Inicialmente, parece-nos necessário destacar que os meios de transportes, quaisquer que sejam eles, tanto o aéreo como o hidroviário, o ferroviário ou o rodoviário, constituem um fenômeno muito complexo, pois envolvem diversificados aspectos, que estão diretamente relacionados à economia, aos meios técnicos utilizados e, principalmente, à esfera jurídica.
Hoje já se pode sustentar a autonomia do Direito dos Transportes, como um dos novos ramos da Ciência Jurídica. Pode-se defini-lo como o ramo da ciência jurídica que é constituído de princípios e teorias inspiradores da elaboração de normas jurídicas concernentes diretamente aos meios de transportes, utilizados pelo homem para locomover-se e cumprir as tarefas de seu dia-a-dia.
Em relação à responsabilidade civil do homem sobre os seus atos praticados, o progresso material e o desenvolvimento técnico atingiram níveis muito elevados que vieram a superar enormemente a imaginação legislativa e, portanto, as normas de direito positivo; deu-se, assim, a necessidade imperiosa de tornar o homem mais responsável por suas ações no que diz respeito aos meios de transportes por ele utilizados, e tornar cada vez mais evidente a idéia de que deve haver a responsabilização do transportador pelos atos danosos que, eventualmente, forem praticados.
Em 1912, através da Lei n.º 2.681 de 07 de dezembro - a qual contribuiu para que fosse dado um passo avançado em relação à responsabilidade civil do transportador -, no que se refere às estradas de ferro estabeleceu-se, no art. 26 da citada Lei, o seguinte dispositivo: "As estradas de ferro responderão por todos os danos que a exploração de suas linhas causarem aos proprietários marginais". Ressalte-se que tal responsabilidade é objetiva, independente de culpa, hipótese excepcional em relação a sistemática que viria a ser adotada pelo Código Civil de 1916.
A responsabilidade civil do transportador em geral apresenta-se no mundo jurídico através de um contrato, o contrato de transportes, que é o meio pelo qual uma parte se obriga a conduzir, de um lugar para outro, pessoas ou coisas, mediante uma retribuição previamente estabelecida.
O contrato de transportes de pessoas ou coisas possui natureza jurídica bilateral, na medida em que tanto o passageiro, ou o proprietário da coisa a ser transportada, como o transportador adquirem obrigações, cabendo ao transportador transportar pessoa ou coisa de um lugar para outro e, ao passageiro, pagar pelo serviço prestado; daí decorre também o seu caráter de onerosidade.
Outras características do contrato de transportes são a comutatividade, pelo fato de as prestações, de ambas as partes contratantes, já estarem devidamente ajustadas, não permanecendo na dependência de qualquer situação futura e de caráter duvidoso e a consensualidade, haja vista que se dá mediante mútuo acordo, bastando o consentimento dos contratantes.
No tema da responsabilidade inerente ao transportador, devemos enfatizar que tal responsabilidade pode ser contratual ou extracontratual, esta última também conhecida como aquiliana. A responsabilidade extracontratual configura-se quando o causador do dano é o terceiro.
Em determinados casos, quando há responsabilidade civil extracontratual ou de terceiros, permanece o transportador com a obrigação de indenizar mas o que pagou deve ser restituído através de ação própria, a chamada Ação Regressiva, conforme o entendimento da Súmula de n.º 187 do STF, segundo a qual: "A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva".
A obrigação de indenizar dos concessionários de serviços públicos - empresas de ônibus, por exemplo, tornou-se, a partir da Constituição de 1988, independente da culpa do transportador. De fato, o art. 37, §6º da Constituição Federal dispõe: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa". Portanto, a responsabilidade passou a ser objetiva, fundada no risco administrativo. Anteriormente, estava regulada pelo ao art. 159 do Código Civil, segundo o qual a vítima deveria provar quem era o culpado pelo acidente, caracterizando hipótese de responsabilidade subjetiva.
Novo amparo legislativo surgiu com o advento da Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor), que em seu art. 14, atribuiu ao fornecedor de serviços a responsabilidade objetiva, e em seu art. 17 equiparou todas as vítimas dos eventos danosos, a verdadeiros consumidores, não importando se exista ou não relação contratual com o fornecedor dos serviços.
