e 7.102/83, nada referindo com relação aos institutos do art. 10 do Decreto-lei nº 200/67 e da Lei nº 5.645/70.

Conforme leciona Souto Maior[61], como realidade incontestável do atual mundo do trabalho, a terceirização acabou por influenciar os estudiosos do direito, que passaram a se preocupar em criar um padrão jurídico que pudesse ser apto a regular o fenômeno, abandonando, assim, a orientação estampada no antigo En. 256, do TST, que considerava ilícita qualquer intermediação de mão de obra.

Frente a este cenário de insatisfação, o E. TST - em sede de revisão do Enunciado 256 – editou a Súmula nº 331 no ano de 1994. Em contraponto à orientação que lhe era antecedente, o Enunciado nº 331[62] era detalhado, composta inicialmente por quatro incisos: 

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo o caso de trabalho temporário (Lei nº 6.109, de 3.1.74).

II – A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (art. 37, II, da Constituição da República).

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.6.1983), de conservação e limpeza, vem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que este tenha participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. (grifo nosso)

Não bastasse, em anos posteriores foram incorporados os incisos V e VI à Súmula[63], para determinar que a responsabilidade subsidiária ali tratada também se estenderia à Administração Pública, notadamente aos órgãos de administração direta, autárquica e fundacional, bem como às empresas públicas e sociedades de economia mista.

Neste ponto, por outro lado, alertou o entendimento sumular do E. TST que a responsabilidade da Administração pública não decorre do mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. Se tratando de ente público, há de se perquirir se houve conduta culposa no cumprimento das leis, conforme item V da Súmula 331. Fato é que a condenação subsidiária de ente da administração, no caso de subcontratação de mão de obra terceira, tem como suporte a culpa in eligendo, ou seja, a escolha equivocada da empresa prestadora de serviços, mesmo que tal tenha decorrido de procedimento licitatório[64], na medida em que a escolha se deu por pessoa jurídica que descumpriu a legislação trabalhista, tangenciando o princípio da função social do contrato (art. 421 do CC)[65].

Ainda, além do alcance subjetivo da responsabilidade subsidiária, determinou-se também o seu alcance temporal por meio do inciso VI, que determinou que a responsabilização do tomador de serviços abrange as verbas decorrentes ao período da prestação laboral do empregado terceirizado em suas dependências.

Nota-se, ao se debruçar sobre o Enunciado nº 331, uma espécie de tentativa de resposta, por parte do Tribunal Superior do Trabalho, às duras críticas proferidas ao enunciado anterior.

Com efeito, ao tratar da terceirização das atividades de conservação e limpeza, o colendo TST incorporou ao rol de possibilidades de terceirização as previsões do Decreto nº 200/67 e da Lei nº 5.645. Além disso, em respeito ao art. 37, II, da Constituição Federal[66] de 1988, aludiu de forma específica a impossibilidade de contratação de trabalhador pela Administração Pública sem a realização de concurso público.

Por outro lado, o Enunciado em tela fez referência - pela primeira vez na história do direito trabalhista brasileiro - à expressão atividade-meio do tomador, a qual passou a ser, ao longo dos anos em que vigente a Súmula 331, objeto de determinação acerca da ilicitude ou não de determinada atividade terceirizada. Em outras palavras, a partir da redação do inciso III, seria considerada lícita a contratação de trabalhador por empresa interposta para a realização de serviços especializados, ligados à atividade-meio[67] do tomador, desde que ausentes os requisitos caracterizadores da relação de emprego direta com a empresa contratante.

Por atividade-meio, podemos entender o serviço útil para a realização do objeto social da empresa: importante, porém dispensável para a prática da finalidade empresarial. Por atividade-fim, por outro lado, podemos entender o serviço fundamental, indispensável para o alcance do objeto social, podendo-se confundir com ele, em alguns momentos.

Por atividade-meio, entende o mestre Rodrigo Coimbra Santos[68] a atividade cuja finalidade é o apoio, a instrumentalidade do processo de produção de bens ou serviços. Seriam, assim, aquelas atribuições não coincidentes com as atividades para as quais foram instituídas as empresas tomadoras de serviço.

Por outro lado, conceitua o jurista Washington Luiz da Trindade[69] a atividade-fim como a atividade “. . cujo objetivo a registra na classificação socioeconômica, destinado ao atendimento das necessidades socialmente sentidas.”

Continuando, em um conceito mais amplo, o mestre Maurício Godinho Delgado a conceitua como:

Atividades-fim podem ser conceituadas como as funções e tarefas empresariais e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, compondo a essência dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e classificação no contexto empresarial e econômico. São, portanto, atividades nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços.[70]

Englobando os dois institutos, entende o doutrinador Sérgio Pinto Martins[71]:

A atividade – meio pode ser entendida como a atividade desempenhada pela empresa que não coincide com seus fins principais. È a atividade não essencial da empresa, secundária, que não é seu objeto central. È uma atividade de apoio ou complementar. São exemplos da terceirização na atividade – meio: a limpeza, a vigilância, etc. Já a atividade fim é a atividade em que a empresa concentra seu mister, isto é, na qual é especializada. À primeira vista, uma empresa que tem por atividade a limpeza não poderia terceirizar os próprios serviços de limpeza. Certas atividade- fins da empresa podem, ser terceirizadas, principalmente se compreendem a produção, como ocorre na indústria automobilística, ou na compensação de cheques, em que a compensação pode ser conferida a terceiros, por abranger operações interbancárias.