Outro ponto que merece ser destacado é a existência da cláusula de incolumidade, que possui característica implícita neste tipo de contrato. Esta cláusula determina que a obrigação do transportador é de finalização, de resultado esperado, e não simplesmente de meio; garante aos passageiros que o transportador tem o dever de zelar para que o percurso da viagem seja bom e seguro, não permitindo que nenhum acontecimento funesto aconteça.
Fato que parece ser difícil de estabelecer é a presunção do começo e fim da responsabilidade civil do transportador, haja vista que não foi estabelecida em Lei e tampouco foi definido até que momento a cláusula de incolumidade protege o viajante. Entretanto, há convicção na doutrina que se deve estabelecer claramente uma distinção entre o momento da celebração do contrato e o momento da execução deste. A primeira situação acontece quando o passageiro adere às condições preestabelecidas pelo transportador para que ocorra o cumprimento do contrato, dando-se, assim, a celebração do contrato. Quanto à execução do contrato, esta se dá quando o passageiro efetua o pagamento da passagem, o que pode ocorrer antes, durante, ou depois do curso da viagem.
Diante da concepção de que a responsabilidade do transportador é, em geral, objetiva, e que, segundo o disposto na cláusula de incolumidade, o transportador possui uma obrigação de finalização para com o passageiro, bastando para este ser indenizado, apenas provar que esta incolumidade não foi assegurada, deve-se destacar, especialmente, as cláusulas excludentes desta obrigação de indenizar, que são: o caso fortuito, a força maior e a culpa exclusiva da vítima.
Outra questão polêmica, no campo da responsabilidade civil do transportador, dá-se em relação ao transporte aparentemente gratuito e o puramente gratuito, o primeiro ocorre quando o transportador tem algum interesse patrimonial no transporte, ainda que indireto, como ocorre, por exemplo, no transporte que o patrão oferece aos empregados para levá-los ao trabalho ou do corretor que leva o cliente para ver imóvel que está à venda; nestes casos, ocorrendo qualquer fato danoso para com o passageiro, a responsabilidade será do transportador, salvo ser for elidida pelo fato exclusivo da vítima, pelo fortuito externo e pelo fato exclusivo de terceiro.
Em relação ao transporte puramente gratuito, ele se caracteriza como sendo aquele que é feito no exclusivo interesse do transportado, como no caso de alguém que dá uma carona para um amigo, socorre uma pessoa que está ferida na estrada ou sem meio de condução. Neste caso, os entendimentos divergem, defendendo o Professor Caio Mário da Silva Pereira que o transportador não pode ser questionado pelo que venha a ocorrer com a pessoa transportada ou compelido a pagar indenização por dano sofrido, durante o trajeto. Já o Professor Silvio Rodrigues entende que se o transportador agiu com culpa grave como, por exemplo, o motorista que faz a travessia de rua principal em alta velocidade, ou o condutor que se arriscou a atravessar a rua quando o sinal se encontrava fechado, esta culpa grave equipara-se ao dolo, e deve o motorista ser compelido a reparar o dano sofrido pelo passageiro, embora o transporte fosse desinteressado.
No que diz respeito à responsabilidade civil do transportador aéreo, este talvez seja o único tipo de transporte que sofre duas regulamentações, pois possui a esfera jurídica nacional e a internacional. No que se refere aos aspectos de ordem nacional, estes são delineados pelo Código Brasileiro da Aeronáutica, de acordo com a Lei n.º 7.565 de 19 de dezembro de 1986, que regulamenta todo transporte aéreo interno do país. Já no âmbito internacional a responsabilidade do transportador aéreo, fica a cargo da Convenção de Varsóvia, que foi regulamentada em 12 de outubro de 1929, e ratificada pelo Brasil através do Decreto de n.º 20.704 de 24 de novembro de 1931. A doutrina discute se o Código do Consumidor deveria ou não ser adotado no caso do transporte aéreo, o qual não deixa de configurar uma relação de consumo. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça recentemente entendeu que o transporte aéreo continua regulamentado pelo Código Brasileiro da Aeronáutica e pela Convenção de Varsóvia, não se aplicando, com relação a ele o Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
A título de conclusão, afirmamos que ao transportador cabe resguardar os seus direitos que não são questionados, mas por outro lado, cabe, aos passageiros, ou usuários daquele meio, fazer com que seus direitos sejam realmente assegurados, afinal, conforme a Carta Magna, "somos todos iguais perante a lei, e devemos lutar por nossos direitos".