Segundo tais conceitos, um exemplo de atividade-meio seria a atividade de vigilância em um Banco, ao passo que é um serviço útil para a execução do objeto social – controle e administração de valores pecuniários -, porém não indispensável para estes serviços. Por sua vez, a atividade-fim de um posto de combustíveis, por exemplo, pode ser considerada a de um frentista, já que, sem ela, inviável seria a continuação do objeto social.

Prosseguindo-se, a partir da edição da súmula 331, passou-se a tratar da determinação do que seria considerado terceirização lícita, e as hipóteses que acarretam sua ilicitude e descaracterização.

Durante as últimas décadas, a construção jurisprudencial era no sentido de que a ilicitude da terceirização viria com a contratação de mão de obra terceira para realizar serviços ligados ao objeto contratual de determinada empresa, à sua essência. Como consequência, seria considerada ilícita a terceirização de atividades-fim da empresa tomadora de serviços. Ainda, acarretava a ilicitude da adoção do modelo triangular de serviços a caracterização de vínculo empregatício direto com o tomador, isto é, ilícita era a terceirização do empregado diretamente subordinado ao tomador de serviços, prestando trabalho de natureza não-eventual, com pessoalidade e subordinação jurídica ao contratante, mediante contraprestação pecuniária.

A terceirização lícita, por sua vez, era a que estivesse prevista na Súmula nº 331, isto é, o trabalho de vigilância, conservação e limpeza, ou serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador. No entanto, não bastava que o trabalho realizado por terceiro fosse secundário ao trabalho principal, devendo-se observar, também, a total ausência de pessoalidade e subordinação direta no serviço. O trabalhador deveria poder ser substituído a qualquer momento pela empresa contratada por outro operário de mesma técnica e expertise, bem como deveria estar subordinado diretamente apenas à empresa prestadora do serviço contratado.

Toma-se como exemplo o estacionamento de um Shopping Center. Via de regra, o serviço de estacionamento dos shopping centers é terceirizado, o funcionário que trabalha cuidando dos automóveis no local é subordinado à empresa prestadora de serviços. O Condomínio do Shopping Center– que é quem o administra, geralmente – não estaria diretamente obrigado para com o operário do estacionamento, apenas subsidiariamente, nos termos da Súmula 331. Entretanto, se no caso concreto quem emanar ordens hierárquicas ao obreiro em questão for a Administração do centro de compras, sendo esta também quem administra os horários dos empregados terceirizados do local, controla seus horários do labor e os adverte disciplinarmente, estaremos diante de um caso de terceirização ilícita, notadamente devido à interposição irregular de mão de obra.

Dessa forma, portanto, não bastava apenas que estivéssemos diante de uma terceirização de atividade-meio para que ela fosse lícita. Além disso, não podia o empregado terceirizado estar subordinado pessoal e diretamente ao tomador dos serviços.

Nesse sentido, afirmava César Reinaldo Offa Basile[72], que “terceirização ilícita consiste, pois, na interposição irregular de mão de obra, envolvendo atividade-fim de uma empresa ou atividade-meio, quando exigida pessoalidade e subordinação direta.”

Esse entendimento consubstanciado na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, de que o instituto da terceirização só caberia para os casos elencados na Súmula nº 331, perdurou ao longo dos últimos anos nas Doutrina e Jurisprudência trabalhistas.

Uma das duras críticas, porém, que se fazia com relação ao tema era a de que a terceirização era regulada apenas por meio do entendimento sumular do E. TST.[73] Para alguns dos críticos, a atividade legislativa do Poder Judiciário, nesse caso, era motivo de Insegurança Jurídica para os aplicadores do direito e que, diante disto, urgia a edição de uma Lei regulamentária da terceirização. Por muitos anos, assim, os julgamentos acerca da ilicitude da terceirização tomavam como base a Súmula 331 do TST[74], conforme exemplo que segue:

RECURSO DE REVISTA. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. VÍNCULO DE EMPREGO. CONDIÇÃO DE BANCÁRIO. NORMAS COLETIVAS APLICÁVEIS. É ilegal a terceirização de atividades essenciais da empresa, formando-se o vínculo de emprego diretamente com o tomador dos serviços. Súmulas 331, I, e III, do TST. Recurso de revista não conhecido. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Nos termos do item I da Súmula 219 do TST, a ausência de credencial sindical obsta o pagamento da verba honorária. Recurso de revista conhecido e provido. Ressalva de entendimento da Relatora. (TST - RR: 1152120115040027 Relator: Maria Helena Mallmann, Data de Julgamento: 29/04/2015, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 08/05/2015)[75]

A partir dessa ânsia por uma lei regulatória, após muitos debates teórico-legislativos, foi editada a polêmica Lei 13.429/2017, que regulamenta o trabalho temporário[76] e normatiza aspectos importantes da Terceirização de Serviços. Posteriormente, ainda, em complementação à reforma feita pela lei acima tratada, a Lei 13.467/2017 – conhecida como Lei da Reforma Trabalhista - acrescentou importantes institutos à Lei 6.019/74, o que motiva o objeto de estudo do próximo capítulo.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CECHET, João Lucas Longhi. Terceirização: Leis n. 13.429/17 e 13.467/17 e a desconstrução da relação tradicional de emprego. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5588, 19 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65226. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Trabalho de conclusão de curso de graduação a ser apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais. Orientador: Professor Dr. Rodrigo Coimbra Santos.

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